19-9-2000
AHHA
AXMATOBA
REQUIEM
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À laia de prefácio Nos terríveis anos de ejovismo * passei dezassete meses nas bichas da cadeia de Leninegrado. Uma vez, até alguém me "reconheceu". Por essa altura, uma mulher de lábios azuláceos que estava atrás de mim, e que de certeza nunca ouvira sequer pronunciar o meu nome, despertou da letargia própria de todas nós e perguntou-me ao ouvido (ali toda a gente sussurrava): - Pode contar isto ? Respondi: - Posso. Então, ume espécie de sorriso deslizou por aquilo que outrora fora o rosto da mulher. 1 de Abril de 1957 *Yezhovshchina: De Ejov, chefe da polícia secreta (NKVD -comissariado popular dos assuntos internos), antecessor de Béria e que, tal como este, foi no seu tempo o braço direito de Estaline. |
ВСТУПЛЕНИЕЭто было,
когда
улыбался |
Introdução
Era no tempo em que só um morto, contente por estar em paz, sorria. Como peso morto, Leninegrado dependurava-se das enxovias. E quando legiões de condenados já marchavam loucos e aflitos e as locomotivas já soltavam os apitos do breve canto do adeus, sobre nós gelavam estrelas de morte e a Rússia inocente se contorcia sob as cardas de ensanguentadas botas, sob as rodas negras dos carros sombrios.
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IУводили
тебя на
рассвете,
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1.* Levaram-te de madrugada e eu seguia atrás como num enterro, no escuro do quarto as crianças choram, a vela do ícone já se derretera. Em teus lábios o ícone frio, na fronte o suor gelado... Esquecer é impossível! Como mulheres de streltsi ** eu uivarei debaixo dos torreões do Kremlin. * Este poema refere-se à prisão de N.N. Punin, amigo chegado de Anna. Os
streltsi eram soldados camponeses, do regimento de atiradores de Moscovo. Em
consequência de um motim em 1698, foram executados por ordem de Pedro o Grande,
1182 streltsi. |
IIТихо льется тихий Дон,Желтый месяц входит в дом. Входит в шапке набекрень, Видит желтый месяц тень. Эта женщина больна, Эта женщина одна. Муж в могиле, сын в тюрьме, Помолитесь обо мне. 1938 |
2. Corre doce o Don tranquilo, e entra uma lua amarela pela casa dentro,
de chapéu à banda entra ela, vê uma sombra a lua amarela.
Esta mulher está a morrer, está sozinha esta mulher.
O homem na cova e o filho na cadeia, orai por mim. 1938 |
IIIНет, это
не я, это кто–то
другой
страдает. IVПоказать бы тебе, насмешницеИ любимице всех друзей, Царскосельской веселой грешнице, Что случится с жизнью твоей — Как трехсотая, с передачею, Под Крестами будешь стоять И своею слезою горячею Новогодний лед прожигать. Там тюремный тополь качается, И ни звука — а сколько там Неповинных жизней кончается... 1938
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3.
Não, é outro alguém que está a sofrer, eu não podia assim, tudo o que se passou seja coberto pelos panos negros, e levem daqui os lampiões... A noite cai.
4. Quem te diria a ti, ó trocista, e de toda a gente a favorita, alegre pecadora de Tsárskoe, o que se tornaria a tua vida - como vais, com a senha trezentos, para a bicha da prisão Krestí, trouxa na mão e uma lágrima quente queimando o gelo do Natal. O álamo da prisão baloiçando e nem um som se ouve - quantas vidas inocentes se estão ali finando...
1938 *Kresty: uma prisão construída no bairro Vyborg de Leningrado em 1893. Literalmente significa 'cruzes' (referindo-se ao desenho dos edifícios); deve ter-se presente o sentido adicional de "de pé aos pés da cruz".
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VСемнадцать месяцев кричу,Зову тебя домой. Кидалась в ноги палачу, Ты сын и ужас мой. Все перепуталось навек, И мне не разобрать Теперь, кто зверь, кто человек, И долго ль казни ждать. И только пышные цветы, И звон кадильный, и следы Куда–то в никуда. И прямо мне в глаза глядит И скорой гибелью грозит Огромная звезда. 1939
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5. Há dezassete meses que grito, que te chamo: volta para casa, lançava-me aos pés do verdugo, ó meu filho e meu horror. Tudo se confundiu para sempre e não sei agora distinguir quem é besta, quem é homem, e se ainda é longa a espera da execução? Só flores velhas e o tinir do turíbulo e pegadas para lado nenhum, para nada. E olha-me a direito nos olhos e ameaça com a morte próxima uma estrela enorme.
1939
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VIЛегкие летят недели.Что случилось, не пойму. Как тебе, сынок, в тюрьму Ночи белые глядели. Как они опять глядят Ястребиным жарким оком, О твоем кресте высоком И о смерти говорят. Весна 1939 |
6. Voam leves as semanas. Não sei o que sucedeu. Como te olhavam, meu filho, as noites brancas na prisão, como ainda te olham com olho de gavião, quando te falam da morte e da tua alta cruz. 1939, Primavera.
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VII
И
упало
каменное
слово |
7. Sentença Caiu a palavra de pedra no meu peito ainda vivo, não faz mal, eu estava pronta, de qualquer modo sobrevivo.
Tenho que fazer: a memória há que matá-la até ao ovo, devo petrificar a alma, é preciso viver de novo.
Ou... O verão, seu murmúrio quente, é como festa além do umbral. Minha alma há muito o pressente: casa vazia em dia claro.
Verão 1939, Casa do Fontanka
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VIII
Ты
все равно
придешь —
зачем же не
теперь? |
8. À morte Tu hás-de vir, dê por onde der - por que não já? Espero por ti - e tão difícil me é viver. Apaguei a luz e abri-te a porta, a ti, ó tão simples e maravilhosa. Toma o aspecto que quiseres, irrompe como um projéctil envenenado ou avança sorrateira de barra na mão como o bandido experiente, ou envenena-me com ar de tifo.
Vem como conto de fadas que inventaste e toda a gente conhece até à náusea - para que eu veja o cocuruto do boné azul * e o porteiro pálido do medo. Tanto me faz. Ferve o Ienissei. ** Brilha a estrela polar e a luz azul dos olhos amados anuvia-se no derradeiro horror. 19 de Agosto de 1939. Casa do Fontanka * boné azul - os bonés de cor azul dos agentes do NKVD = ir presa. *'Ienissei rio da Sibéria na região onde se situavam muitos dos campos de concentração.
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IXУже безумие крыломДуши накрыло половину, И поит огненным вином, И манит в черную долину. И поняла я, что ему Должна я уступить победу, Прислушиваясь к своему Уже как бы чужому бреду. И не позволит ничего Оно мне унести с собою (Как ни упрашивай его И как ни докучай мольбою): Ни сына страшные глаза — Окаменелое страданье, Ни день, когда пришла гроза, Ни час тюремного свиданья. Ни милую прохладу рук, Ни лип взволнованные тени, Ни отдаленный легкий звук — Слова последних утешений. 4 мая 1940, Фонтанный Дом
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9.
Já a asa da loucura cobre metade da alma. Dá-me a beber vinho ígneo e chama p'ro negro vale.
E já compreendi que devo ceder-lhe toda a vitória, escutando como alheio o meu delírio próprio.
Ela não permitirá que leve nada comigo (inútil convencê-la, implorar-lhe o pedido):
Nem os olhos do meu filho, terror que se petrifica, nem o dia da tormenta, nem a hora da visita,
nem a frescura das mãos, sombras de tílias, nem o som delicado e longínquo do derradeiro consolo. 4 de Maio de 1940
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X
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«Не
рыдай Мене,
Мати, |
1 Хор
ангелов
великий час
восславил, 2 Магдалина
билась и
рыдала,
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10.
Crucificação
"Não
chores por mim, Mãe,
reviverei no túmulo."
I.
Os céus fundiram-se em fogo e um coro
de anjos glorificou a grande hora.
Disse ao Pai: "Por que me abandonaste?"
E à Mãe: "Não chores por mim, não chores..."
II.
Madalena convulsa se agita.
O discípulo dilecto está de pedra.
Mas olhar aonde se pousa a Mãe,
silenciosa, ninguém se atreve.
1940-43
ЭПИЛОГ1Узнала я, как опадают лица,Как из–под век выглядывает страх, Как клинописи жесткие страницы Страдание выводит на щеках, Как локоны из пепельных и черных Серебряными делаются вдруг, Улыбка вянет на губах покорных, И в сухоньком смешке дрожит испуг. И я молюсь не о себе одной, А обо всех, кто там стоял со мною, И в лютый холод, и в июльский зной Под красною ослепшею стеною. |
Epílogo
Fiquei a saber como murcham os rostos, como das pálpebras o medo assoma, como o sofrimento escreve nas faces rijas páginas de escrita cuneiforme, como se tornam súbito prateadas as madeixas ruças, madeixas pretas, murcha o sorriso nos lábios subjugados e no risinho seco tremem medos. E estou a rezar não só por mim, mas por todas que estiveram ali comigo no calor de Julho e no frio cruel junto ao muro vermelho e cego.
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2 Опять поминальный приблизился час.Я вижу, я слышу, я чувствую вас: И ту, что едва до окна довели, И ту, что родимой не топчет земли, И ту, что, красивой тряхнув головой, Сказала: «Сюда прихожу, как домой» Хотелось бы всех поименно назвать, Да отняли список, и негде узнать. Для них соткала я широкий покров Из бедных, у них же подслушанных слов. О них вспоминаю всегда и везде, О них не забуду и в новой беде, И если зажмут мой измученный рот, Которым кричит стомильонный народ, Пусть так же они поминают меня В канун моего поминального дня. А если когда–нибудь в этой стране Воздвигнуть задумают памятник мне, Согласье на это даю торжество, Но только с условьем — не ставить его Ни около моря, где я родилась: Последняя с морем разорвана связь, Ни в царском саду у заветного пня, Где тень безутешная ищет меня, А здесь, где стояла я триста часов И где для меня не открыли засов. Затем, что и в смерти блаженной боюсь Забыть громыхание черных марусь, Забыть, как постылая хлопала дверь И была старуха, как раненый зверь. И пусть с неподвижных и бронзовых век Как слезы струится подтаявший снег, И голубь тюремный пусть гулит вдали, И тихо идут по Неве корабли. Около 10 марта 1940, Фонтанный Дом
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2.
Outra vez a hora da missa das almas.
Vejo, ouço, sinto que elas vêm:
a que arrastarem a custo à janela,
a que já não pisa a terra mãe,
a que, sacudindo a cabeça bela,
disse: "venho aqui como à minha casa!"
Gostava de chamá-las pelo nome,
mas até da lista me amputaram.
Teci para elas uma ampla capa
das pobres palavras que lhes ouvia.
Vejo-as sempre, e por todo o lado,
jamais as esqueço, em nova desgraça.
E se amordaçarem minha boca extenuada,
donde grita um povo de cem milhões,
que elas me lembrem da mesma maneira
na véspera da hora do meu funeral.
E se nesta terra alguma vez
pensarem em me erguer um monumento,
terão todo o meu consentimento,
mas imponho: não o vão colocar
à beira d'água, onde nasci -
quebrou-se a última amarra com o mar -,
nem no jardim real, junto ao tronco amado
onde a sombra inconsolável me procura,
mas aqui, onde estive de pé trezentas horas
e não me destrancaram o ferrolho.
Porque receio esquecer, na morte calma,
o ribombar dos carros negros, o estalido
da porta odiosa, e como uivava
uma velha, tal um animal ferido.
Que das pálpebras imóveis de bronze
corra, como lágrimas, derretida neve
e a pomba da prisão arrulhe ao longe
e naveguem lentas as naves pelo Neva.
1940, Março, Casa do Fontanka
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