10-5-2011

 

ANDRÉ DE RESENDE

 (1500 - 1573)


 
   

Publicado em Telheiras - Cadernos Culturais Lumiar - Olivais - Telheiras

2.ª Série n.º 8, Novembro de 2015

 

   

As cartas de e para Erasmo são identificadas com o número que têm na colecção editada por P.S. Allen.

 

Infância e estudos

 

André de Resende foi um óptimo poeta novilatino, se não mesmo o melhor de todos os portugueses do seu tempo que versejaram em Latim. Certamente encantado com a relativamente recente invenção da tipografia, publicou muitíssimo ainda quando vivia. Desde então para cá, a sua vida e obra tem sido bastante estudada. São muitos os textos que analisam o seu pensamento e as suas obras, mas menos as traduções, havendo ainda bastantes obras por traduzir para Português (ver lista). Autores estrangeiros, nomeadamente Odette Sauvage e  John R. C. Martyn, tentaram preencher essa falta com traduções para francês e inglês, respectivamente, mas isso não dispensa a tradução para a nossa língua.

Para a biografia de André de Resende, uma ajuda preciosa vem-nos da Vida escrita no início do Sec. XVIII por Francisco Leitão Ferreira, mas não publicada. Durante muito tempo, pensou-se que o manuscrito teria desaparecido com o terramoto de 1755, mas no início do Sec. XX, descobriu-o Anselmo Braancamp Freire e publicou-o com valiosas anotações no Arquivo Histórico Português.

Nasceu ele em Évora, cidade a quem foi sempre muito afeiçoado, no início do Sec. XVI, sendo as datas mais prováveis 1498 ou 1500, parecendo mais provável esta última, dada a data tardia do seu falecimento.  Foram seus pais André Vaz de Resende e Ângela Leonor Vaz de Góis. O seu pai faleceu quando ele tinha dois anos, como diz na Epístola a Damião de Góis, chamada De Vita Aulica:

 

Genitor raptus, quum vixdum bimulus essem

O Pai perdido quando tinha apenas dois anos

 

 

Não era de família, nem rica nem nobre; no entanto, o pai tinha bens de fortuna, possivelmente fazendas agrícolas, como nos diz o Poeta na carta ao poeta Pedro Sanches:

 

Adspice nunc contra quam sim felicibus ortus

Sideribus.Cum me tenuis fortuna parentum

Et mediocre genus, nec paupertate notandum,

Sed  neque divitiis tumidum, secreverit imis,

Non tamen aequarit supremis more recepto,

Ao contrário, repara agora como nasci sob felizes astros. Os poucos bens de meus pais e pobre linhagem não dava para aparentar pobreza mas também não me apartava dos grandes, inchado de riquezas; mas, como é habitual não me deixava ser igual aos mais altos.

 

 

O dinheiro que lhe deixou o pai deverá ainda ter permitido a frequência das Universidades em Espanha, mas, segundo julgo, já não os estudos em Lovaina, depois de falecida também sua mãe. Aliás, quando esta faleceu, quem herdou os bens por ele foram os Dominicanos, por virtude do voto de pobreza que havia feito.

Deverá ter começado a estudar Latim ao mesmo tempo que aprendia a ler, referindo mais tarde na Oratio pro Rostris (1534) que estudou com Estêvão Cavaleiro:

 

Non transibo Stephanum, virum sine controversia grammaticissimum, quem ego puer vix adhuc octennis audivi.

Não esquecerei Estêvão, varão sem dúvida peritíssimo em gramática, cujas lições ouvi em menino, apenas com oito anos.

 

 

Também muito novo, talvez por volta dos dez anos, entrou para o Convento dos Dominicanos em Évora e aí professou. A entrada para a vida religiosa era naquela altura a garantia de uma vida sem dificuldades materiais, com cama, mesa e roupa lavada asseguradas. É ele que nos diz na Vida do Porteiro Frei Pedro, que este o chamava Frei Andrezinho, denominação que aponta para anos anteriores à adolescência. No Convento, terá prosseguido os seus estudos, em especial de Latim.

Por volta dos treze anos, foi frequentar a Universidade de Alcalá de Henares ouvindo as lições do gramático Antonio de Nebrija, como ele mesmo nos diz na Epístola a Ambrósio de Morales:

 

Ego nondum annos decem et tres excesseram, quum istheic, curante matre, nam patre orbatus pridem eram, Antonio Nebrissensi præceptori operam dedi.

Eu ainda não tinha ultrapassado os treze anos quando, ao cuidado da mãe, pois era órfão de pai há bastante tempo, segui as lições do professor António de Nebrija.

 

 

Permaneceu em Alcalá bastante tempo, regressando a casa em 1517. O triénio que se segue é algo nebuloso. Leitão Ferreira diz que deverá ter ido estudar para Salamanca em 1518, mas o Prof. Costa Ramalho num célebre artigo sobre o Aegidius Scallabitanus, de 1979 (estudo mais tarde completado exaustivamente pela tese de doutoramento de Virgínia Soares Pereira),  dá razões convincentes para afirmar que só foi em 1521. Terá nesse espaço de tempo visitado várias cidades espanholas e transitado por diversos conventos da Ordem em Portugal.

Diz ele, na tradução do Prof. Costa Ramalho:  "quando eu resolvera continuar a peregrinação iniciada em pequeno, por motivo de estudos, esperando partir de barco de Lisboa, onde então (1520) me encontrava, para a Bélgica, e a peste, que começou a grassar, me fez mudar de planos, levando-me para Salamanca, durante alguns anos". Iniciada a viagem, ficou em Santarém até final do ano. Ali lhe deram um manuscrito antigo com a biografia do Beato Frei Gil, no qual se baseou mais tarde para escrever o seu livro Aegidius Scallabitanus.

Em Salamanca, foi aluno de Aires Barbosa, Professor de Latim e de Grego, de quem conservou as melhores recordações como óptimo professor. Ali ficou durante alguns anos.

Por essa altura, com a liberdade dos escritores e ainda mais dos poetas, adoptou Resende o nome de Ângelo, em homenagem a sua mãe a quem era muito dedicado. Barbosa Machado, baseando-se em D. Rodrigo da Cunha diz que por essa altura compôs um poema com o título De Bracharensis urbis antiquitate, et laudibus Poema epicum, mas a afirmação é duvidosa e o texto nunca apareceu.

Segundo Virgínia Soares Pereira, com base no Erasmi Encomium (Vv. 172 e ss.), Resende embarcou para o norte da Europa em 1526, mas o barco naufragou na Corunha. E diz ter sido então que Resende compôs um pequeno poema por ela publicado dedicado à Torre de Augusto.

Se encontrou outro barco, ou se prosseguiu a viagem por terra, não sabemos. Diz ele na Carta a Bartolomeu de Quevedo (pag. 95) que, na sua juventude, vivera dois anos em Marselha, tendo recebido as Ordens maiores de Diácono e Subdiácono perto de Aix.  Teria sido por esta ocasião?  Falta também saber quando é que foi ordenado sacerdote; parece que nem Resende, nem nenhum autor que dele se ocupe se refere a isso.

Sua mãe faleceu em 1527 e diz-nos ele na Vida de Fr. Pedro que, nessa altura, se encontrava em Paris.  Na Oratio pro Rostris, diz que encontrou Nicolau Clenardo regendo aulas de Grego da Universidade de Paris.

Sabemos, porém, que em 1529, já ele está em Lovaina a frequentar a Universidade e a fazer amigos.

O grande amigo dele em Lovaina foi Conrado Goclénio, Professor de Latim no Colégio das Três Línguas. Um outro foi Rutgerus Rescius, Professor de Grego, que depois se fez também tipógrafo para poder sustentar a família que entretanto tinha constituído. Terá nessa altura também encontrado Damião de Góis que então admirava pelos seus conhecimentos musicais (no primeiro poema que para ele escreveu, chama-o musicum).

Uma obra publicada em Lovaina foi uma adaptação e tradução para Latim, feita a pedido de Goclénio sobre os feitos dos Portugueses na Índia, de um texto do Capitão Nuno da Cunha e que saiu no mês de Julho de 1531 com o nome de Epitome rerum gestarum in India a Lusitanis, Louanii apud Servatium Zaffenum. Juntos na mesma obra estão dois poemas dedicados a Henemannus Rhodius, Arcebispo de Livónia, bem como um poema deste a ele (Resende) dedicado.

Estou convencido pelos motivos que indicarei adiante que, em Lovaina, Resende vivia no Convento dos Dominicanos.

Anoto também que a convicção de encontrar em Lovaina a Erasmo, expressa no Erasmi Encomium não passa de uma figura poética. Resende teria de saber que Erasmo tinha partido para Basileia há vários anos. O que é verdade, porém, é que Erasmo partira com vontade de regressar e nisso falou nas suas cartas durante muito tempo. Mas, como também veremos, o ambiente de Lovaina tornou-se-lhe cada vez mais hostil, sobretudo na Faculdade de Teologia, convencendo-o a permanecer afastado dali.

Nessa altura, Resende escreveu um poema em louvor de Lovaina e da sua Universidade, e pelo meio também uma homenagem a Erasmo, que dedica a Goclénio, pedindo-lhe que o emende e o ajude a corrigi-lo. Como diz Odette Sauvage, este poema é o ensaio de uma obra posterior dedicada ao grande homem, o Erasmi Encomium. O Encomium urbis et academiæ Louaniensis foi impresso por Ioannes Grapheus, um grande amigo de Damião de Góis, em 1530, juntamente com uma obra de Ioannes Dantiscus (1485-1548), Embaixador da Polónia junto do Imperador Carlos V e outra de Ioannes Secundus (1511-1536). Ambos foram amigos e companheiros de André de Resende.

No poema, é mencionado Erasmo: diz que ele é demasiado precioso para que a Alemanha o deixe partir (versos 48-51).

 

Resende e os três irmãos poetas

 

É há muito conhecida a amizade que existiu entre André de Resende e os irmãos Joannes Secundus (Jan Everaerts), Nicolaus Grudius (Nicolas  Everaerts) e Hadrianus Marius. Todos eram poetas. Alguns deles estariam a frequentar a Universidade em Lovaina, mas também a casa dos pais era em Mechelen, perto, a cerca de 20 km.

Joannes Secundus dedicou três epigramas a André de Resende, já reproduzidos por Leitão Ferreira. O Prof. Martyn traduziu-os como se fosse ele o primeiro a fazê-lo, mas já María Rosa Lida de Malkiel, da Harvard University, os havia traduzido para espanhol em 1957.

Os poemas revelam uma grande familiaridade dos três irmãos com Resende. Desde logo, foi nessa altura que Resende decidiu  trocar de nome mudando Ângelo para Lúcio. Teria falado nisso aos amigos e Joannes não hesitou em pôr os dois nomes,  dedicando os epigramas “Ad Lucium Angelum Andream Resendium”. Já Hadrianus Marius dedica o poema que escreveu a Angelo Andreæ Resendio Lusitano (Anexo 1). Resende teria elogiado o poema de Hadrianus Marius, De moro excisa (Delitiæ c. poetarum belgicorum, pags. 419-425), o que o deixou tão sensibilizado que lhe dedicou depois aquele poema, onde fala do assunto (Delitiæ, pags. 457). Joannes Secundus escreveu depois os três epigramas com os n.ºs 67, 74 e 75. No primeiro chama a Resende, poeta; no segundo, poeta monge, bem como no terceiro.

Os dois últimos epigramas têm um tom irónico. Resende deveria andar desanimado, curto de finanças, ansiando por uma situação desafogada. Então Joannes Secundus deseja que lhe seja dado ou um barrete cardinalício ou a mitra dum bispado. Poderão até ter sido escritos, depois que André de Resende abandonou Lovaina e a companhia dos confrades dominicanos.

Joannes Secundus (1511-1536) morreu cedo. Mas seu irmão Nicolaus Grudius ainda numa poesia composta em 1550 dedicada a Honorato João (Honorato Ianio Valentino ex Belgica patriam repetenti, anno 1550), homenageia Resende (Poemata trium fratrum, pag. 105, verso 155).

 

ERASMO

 

A discussão teológica é uma espécie de missão impossível. O dogma não se discute, ou se crê ou não se crê. E o pensamento é livre por natureza. A crença não pode ser controlada, ao contrário do que pensava a Inquisição. Discutem-se os textos sagrados, a sua interpretação e a sua tradução das fontes gregas; os sacramentos e a autoridade do Papa. Mas não o dogma. Eram as práticas religiosas que acabavam muitas vezes por ser discutidas, os jejuns e abstinências, as Bulas de dispensa destes, a obediência ao Papa, etc.

Assim sendo, as discussões em torno da religião caíam muitas vezes em argumentos ad hominem, metáforas, quando não em vulgares insultos.  Veremos que até Erasmo os utilizava.

Erasmo cedo se apartou de Lutero. Ele tinha horror à ideia de ser considerado herético. Ficou quase apavorado quando se viu atacado pelos meios do pensamento católico. Um dos campos de ataque, fora a sua tradução para Latim do Novo Testamento.

No ano de 1527, realizou-se em Valladolid – Espanha, uma Assembleia Teológica, destinada a apreciar os erros de Erasmo. Havia lá uma representação portuguesa constituída por três elementos:

- Diogo de Gouveia (Senior) (1471-1557), Reitor do Colégio de Santa Bárbara, em Paris, homem muito duro e severo, mas muito prestigiado, tanto que D. João III pouco tempo antes havia atribuído 50 bolsas de estudo ao seu Colégio.

- D. Estêvão de Almeida, filho natural de D. Diogo Fernandes de Almeida, Prior do Crato, formado em Alcalá de Henares, na altura capelão da Imperatriz Isabel, esposa portuguesa de Carlos V.  Mais tarde foi Bispo de Léon e de Cartagena, onde faleceu em 1563.

- Pedro Margalho (1474-1556), formado em Teologia em Paris, Professor e Vice Reitor da Universidade de Lisboa, preceptor do príncipe D. Afonso; foi mais tarde Cónego da Sé de Évora, onde veio a falecer.

Afirmou Diogo de Gouveia no colóquio que um tal Fr. Hemundus teria dito:

 

Herasmus posuit oua et Leterus eduxit pullos. Det nobis deus ut pulli suffocentur et oua fragantur

Erasmo pôs os ovos e Lutero chocou os pintainhos. Queira Deus que os pintainhos sejam sufocados e que os ovos se quebrem.

 

 

Uma das grandes discussões foi sobre uma palavra (!). Na tradução do 4.º Evangelho (o de S. João), Erasmo pusera: In principio erat sermo, em vez de In principio erat Verbo, como era habitual. Começaram todos a clamar que era uma heresia. Mais sensatamente, D. Estêvão de Almeida disse: ”Esta tradução revela um homem que é amigo das novidades”. O que até estava certo.

A 13 de Agosto, a Assembleia foi suspensa, mas os trabalhos nunca foram retomados. Erasmo ficou furioso e publicou a Apologia adversus articulos aliquot per monachos quosdam in Hispaniis exhibitos, datada de 14 de Março de 1528.

Acabado o ataque ibérico, surgiu depois o da Universidade de Lovaina. O truque era sempre o mesmo: associar Erasmo a Lutero. Isto era injusto porque até eles estavam de relações cortadas.

Os grandes inimigos de Erasmo eram os Dominicanos. Entre estes, sobressaía um professor de teologia em Lovaina, Vincent Dierckx ou Vincentius Theodorici. Em Março de 1525, foi publicado um livro com dois libelos Apologia in eum librum quem ab anno Erasmus Roterodamus de confessione edidit  (é a Exomologesis, de Erasmo) e Libellus quo taxatur delectus ciborum sive liber de carnium esu ante biennium per Erasmum Roterodamum enixus, indicando como autor Godefridus Ruysius Taxander. Este pseudónimo escondia (mas não muito) mais três dominicanos, para além de Theodorici: Cornelius Van Duiveland, que depois seria prior da casa de Zierikzee, que redigira o texto com base nas notas de Theodorici, Walter Ruys, mais tarde prior da casa de Nijmagen, que reviu o texto sob os aspectos literários e linguísticos e ainda Godfried Strijroede, prior da casa dos Dominicanos em Lovaina, um célebre pregador, natural de Diest e como tal, conhecido como Taxander (de Taxandrië, nome muito antigo da região; hoje existe a cidade de Tessenderlo, que significa a Floresta de Taxander).

Erasmo nada publicou em resposta, mas queixou-se aos amigos. Não poupou adjectivos:  “Nunc tandem exiit liber quo nil fingi potest barbarius, insulsius, indoctius, mendacius” (Carta n.º 1603, de 28-8-1525). Na carta n.º 1585, de 2-7-1525: “Nuper Vincentius Dominicaster theologus….. excudit libellum Taxandri titulo, indoctum, insulsum, mendacem, impudentem, insanum…”

Sabemos no entanto hoje que escreveu um texto contra o livro a que chamou Manifesta Mendacia, que deixou manuscrito.  Foi descoberto em 1966 na Biblioteca Real de Copenhaga, e depois traduzido e editado por Erika Rummel, tendo sido publicado em 1993. Theodorici faleceu em 4 de Agosto de 1526 e o assunto acalmou.

Mas, alguns anos depois, um outro dominicano retomou a discussão. Foi ele Eustáquio Van Zichem (por vezes indicado com o nome de família, Van de Rivieren), que em 26 de Dezembro de 1530 datou o prefácio do seu Apologia pro pietate in Erasmi Roterodami Enchiridion canonem quintum. Nessa altura ele era Director (doyen) da Faculdade de Teologia em Lovaina.  

Ainda antes de publicar o livro, em 12 de Julho de 1530, no doutoramento de Pieter de Corte, fizera um discurso criticando violentamente a teologia de Erasmo (Carta 2353, de 14-7-1530).

O livro de Van Zichem criticava a quinta regra do Enchiridion Militis Christiani, em que Erasmo pedia aos fiéis que subissem do visível para o invisível, isto é, que se dedicassem a uma piedade interior, em que o essencial não seriam os ritos e as cerimónias, mas sim a caridade e a paz. Com Tomás de Aquino, Van Zichem argumentava que a Graça, que permite aos fiéis viver na caridade, é comunicada pelos rituais, nomeadamente os Sacramentos.

Uma das razões por que surgiam tantas críticas a Erasmo era simplesmente  para vender livros. Vendiam-se aos milhares, os livros de Erasmo e os livros contra Erasmo.  O próprio Eustáquio Van Zichem escreveu no seu livro que esperava uma resposta: “Erasmo manterá os seus pontos de vista em mais uma Apologia, como é seu costume”.  Mas nisso enganou-se.

Erasmo estava velho e cansado de polémicas:

 

Atque haec qui toties deuorat, nec ad ista vel calamum habet vel linguam, censetur iracundus.

E sou considerado irascível eu que tudo engulo, sem ripostar nem com a pena nem com a língua.

 

        (Carta n.º 2892, de 24-12-1533, linhas 125-126)

 

ERASMI ENCOMIUM

 

Nesta altura, já Erasmo tinha certamente conhecimento da referência elogiosa que Resende sobre ele tinha inserido no Encomium urbis et academiæ Louaniensis; teria recebido o livro de Ioannes Dantiscus, encadernado junto com o poema de Resende. Mas Resende estava já a redigir obra bastante mais laudatória.

Terminada a redacção, entregou o texto do Erasmi Encomium a Conrado Goclénio para este o enviar a Erasmo. Este já decidira não responder a Eustáquio por considerar os argumentos dele demasiado infantis para merecerem uma resposta (Carta n.º 2522, de 20-8-1531). Mas gostou dos versos de Resende e pediu ao seu tipógrafo Hieronymus Froben, de Basileia, que publicasse o poema, o que ele fez em Setembro de 1531, com o título “Carmen eruditum et elegans Angeli Andreæ Resendii, Lusitani, adversus stolidos politioris literaturæ oblatratores”.

Naquela altura, não se dava muita importância a direitos de autor. Hoje, os comentadores atribuem a decisão de publicar o texto por Erasmo à intenção de atacar Van Zichem, que é ali bastante maltratado:

 

Attamen hoc studium prope iam requierat inane:

en tibi nunc demum (prudens nolo edere nomen)

longus homo, in quuius tam uasto corpore nulla est

mica salis, prodit: ceu rancida sus ab olenti

nunc aggressa lacu, pede iam, iam candida turpi

lintea commaculat rostro uiolariaque inter

sese conuoluit, non quod coenosa proboscis

dulce exhalantis nebula capiatur odore,

sed quod amet stupido turpare nitentia sensu.

Eia age, dic aliquid, dic, sus inamoena. “Cauete

eloquium cultum, iuuenes, et rhetoras omneis.

Rhetor enim raro bonus est uir; rhetor Erasmus

creditur: ergo bonus uir non est.” Euge! perite

sus grunniuit, habet; collegit sus bene pulchre

et bene proposuit pulchre.

 

Este encarniçamento, porque inútil, estava, no entanto, quase serenado: mas eis que te aparece agora, por fim, um homem bem comprido (por prudência, não quero revelar o nome), em cujo corpo agigantado não há um átomo de graça: lembra uma porca nauseabunda, vinda de um lago fétido, a qual, arremetendo ora com as patas ora com o sórdido focinho, mancha os cândidos tecidos e se espoja nos canteiros de violetas – não que o seu nariz enlameado seja atraído pelo aroma suave da névoa que se exala, mas porque, em seu estúpido sentir, se compraz de emporcalhar toda a alvura. Anda, diz alguma coisa, diz lá, porca odiosa: “Em guarda, rapazes, contra a linguagem culta e contra todos os oradores. Raras vezes o orador é um homem de bem: Erasmo tem fama de orador: logo, não é homem de bem. Bravo! A porca, sim senhor!  grunhiu com mestria, já tem a sua conta. Lindamente raciocinou a porca e lindamente se exprimiu.

 

(Tradução dos Drs. Walter de Sousa Medeiros e José Pereira da Costa, Lisboa, 1961).

 

 

Note-se o início da citação: com a morte de Theodorici, tinham serenado os ânimos dos Dominicanos contra Erasmo. Foi Van Zichem que os fez despertar. A identificação é fácil e inequívoca.

André de Resende era frade dominicano. Quase certamente viveria no convento de Lovaina. Ficou muitíssimo aborrecido com a iniciativa de Erasmo de publicar o seu texto. Mas com certeza, Erasmo não sabia que ele era frade, nem que era dominicano. A situação era insustentável para Resende, que deve ter sido convidado a deixar o convento. Esta interpretação dos factos resulta praticamente sem grandes dúvidas das cartas de Erasmo. Senão vejamos:

Em 8 de Junho de 1531, Erasmo dirige a André de Resende a única carta dele que chegou até nós (carta n.º 2500, de 8-6-1531). Nela pergunta-se temeroso se está para vir “o reino dos monges e dos estultos”. Se soubesse que Resende era frade, não diria tal.

No entanto, Erasmo está muito satisfeito com a atitude de Resende. Tanto, que faz publicar a sua carta logo em Setembro do mesmo ano no livro chamado das “Epístolas Floridas”(!)

Em Novembro de 1531, na carta (n.º 2566) para Erasmo, Martyn Lipsius diz que Rutgerus Rescius lhe mostrou o poema de Resende (já impresso, sem dúvida).

Em 19 de Novembro de 1531, James Jaspar ou Jakob Jespersön (em 1529, aluno de Rutgerus Rescius e portanto conhecido de Resende) escreveu a Erasmo a carta n.º 2570, onde refere:

 

Item prohibuerunt predicatores Louanii saltem in capitulo ne quis legeret libros tuos sub excommunicatione, etiamsi haberet potestatem a pontifici. Sic narrabant mihi nudiusquartus Rescius et Conradus Goclenius. Quaproter discessit Angelus Recendius Lucitanus tuus ab illa secta: iam cohabitat hic Bruxellis apud oratorem regis Portugalliae, quem grece et latine instituit.

Também os dominicanos de Lovaina proibiram em Capítulo que alguém leia os teus livros sob pena de excomunhão, mesmo se tiver autorização do Papa. Isto me contaram Rescius e Conrado Goclénio há quatro dias. Por causa disso, afastou-se o teu Ângelo Resende Lusitano daquela seita: agora mora aqui em Bruxelas com o Embaixador do Rei de Portugal, a quem ensina latim e grego.

 

 

Se Resende se afastou dos dominicanos é porque vivia com eles.  Sem dúvida, a sua posição tinha-se tornado insustentável quando insultou em verso um elemento prestigiado da Ordem, como era Eustáquio Van Zichem (este faleceu em 16 de Abril de 1538).

Continuando a relação entre Erasmo e Resende, temos a carta n.º 2644, dirigida por Erasmo a Conrado Goclénio em 3 de Maio de 1532:

 

Expostulat mecum Resendus ob editum carmen. Atqui putabam hominem esse liberum. Alioqui nunquam eram editurus. Demiror autem quare me hoc nescire volueris. 

Resende refila comigo por ter publicado o poema dele. Mas eu julgava-o um homem livre. De outro modo, nunca o teria publicado. Também me admiro como é que me deixaste na ignorância disso.

 

 

De facto, Erasmo nunca foi um homem de maus instintos. Se soubesse que Resende era frade e dominicano ainda por cima, não teria impresso o livro, que deixou o seu amigo em dificuldades. De facto Erasmo escrevera: “Louanii sceleratissimus nidus est quorundam Dominicanorum” (Carta n.º 1603, de 28-8-1525). Nem é preciso traduzir.

Sobre a relação entre Erasmo e Resende é importante transcrever aqui extractos de três cartas de Erasmo para Damião de Góis, na tradução do Prof. Amadeu Torres:

 

Carta n.º 2914, de 11 de Março de 1534

“Anseio veementemente saber onde demora e o que faz o nosso Resende, homem em face do qual nunca, a bem dizer, experimentei algo mais caloroso, apesar de nada haver merecido dele nem palpitar que algum dia possa tal merecer.  Li a poesia em que descreve os festejos magníficos levados a cabo em Bruxelas pelo nascimento de um filho do vosso Rei, na qual em modos pinta tudo e o coloca diante dos nossos olhos que muito mais vi nesses versos do que se estivera presente. Reli a carta dele, vinda de Ratisbona; não lhe respondi então porque andava sem mesa fixa. Se souber onde pára e a minha direita se refizer, escrever-lhe-ei delongadamente.”

A expressão “andava sem mesa fixa” não parece traduzir correctamente “motoriam agebat fabulam”, mesmo dando de barato que é “tabulam” e não “fabulam” (com o que não concordo).  Suponho que tradução mais correcta será “levava uma vida agitada”.

A carta de Resende, escrita de Ratisbona, não chegou até nós.

  

Carta n.º 3043, de 18 de Agosto de 1535

“Reconheço, pela missiva de Jorge Coelho, que o vosso criado, de cuja fidelidade eu desconfiava um tanto, cumpriu o seu ofício de portador das cartas. Espanta-me Resende não escrever nada. Suspeito lhe haja caído em sorte alguma preclara dignidade. Coelho inveja-lhe um pouco aquela extensa epístola, por isso que recebeu uma tão abreviada. Parece-me que ofendi a ambos; àquele com carta demasiado prolixa, a este com carta em excesso lacónica. “

Não chegaram até nós, nenhuma das cartas mencionadas, escritas a Jorge Coelho e a André de Resende.

 

Carta n.º 3076, de 15 de Dezembro de 1535

“De Resende não posso admirar-me bastante. Passe por lá muito bem esse tão rusticamente ingrato”.

 

Carta do Cardeal Bembo a Damião de Góis, datada de Veneza, 5 de Abril de 1539 

“Carta do Resende, se vier, aprazimento me fará altíssimo”.

 

Não restam dúvidas que Resende ficou chocado com a atitude de Erasmo ao publicar o seu Encomium, sem se informar se daí poderiam surgir inconvenientes. Embora a sua admiração por Erasmo não diminuísse, ficou bastante afectada, tanto que não respondeu à sua carta e aos pedidos feitos através de amigos para o fazer.

Para além disso, deverá ter dado conta que tinham divergências insanáveis sobre certos assuntos. Erasmo detestava os frades, Resende gostava da vida religiosa. Penso que há uma coincidência muito interessante: ambos baseariam essa atitude no modo como tinham sido tratados na infância. Erasmo fora maltratado nos conventos onde foi internado, Resende tinha recordações agradáveis dos tempos em que esteve no Convento em Évora. Para este, o convento substituíra o pai que não havia conhecido.

Outro assunto era a guerra contra os infiéis. Erasmo era totalmente pacifista, Resende achava que se devia ir combater os infiéis.

Estas as divergências na altura. Mais tarde, Resende teve de se conformar com o pensamento oficial em Portugal e aceitar que algumas proposições de Erasmo eram heréticas em face da doutrina católica. Além do resto, os livros dele estavam proibidos.

Cabe aqui referir o poema Iambi Erasmomastigas. Este poema é uma espécie de prolongamento do Erasmi Encomium. Não traz ideias novas, parece-me, recalca as mesmas. Ora eu entendo que terá sido escrito após o Encomium, mas antes que Resende tenha tido a notícia da sua publicação por Erasmo. Ambos são poemas escritos com entusiasmo, um fervor provindo da amizade e admiração, que, logo a seguir, deixou de existir. Por isso não faz sentido que fosse escrito em 1537, como já se escreveu.

O argumento de que o poema não entrou na primeira edição dos Catalogi Duo Operum D. Erasmi Roterodami, em Fevereiro de 1537 em Basileia (embora o colofon tenha o ano de 1536), mas apenas na segunda publicada no mesmo ano em Antuérpia não tem qualquer valor, porque revela desconhecimento da génese das edições. Desde logo, a que se costuma chamar segunda edição é um plágio evidente e uma falsificação, como diremos a seguir.

O livro de homenagem a Erasmo, prefaciado por Bonifácio Amerbach, foi preparado no final de 1536, mas só foi publicado em Fevereiro de 1537, com o título Catalogi duo operum D. Erasmi Roterodami ab ipso conscripti et digesti. Cum præfatione D. Bonifacii Amerbachii iuriscons. ut omnis deinceps imposturæ via intercludatur ne pro Erasmico quispiam ædat quod vir ille non scripsit dum viveret. Accessit in fine Epitaphiorum ac tumulorum libellus quibus Erasmi mors defletur cum elegantissima Germani Brixii Epistola ad clarissimum virum d. GuL.  Langæum. Basileæ, Anno M. D. xxxvii. Cum privilegio Cæsareo ad annos quatuor. Tem o colofon seguinte:  Basileæ, per Hieronynum Frobenium et Nicolaum Episcopium, Anno M. D. xxxvi (Ver bibliografia).

Mas, antes que este volume estivesse pronto, surgiu em Ghent, na Flandres,  uma publicação rival de Josse Lambert, com o título Epistola quædam D. Erasmi Rot. nunquam ante hac ædita rationem fere totius vitæ eius continens. Epitaphia nonnulla in eundem quorum censura tibi ò Lector relinquimius. Gandavi, excudebat Jodocus Lambertus, 1536. A publicação mais importante anunciada no título era a carta de Erasmo ao Padre Servatius, de Stein (Carta n.º 296, de 8-7-1514). Mas lá figura o poema de Resende Erasmomastigas Iambi nas últimas três páginas do livrinho. Não figurou pois na primeira edição do Catalogi duo operum, porque foi ter a uma publicação concorrente.

Ao Catalogi duo operum, seguiu-se uma edição pirata em Antuérpia feita pela viúva de Merten de Keyser, à custa de Jan Cock, totalmente copiada da primeira, até o título, incluindo o prefácio de B. Amerbach, e adicionada de boa parte do conteúdo da Epistola quædam, incluindo o poema de Resende. Juntou-lhe ainda os poemas de um panfleto impresso por Rutgero Récio em 1537, D. Erasmi Roterodami Epitaphia per Eruditiss. Aliquot Viros Academiae Louanensis Edita, onde figuram cinco poemas em Latim e Grego de Diogo Pires que, nessa altura teria cerca de 20 anos. Ao título (copiado da edição de Basileia) segue-se Accessit Vita Erasmi per Beatum Rhenanum ad Episcopum Coloniensem Monodia Frederici Nauseæ, Erasmi vitam graphice depingens: Vita Erasmi ex ipsius epistola ad Ser. patrem.   Antuerpiæ apud uiduam Martyni Cæsaris, expensis Ioannis Coccii, circiter Calem Maias. Anno M.D.XXXXVII. O poema de Resende figura nas imagens 198-200 da edição electrónica. 

Portanto as edições onde aparece o poema de Resende nenhuma razão dão para que tivesse sido escrito em 1536 ou 1537. Alguém que possuía uma cópia deu-a para publicação a Josse Lambert que o inseriu na sua apressada edição. Mas, como acima referi, só poderia ter sido escrito na sequência da redacção do Erasmi Encomium e antes que tivesse notícia da publicação deste, que tantos problemas lhe trouxe.

 

Voltemos agora atrás, ao final do ano de 1531.

Resende deverá ter ficado muito atrapalhado ao ser corrido de Lovaina. Terá recorrido à comunidade portuguesa de Bruxelas e Antuérpia. Valeu-lhe a ajuda de D. Pedro Mascarenhas (1484-1555), o qual, apesar de já não ser muito novo, quis então aperfeiçoar o seu Latim e cultura geral para melhor desempenhar as funções de Embaixador junto da Corte do Imperador Carlos V. Deverá tê-lo acolhido em sua casa.

 Data dessa altura o relacionamento mais estreito com Damião de Góis. Parece-me que os poemas dedicados, seja a este, seja a Sperato  Martim Ferreira, sugerem que deles recebeu auxílio financeiro de que bem estaria precisado. É algo nebulosa a personalidade do segundo a que ele chama “poeta” e “soldado”, identificando-o  como sobrinho do representante de D. João III para os negócios. Sendo assim, seria sobrinho de Rui Fernandes de Almada, condição que lhe permitiria sem dúvida estar bem abonado de fundos. Esta identidade é confirmada por Maria do Rosário de Sampaio Themudo Barata na sua monografia sobre o então gestor da Feitoria Portuguesa na Flandres.

O "jovem"  Martim Ferreira é também referido em várias cartas de Erasmo, a quem ofereceu um pote de compota de frutas, que tardou em chegar ao destino (Cartas 2511, 2530, 2552, 2559, 2585 e 2593). Não chegaram até nós as cartas que ele escreveu a Erasmo, duas ou três.

A relação de Resende com o Embaixador Pedro Mascarenhas é também referida numa carta de Erasmo a Erasmo Schets:

 

 

Vas saccari donatum fuit ab oratore Lusitano, Resendi discipulo ac patrono.

Quod ipse quoque, mi Schete, cogitas de munere honorario, si meae facultates responderent animo meo, aequius erat vt ipse tibi pro tot officiis in me collocatis aliquid gratiae reponerem. Vtinam Lusitanus orator pro saccaro misisset Hollandica Lintea.

 

Foi-me dado um pote de açúcar pelo Embaixador Português, discípulo e protector de Resende.

Embora tu, caro Schete, penses ser pago pela honra, seria mais justo, se as minhas possibilidades correspondessem à minha vontade, que eu próprio retribuísse com algo agradecendo todos os serviços que me prestas. Bom seria que o Embaixador Português tivesse enviado, em vez de açúcar, tecidos de linho Holandeses.  

 

      (Carta 2704, de 27-8-1532)

 

Entretanto, em 1 de Novembro de 1531, tinha nascido em Alvito o Príncipe D. Manuel, quinto filho de D. João III.  Para celebrar este acontecimento, o Embaixador, D. Pedro Mascarenhas, celebrou em Bruxelas grandiosos festejos, na proximidade do Natal, com festas públicas e um grande banquete oferecido ao Imperador Carlos V e a sua irmã Maria, viúva, Rainha da Hungria. Foi também representada uma peça de Gil Vicente com o título Jubileu de Amores, que desagradou aos representantes da Igreja, pelas suas críticas às vendas das Bulas e outros desmandos do Clero.

Estas festividades foram depois descritas em detalhe por André de Resende no seu poema Genethliacon, que foi depois impresso em Bolonha em 1533.

As mesmas festividades são ainda descritas em detalhe nos Diários de Marino Sanuto, conforme bibliografia.

A sua ligação ao Embaixador Português fez com que ele acompanhasse durante bastantes meses a Corte de Carlos V. Sabemos que partiu de Bruxelas por volta de 20 de Janeiro de 1532. Mas antes de descrever as suas jornadas, veremos um documento que confirma esta data da sua partida.

 

André de Resende quer gozar com Vives

 

Em 1531, Juan Luis Vives, um espanhol de ascendência judia que casara em Brugges, publicou um tratado com o título De disciplinis libri XX, dividido em três partes: De artium corruptarum causis, De tradendis Disciplinis e De Artibus. A segunda parte foi dedicada a D. João III, que o recompensou generosamente. Ou por isso, ou por outras razões, Resende escreveu um poema satírico contra ele, cujo conteúdo totalmente desconhecemos. Sabemos que esteve pelo menos nas mãos de Goclénio e de Dantiscus. Este último achou-lhe muita piada, mas outros recomendaram-lhe que não fosse publicado. Resende quis ainda colocar um pseudónimo na dedicatória e no corpo do poema. É isso que Goclénio diz a Dantiscus numa carta de 21 de Janeiro de 1532, que foi traduzida por Marcel Bataillon num seu artigo sobre o assunto; o original latino da carta aparece agora numa base de dados polaca com a correspondência de Dantiscus (ver bibliografia). A coisa ficou em nada, o poema não foi publicado nem chegou até nós. Resta a carta onde se fala de Resende, qui hesterna die hac iter fecit in Germaniam, isto é, “que ontem passou por aqui a caminho da Alemanha”.

 

Acompanhando o Embaixador Português e o Imperador Carlos V

 

Seguindo o que diz Carolina Michaëlis de Vasconcelos nas Notas Vicentinas, o séquito de Carlos V, em que seguia também o Embaixador português e André de Resende, partiu de Bruxelas a 17 de Janeiro de 1531, parou em Colónia de 25 a 27 e prosseguiu caminho por Bona, Andernach, Coblenz, Maguncia (Mainz) e Speyer, chegando a Ratisbona, no último dia de Fevereiro. Ali estiveram cinco meses. Foi feito um acordo com os protestantes que levou à Paz de Nuremberga (Agosto de 1532). De Ratisbona, partiram a 2 de Setembro de 1531, chegando a Viena a 23, depois de terem a informação que o Sultão turco Suleyman tinha já levantado o cerco. Ali ficou poucos dias e partiu de novo para Itália, tendo chegado a Bolonha  a 13 de Dezembro. Aqui ficou até 24 de Fevereiro.

Resende pelo caminho deverá ter aproveitado a estadia em Bolonha para estabelecer contactos importantes e sobretudo para fazer imprimir a sua Epistola De Vita Aulica dedicada a Sperato  Martim Ferreira e o Genethliacon, dedicado ao Rei D. João III; ambos os livros estão datados de Janeiro de 1533. Com o Genethliacon, foi também impresso um Epicédio à morte repentina aos 15 anos do Príncipe de Dácia, filho de Isabel, filha de Carlos V e de Cristiano II, Rei deposto da Dinamarca e da Suécia do Sul.

Pelo caminho, contratou a impressão de um pequeno texto, com o título Translatio Sacrarum Virginum et Martyrum Christi, Responsæ et Sociae eius, que foi impresso em Veneza em Novembro de 1532, por Bernardino de Vitalibus. Foi uma homenagem ao seu benfeitor Pedro de Mascarenhas que trazia consigo as relíquias de duas das 11000 Virgens mártires em Colónia com Santa Úrsula no Sec. III. Foi depositá-las numa capela em Alcácer do Sal, construída a expensas suas.

O Imperador veio então para Génova, onde embarcou para Barcelona, aí chegando a 22 de Abril. Possivelmente, o Embaixador e Resende acompanharam-no  nessa viagem, mas não há certeza disso.

D. Pedro de Mascarenhas ficou então dispensado do seu encargo e o mesmo aconteceu a Resende que se dirigiu para Portugal. Com a intenção de voltar a partir, que depois abandonou.

Terá ficado decidido que Resende seria preceptor dos Infantes D. Duarte (1515-1540) e D. Afonso (1509-1540). Quanto a D. Henrique (1512-1580), Resende, tendo exaltado as qualidades de Nicolau Clenardo (1493-1542), foi encarregado de ir a Salamanca convidá-lo a vir para Portugal mediante uma remuneração anual de 100 000 réis. Ali foi em meados de Novembro de 1533 e logo trouxe consigo o seu amigo Clenardo.

A escolha era infeliz. Clenardo era um homem divertido e extrovertido, epistológrafo compulsivo, que nos deixou dezenas e dezenas de cartas interessantíssimas que são o retrato vivo do seu tempo. Para além do Latim, do Grego, do Hebraico e do Árabe que estudou e sabia, não tinha grande jeito para línguas e poucas palavras terá aprendido de Português. Não apreciou muito Portugal e desconfio que cedo ganhou a antipatia do Infante D. Henrique. Este não era pessoa para ter sentido de humor e possivelmente cansava-se de o ouvir falar Latim todo o tempo. Fundou uma escola de Latim em Braga, mas depois foram buscar João Vaseu (? – 1550), para o substituir. Parece ter havido um mal entendido na contratação de Clenardo: ele terá julgado que a pensão anual de 100 000 réis era vitalícia, o que não deveria ser a intenção do Infante D. Henrique.  Despediu-se ele do Cardeal em Novembro de 1538, convencido de que teria apoio financeiro para a sua projectada estadia no norte de África.

Em África, Clenardo sentiu-se abandonado: o Infante D. Henrique não lhe pagava, Resende não lhe ligava. Valia-lhe o amigo D. João Petit, francês, Bispo de Santiago de  Cabo Verde que lhe mandou dinheiro por mais de uma vez.

 

Resendium non salutes, nunquam enim resalutat.

Não dês saudações minhas a Resende, ele nunca retribui.

 

        (Nicolai Clenardi Epistolarum Libri duo,  pags. 231 – Carta a D. João Petit – 4-12-1540)

 

É possível que ainda em Portugal tenha expresso algumas das suas ideias, “revolucionárias” para a época, que depois aparecem nas suas últimas cartas. Na mesma carta antes citada exalta ironicamente a "valentia" dos ibéricos a queimar judeus! Mais ironicamente ainda diz depois que El-Rei deveria convidar algum judeu notável para vir ensinar em Coimbra! Para quem odiava judeus como o Infante D. Henrique (ver Corpo Diplomático Português, vol. V, pag. 34), era demais!

Pobre Nicolau Clenardo! Escrevia ele com tristeza em 1-9-1542, de Granada a D. João Petit, pouco tempo antes de morrer:

 

 

In præsentia, non possum amplius nisi lacrymari quod sic me tractavit Lusitania.

Ao presente, não posso fazer mais que chorar pelo modo como Portugal me tratou.

 

(Nicolai Clenardi Epistolarum Libri duo,  pags. 246)

 

Resende organizou a sua vida em Portugal. Por estar ao serviço do Paço, pediu dispensa da vida no Convento e do voto de pobreza, para poder testar os bens da sua indústria. De facto, com os seus proventos ao longo da vida, comprou uma quinta denominada Quinta do Arcediago, depois integrada na herdade da Manizola a duas milhas de Évora. No campo de Valbom, tinha uma casa de campo com uma fonte chamada das Musas, em que gravou dois epigramas, transcritos por Barbosa Machado. Aqui localizará mais tarde a “acção” do Aegidius Scallabitanus.

Resende era muito bem visto nos meios eclesiásticos, certamente porque era conhecida publicamente a protecção que tinha do Paço. É assim que, no Sínodo da Diocese de Évora, foi o principal orador proferindo um sermão em 17 de Maio de 1534 sob o tema “Convocai a Assembleia, congregai o povo, santificai a reunião, juntai os anciãos” (Joel, II, 16). O conteúdo, porém, é totalmente conforme com as doutrinas tradicionais.

Mais importante foi a Oratio pro Rostris, a Oração de Sapiência de abertura do ano lectivo, que proferiu na Universidade de Lisboa em 1 de Outubro de 1534, impressa no mesmo mês em caracteres góticos na Oficina de Germano Galhardo Galo, com uma dedicatória ao Rei D. João III. Não sabemos quem o convidou a proferir a Oração que normalmente ficaria a cargo de um professor de Teologia.

Já alguém disse que haveria por trás deste discurso a finalidade de demover o Rei da intenção, já conhecida, de mudar a Universidade para Coimbra, mas o texto não justifica esta asserção. Resende enaltece a nobreza das artes liberais, a literatura, o latim e o grego como instrumentos de cultura, a pedagogia dos humanistas e a renovação da teologia. Como se evidencia, deixou de fora os juristas, os causídicos.

Resende data de 27 de Outubro de 1535, um poema de novo sobre o tema “A vida da Corte, ou o túmulo dos poetas”, dedicado a Damião de Góis que foi publicado no livro “Aliquot Opuscula” impresso em Lovaina em Dezembro de 1544 por Rutgerus Rescius. Tem o poema 159 hexâmetros e é bastante mais espontâneo que o anterior dedicado a Sperato  Martim Ferreira.

A Corte está aberta aos poetas, mas eles têm pouco a ganhar ali. Serão ultrapassados rapidamente pelos juristas, os causídicos que são os tiranos das leis e do direito.  A poesia não ensina os reis a governar, as leis, sim.

Resende não tem qualquer interesse em viver num tal ambiente. Coelho, sim; é o único poeta que agrada à Corte. Lá dentro, pode ele gozar sozinho a dignidade e o nome de poeta.

Incapaz, pelas suas ocupações de escrever poesia, sente inveja de Góis, que naquela data estuda em Pádua e visita a bela Itália:

 

Et, nisi me redimo, uideo, Damiane, futurum

Omnino ut pereat, quamquam non aurea, Luci

Vena tui, certe nec plumbea, ne nisi forte

Plus amo quam credo.

E se eu não me cuido, vejo, Damião, que está destinada a morte certa a veia poética do teu Lúcio, a qual não sendo de ouro, não é certamente de chumbo (a menos talvez que eu me estime mais do que aquilo que julgo)

 

 

O poema “De Vita Aulica” dedicado a Damião de Góis é aqui pretexto para falar de dois autores estrangeiros que estudaram André de Resende.

Odette Sauvage levou a cabo em 1971 uma bela obra traduzindo pela primeira vez para uma língua moderna bastantes poemas, interpretando-os através da ligação de Resende às ideias de Erasmo: “L’itinéraire érasmien d’André de Resende”. A certa altura, porém, ela “afrouxou” no seu entusiasmo:

- Não traduziu os textos que colocou no Apêndice II;

- Escreveu um artigo interessante sobre “Vicente, Levita e Mártir”, mas não avançou para a tradução do Latim que ainda está por fazer.

O Australiano Prof. John R. C. Martyn escreveu um livro útil com algumas traduções, “On Court Life”, e alguns artigos com interesse, mas atreve-se muito nas suas opiniões, a tradução nem sempre é correcta e, sobretudo, tem pouco cuidado a rever os textos.  Por exemplo, em “On Court Life”, a pags. 125, diz que a sua tradução do “De Vita Aulica” dedicado a Damião de Góis, é a primeira feita para uma língua moderna. A pgs. 177 da mesma edição, já diz: “Ver a versão francesa em Odette Sauvage, L’itinéraire érasmien d’André de Resende (Paris, 1971)".

Mais tarde, entusiasmou-se ao encontrar dois manuscritos, um em Évora e outro na Torre do Tombo em Lisboa, com centenas de poemas latinos, e tratou de os atribuir todos a André de Resende. Apesar das críticas generalizadas que teve em Portugal, continua a vender o seu livro no estrangeiro. O Prof. Costa Ramalho é de opinião que a maior parte dos poemas atribuídos por ele a Resende foram escritos por estudantes de Latim de escolas dirigidas por Jesuítas.

 

Na noite de 12 para 13 de Julho de 1536, faleceu Erasmo. Como recebeu Resende a notícia é dos episódios mais discutidos da vida dele. Ficou muito sentido como aparentam os três poemas que na altura publicou, endereçados a Damião de Góis, Nicolau Clenardo e a André Cotrim? Ou os sentimentos expressos são artificiais, porque ele ainda estava sentido com Erasmo? A melhor solução parece-me responder lendo o que ele escreveu no Aegidius Scallabitanus, como anotou o Prof. Costa Ramalho. Diz ele que estimou Erasmo enquanto vivo e que, depois de morto, trata a sua memória com caridade cristã. Ou seja, dá prioridade à doutrina cristã, afastando-se do pensamento de Erasmo sempre que ele mereceu reprovação da hierarquia católica. Sem dúvida uma atitude muito prudente, quando muitos dos livros de Erasmo estavam proibidos na altura. Vimos também que ele nunca mais escreveu a Erasmo, depois de Ratisbona, apesar dos recados que dele recebeu para o fazer. Como é evidente, não tinha qualquer vontade de ir parar aos calabouços da Inquisição, como viu mais tarde acontecer a Damião de Góis. Os poemas só foram impressos pela primeira vez nas Antiquitatum Lusitaniae, edição de Colónia em 1600.

 

Levava André de Resende uma vida descansada, possivelmente passando muito pouco tempo no Convento, mas sempre vestindo o seu hábito de Dominicano de que gostava. Esta situação estava para acabar. Em Abril de 1538, o Dominicano espanhol Jeronimo de Padilla foi nomeado Reformador da Província Dominicana Portuguesa e nessa qualidade chegou a Lisboa em Janeiro de 1539. Exigiu que André de Resende abandonasse a Ordem e ficasse Padre Secular. De nada serviu invocar a qualidade de preceptor dos Príncipes, nem as suas ligações à Corte. O Provincial foi inflexível e Resende teve de abandonar o hábito e a designação de Frei, que usava há mais de 30 anos, como diz no seu testamento, o que aponta para 1540. Ficou muito sentido pelo facto.

Em 1540, publicou Resende um livrinho com as conjugações dos verbos latinos, possivelmente a partir de apontamentos que dava aos seus alunos.

Ainda em 1540 sofreu Resende um desgosto que muito lhe afectou a vida: o falecimento sucessivo dos príncipes D. Afonso, o Cardeal-Infante, em 21 de Abril e D. Duarte, a 25 de Setembro seguinte. Ambos eram muito amigos dele, bastante mais que D. Henrique, segundo parece. Ficava assim Resende um tanto “descalço “ perante as agruras da vida.

Sofreu ele muito sobretudo com a doença e morte de D. Afonso. Escreveu então um poema à Virgem de Guadalupe, a quem pedia pela sua cura, fazendo várias promessas (Ed. Távola Redonda, 2008, pag. 363).

Nicolau Clenardo dá testemunho da importância de D. Afonso na vida de Resende, na carta de 5-7-1540, dirigida a D. João Petit:

 

Ais Resendium consternatum, nec mirum. Non enim tam propicium habiturus est patronum, quam erat Cardinalis. Scio eum tempore Cardinalis aliquid accumulasse, orabo ut mihi partem donet in profectionem Flanderensem.

Diz  também que  Resende está consternado, o que não me admira. Não terá outro protector tão generoso como era o Cardeal. Sei que ele em vida do Cardeal amealhara algum dinheiro; hei-de lhe pedir que me dê uma parte para a minha viagem para a Flandres.

 

     (Nicolai Clenardi Epistolarum Libri duo,  pags. 225)

 

Datou Resende de 7 de Maio de 1542, uma longa poesia com 205 versos hexâmetros dedicada a Pedro Sanches, poeta e homem da Corte, espanhol, mas com alma de português, pois aqui casou e casaram também depois os seus filhos. O poema só foi impresso quase vinte anos depois, em 1561, juntamente com dois poemas dedicados a Lopo Cintil, e ainda não foi traduzido para Português.

Aparentemente, o poema foi escrito em resposta a outro de Pedro Sanches, que não deve ter chegado até nós. Mas poderá ser também a Epistola ad Ignatium de Morales, onde Resende é elogiado nos versos 210-221.

Resumo com base na tradução do Prof. John R.C. Martyn:

Versos 75-81: Uma coisa gostaria de saber de ti, Pedro, porque é que tu disseste que os meus Fados foram infelizes. Ou queres dizer que eu não sou um grande Cortesão, que fico para trás esquecido e desprezado? Talvez se tivesse extinto a minha boa estrela, após a morte dos dois príncipes, cujas virtudes os levaram para os deuses, depois de serviços meritórios, para nós cedo demais.

A partir do resumo de Francisco Leitão Ferreira:

Versos 131-171: É óbvio que a entrada no Paço se me fecha por todos os caminhos, e conheço bem os maquinadores deste impedimento, pois fazem-no às claras. Nota que eu nasci nem de pais ricos, nem muito pobres, nem do mais alto nem do mais rebaixado sangue, mas abastados e medianamente nobres; considero-me venturoso pela glória de ser bem visto por Monarcas, admitido a comer nas suas mesas, e ao ósculo das suas reais mãos; e dignava-se o Imperador Carlos V perguntar por mim, em que composições me ocupava; nenhum Português foi mais conhecido na Itália, Alemanha, e França por seus escritos do que eu. Dentro de Portugal, ninguém mais estendeu a sua opinião e nome; procuram a minha amizade e comunicação os mais doutos homens do nosso tempo. Mas o que estimo acima de tudo é o facto de contar com a tua amizade, bem como a de teu irmão Rodrigo, como também a de D. Julião de Alba, pois vós preferis os meus versos às ricas dádivas dos Príncipes.

Diz-nos Braancamp Freire ter sido entre 1542 e 1546 que Resende recebeu o grau de Doutor na Sé de Évora, imposto pelo Conde Palatino, Dr. Rui Lopes de Carvalho, depois Bispo de Miranda.

 

Em 1545, decidiu Resende imprimir a obra Vincentius, Levita et Martyr, em que trabalhava desde 1532. Dedicou-a mais uma vez a Sperato  Martim Ferreira. A obra divide-se em duas partes: na primeira, descreve-se a vida e o martírio do Santo; na segunda, a descoberta da sua sepultura, a trasladação para Lisboa e o prestígio do Santo. Ambas têm anotações por ele redigidas. Assim a primeira parte tem 470 hexâmetros e 127 anotações; a segunda, 420 hexâmetros e 109 anotações.

De relevar a anotação n.º 48 da segunda parte em que Resende afirma categoricamente ter construído a palavra “Lusíadas” (Lusiadas adpellavimus Lusitanos), embora diga depois sem grandes sarcasmos que Jorge Coelho depois difundiu a ideia que lhe agradara (Nam vídeo id multis adlibuisse, presertim autem Georgio Cœlio…).  De facto a palavra aparecera já em 1531 no Erasmi Encomium, no verso 207. Mas hoje é evidente não terem razão os que querem atribuir a primazia a Jorge Coelho.

Entre o poema e as anotações, há mais uma poesia dedicada a Fernão Rodrigues de Almada, filho de Rui Fernandes de Almada, que dirigia a feitoria de Portugal em Antuérpia e a quem Resende deveria certamente favores ou ajuda financeira.

 

Nesta altura, já Resende trabalhava há alguns anos no Breviário Eborense, uma extensa obra que lhe havia sido confiada pelo Príncipe D. Henrique. Já começara a tarefa no tempo do Cardeal-Infante D. Afonso que lho pedira. Eventualmente fora uma sugestão do próprio Resende, mas depois D. Henrique insistiu muito com ele para terminar a impressão. Foi um trabalho muito longo, concluído em 1548, na Tipografia de Luis Rodrigues em Lisboa, obrigando Resende a acompanhar a composição tipográfica com todos os cuidados.

É ele mesmo que o diz numa carta enviada a D. João de Castro, datada de 16 de Março de 1547, o qual tivera a ideia de o convidar para ir com ele para a Índia: “passa de um ano que trabalho na impressão, e não tenho chegado a mais que a metade, e a pôr boa diligência, hei ainda mister seis meses largos. Isto com nunca sair de casa do impressor, porque só meio dia que lá não vou, arruínam tudo.”

O contributo de Resende para o Breviário está por estudar. Um pequeno artigo (9 páginas) de Baudoin de Gaiffier, faz algumas referências interessantes, mas não esgota o assunto. Deixa no ar a ideia de que Resende como hagiógrafo se comportou mais ou menos como o fez como epigrafista: tratou de inventar sempre que isso lhe convinha. Mas refere nove passagens das Acta Sanctorum que citam ou transcrevem o Breviário de Évora de 1548, o que é importante. Gaiffier não menciona, porém, a transcrição parcial nas Acta Santorum Maii, Tomus III, pags. 403-438, da Vida do Beato Frei Gil, o Aegidius Scallabitanus, que Resende deixou em manuscrito.

 

Resende encontra Fernão de Oliveira

 

O processo da Inquisição de Lisboa n.º 12099, contra Fernão de Oliveira, relata um encontro curioso (mas de longe) com Resende. Fernão de Oliveira era um tipo aventureiro e desbocado, mas, apesar de tudo, frade Dominicano. Era mais novo sete anos do que Resende e fora aluno deste em Évora. Em 1547, regressara de Inglaterra onde fora marinheiro. No dia 18 de Novembro daquele ano, foi Oliveira à loja do livreiro João Fernandes buscar uns livros que ali encomendara. Como era seu costume, não trazia o hábito; tinha um vestido curto, barba grande e um chapéu de feltro de seda na cabeça. Resende estava à porta da livraria vizinha de João de Borgonha e chamou a atenção deste para a pose de Oliveira, dizendo que lhe parecia muito mal vê-lo assim vestido, dizendo-lhe que era frade de S. Domingos e lhe ensinara gramática. João de Borgonha desaviera-se em tempos com Fernão de Oliveira e não hesitou em ir ter com ele e suscitar uma discussão sobre matéria religiosa e sobre a valia de Henrique VIII como Rei. Oliveira, desbocado, defendeu o Rei dizendo que o facto de não obedecer ao Papa, poderia fazer dele um cismático mas não um herege. Nenhum letrado ou teólogo poderia dizer o contrário. João de Borgonha retorquiu que, se era assim, ele iria imediatamente consultar Mestre André de Resende, que estava na sua loja e cuja autoridade era bem respeitável.

João de Borgonha fez um depoimento pormenorizado no Tribunal da Inquisição, mas André de Resende não chegou a ser chamado para depor; pelo menos, o seu depoimento não consta do processo, em que Fernando de Oliveira foi condenado, ficando quatro anos nos cárceres da Inquisição.

  

JOÃO VASEU (1511 ou 1512 – 1561)

 

Um grande amigo de Resende foi João Vaseu, em Latim Johannes Vasaeus, flamengo, natural de Bruges, um personagem muito simpático e grande trabalhador. Era de origem modesta, mas conseguiu frequentar a Universidade de Lovaina, pela generosidade de Rutgerus Rescius que lhe deu alojamento e o ajudou. Foi aluno deste e de Nicolau Clenardo, de quem também foi grande amigo, estando publicadas doze cartas que este lhe endereçou.

Em 1531, Fernando Colombo, filho de Cristóvão Colombo procurava na Bélgica peritos para a sua grande Biblioteca Colombina que queria fundar em Sevilha. Resende indicou-lhe Clenardo e Vaseu. Puseram-se a caminho a cavalo, apesar da falta de prática de ambos. Ficaram-nos as pitorescas descrições de Clenardo da viagem, que demorou mais de um mês.

Trabalhou com Fernando Colombo em Medina del Campo no primeiro ano e na Biblioteca  em Sevilha em 1532. Não se dava bem, porém, com o calor da Andaluzia e pensou em regressar após o contrato que tinha de três anos. Clenardo incitou-o a ficar e a procurar trabalho em Salamanca. Assim fez e foi preceptor de um menino rico de 15 anos, prior (!) da Igreja de Salamanca. O rapaz, porém, morreu ao fim de um ano. Conseguiu depois um lugar de regente de línguas antigas e retórica num dos colégios dependentes da Universidade. Aprendera espanhol e era muito estimado. Casou em 1537 com uma jovem de Segóvia, de boa família, que lhe deu dois filhos, Agostinho e Jerónimo, que fizeram uma honrosa carreira, tendo-se formado em Salamanca. O segundo deu a Charles de l’Ecluse o espólio literário de Clenardo, que ele publicou na casa Plantin em 1566.

Entretanto Clenardo em Portugal sugerira ao príncipe D. Henrique que chamasse Vaseu para dirigir o colégio que ele acabara de fundar em Braga. Obtido o assentimento, foi a Salamanca buscá-lo em 1538. Ficou em Braga até 1541, data em que foi chamado para o Colégio de Évora. Em 9 de Agosto de 1547, D. João III concedeu-lhe os mesmos privilégios que tinham os professores da Universidade de Coimbra.

Em 14 de Julho de 1550, foi convidado para ensinar em Salamanca pela Universidade com um bom salário, a que acrescia uma casa para alojamento. Foi graduado como Doutor em artes e filosofia.  Em 1552 publicou Chronici rerum memorabilium Hispaniae tomus prior. Dedicou o livro ao Cardeal D. Henrique, de quem apenas diz bem. Não teve tempo para publicar outro volume, pois faleceu em 23 de Outubro de 1561.

Sabemos que a amizade entre Resende e Vaseu continuou depois da ida deste para Salamanca em 1550. Para o seu livro, Vaseu consultou Resende sobre o significado da expressão aera Hispanorum, em carta datada de 5 de Fevereiro de 1551, que não chegou até nós. Resende recebeu-a em Coimbra, onde se encontrava, por volta de 1 de Maio.  Respondeu-lhe a 4 de Julho. Vaseu inseriu a carta no seu livro mas dividindo-a ao meio em locais separados. Durante muitos anos, pensou-se que eram pedaços de duas cartas, até que a Prof. Virgínia Soares Pereira demonstrou, sem qualquer margem para dúvidas, que era apenas uma carta dividida em duas metades.

Resende não gostou que ele a publicasse e isso mesmo lho disse numa carta posterior, identificada como De colonia Pacensi, escrita em 1953 e publicada por Resende em 1561, no livro Tres Carmine:

 

 

Alterum est de epistula mea tumultuaria opera ad te scripta, quam tu me neque consulto neque probante inter tua edendam curasti.

O outro motivo tem que ver com a carta que te escrevi, um trabalho feito apressadamente, e que tu, sem me consultar e sem o meu consentimento, decidiste publicar incluindo-a na tua obra.

(Trad. de Virgínia Soares Pereira)

 

 

Resende estava em Coimbra, quando recebeu a carta de Vaseu. E não estava satisfeito, tal como diz no início da sua carta. Tinha sido “mobilizado” para dar aulas na Universidade e, com toda a evidência, não estava a gostar da função. Não sabemos quanto tempo esteve em funções docentes, mas certamente livrou-se logo que pôde.

Já escreveu alguém e é possível que a ordem de D. João III para Resende ir ensinar para Coimbra, derivasse da falta de professores resultante da prisão pela Inquisição, no início de Agosto de 1550 dos professores Jorge Buchanan, João da Costa e Diogo de Teive.

A 28 de Junho do mesmo ano de 1551, aniversário da fundação do Colégio Real das Artes, proferiu Resende uma Oração que é basicamente um louvor ao Rei D. João III. Publicou a sua alocução logo no mês de Julho dedicando à Infanta D. Maria. Para a mesma senhora, incluiu no volume uma poesia de 133 hexâmetros, onde louva também as suas açafatas, Joana Vaz, de Évora e Luisa Sigea, de Toledo. Para esta última escreveu e publicou mais tarde um epitáfio quando ela faleceu em 13 de Outubro de 1560.

No mesmo livrinho da Oração de Coimbra, está um Epigrama com o título Ad Christum Opt. Max. Crucifixum, traduzido para Português pelo Prof.  Aires A. Nascimento no artigo Aspectos da pietas em André de Resende.

Ainda no mesmo ano de 1551, publicou em Coimbra o “Sanctae Elizabeth Portugalliae quondam Reginae Officium, Resendio auctore”, dedicado à Rainha D. Catarina.

Parece que Resende já no ano de 1552 havia regressado a Évora, pois publicou mais tarde a “Fala que Mestre André de Resende fez à Princesa D. Joana nossa Senhora quando logo veio a estes Reinos na entrada da cidade de Évora”, o que deve ter sido nos finais de 1552. Este discurso aparece no final da História da Antiguidade da Cidade de Évora, publicada em 1553. D. Joana foi esposa do Príncipe D. João, e mãe de D. Sebastião, tendo ficado viúva em 2 de Janeiro de 1554; D. Sebastião nasceu no dia 20 do mesmo mês. A 2.ª edição da mesma obra, em 1576, tem ainda a “Fala que Mestre André de Resende fez a El-Rei D. Sebastião a primeira vez que entrou em Évora”, o que sucedeu apenas em 5 de Novembro de 1569. O livro teve ainda uma 3.ª edição em 1783, idêntica à 2.ª.

Em 11 de Junho de 1557 faleceu D. João III e logo em Julho publicou Resende um poema com 158 hexâmetros, “In Obitum D. Joannis III, Lusitaniae Regis Conquestio”.

Um episódio desta época revela de modo interessante a hierarquia que então reinava entre os poetas novilatinos. Fr. Marcos de Lisboa (depois Bispo do Porto) deu ao prelo a sua Crónica dos Frades Menores de S. Francisco. O primeiro tomo saiu em 1557 com uma poesia introdutória de Jorge Coelho; o segundo, em 1562, com outra de André de Resende.  Coelho tinha a primazia.

No ano de 1561 imprime o Epitáfio de Luísa Sigea, já referido, com 53 dísticos e ainda o livrinho “Tres carmine” que é a Epistola a Pedro Sanches e duas Epístolas a Lopo Cintil, Advogado da Casa da Suplicação. Este foi defensor de Resende numa acção em que o pretendiam esbulhar de titular da Igreja de S. Joaninho, que parece ser a da Beira Alta, perto de Santa Comba Dão. Para além desta, diz Resende ainda no seu testamento ter sido titular da Igreja de S. Salvador de Tonda, próximo de Tondela.

Em Fevereiro de 1565, realizou-se um Sínodo em Évora, sendo Arcebispo D. João de Melo. Resende proferiu em português a oração preliminar que depois apareceu traduzida para Latim na edição das Antiquitatum Lusitaniae, publicada em 1600, em Colónia.

Em 1566, o Cardeal D. Henrique chamou-o a Lisboa para redigir as actas do Sínodo que então se realizava. No ano seguinte. Resende data de 4 de Maio a extensa carta que escreve ao Cónego Bartolomeu de Quevedo e queixa-se por a carta deste seu correspondente lhe ter chegado muito tarde às mãos, devido à sua ausência em Lisboa. O livrinho tem como título L. Andr. Resendij Carmen endecasyllabon ad Sebastianum regem serenissimum. – Olisipone, mas contém ainda os seguintes textos:

- Ad Bartholomaeum Kebedium epistola

- Ode ad Deum Patrem ob calamitatem sectarum

- Epistola ad D. Gasparem Casalem, Episcopum Leirenensem

- Epigrama de sete dísticos sobre o retrato de S. Sebastião em resposta a outro epigrama de três dísticos do Embaixador de Inglaterra.

A carta a Bartolomeu de Quevedo tem muito interesse, sobretudo para definir a atitude de Resende em relação à hagiografia e aos eternos diferendos dos portugueses com os espanhóis. Foi traduzida e anotada com muito detalhe na tese de mestrado da Prof. Virgínia Soares Pereira, depois publicada em livro (ver bibliografia). A mesma Prof. escreveu um artigo sobre uma carta (ou rascunho de uma carta) endereçada a Resende pouco antes de ele falecer por Bartolomeu Frias de Albornoz, onde este critica duramente o conteúdo da carta do poeta e diz que Quevedo ficara muito sentido com ela; mas Virgínia Soares Pereira não publicou a carta, embora inserisse alguns extractos. Não é seguro que a carta tenha sido expedida.

Em 20 de Janeiro de 1568, completou D. Sebastião 14 anos, a maioridade (!) para governar então exigida. Na altura, Resende compôs um poema de 125 hexâmetros que chamou “Ad Sebastianum Lusitaniae Regem Serenissimum, ob regni adceptum regimen”. O poema foi publicado em 1570 a seguir à Epístola de Ambrósio de Morales a Resende e à resposta deste. As duas cartas não estão ainda traduzidas para Português e temos de nos contentar com o resumo que F. Leitão Ferreira inseriu a pgs. 190-193 do vol. IX (1914) do Arquivo Histórico Português.

Ainda em 1970 publicou um poema dirigido a Filipe II de Espanha, composto de 199 hexâmetros, com o título Ad Philippum maximum hispaniarum regem: Ad maturandam aduersus rebelleis Mauros expeditionem cohortatio, incitando-o a partir para a guerra contra os Mouros. Com o poema incluiu também um Epigrama de nove dísticos dirigido a D. Sebastião.

No mesmo ano de 1570, publicou ainda em língua vulgar a obra A Santa Vida e Religiosa Conversação de Frei Pedro, Porteiro do Mosteiro de S. Domingos de Évora, dedicada a D. Juliana de Lara de Menezes, Duquesa de Aveiro. Lembrou-se dela, por Frei Pedro ter sido natural de Aveiro.

A 21 de Julho de 1572, chegou a Lisboa D. Luis de Ataíde, Vice-Rei da Índia, que havia zarpado de Goa a 6 de Janeiro daquele ano, carregado de louros, sendo muito festejado pelo Rei e pela população. Também Resende escreveu um poema em seu louvor, de 132 hexâmetros que só veio a ser impresso em 1617 no livro Historia da India, no tempo em que a governou o visorey Dom Luis D'Ataide, 1617, da autoria de António Pinto Pereira. O poema figura a pags. XIV-XVII, com o título Ludovico Ataidio, L.Andreas Resendius.

Para além das obras impressas, deixou André de Resende muitos escritos em manuscritos, de que se perderam muitos, outros que foram dados ao prelo ao longo dos tempos.  Um destes foi a Vida do Infante Dom Duarte, dirigida ao Senhor Duque de Guimarães seu filho, que foi publicada em 1794 pela Academia das Ciências de Lisboa.

Importante também a Vida de S. Frei Gil, que foi algo estropiada por Frei Estêvão de Sampaio, Religioso Dominicano numa publicação de 1586 com o título Conversio Miranda D. Ægidii Lusitani, doctoris Parisiensis, ordinis Prædicatorum. Felizmente em 2000, foi publicada a tese de doutoramento da Prof. Virgínia Soares Pereira, que apresenta um texto normalizado e respectiva tradução, a partir do livro de Sampaio e de dois manuscritos existentes (Academia das Ciências e Biblioteca Pública de Évora).

Os manuscritos mais importantes, porém, eram os que deveriam constituir um grande volume de dez livros das Antiguidades da Lusitânia de que ele apenas tinha escrito quatro na data em que faleceu – 9 de Dezembro de 1573. Ficaram esses manuscritos nas mãos de Diogo Mendes de Vasconcelos, que mais tarde veio a publicar o livro após insistentes ordens do Cardeal D. Henrique e posteriormente do próprio Rei Filipe II de Espanha, já então Rei de Portugal. Foi publicado em 1593 em Évora com o título Libri quatuor De Antiquitatibus Lusitaniæ, a Lucio Andrea Resendio olim inchoati, et a Iacobo Menœtio Vasconcello recogniti atque absoluti. Accessit liber quintus De Antiquitate municipij Eborensis ab eodem Vasconcello conscriptus. O volume tem juntas peças muito variadas, como uma dedicatória ao Cardeal D. Afonso, escrita por Resende em 1533, uma epístola a Jorge Coelho, de 1534, uma Ode a Conrado Goclénio e uma carta de Resende a Bartolomeu de Frias Albornoz, escrita provavelmente em 1565, etc.

À edição de 1593, seguiu-se outra de 1597, impressa em Roma, na Tipografia de Bernardo Basa.  Depois as Antiquitatum Lusitaniae de Colónia em 1600 e 1613.

 

Resende epigrafista

 

Muito cedo começou Resende a dar importância às inscrições romanas em pedras, monumentos, marcos miliários e a procurá-las com afinco, tanto em Portugal como em Espanha. Uma actividade que nada tem de reprovável, antes pelo contrário. Porém, a certa altura, quando precisava de demonstrar qualquer coisa a favor de Évora ou mesmo de Portugal, em geral contra os Castelhanos, Resende não hesitou em falsificar as inscrições ou apenas em texto ou mesmo produzindo as próprias pedras indicando-as como antigas e por ele descobertas.

Esta actividade de falsário é-lhe assacada por todos os autores, criticando-o alguns com muita severidade, como por exemplo, Hübner.

Um dos primeiros a criticá-lo foi o Cardeal Miguel da Silva que não acreditou na historieta de o Aqueduto de Évora ter sido construído por Sertório. Os textos da polémica não chegaram até nós, mas apenas as referências que lhe faz o próprio Resende. A versão deste fez fé na altura e só nos tempos modernos é que se deu razão ao Cardeal.

Existe hoje uma tendência para explicar se não mesmo desculpar Resende, dado o que estava na base das suas falsificações, o amor à sua terra e o patriotismo em geral.

Debruçaram-se os estudiosos sobre a sua obra e separaram já o trigo do joio, as epígrafes autênticas das fabricadas. Salientam-se os trabalhos de Hübner e recentemente os do Prof. José d’Encarnação.

 

Morte de André de Resende

 

André de Resende faleceu em 9 de Dezembro de 1573, deixando testamento nomeando seu herdeiro um filho que tivera aos 60 anos mais ou menos e que legitimara sem indicar o nome da mãe, por instrumento público de 9 de Outubro de 1567, tendo-o chamado Barnabé. Esse filho casou em 17 de Abril de 1575 com Eugénia Mancata, mas faleceu em 18 de Outubro de 1596, com 36 anos de idade, portanto.  Sobreviveu a este um filho de nome António, que mais tarde faleceu sem descendência.

Os ossos de André de Resende foram trasladados do Convento de S. Domingos para a Sé de Évora em 1839, por iniciativa de Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, Director da Biblioteca Pública da cidade de Évora. Redigiu ele o letreiro que está colocado no túmulo, do seguinte teor:

L. ANDREÆ RESENDII

MEMORIÆ DICATVM.

EX ÆDE DOMINICANA FVNDITVS EVERSA

TANTO VIRI CINERES

IN PERPETVVM GRATI ANIMI MONVMENTVM

CVRA ET SVMPTIBVS EBORENSIVM,

QVIBUS DECVS PATRIÆ CARVM,

HUC TRANSLATI AN. MDCCCXXXIX

 

Tradução:

À memória do Licenciado André de Resende. Da igreja de S. Domingos, que padeceu completa ruína, foram para aqui trasladados em 1839, para prova de gratidão perpétua, as cinzas deste grande varão, por cuidado e a expensas dos habitantes de Évora, a quem a honra da pátria é cara.

(José Leite de Vasconcelos, in O Archeólogo Português, vol. IV, 1898, pag. 125)

 

CONCLUSÃO

 

Diogo Mendes de Vasconcelos descreve-nos Resende fisicamente: “Foi de alta estatura, olhos muito grandes, cabelo crespo, a tez do rosto um pouco morena, mas de fronte prazenteira e não franzida, severo no respeitante a seus criados e alunos” (tradução do Prof. Raúl M. Rosado Fernandes).

Quanto ao seu carácter, a sua obra variegada revela-nos um homem muito senhor do seu nariz, cordial no trato, mas sem grandes esforços para conservar os seus amigos. Cultivou as amizades, mas mais no tratamento pessoal do que na correspondência por escrito. Foi muito cioso da sua liberdade, mas teve de transigir ao lidar com os grandes do seu tempo. Os ideais da juventude, em boa parte ligados à obra e ao pensamento de Erasmo, foram sendo abandonados à medida que as ideias e a produção literária do mestre eram banidos em Portugal.

Foi estudante muito aplicado, mas talvez não muito eficiente como professor pois deveria achar extremamente cansativa a tarefa de ensinar, como revela o início da sua carta de 4 de Julho de 1551, endereçada a João Vaseu.

De lamentar é que a maior parte das suas obras não tenha ainda sido traduzida para Português (ver Anexo 2).

 

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