6-11-2012

 

 

 

Representação de hum dos Procuradores da Gente de Nação, António Rodrigues Marques, persuadindo a Sagrada Congregação que o Santo Ofício lhe queria quebrar o Salvo conduto, pedindo remédio. Sem data.

 

 

 

No Armário Jesuítico e Cartório dos Jesuítas da Torre do Tombo, estão os maços 29 e 30, com o título “Controvérsia dos Jesuítas com a Inquisição de Portugal”. São muitas dezenas de documentos que permitem acompanhar o empenho dos Jesuítas em apoiar os cristãos novos, no sentido de moralizar a Inquisição, que de santa tinha pouco ou mesmo nada. Entre estes, o documento que a seguir reproduzo e traduzi para Português em que António Rodrigues Marques, sobrinho direito de António Rodrigues Mogadouro, pede a protecção da Cúria Romana contra a Inquisição que o queria apanhar. O documento não tem data, mas pelo que diz, foi escrito entre 1675 e 1678; de facto o Alcaide dos secretos, Agostinho Nunes, que António R. Marques subornara, já estava preso, mas ainda não tinha morrido. Trata-se de uma minuta, por isso não há a certeza de ter sido enviada (a menos que apareça nos arquivos romanos). Diz ele que eram seis os Procuradores a quem tinha sido passado o salvo conduto. António R. Marques escapou à prisão. Em 22-2-1681, ainda estava em Portugal, porque há uma carta com o nome dele (Maço n.º 30, n.º 82). Se, depois se viu apertado, poderá ter ido para o estrangeiro.

O Breve Romanus Pontifex de 22 de Agosto de 1681 encerrou a questão, restabelecendo a Inquisição. E embora tivesse um elenco de regras para moralizar algum tanto a Inquisição, os Inquisidores pouco ou nada lhe ligaram. Um extenso documento do maço 30, com o n.º 88, explana em Latim o não cumprimento das determinações do Breve. Os Jesuítas por um lado (Doc. n.º 89) e por outro, os teólogos e doutores (Doc. n.º 90) que tinham dado parecer favorável ao recurso dos cristãos novos, escreviam para Roma pedindo protecção contra a Inquisição.

 

 

Ecc.mi e R.mi Signori,

Il Procuratore delli Christiani di sangue hebreo di Portogallo humilemente espone, che li sei suoi principali all’ EE. VV. noti, quali hanno promosso et introdotto il ricorso in questa Sac. Cong. ne con l’ultime lettere gli hanno incaricato di rappresentare alla mede.ma.

Che è insorta valida voce, e viene anco loro insinuato da particolari, come per aviso, che siano quelli Inquisitori per inquirire e vessare Antonio Rodrigues Marques, uno di essi, sono coloro che abbia procurato di liberare da quelli carceri della Santa Inquisizione alcuni, che ci sono ritenuti suoi parenti, con tentare di corrompere il custode, che da 40 anni serve in detto officio, quale per non vedersi come prima, si dice carcerato, e fa correre questa voce, resa verisimile dall’essere gli Inquisitori irritati contro gli ori.

E sebene il detto Antonio è certo della sua innocenza e di più deve vivere sicuro da tale vessazione su la buona fede che gli concede l’amplissimo salvo condotto, concesso à lui, e compagni da questa Sacra Cong.ne; con tutto ciò stima espediente farlo ricordare all’EE. VV. acciò non venghi rivocato, come vantano detti Inquisitori, che cercano con questi modi, incutere timore e disunire gli ori; perché sono sicuri che altri non potranno riportare dal Ser.mo Don Pietro Regente l’assenso che loro hanno impetrato per il presente ricorso ad effetto che questo resti senza la dovuta assistenza degli ori, quali però supplicano di opportuno rimedio con prohibitione efficace agli Inquisitori, che non procedino contro alcuno di loro, sotto qualsia pretesto.

E perché resti sempre luogo al castigo con ogni più rigorosa giustizia, quando il detto Antonio Rodrigues, o altri delli sei fossero colpevoli di questo, o di altri, il detto Procuratore offerisce costituirgli prigioni in queste Carceri del S. Officio di Roma, a quale effetto avanti Mons.re Nuntio daranno li detti suoi principali la sicurità che l’EE. VV. destineranno.

Ed è il tutto

      (Armário Jesuítico, maço 30, n.º 16)

 

Ex.mos e Rev.mos Senhores,

O Procurador dos Cristãos de sangue hebreu de Portugal vem expor humildemente, que os seis que deles são principais, conhecidos de V. Ex.ªs, que promoveram e apresentaram o recurso a essa Sagrada Congregação, lhe deram com as últimas cartas o encargo de os representar junto da mesma.

Pois surgiu um rumor fundado e também lhes foi insinuado por pessoas particulares, em termos de aviso, que os Inquisidores estão para inquirir e vexar a António Rodrigues Marques, um deles, que tenha procurado libertar dos cárceres da Santa Inquisição alguns seus parentes, que aí se encontram detidos, tentando corromper o guarda, que há 40 anos serve no mesmo Ofício, o qual por ter perdido o lugar, diz-se encarcerado e faz correr este boato, que se torna verosímil pelo facto de os Inquisidores estarem irritados contra os Procuradores.

E embora o referido António esteja seguro da sua inocência e além disso se considera livre de tal vexação pela boa fé que lhe concede o larguíssimo salvo conduto, que foi concedido a ele e aos seus companheiros por essa Sagrada Congregação; contudo, parece-lhe conveniente recordá-lo a V. Ex.ªs para que não seja revogado, como se vangloriam os Inquisidores, que procuram deste modo incutir medo e desunir os Procuradores; porque estão certos que outros não conseguirão obter do Sereníssimo Príncipe Regente D. Pedro o assentimento que eles solicitaram para o presente recurso a fim de que este fique sem a necessária assistência dos Procuradores, os quais porém suplicam um remédio oportuno com uma eficaz proibição aos Inquisidores, para que não procedam contra qualquer deles, seja qual for o pretexto.

E para que haja sempre lugar ao castigo com a mais rigorosa justiça, se por acaso o dito António Rodrigues, ou outros dos seis, forem culpados disto ou de outra coisa, o dito Procurador oferece-se para ficar prisioneiro nos Cárceres do Santo Ofício de Roma, e para esse efeito os ditos principais darão antes a Monsenhor o Núncio a garantia que V. Ex.ªs fixarem.

 

 

 

 

 

Há mais um interessante documento sobre a relação entre a Inquisição e António Rodrigues Marques: uma carta do Núncio ao Conselho Geral, dizendo que, se querem perseguir o António Rodrigues Marques, primeiro investigam, depois informam para Roma e só depois é que fazem o que Roma disser.

 

Cópia da carta do Núncio para o Conselho -  Fól. 137

 

Porquanto Sua Santidade me tem dado poderes para permitir a Vossas Senhorias e mais Inquisidores deste Reino que, sem embargo do Breve da Inibitória de 3 de Outubro de 1674 que lhes mandei presentar em 14 de Novembro do dito ano, possam prender aos que, prevenidos de legítimos indícios em causas pertencentes ao Santo Ofício, ainda não foram presos, e que no mais fique o dito Breve no seu vigor. E outrossim, sem embargo da proibição que eu lhes fiz em 2 de Outubro de 1673, de não molestar aos seis procuradores dos cristãos novos, entre os quais há António Rodrigues Marques, possam tirar devassa informativa contra ele pelo crime de haver procurado corromper, ou de haver com efeito corrompido ao Alcaide do Santo Ofício a favor de alguns seus parentes presos, com condição que a dita devassa ou seu traslado se remeta à Sagrada Congregação, para esperar dela suas ordens. Portanto, usando eu dos ditos poderes, dou com esta carta licença a V. S.rias e mais Inquisidores para poder prender aos culpados de crimes pertencentes ao Santo Ofício acima referidos, e também de tirar devassa informativa contra o dito António Rodrigues Marques, contanto que no resto fique em seu vigor o Breve da Inibitória e que, tirada esta devassa, se mande o original, ou seu traslado autêntico à Sagrada Congregação, para depois esperar as suas ordens. Assim ficarão V. S.rias entendendo, e poderão comunicar esta minha licença aos Inquisidores a quem pertencer, para se valerem delas aonde o serviço de Deus o pedir, e da S.ta Fé Católica. As pessoas de V. S.rias guarde Deus muitos anos. Lisboa, 27 de Fevereiro de 1675.

 

Resposta do Conselho ao Núncio

Neste Conselho se viu a carta que V. Ilustríssima foi servido nos escrever de 27 de Fevereiro próximo passado, e ficámos entendendo o que V. Ilustríssima nos diz acerca das prisões. O negócio de António Rodrigues tem que considerar-se, a respeito de alguns inconvenientes que se nos oferecerem. Deus guarde a V. Ilustríssima muitos anos. Lisboa, o primeiro de Março de 1675.

 

Sobre o assunto, ver o sumário do processo de Diogo Rodrigues Henriques -- http://www.arlindo-correia.com/041112.html

 

 

(TSO – Conselho Geral – Papéis avulsos – Maço 7 – Caixa 15 – Documento n.º 2645 – fól. 137 )

 

A Família Penso na Inquisição

 

A Família Mogadouro na Inquisição