Maria do Rosário Pedreira
(1959 - )
Maria do
Rosário Pedreira nasceu em Lisboa, em 1959. Licenciou-se em Línguas
e Literaturas Modernas, na variante de Estudos Franceses e Ingleses,
pela Universidade Clássica de Lisboa (1981). Possui ainda o curso
de Língua e Cultura do
Instituto Italiano de Cultura em Portugal, tendo sido bolseira
do governo italiano e frequentado um curso de verão na
Universidade de Perugia. Frequentou durante quatro anos o Goethe
Institut, foi professora do Ensino Básico, fez algumas traduções,
proferiu conferências, etc.
Trabalhou como
coordenadora dos serviços editoriais da Editora Gradiva. Foi
directora de publicações da Sociedade Portugal-Frankfurt 97 e
editora dos catálogos dos pavilhões oficiais temáticos da
Expo-98, tal como redactora das publicações inerentes aos
Festivais dos 100 Dias e Mergulho no Futuro, promovidos durante a
Expo-98. É editora da "Temas e Debates" (grupo
Bertelsmann) desde 1998. |
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Como escritora, tem
já publicados vários trabalhos de ficção, poesia, ensaio, crónicas
e literatura juvenil, procurando neste último género a transmissão
de valores humanos e culturais. O seu romance Alguns Homens, Duas
Mulheres e Eu está construído em torno de uma
identidade perdida, onde solidão e feminino são as peças
fundamentais. Também o seu livro de poesia A Casa e o Cheiro dos
Livros institui a casa como o lugar feminino que acumula
esperas, o cheiro dos livros, os restos do amor, os gatos que aí se
resguardam da chuva. Para a Autora – já distinguida com alguns prémios
literários – , a casa pode ser considerada como um mundo onde se
encerra tudo aquilo que vai perdurando, mesmo que sob a forma da memória,
nostalgicamente. No início de Setembro de 2005, abandonou a Temas e Debates, cuja direcção editorial assegurou até essa data, para ser editora da QuidNovi. No início de 2010, assumiu funções no Grupo editorial Leya, onde, segundo foi anunciado, irá editar novos autores portugueses. |
Outra página neste site sobre a autora aqui
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14-2-2009
valter hugo mãe
Declaração de Amor a Maria do Rosário Pedreira, no dia de S. Valentim de 2009
Ler aqui
21-9-2012
Poesia reunida, Quetzal, ISBN 978-989-722-047-0, 257 pgs.
REUNIÃO Agora, já se pode dizer: a minha Poesia Reunida está pronta e à venda desde sexta-feira (o que permite, de resto, um post egocêntrico e algo preguiçoso). Agradeço-a antes de mais à editora Lúcia Pinho e Melo, da Quetzal, que acolheu o projecto com entusiasmo e profissionalismo, mas agradeço-a também a todos os que, nestes últimos anos, me têm escrito e abordado, perguntando onde podem encontrar os meus livros (se calhar, se não fossem estes últimos, não me tinha mexido). O livro está lindo (é, pelo menos, a minha opinião) e inclui um prefácio de Pedro Mexia, os três livros esgotados e um livro novo que dá pelo nome de «A Ideia do Fim». Aqui fica então dada a notícia a todos os interessados (que me desculpem os que não gostam de poesia). (Apresentação da autora no blog http://horasextraordinarias.blogs.sapo.pt )
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20 de Abril de 2002
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Depois de “O Canto do Vento nos Ciprestes”, a Gótica reedita a obra de estreia de Maria do Rosário Pedreira, um belíssimo livro que se encontrava esgotado: “A Casa e o Cheiro dos Livros”. É uma poesia da casa, do abandono e da ternura.
TEXTO DE PEDRO MEXIA
Podemos definir a poesia de Maria do Rosário Pedreira (n. 1959) como uma poesia de ternura. Nos dois livros publicados, “O Canto do Vento nos Ciprestes” (2001) e o anterior “A Casa e o Cheiro dos Livros” (1996), agora reeditado, estamos perante uma poética do sussurro, do lamento e, no segundo livro, da elegia. Já aqui me ocupei da obra mais recente, detenhamo-nos agora sobre o livro de estreia. “A Casa e o Cheiro dos Livros” é, no essencial, um livro de interiores; de interiores das casas, como o próprio título sugere, mas também do interior de cada um no processo amoroso. Com mais propriedade, é apenas o “eu” que fala, e só dele temos notícias, até porque o “outro” partiu, está de partida, há-de partir mais tarde ou mais cedo. É da transitoriedade do amor (ou da relação amorosa) que este livro nos fala, e essa transitoriedade é apresentada na perspectiva “antiquada” ( e “antiquadamente feminina)de quem vê nessa transitoriedade um retrocesso. Para quem ama, o carácter efémero do amor não é um avanço civilizacional, mas, pura e simplesmente, uma tragédia. É claro que na poesia de temática amorosa já temos há séculos o modelo da “alba”, isto é, do poema que retrata a difícil separação dos amantes quando o dia desponta. Mas seria erróneo definir os poemas deste livro como albas; se essa dor existe, ela corresponde não à separação provisória mutuamente dolorosa, mas à ruptura sentida como trágica apenas por uma das partes, a mulher. “A Casa e o Cheiro dos Livros” é tudo menos um livro feminista.
Nestes poemas, abundam os sinais do fim, que ao mesmo tempo são marcas de lembrança: a cama desfeita, retratos, livros interrompidos a meio, perfumes. O cheiro dos livros é o cheiro do amado nos livros e em todos os objectos que ficaram para trás como testemunhas. Aquilo que faz bem também faz mal, segundo a lógica de que o que magoa mais na infelicidade é a lembrança dos tempos felizes. E a infelicidade insinua-se nestas páginas, dando a entender que estamos perante uma visão do mundo de cariz romântico, isto é, que concentra no amor toda a sublimação e a justificação da existência (Cesare Pavese tem magníficas páginas sobre o assunto).
É certo que o romantismo nunca deixou de marcar a poesia portuguesa, e que depois de uma geração anti-lírica os novos confessionalismos trouxeram de novo à tona o sofrimento amoroso. Mas é curioso que esse mote existe sobretudo nos poetas masculinos, enquanto as mulheres foram sempre mostrando alguma resistência a esse discurso que o feminismo marcou como sendo de cariz machista, na medida em que idealizava e por isso adulterava e aprisionava as mulheres. Se pensarmos nas autoras mais recentes, percebemos como esse lirismo amoroso, mesmo se não escapa a laivos românticos, aparece muito sabotado, como acontece com Ana Luísa Amaral e Adília Lopes. Nesse sentido, o discurso poético de Maria do Rosário Pedreira pode parecer bizarro ou, pelo menos, deslocado. Não me parece que exista nenhum elemento programático nessa “recuperação” romântica, mas que se trata apenas da expressão mais fiel da personalidade da autora.
Este tipo de visão amorosa tem a sua expressão máxima num entendimento solene e ritualista das palavras e das coisas. Nenhum espaço para a ironia (a não ser talvez alguma ironia negra) nem para a trivialidade, nenhum gesto ou objecto que não seja investido de uma carga ritual, até pela sua incessante aparição ou recorrência. Recordam-se momentos de partilha, de atenções e mimos, momentos que se esfumaram. A cama e a casa são os espaços que se tornam simbólicos do passado feliz e do futuro crescentemente improvável. Os lençóis novos, por exemplo, exprimem tanto um virar de página como um último contacto obsessivo com a proximidade de outrora. Mas há também um espelho partido que prenuncia fatídicos sete anos de azar e um gato que ao mesmo tempo que espera ainda o homem a quem se habituou, sugere também uma indiferença lânguida. Porque a verdade é que ela ainda aguarda que ele regresse, espera ainda, embora noutros poemas cronologicamente anteriores lhe peça que não parta ou declare o medo de que ele não volte. Noutro poema, porém, posterior já à perda da esperança, ela entoa um “se voltares” que já não é esperança mas uma litania de desespero. A passagem do tempo, boicotada na sua linearidade pela arrumação dos poemas, tem a sua concretização nos pertences dele ou que se tornaram como que dele (“a tua cadeira”), no cheiro dele na casa, no silêncio, e na leitura, que aparece como uma espécie de propedêutica do amor, manchada para sempre pelo fim desse mesmo amor (mas também uma possível fonte de consolo):
“Eu volto
à casa onde contigo se demorou o verão e arrumo
os livros, escondo as cartas, viro os retratos
para a mesa. Sei que o tempo se magoou de nós,
sei que não voltas, e ouço dizer que as aves
partem sempre assim, subitamente.” (pág. 69).
E mais à frente:
“Volto à casa e demoro-me nos quartos frios do silêncio.
Esconderam os retratos dentro dos livros. E os livros
nas gavetas. E fizeram as camas para sempre de lavado” (pág. 72).
Mas também existe um mundo exterior à casa nestes poemas, o mundo do verão, da praia e das sereias, de ondas e marés, dos ventos perigosos e depois das aves que partem. É como que o frágil mas sublime mundo de Sophia transtornado pela paixão e pelo abandono. O verão é ao mesmo tempo o esplendor e a precariedade, aquilo que no amor é natural ou, por outra, aquilo que nele é natureza. Vale a pena acrescentar que MRP consegue nalguns poemas delinear um depurado e delicado erotismo, feito de olhares, sombras e cheiros, e de uma nomeação intensamente lírica dos gestos e do corpo humano (veja-se esta formulação: “Tenho um decote pousado no vestido”). Num esforço de auto-convencimento diz a si mesma que a este corpo se seguirão outros, o que, podendo ser verdade, não paga a memória desse corpo que, como se diz a dado passo, ninguém conheceu nem conhecerá tão bem (é curioso como o poema que começa “Não voltei a esse corpo” lembra o poema de Yeats onde este diz à amada que ninguém a amou nem amará nunca como ele).
O lirismo deste livro exprime-se de uma maneira relativamente convencional em termos de sintaxe, dicção, etc., preocupado como está sobretudo em evocar atmosferas e paixões. Estas recordações precisas mas ao mesmo tempo lacunares procuram um “lugar mais sereno para a memória” que, no entanto, não recusa o “pathos” e, portanto, o tom patético. Esse “pathos” exprime-se de tal modo que um poema se chama, apropriadamente, “Fado”, enquanto outros lembram um dos mais comoventes poemas de Drummond de Andrade (não exactamente um poeta romântico”, o “Caso do Vestido”. Há também símbolos e metáforas, alguns de tonalidade bíblica: a última ceia, a figueira, o filho pródigo que partiu mas talvez regresse. A mulher é mãe, é irmã, é amante sofredora a cada momento, com medo que ele adormeça, que parta, que não volte. E no entanto ela espera (“embora secretamente”), enquanto deseja que a mulher que se segue proteja o homem que ela perdeu. É esta desesperada ternura por um amor passado e por um sofrimento que talvez passe, embora não passe nunca, que faz o encanto deste livro:
Os amantes aparecem no verão, quando os amigos partiram
Para o sul à sua procura, deixando um lugar vago
à mesa, um bilhete entalado na porta, as plantas,
o canário, um beijo e um livro emprestado: a memória
das suas biografias incompletas. Os amigos
desaparecem em agosto. Consomem-nos as labaredas do sol
e os amantes que chegam ao fim da tarde
jantam e de manhã ajudam a regar as raízes das avencas
que os amigos confiaram até setembro, quando regressam
trazem saudades e um romance novo debaixo da língua.
Levam um beijo, os vasos, as gaiolas e os amantes
deixam um lugar vago na memória, cabelos na almofada,
uma carta, desculpas, e um livro de cabeceira que os
amigos lêem, pacientes, ocupando o seu lugar à mesa. (pág. 19)
O outro lado do mundo
Liège
Por MARIA DO
ROSÁRIO PEDREIRA
PÚBLICO
Sábado,
13 de Outubro de 2001
Liège é uma cidade de província num país (a Bélgica que me perdoe) já de si provinciano. E, depois de a ter visto de relance, fiquei com a sensação de que ninguém vai a Liège se não tiver mesmo de lá ir. E eu tinha.
Era em Liège que decorria a Bienal Internacional de Poesia - subordinada ao tema "Os Tambores da Paz" - e a minha viagem não estava, pois, relacionada com turismo, mas com trabalho. Os poemas que levava na mala não eram, diga-se de passagem, muito pacíficos (em nenhum sentido), mas, ao fim de um ano de "stress", lá ia eu a Liège ingenuamente à procura de uma certa paz, se não para o mundo, pelo menos para mim. Claro que em Liège há um rio - que divide a parte mais interessante da cidade da menos interessante - e que um rio, para quem viveu sempre em Lisboa, é essencial para nele pousarmos os olhos e nos sentirmos mais descontraídos; o problema era a Bienal ocorrer do lado errado do rio...
Temi, pois, o pior quando saí da Gare des Guillemins e a minha primeira impressão da cidade não augurou nada de bom, com a chuva a tamborilar nas calçadas cinzentas ao ritmo oposto dos tão esperados Tambores da Paz. Contudo, depressa descobri que levava comigo uma vantagem pacificadora: a companhia do poeta José Tolentino Mendonça (que é capaz de devolver a calma a qualquer um e, além disso, tem um sentido de humor contagiante) e a do representante do Instituto Camões em Bruxelas, João Nuno Alçada, que é uma autêntica abelha-mestra nos bastidores destes eventos, produzindo incansavelmente o melhor mel para os "seus" autores.
Tudo isso compensou largamente os discursos repetitivos que a Bienal proporcionou e que raramente escaparam aos recentes atentados ao World Trade Center e ao lugar-comum dos poetas perseguidos por ditadores. E, porque a poesia estava a ser esquecida, valeu-nos a prestação de um flamengo que, entre outras coisas, contou que Homero cantava para reis bárbaros, Virgílio escrevia na época dos mais sanguinários césares e Auden, quando lhe perguntaram o que fizera contra o fascismo durante a Segunda Guerra Mundial, respondeu apenas: "Montei guarda às fronteiras da língua." A leitura de um texto por um poeta da Eritreia (que cantava e se meneava enquanto lia na sua língua e a quem o José Tolentino passou a chamar, olhando para mim cumplicemente, "o 'teu' eritreu") foi também, ao fim de um longo dia, um pouco da paz que eu fora buscar a Liège. Mas não toda.
Já no dia seguinte, à espera de descermos para o jantar, o José Tolentino e eu olhámos o rio de Liège dos enormes vidros do Palácio de Congressos e ali estivemos a dizer, um ao outro, poemas de Cesariny. Isso sim, era a paz que eu procurara. Ou quase toda.
Porque, quando fomos ao outro lado da cidade, a catedral de São Tiago reconciliou-me com o mundo; uma exposição de Raoul Dufy acabou por me reconciliar com Liège; e a visita a uma livraria, como não podia deixar de ser, foi a cereja no bolo: ficámos horas a fio perdidos nessa paz de papel, com o José Tolentino a convencer-me a ler e publicar Christian Bobin (dizendo que todas as mulheres que conhece adoram) e eu a dar-lhe razões para comprar os livros de Jacques Roubaud. Quando saímos, senti-me estranhamente calma, refeita, pronta para mais um ano de 'stress'. A livraria - nada é por acaso - chamava-se Pax.