20-12-2000
FERNANDO ASSIS PACHECO
(de
CATALABANZA QUILOLO E VOLTA)
Mas
não puxei atrás a culatra, não
limpei o óleo do cano, dizem
que a guerra mata: a minha desfez-me
logo à chegada. Não
houve pois cercos, balas que
demovessem este forçado. Viram-no
à mesa com grandes livros, com
grandes copos, grandes mãos aterradas. Viram-no
mijar à noite nas tábuas ou
nas poucas ervas meio rapadas. Olhar
os morros, como se entendesse o
seu torpor de terra plácida. Folheando
uns papeis que sobraram lembra-se
agora de haver muito frio. Dizem
que a guerra passa: esta minha passou-me para os ossos e não sai. |
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CAMIONETA
VERMELHA Se
há lugar na vossa geografia para
um friável coração de adobe digo-vos
que não trouxe muito mais dos
tiros da Camioneta Vermelha. A
coluna de Zala vinha vindo tarda
como sempre e não se ouviram durante
muitas horas os motores nesse
alto da Camioneta Vermelha. A
gente deitava-se nos abrigos, deitava-se
no silêncio e respondia somente
alguma grita de macacos ali
perto da Camioneta Vermelha. Por
ironia, eu estava lendo um
romance de Cardoso Pires ou
talvez poemas de Ruy Belo sobre
a cidade na Camioneta Vermelha. Digo-vos
que não trouxe muito mais dos
tiros cruzados de arma fina quando
o adobe começou a estalar no
meu peito na Camioneta Vermelha. Queria
contar tanta coisa veloz então
acontecida mas não posso recordar
senão esse estampido caindo
súbito na Camioneta Vermelha. Sou
um desgraçado poeta da província com
um rio que no Verão é areia, algumas
casas, algumas flores belíssimas despropositadas
na Camioneta Vermelha. O
meu modo é cantar e eu canto mesmo
que apeteça mandar um balázio no
peito de adobe, o mesmo peito que
estremecia na Camioneta Vermelha. Por
isso aqui estou eu para nuns versos dizer
que o mundo acaba e não acaba quando
a massa de um coração frágil lembra
a cidade entrevista ao longe longe
do alto da Camioneta Vermelha.
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