10-8-2008

 

Pedro Sanches

(?   - 1580)

 

 

Não abundam pormenores sobre a biografia de Pedro Sanches. Sabemos que nasceu em Espanha e que veio para Portugal com seus dois irmãos no séquito da Rainha D. Catarina, esposa de D. João III quando esta se veio reunir com o marido em Fevereiro de 1525. Não sabemos a data do nascimento, mas apenas que faleceu em 1580 ou início de 1581. J. S. Silva Dias diz que nasceu em 1541, mas só pode ser lapso; quereria dizer 1511? Tem alguma probabilidade.

Barbosa Machado e o P.e António dos Reis dizem que era filho de Luis Fernandes, mas outros autores dizem que os pais se chamavam Salvador Diaz Blasquez, doutor in utroque jure e Isabel Sanchez. O irmão mais velho era Rodrigo Sanchez e foi Capelão de D. Catarina e, mais tarde, Prior de Óbidos; o irmão mais novo, Salvador.

Dada a cultura que demonstrou nas obras que chegaram até nós, pensa-se que tinha estudos universitários, identificando-se com um Pedro Sanchez que frequentou Direito em Salamanca; teria eventualmente acompanhado seu irmão Rodrigo que ali estudou pelo menos de 1528 a 1533, tendo obtido o grau de bacharel. Mas se ali estudou, Pedro Sanches não acabou o curso; se o tivesse feito, seria chamado de Bacharel nos documentos da Corte, como acontece com seu irmão Rodrigo.

Não há dúvida hoje que nasceu em Alcântara e era por isso castelhano. No entanto, hoje diríamos que se naturalizou português, pois pensava, escrevia e comportava-se como tal, aqui viveu toda a vida, morreu e deixou seus filhos e netos. Para além disso, foi concedida pelo Rei a nacionalidade portuguesa a todos os que faziam parte do séquito de D. Catarina.

Outra razão poética para o considerar português é que o poeta nascera em Alcântara, que em tempos idos fizera parte da Lusitânia. Lá está a ponte Romana construída em 105 a.C. na época de Trajano, sendo seu arquitecto Caio Julio Lacer, com a legenda

 

MUNICIPIA

PROVINCIAE

LUSITANIAE STIPE

CONLATA QUAE OPUS

PONTIS PERFECERUNT

 

IGAEDITANI

LANCIENSES OPPIDANI

TALORES

INTERAMNIENSES

COLARNI

LANCIENSES TRANSCUDANI

ARAVI

MEIDUBRIGENSES

ARABRICENSES   

BANIENSES

PAESURES

 

ELIZABETH REGINA

TITULUM ET MEMORIAM RESTITUIT

 

Municípios da província da Lusitania que, com o dinheiro obtido por subscrição, completaram a obra desta ponte: Igaeditanos, Lancienses Opidanos, Toloros, Interamnienses, Colarnos, Lancienses Transcudanos, Aravos, Meidubrigenses, Arabrigenses, Banienses, Paesures. A Rainha Isabel recuperou a inscrição e a memória. (tradução de Luis O. Barros Cardoso, na tese citada). (*)

Ver fotos aqui.

 

Ao contrário do que já se escreveu, Pedro Sanches não pode ter vindo com D. Joana, mãe de D. Sebastião, que nasceu em 1535 e casou com o Príncipe D. João em 1552.

Dizem os autores que a 16-11-1540 foi nomeado por 3 anos, alcaide mor, feitor e recebedor da alfândega da fortaleza e feitoria de Baçaim, cidade do reino de Cambaia. Baçaim tinha passado para a posse dos portugueses, por documento assinado em 17 de Junho de 1536, iniciando-se então a construção da fortaleza. Três anos é um período muito curto para ir à Índia, desempenhar funções importantes (na hierarquia, logo a seguir ao capitão da praça) e regressar a Lisboa. Barbosa Machado e o P.e António dos Reis não referem tal cargo. Pode bem ter acontecido que a nomeação não tivesse sido seguida do desempenho efectivo da função.

Pedro Sanches deverá ter sido uma espécie de factotum da Corte. Foi escrivão da Câmara, tesoureiro da Infanta D. Maria e criado e secretário do Príncipe D. João, com uma tença anual de 20$000 rs. . Em 19 de Março de 1556, foi nomeado escrivão e tesoureiro mor de D. João III, ofício em que prosseguiu nos reinados de D. Sebastião e do Cardeal D. Henrique. Teve os títulos de escudeiro fidalgo e de cavaleiro da Coroa; foi secretário do Desembargo do Paço. Em 7 de Julho de 1561, foi nomeado por D. Sebastião e pela Mesa da Consciência, como Procurador da Coroa, no contrato celebrado com a Ordem da Santíssima Trindade para a redenção dos cativos.

Na Torre do Tombo figuram sete recibos de pagamentos feitos a Pedro Sanches por ordem da Rainha D. Catarina, todos da importância de 12$000 rs. ou 30 cruzados (quantias equivalentes), datados de 1550, 1552, 1554, 1555, 1556, 1557 e 1572. Não indicam a razão, apenas dizem “de que lhe faz mercê”. Só o de 1552 é que identifica Pedro Sanches como “criado do príncipe”. Representarão actos de generosidade da Rainha para com ele, uma gratificação especial para além dos salários correspondentes às funções desempenhadas. Na Corte da Rainha D. Catarina, havia outros Sanches, que poderiam ou não ser parentes de Pedro e Rodrigo: Sancho Sanches (castelhano), moço de esporas, Francisco Sanches, luveiro e João Sanches, tangedor de flauta (**).

Pedro Sanches foi um poeta novilatino de mérito que, porém, nada publicou durante a sua vida. As suas obras figuram quase todas no Ms. 6368 da BNP (Reservados).

Foi preciso esperar pelo sec. XVIII para que um seu poema intitulado “Carta a Inácio de Morais” ou “Poema sobre os Poetas Lusitanos, dedicado a Inácio de Morais”, com 592 versos, mas incompleto, fosse publicado no primeiro volume da obra Corpus Illustrium Poetarum Lusitanorum qui Latine scripserunt.  A iniciativa de coligir estes textos de poesia latina coube ao oratoriano P.e António dos Reis (1690 - 1738), que a deixou bastante adiantada, com os manuscritos de sete volumes, incluindo as biografias de Pedro Sanches e de Henrique Caiado (1.º vol.), Francisco de Barcelos (4.º) e António Figueira Durão (5.º) (Dr. Sebastião Tavares de Pinho, na obra citada).

A obra foi continuada por outro oratoriano, o P.e Manuel Monteiro (1667 - 1758), que organizou o oitavo e último volume (que contém as poesias do próprio P.e António dos Reis) e escreveu as biografias dos doze restantes poetas. Os oito volumes do Corpus foram então publicados de 1745 a 1748. Os poetas cujas obras figuram em cada volume, são:

 

I

Pedro Sanches

Hermínio Caiado

Manuel da Costa

Diogo Mendes de Vasconcelos

Miguel de Cabedo

António de Cabedo

Online: http://books.google.pt

 

II

João de Melo de Sousa

Online: http://books.google.pt

 

 

III

Diogo de Paiva de Andrade

 

IV

Lopo Serrão

Fr. Francisco de Barcelos

Online: http://books.google.pt

 

V

Fr. Tomé de Faria

António Figueira Durão

Online: http://books.google.pt

 

VI

Fr. Francisco de S. Agostinho de Macedo

 

VII

P.e  Francisco de Macedo, S.J.

Jorge Coelho

António de Gouveia

 

VIII

P.e António do  Reis

Online: http://books.google.pt

 

O poema Carmina de poetis Lusitanis identifica 54 poetas que escreveram em Latim (e não 60 como refere o P.e António dos Reis, por razões que se tornam evidentes ao ler as suas notas).

Lá figuram sem dúvida os mestres e os amigos do poeta. O que mais se destaca é Inácio de Morais, a quem o poema é dedicado. Pessoa de bom carácter, vivia com dificuldades com o seu magro salário de professor na Universidade de Coimbra. Não era padre, nem frade, pelo contrário, tinha família a sustentar. Foi Pedro Sanches que o socorreu materialmente e inclusivamente financiou a impressão de algumas das suas publicações. A seguir, temos que relevar também Jerónimo Osório, natural de Lamego e que foi sem dúvida professor de Pedro Sanches. Também a este ajudou a imprimir algumas obras. Osório retribuiu de certo modo, inserindo nos seus livros alguns poemas de Sanches, que a seguir se transcrevem.

Numerosos foram os amigos com quem trocou correspondência e poemas. Destaca-se entre eles o grupo de Évora, André de Resende, Diogo Mendes de Vasconcelos, Luis Pires e Lopo Serrão. Como amostra de poemas a Pedro Sanches dedicados, o que lhe foi enviado por Diogo Mendes de Vasconcelos:

 

AD PETRUM SANCIUM VIRUM VIRTUTE ET ERUDITIONE CLARUM

 

Pyrrhus noster amor tuique, Sanci,

Absentis memor, intimo pioque

In te pectore nemini secundus,

Pyrrhus Castalidum decum Sororum,

Pyrrhus Pæonia decorus arte,

Gratam nomine mi tuo salutem

Reddens, dulciloquum simul venuste

A te compositum obtulit poema,

Quo vix dulcius elegantiusve

Quidquam pangere vel queant Camenæ;

Nam dilemmata pulchra sic figuris

Exornata nitent ut arte mira

Eois rutilat monile baccis

Distinctum aut viridi hinc et inde gemma.

Rebus consona verba sponte manant,

Queis tantus ruis ut fluente vena

Admiscens Latio Attico lepores

In morem rapidi vageris amnis,

Imbres cum bibit et nives solutas.

Unum sed queror et subinde damno

In tam splendidulis venustulisque,

Sanci, versiculis: quod infacetum

Sæclum hoc insipiensque et invenustum

Laudant, quod meritis tuis referre

Nescit præmia digna nec disertis

Secernit stupidos et imperitos.

 

A PEDRO SANCHES, VARÃO INSIGNE EM VIRTUDE E SABER

 

 

Pires,  meu amigo e teu, ó Sanches,

Ele que se recorda do ausente, a ninguém inferior

Em amizade íntima e dedicada para contigo,

Pires, honra das irmãs de Castália,

Pires, ornado da arte de Péon,

Transmitindo-me em teu nome uma grata

Saudação, ofereceu-me, ao mesmo tempo, um harmonioso

Poema, graciosamente composto por ti,

Mais agradável ou elegante que o qual dificilmente

Até as Camenas coisa alguma poderiam cantar.

Com efeito, as expressões belas brilham,

Enriquecidas com imagens, tal como um colar fulgura,

Matizado, com arte admirável, por todos

Os lados, de pedras orientais ou de verdes jóias.

Espontaneamente brotam as palavras apropriadas às coisas,

E dominá-las tão perfeitamente que, misturando com inspiração

Fluente as belezas áticas às do Lácio,

Perpassas à maneira de um rio veloz,

Quando bebe as chuvas e as neves derretidas.

Mas uma coisa lamento e continuamente condeno,

Na finura de tão esplêndidos e encantadores

Versos, ó Sanches: - é que louvam

Este século grosseiro e insensato

E sem graça, ele que não sabe dar-te prémios

Dignos dos teus méritos nem distinguir

Dos hábeis os estúpidos e ignorantes.

 

 

(Tradução de José Geraldes Freire em Obra Poética de Diogo Mendes de Vasconcelos, Coimbra, 1962, pags. 132-133).

 

Como referido, o poema Carmina de poetis Lusitanis ficou incompleto, pois contem no final a expressão Deest finis (no manuscrito) ou Cætera desiderantur (no Corpus). Isto é: era suposto ter uma continuação.

A leitura da curta obra de Pedro Sanches deixa-nos perceber por que é que ele nada publicou em vida. Entre os poetas amigos, lá estão Diogo de Teive e João da Costa que passaram das boas na Inquisição em 1550/51, por suspeitas de luteranismo. As ideias liberais sobre a religião eram tanto mais naturais, quando era a própria Igreja Católica que sentia a necessidade de se reformar, levando a cabo o que chamou a Contra-reforma no Concílio de Trento. Mas o ambiente em Portugal era muito carregado.

Em 1971, o Prof. Américo da Costa Ramalho publicou outro poema de Pedro Sanches com o título “De superstitionibus Abrantinorum”, de que faz um estudo comparativo, histórico e literário.  Trata-se de uma crítica à “religião” do povo que, neste caso, leva à rivalidade entre duas freguesias da cidade de Abrantes, por ocasião da festa de S. Vicente, o padroeiro de uma delas.  Conclui o Prof. A. Costa Ramalho que foi elementar prudência de Pedro Sanches, não publicar o poema.

 Pedro Sanches foi casado; transcrevendo de Barbosa Machado:

De D. Maria de Rosales sua Consorte que era de geração nobre, teve tres filhos, dos quaes o mais velho chamado Rodrigo Sanches Secretario das Justiças, e Commendador de Viana cazou com D. Luiza da Fonseca da qual teve D. Joanna da Fonseca que se despozou com Francisco de Faria Severim Executor mór do Reino, e Escrivão da Fazenda real: o segundo Athanasio Sanches Moço Fidalgo, e Cavalleiro da Ordem de São-Tiago deixando o seculo abraçou o instituto da Religião da Santissima Trindade, e no Convento de Santarem, e na idade de 73 annos falleceo com sospeita de veneno dado pelos sequazes da Sinagoga. O terceiro Luiz Sanches, que estudando Direito Civil em Coimbra imitou o furor poetico do seu Pay, e de ambos se fez menção nos seus lugares.

O P.e António dos Reis, na biografia que inseriu no Corpus, indica como sendo o mais velho de nome Manuel, e que teria ido para África sem conhecimento dos pais, onde só estava satisfeito derramando sangue, ou o seu, ou o dos Mouros. Parece não se confirmar esta lenda.

 

(*)  A localização dos povos lusitanos indicados na inscrição da ponte de Alcântara tem constituído um dos problemas mais interessantes e complexos da Arqueologia Portuguesa, tanto mais que certeza absoluta apenas existe em relação aos Igaeditanos (de Idanha-a-Velha). Ana Marques de Sá, no seu livro (2007), faz o ponto da situação na obra citada na bibliografia, pags. 25. : "O marco de Salvador, achado no concelho de Penamacor, situa os Lancienses Oppidani a nordeste dos Igaeditani para além da serra de Penha Garcia, separados pelo curso inferior do rio Erges (Jorge Alarcão, "Novas perspectivas sobre os Lusitanos (e outros mundos), in Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 4, n.º 2, Lisboa, 2001, pag. 299). O marco de Peroviseu, encontrado no concelho do Fundão, demarca a fronteira entre os Lancienses e Igaeditani ( João L. Inês Vaz, "Inscrições romanas do Museu do Fundão", in Conimbriga, 16, Coimbra, 1977, pp. 27-29). A sul da serra da Gardunha ficavam os Tapori, que confinavam com os Igaeditani (Jorge Alarcão,  ob. cit.,  2001, pag. 299)." Ver neste site, aqui.

 

(**) 16-8-2009 - ADENDA – Soube agora que Pedro e Rodrigo Sanches ajudaram um seu ilustre sobrinho, filho de sua irmã Leonor Diez, Francisco Sanchez de las Brozas, ou El Brocense, ilustre poeta latino, gramático, mais tarde, professor da Universidade de Salamanca. Nascido por volta de 1523 de pais desprovidos de fortuna, valeram-lhe seus tios que o trouxeram para Évora onde estudou três anos. Por volta de 1537, levaram-no para Lisboa, para a Corte, donde saiu seis anos depois, no séquito da Infanta D. Maria que foi casar a Salamanca com o Príncipe D. Filipe em 13 de Fevereiro de 1543. Foi depois estudar Teologia que abandonou, dedicando-se ao Latim, ao Grego e à Retórica. Saiu Bacharel em Artes da Universidade de Valladolid e foi ensinar Grego e Retórica para Salamanca.

(Biografía del Maestro Francisco Sanchez, El Brocense, con algunas poesías suyas inéditas. Dala à luz el Marqués de Morante. Madrid, Imprenta de D. Eusebio Aguado, 1859. Online: http://books.google.com )

No final da sua vida, foi perseguido pela Inquisição, tendo-lhe sido movidos dois processos em 1584 e 1593, este segundo não concluído. Veio a falecer em Dezembro de 1600. (Colección de documentos inéditos para la historia de España, tomo II, pags. 5 - 170. Madrid, 1843. Online: www.archive.org).

 

 

Poemas de Pedro Sanches

 

Epístola a Inácio de Morais, ver aqui.

 

 

Poemas em louvor de D. Luis de Ataide, Conde de Atouguia, pelas suas vitórias e feitos gloriosos na Índia, inseridos no opúsculo Diversorum Auctorum Carmina in laudem Illustrissimi Domini Ludovici Athaidii, Serenissimi Regis Portugalliæ  a Consiliis pro fœlice victoria apud Indos reportata, Romæ, apud Iosephum de Angelis, 1575. Tradução do Prof. Belmiro Fernandes Pereira em "A fama no ocaso do império: a divulgação europeia dos feitos de D. Luis de Ataíde" , in Humanitas n.º 43-44 (1991-1992), pags. 47-80-

 

AD EUNDEM

De spoliata domo, Petrus Sanchez

 

Post reges victos, post bella exhausta, ducesque

      Innumeros cæsos, millia multa virum,

Præmia pro factis quæ vobis digna dabuntur?

      Militibus fortis dux Ludovicus ait.

Nullum aurum in castris devicto ex hoste relictum est,

      Nulla urbs, quam victrix dextera diripiat,

Non tamen, o socii, vester labor irritus ut sit

      Iam patiar, nostram depopulate domum.

Esse solet victus victori præda superbo,

      At victor præda, hic solus in orbe fuit.

 

AO MESMO

A propósito da sua casa saqueada, Pedro Sanches

 

“Depois de terdes vencido reis, depois de terdes laboriosamente

      acabado as guerras e morto tantos generais e tantos milhares de

homens que recompensas, dignas dos vossos feitos, vos hei-de

      conceder?” pergunta Luis, o valoroso general, aos seus soldados.

“Nenhum ouro foi deixado nos acampamentos pelo inimigo derrotado,

      não há qualquer cidade que a mão vencedora possa despojar,

não quer isto dizer, ó companheiros, que o vosso esforço seja vão

      e que eu não sofra – ponde a saque a minha casa.”

Costuma o vencido ser presa da soberba do vencedor,

      mas vencedor que fosse presa, foi este o único no mundo.

 

 

 

Ad eundem

 

Invictus fortisque animus, patiensque laborum

      Auri contemptor, verus amor patriæ,

Æternum peperere tibi, dux inclyte, nomen:

      Sin minus in terris æthere notus eris.

 

AO MESMO

 

Ânimo indomável e valoroso, paciente nos trabalhos,

      desprezador do ouro, verdadeiro amor à pátria,

para ti alcançaram, ó insigne general, eterna fama,

      se não fores conhecido na terra, sê-lo-á no céu.

 

 

 

Ad edundem

 

Cautum erat edicto ne quis nisi doctus Apelles,

      Pellæi magni pingeret ora ducis,

Sit cautum edicto, ne quis nisi Musa Maronis

      Taiidii magni fortia gesta canat.

 

AO MESMO

 

Decidiu-se, outrora, por decreto, que ninguém, a não ser

      o hábil Apeles, pintasse o rosto do grande general macedónio.

Por lei se determine, agora, que ninguém, a não ser a musa de Marão,

      Cante os valorosos feitos do grande Ataíde.

 

 

 

Ad eundem

 

Si caderes bello depresso Idalconis armis

      Perferrent omnes nomen ad astra tuum.

At quia tot reges attriti Marte cruento

      Præbuerint vinctas in tua iussa manus,

Odit victorem, nil mirum, barbarus hostis,

      Mirum hoc, te civis non amat inde tuus,

Hostes, quod victi, cives, quod viceris, et quod

      Palmam inter fortes det tibi fama duces.

Inclyte dux, parvo non stat victoria tanta,

      Invidiosa minus, si minus illa foret.

 

AO MESMO

 

Se tombasses em combate morto pelas armas do Hidalcão,

      todos exaltariam o teu nome até aos céus.

Mas porque tantos reis, esmagados pelo cruento Marte,

      se apresentaram de mãos atadas às tuas ordens,

não é de admirar que o bárbaro inimigo odeie o vencedor,

      estranho é que, por isso, não te estimem os teus concidadãos,

os inimigos, porque vencidos, os cidadãos, porque venceste e

      porque a Fama te concede a palma da vitória dos grandes generais.

Ó glorioso general, de pouco valor não será tamanha vitória,

      Mais pequena ela fosse, menos azo daria à inveja.

 

 

 

Poemas em louvor do médico Lopo Serrão, seu amigo, que este inseriu no livro De Senectute. Tradução de Sebastião Tavares de Pinho, em "Lopo Serrão e o seu poema Da Velhice", Estudo introdutório, tradução e notas de Sebastião Tavares de Pinho, Lisboa, INIC, Coimbra, 1987.

 

 

PETRI SANCTII

Epigramma in laudem auctoris

 

Qualis erat Danais quondam Podalirius heros

        morbida qui medica membra levabat ope,

qualis Romuleas Epidauro venit in arces

        Phœbigena, inclusam numen in angue ferens,

talis Serranus, vel maior, in arte medendi,

        morbos hac nostra pellit ab urbe graves.

Quodque semel Phœbo nymphaque Coronide cretus

        fecit in Hippolyto, sed renuente Jove,

hoc ingens Serranus agit per compita passim

        arte potens dia, nec renuente Deo.

Hunc aluit docuitque suas Thymbræus Apollo

        artes, herbarum vim quoque nosse dedit.

Hunc olim puerum ad liquidas Permessidos undas

        duxit et in sacris pectora mersit aquis.

Excivitque novem placido ex Helicone sorores

        atque inter divas talia dicta  refert:

“Carmine magnus erit puer hic, medicamine magnus,

        Thespiades capiti laurea serta date."

Thespiades puero tunc laurea serta dederunt

        Et Phœbus plectrum, Calliopea lyram.

Sic erit egregius vates medicusque peritus,

        quid dubitas? Phœbus num tibi falsa canet?

 

DE PEDRO SANCHES

Um epigrama em honra do Autor

 

Tal como outrora os Dánaos tinham o herói Podalírio

        que aliviava os corpos doentes com a ajuda de remédios,

tal como o filho de Febo veio do Epidauro para as fortalezas

        de Rómulo, trazendo oculto numa serpente o seu poder divino,

assim também Serrão, talvez ainda maior na arte de curar,

      repele as graves doenças desta nossa cidade.

E aquilo que o descendente de Febo e da ninfa Corónis

      realizou uma vez em Hipólito, mas contra a vontade de Júpiter,

fá-lo pelas ruas, em todo o lado, o grandioso Serrão,

        detentor da arte divina, sem que Deus o reprove.

Nutriu-o e ensinou-lhe as suas artes Apolo Timbreu

        e deu-lhe a conhecer também a virtude das ervas.

Levou-o um dia, ainda menino, às límpidas torrentes

      do Permesso e mergulhou o seu peito nas águas sagradas.

E convocou do plácido Hélicon as nove irmãs,

        e entre estas deusas tais palavras proferiu:

“Há-de ser grande na poesia este menino, grande na medicina;

      ponde-lhe na cabeça, ó Tespíades, grinaldas de louro.”

Então as Tespíades concederam as grinaldas de ouro ao menino,

      Febo o plectro, Caliopeia a lira.

Assim, porque duvidas que ele há-de ser um vate egrégio

        e um médico perito? Acaso Apolo te cantará mentiras?

 

 

 

 

IN LAUDEM HUIUS OPERIS

 

Tullius ætatis scripsit solamina longæ,

      laudavit senium quod grave portat tonus.

Hoc opus expendit vitam lædentia longam,

      sæpe senectutis commoda multa refert.

Namque, ut uterque polus totum in se continet orbem

      mappaque depicto tramite monstrat iter,

florida sic iuvenum, sic arida prata senectæ,

        ingenii mira continet arte liber.

 

EM LOUVOR DESTA OBRA

 

Túlio descreveu as consolações da idade avançada,

        louvou a velhice que suporta um fardo pesado.

Esta obra pondera os danos que afectam a vida longa,

        conta e reconta as muitas vantagens da senectude.

Na verdade, tal como ambos os pólos contêm em si o orbe inteiro,

        e o mapa indica o caminho no traço de uma rota,

assim os prados floridos da juventude e os áridos da velhice

        se contêm, por arte e maravilha do engenho, neste livro.

 

 

 

Poemas inseridos no livro Da Pintura Antigua: Tratado,  de Francisco de Holanda (1517-1584), publicado a 1.ª vez no Porto por Joaquim de Vasconcellos, Renascença Portuguesa, Porto, 1879. No livro, Francisco de Holanda refere que foi Pedro Sanches que lhe descreveu a Ponte de Alcântara; possivelmente, foi também ele que lhe deu a transcrição das duas epígrafes da Ponte, publicadas em desenho no livro.

 

PETREIUS SANCTIUS

 

In nemus Elysium postquam migravit Apelles

      Umbraque Protogenis Parrhassiique simul

Æmula nacturæ jacuit per secula multa

      Pictura in tenebris semisepulta diu.

Nec quisquam in lucem valuit revocare camœnam

      Lassaret quamquam hic pectora multa labor.

Præmia seu deerant pulchram invitantia ad artem

      Seu potius tantis artibus ingenium.

Tandem magna parens rerum indignata iacere

      Et misera Nympham conditione premi,

Educat Hollandum quisvi dea sacra potenti

      Ad superos redeat ingenio, arte, manu.

 

 

 

 

ALIUD

 

Astris quod Phœbe est, quod sol magno aureus orbi,

      Ignea quod mens est denique corporibus,

Artibus et sacris, hoc est Pictura camœnis,

      Non vivit cui non inserit illa animam.

 

 

 

 

Poemas inseridos no livro de Jerónimo Cardoso, publicado em 1550 em Coimbra (Tip. de João Barreira e João Álvares) em 1550, Hieronymi Cardosi Lusitani, Libellus de Terra Motu, de Vario Amore Ægloga, de Disciplinarum Omnium Laudibus Oratio.

 

 

Petrus Sancius ad Hieronymum Cardosum

 

O cui Phœbeas licuit decerpere laurus,

        Atque nova doctum cingere fronde caput:

Cui dedit ipse suum plectrum Tymbræus Apollo,

        Cui dedit ipsa suam Calliopea lyram.

Quid te solicitant indoctæ murmura plebis?

        Nunquid ab indoctis doctus amandus erit?

Ante lupi ferient fœdus cum mitibus agnis,

        Et lepores iuncti cum cane fonte bibent:

Atque icheumonis cessabit in aspidas ira,

        Et Iovis armigeram dulcis amabit olor.

Nonne olim vulgus risit persæpe  Maronem ?

        Nasoque liventem pertulit invidiam ?

Carpseruntque, alii cultissima carmina Flacci,

        Ipseque non caruit verbere Mæonides?

Improbus et stultus, quæ non intelligit, odit,

        Et damnat: doctus displicet invidulo.

Sperne ergo turbamque ; rudem, populumque prophanum,

        Et tua mi,et musis carmina, quæso, cane.

Attu, qui turpis succum loliginis atrum

        Livide suffundis, nul (mihi crede) facis.

Nam licet ipse velit lacerare hæc carmina livor.

        Non poterit, dentes conterat usque licet.

Perpetuo vivent terris : dubiumque videtur,

        An sint cum terris interitura simul.

Comprime stulte igitur dignam fœdo inguine linguam:

        Aut ungues si vis rodere, rode tuos.

 

 

 

 

AD EUNDEM

 

Cardose, indoctus quite, et tua carmina rodit,

        Non rodat, si ungues roderet ipse suos.

 

 

 

 

IN ZOILUM DETRACTOREM

 

Zoile quid docti Cardosi carmina rodis,

        Quæ Charites, Musæ, Phœbus et ipse probat?

Ah scio cur facias, credo vis doctus haberi:

        Nonne hoc laudando consequerere magis

Linguæ, quæ lacerat bona carmina, quid precer illi?

        Semper ut obscœnis hæreat inguinibus.

 

 

 

 

IN EUNDEM

 

Lividus, invidulus, qui tam bona carmina mordet,

        Ungues si sapiat, mordeat ille suos.

 

 

 

 

 

IN EUNDEM

 

Latrando quanvis gannitibus ilia rumpas,

        Et minuas dentes simul omnes,

Inscriptis Cardosi nullum nomen habebis,

        Ignotusque miser moriere.

Nanque mei vatis divorum carmine laudes,

        Et regum canit inclyta Musa:

Concelebratque viros doctos, laudatque severos,

        Atque immortales facit esse.

Tu tamen insudas, ut qualiscunque legaris,

        Hos interque cupis numerari.

Quis, rogo, quis nigros cygnis interserat albis

        Corvos? Aut blandæ philomelæ?

Aut quis contactum musis porrigine porcum

        Adiungat, mentis bene sanæ ?

Ergo licet latres totis sine fine diebus,

        Attamen ignotus morieris.

 

 

 

 

Poema inserido no livro de Jerónimo Cardoso, com o título de Elegiarum libri duo, impresso em Lisboa em 1563, na Tipografia Régia de João Barreira. Figura no 2.º Livro de Elegias.

 

 

PETRUS SANCTIUS AD AUCTOREM

 

In doctos hominum cætus urbemque perosus

        Atque levem populum: dulcia rura peto

Dulcia rura peto sylvas umbrasque virentes

        Quæ me sollicitum mente animoque levant.

Iam iuga pretereo geniali consita vitæ,

        Quæ quondam dryades incoluisse ferunt.

Aestus erat pariter meta distabat utraque

        Phœbus: et igne suo florida rura coquit,

Insolitusque labor iam me lassabat et ultra

        Et calor atque sitis longius ire vetant.

Non procul ecce suas umbras promittit amicas

        Fraxinus alta virens: hanc peto linquo viam,

Forte fuit iuxta puris uberrimus undis

        Illimis fons: quem plurima sylva regit.

Gramineus cespes viridanteis circinat oras:

        Non funci non hic cana palustris erat.

Stagna suo binos eructant gurgite rivos:

        Per salices trepide garrula lympha fugit.

His Arethusa tuæ cedant his fontibus undæ

        Atque  lacus cyanes, salmacidisque palus,

Hic postquam sævos complesquit unda calores:

        Extinxitque æstus atque sitim domuit.

Protinus in viridi depono gramine corpus:

        Et fesso cubitum subiicio capiti.

Sic recubans nostros mecum meditabat amores,

        Atque hic dicebam lilia pulchra veni.

Lilia pulchra veni requies mihi certa laborum,

        Certa mihi requies lilia pulchra, veni:

Mæque  iuves ignesque leves quibus urimur intus.

        Inque sinus venias dulcis amica meos :

Nec te peniteat ruris, nam sæpe secuta est

        Cynthia per sylvas endimiona suum.

Retia tendentem de summo vertice hymeti

        Subrripuit pocri lutea diva virum.

Detinuit venerem iuvenis cinareius ipsam

      Rure quibus dederant grammina sæpe torum.

Dum loquor hæc frusta dum ventis irrita dono,

      Non profecturas perdoque blanditias.

Igneos occiduas pyrois properabat ad undas,

        Longior et summis montibus umbra cadit.

Innitens manibus vivo de cespite surgo :

      Egredior sylvis ingrediorque viam

Hic mihi se acclivo ostendit de monte puella :

      Et properans ad nos sedula carpit iter.

Colligit in nodum subccinctas fibula vestes,

        Innectunt, flavas aurea fila comas.

Myrtea virga manu est: obnubit tempora laurus.

        In pedibus niveis aurea vincla gerit.

Obitupui postquam vulnus faciemque verendam

        Aspexi: quis non crederet esse deam,

Esse deam dixi quia nil mortale videbam,

        Forma venusta decens virgineusque decor.

Sed non dictyna est nam nec sonat aureus illi

        Arcus : nec claudit picta pharetra latus.

Atque tegit galea pulchram tritonia frontem.

        Ornat et hasta manus ægida pectus habet.

Non igitur pallas volucrum nec mater amorum

        Non veneri castus convenit ille pudor.

Dum dubito adcessi propius doctamque camænam.

        Cardosi agnosco protinus esse mei.

Quæ multam roseo postquam dedit ore salutem.

        Sumpsit et amplexus terque quaterque meos.

Calliope maior vel si quid maius habetur.

        Iudice me dixi: quam mihi grata venis.

Delitiæ vestræ quid agit cardosus in urbe

      Num valet: est sanci num memor ille sui:

Rettulit illa valet: nomenque extendit in ævum.

        Et parat extremis eripuisse rogis.

Nemo magis charus phæbo nunc vivit in orbe.

        Nemo est cui faveat docta minerva magis

Iam seu bella tonat seu dulcia carmina tentat

        Ille suo nobis imperat arbitrio.

Multa simul mandata dedit sed plura roganti

        Noxa ait oceani præcipitatur aquis.

Iam phæbus dis iungit equos suadetque reverti

      flamigeros currus iam levat unda tagi.

I decus et latiae linguæ latiique leporis

        Ad dominum referes hæc mea dicta tuum.

Ille precor vivat longævi nestoris annos,

        Utque facit magnum nomen ad astra ferat.

 

 

 

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

 

Luís Miguel Oliveira de Barros Cardoso, Para a história do humanismo renascentista em Portugal [Texto policopiado] Pedro Sanches e o sortilégio das musas, Tese mestr. Literatura Novilatina em Portugal, Univ. de Coimbra, 1996, 150 pags.

 

Luís Miguel Oliveira de Barros Cardoso, Humanismo e Eramismo no Renascimento Português - Pedro Sanches e a Musa de Roterdão: O (des)velado cálamo de pendor erasmista,

Online, aqui

 

Luís Miguel Oliveira de Barros Cardoso, Retórica, comunicação e teoria do texto: análise a um Thesaurus do Séc. XVIII - tessitura retórica e discurso apologético

Online, aqui

 

Corpus illustrium poetarum lusitanorum, qui latine scripserunt, nunc primum in lucem editum ab Antonio dos Reys, Joanni v., Lusitanorum regi, consecratum, nonnullisque poetarum vitis auctum ab Emanuele Monteiro, 1.º volume, Lisbonae, Typis Regalibus Sylvianis, 1745.

Online: http://books.google.pt

 

João Franco Barreto, Biblioteca Portuguesa, MS. Reservados, BNP.

 

Ms. 6368, BNP, Reservados.

 

Francisco de Olanda (1571), Da fabrica que falece à cidade de Lisboa, edição preparada por Alberto Cortês († 1918), que agora publica Vergílio Correia,  del “Archivo Español de Arte y Arqueologia” num. 15,  Madrid, 1929

 

Bibliotheca lusitana historica, critica, e cronologica : na qual se comprehende a noticia dos authores portuguezes, e das obras, que compuserão desde o tempo da promulgação da Ley da Graça até ao tempo presente, por Diogo Barbosa Machado (1682-1772), 4 vols., 1741.  Entrada: "Pedro Sanches"

 

Américo da Costa Ramalho, "Epístola a Inácio de Morais", Latim Renascentista em Portugal, 2.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, JNICT, 1994, pags. 220-225

 

Américo da Costa Ramalho, Para a história do humanismo em Portugal, Coimbra, INIC, 1988-1994, 2 vols.

 

Américo da Costa Ramalho, O poema De superstitionibus Abrantinorum de Pedro Sanches, Lisboa, Academia das Ciências, 1971, Separata das Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, tomo XIV.

 

Américo da Costa Ramalho, O poema De superstitionibus Abrantinorum de Pedro Sanches, in Amar, sentir e viver a história : estudos de homenagem a Joaquim Veríssimo Serrão, Vol. 1, Edições Colibri, pp. 11-20.

 

Américo da Costa Ramalho, Ad Petrum Sanctium, in Boletim de Estudos Clássicos, n.º 40. Online aqui.

 

José Sebastião da Silva Dias, A política cultural da época de D. João III, Coimbra, Universidade, 1969, 2 vols.

 

Joaquim Veríssimo Serräo, Portugueses no estudo de Salamanca, 1250-1550, Imprensa de Coimbra, 1962, 515 pags.

 

Francisco Leitão Ferreira (1667-1735), Notícias cronológicas da Universidade de Coimbra, Segunda parte, volume III, tomo I., 1944.

 

A. B. de Bragança Pereira, Os portugueses em Baçaim, Bastorá, Tip. Rangel, 1935, 220 pags.

 

J. Gerson da Cunha, Notes on the history and antiquities of Chaul and Bassein, New Delhi, Madras, Asian Educational Services, 1993

 

Alberto Iria, A paz com o rei de Cambaia, que cedeu Baçaim e permitiu a construção da fortaleza de Diu ao capitão-mor e governador da Índia, Nuno da Cunha, segundo a carta régia de D. João III, para a Câmara de Tavira, de 17 de Junho de 1536, Lisboa, 1950, Apresentado ao 13o Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências.

 

Ana Marques de Sá, Civitas Igaeditanorum: Os Deus e os Homens, Município de Idanha-a-Nova , Julho de 2007, ISBN 978-972-8285-39-5

 

 

PEDRO SANCHES, natural de Lisboa como elle confessa in Epist. ad Ignat. de Moraes) fallando no Cardial D. Miguel da Sylva.

 

Sylvius illustri Regum quoque sanguine cretus

Hac nostra natus, nostra hac nutritus in urbe  

 

Foy filho de Luiz Sanches de nação Castelhano que veyo acompanhando a Serenissima Infanta D. Catherina futura consorte delRey D. João o III. Aprendeo as letras humanas com o insigne Mestre Jeronymo Cardoso, de cuja disciplina sahio egregiamente instruido. Ainda não excedia a idade de dezaseis annos recebeo por morte delRey D. João o III. que lhe era muito affecto, o habito da Ordem Militar de Christo com a Comenda da Esgueira, e o nomeou Secretario do Dezembargo do Paço da repartição das Justiças. Tal era a inclinação que tinha para a Poesia assim Latina, como Vulgar que não erão poderosas as graves ocupaçoens do seu officio para o separar do comercio das Musas, antes todo o tempo vago ocupava em ler os Versos dos Poetas mais insignes dos quaes era fiel imitador merecendo a antonomasia de Ovidio do seu seculo. Foy dotado de estylo claro, e perceptivel, sendo sublime, e elegante. Não sómente estimava a amizade dos homens eruditos, mas anciosamente procurava a sua comunicação valendo-se de Cartas que lhe escrevia para sustentar este comercio Litterario. Ao insigne Poeta Ignacio de Moraes seu cordial amigo lastimando-se da pobreza em que vivia o socorreo varias vezes com largos donativos mandando imprimir algumas das suas obras para não serem consumidas pelo tempo. Não foy menos liberal com seu Mestre Jeronymo Cardoso publicando á sua custa as Cartas latinas de tão egregio Grammatico. Assistindo em Evora no tempo que era Corte abrio em sua Casa huma Academia, onde em certos dias se juntavão os mais celebres professores da Poetica, e Oratoria, e recitavão as suas obras dignas de eterna duração. De D. Maria de Rosales sua Consorte que era de geração nobre, teve tres filhos, dos quaes o mais velho chamado Rodrigo Sanches Secretario das Justiças, e Commendador de Viana cazou com D. Luiza da Fonseca da qual teve D. Joanna da Fonseca que se despozou com Francisco de Faria Severim Executor mór do Reino, e Escrivão da Fazenda real: o segundo Athanasio Sanches Moço Fidalgo, e Cavalleiro da Ordem de São-Tiago deixando o seculo abraçou o instituto da Religião da Santissima Trindade, e no Convento de Santarem, e na idade de 73 annos falleceo com sospeita de veneno dado pelos sequazes da Sinagoga. O terceiro Luiz Sanches, que estudando Direito Civil em Coimbra imitou o furor poetico do seu Pay, e de ambos se fez menção nos seus lugares. Falleceo Pedro Sanches em Lisboa no mesmo anno, dia, e hora que sua consorte, e jazem no Convento da Santissima Trindade para o qual forão conduzidos com magnifica pompa por ordem do Senhor D. Antonio, filho do Serenissimo Infante D. Luiz.

 

Fazem memoria do seu nome gravissimos Authores assim em proza, como em verso.

Jeronymo Cardoso Epist. ad Lud. Pyrrhum. Petrus Sancius vir, ut scis, nullis non numeris absolutus, & nostrum utriusque amantissimus ad me versus quosdam, vel potius delicias meras dedit, quos cùm oppidò quam libens lectitarem, studiosiusque etiam retractarem videbar plane vel Nasonem quem piam in illis contemplari, vel Musas ipsas alternis concinentes audire.

 

O mesmo lib. 1.  Eleg.

 

Cum bis, terque tuos, Sancti doctissime, versus

      Perlegere est miris mes recreata modis;

Nanque voluptatis tantu, et dulcedinis hausi

      Ebrius ut fierem, nec memor ipse mei.

 

Jorge Cardoso Agiol. Lusit. Tom. 3. no Comment. de 22 de Mayo letr. F. pag. 373. ‘Nas letras humanas teve grande nome, e por isso o respeitava tanto M. Resende consultando-o muitas vezes como a Oraculo da Latinidade, e Poesia.

 

João Franco Barreto Bib. Portug. M. S. Teve particular graça em os versos Latinos em que compoz muitas obras.

 

Resende in Epist. ad Petrum Sancium data Eborae Nonis Maii 1542 .  

 

Nunc tua Musa potens, tua me facundia Petrei,  

Non modo ad alterutrum, quod miteris ipse, reducit,

Verum etiam per utrumque rapit, quo dissita longe

Imo infesta sibi secum pugnantia credam.

Nam tua cum stupidus demiror carmina, melle

Inlita Musaeo, fatum, quibus adseris, omni

Contempta id ratione probo, tribuoque malignis

Syderibus patimur quaecumque incommoda vitae

Quum rursum expendo tua carmina, quaeque malorum

Exempla adduxti, qui nunc plerisque videntur

Vivere felices.

 

O Padre Antonio dos Reys da Congregação do Oratorio Academico da Academia real, e Collector dos Poetas Portuguezes que escreverão na lingoa Latina Tom. 1. impresso. Lisbonae Typis regalibus Sylvianis, Regiaeque Academiae 1745. 4. começa por Pedro Sanches, cuja vida lhe escreveo elegantemente em latim, e depois se segue a seguinte obra poetica deste insigne Varão. 

 

Epistola ad Ignatium de Moraes.

Consta de  592 versos heroicos em que louva os Poetas mais insignes que produzio Portugal no seu tempo.  

 

Elegia in mortem Infantis Cardinalis Alphonsi.

 

Desta obra faz elle menção na precedente a Ignacio de Moraes.

 

 .... Nos te, et tua funera quondam

Flevimus Alphonse, et gemitu, lacrymisque profusis

Ad tumulum maesta ter voce vocavimus umbram.

  

Duas Cartas latinas escrita huma a Jeronymo Cardoso, e outra a Ignacio de Moraes. sahirão nas Epistol. Hyeronimi Cardosi. a pag. 25. e 42. Olyssipone  apud Joannem Barrerium Typ. Reg. 1565. 8.

 

Epigramma ad Hyeronimum Cardosum ne detractores timeat.  Começa. Ó cui Phaebeas licuit decerpere lauros. Atque nova doctum cingere fronte caput etc.    Sahio no Libellus de Terremotu de Jeronymo Cardoso. Conimbricae apud Joannem Barrerium, & Joannem Alvarum Typ. Reg. 1550. 8.  

 

 Opera Poetica. 4. M. S.Conservavão-se em poder de Gaspar de Faria Severim, Commendador de Mora, bisneto do Author do qual se faz distincta memoria em seu lugar.