14-1-2012

 

 

Mais um correspondente de Damião de Góis

 

 

 

É sabida a importância que tinha a correspondência (em Latim) nos círculos humanistas do Renascimento. Um bom exemplo são as cartas escritas e recebidas por  Damião de Góis, que têm sido estudadas e traduzidas nos últimos anos.

Há, porém, um correspondente de Damião de Góis que não tem sido falado em Portugal. O Prof. Amadeu Torres e a biógrafa Elizabeth Feist Hirsch não o mencionam. Trata-se de Antoine Perrenot,  Cardeal De Granvelle, figura importante na política europeia do Sec. XVI.

As três cartas que vamos referir encontram-se no na Real Biblioteca de Madrid e são mencionadas:

- a escrita pelo Cardeal de Granvelle em 1537 a Damião de Góis (Anexo 1), então em Pádua, (II/2798, fls. 135 r.) em nota de um artigo de Eduardo Del Pino González [1];

- as escritas por Damião de Góis ao Cardeal (II/2298, fls. 120 r., de 1540 e II/2316, fls. 252 r.), de 1561 (Anexos 2 e 3), num pequeno artigo da Real Biblioteca [2].

Para entender o teor das cartas, há que fazer uma apresentação dos personagens que nelas figuram, Joaquim Polites e Antoine Perrenot, Cardeal de Granvelle.

 

JOAQUIM POLITES

 

Joaquim Polites foi natural de Ter-Goes, no sul dos actuais Paises Baixos, desconhecendo-se a data exacta do seu nascimento, mas deverá ter sido nos primeiros anos do Sec. XVI. Foi estudar para Lovaina, hospedando-se em casa de Rutgero Réscio, Professor de Grego. Logo aí conheceu certamente Damião de Góis, que foi hóspede do mesmo Professor. Em 1530, uma grande inundação arruinou a família e Polites teve de dar explicações de Latim e Grego para se sustentar. No ano seguinte, dirigiu-se à Universidade de Paris e iniciou estudos de Medicina. Conheceu então Nicolau Clenardo, que ali era Professor e de quem mais tarde recebeu muitas cartas, das quais várias escritas de Portugal. Outro seu amigo ilustre foi o poeta Janus Secundus (1511-1536), Flamengo, de Mechelen (Bélgica).

Em 1533, desistiu da Medicina e foi para Pádua com intenção de estudar Direito. Afinal,  volta a Paris e vai para Bordeus, convidado por André de Gouveia para ensinar no Colégio de la Guyenne. Planeou ainda ir para Espanha, para se juntar aos amigos Nicolau Clenardo e João Vaseu, mas tal hipótese não se concretizou. Depois, foi de novo para Pádua e começou de facto a estudar Direito. Em 1534, estavam alojados na mesma casa Polites, Damião de Góis e Splinter Van Hargen, mais tarde cunhado de Góis.

Polites tinha um feitio jovial e foi um grande amigo de Damião de Góis. Foi também grande amigo de Clenardo, como se constata das cartas que este lhe enviou. Deveria ainda ter também conhecido pessoalmente na Bélgica, André de Resende.

Damião de Góis incluiu nos seus Aliquot Opuscula de 1544 três poemas de Polites:

1 – Figmentum Politæ. Mercurius Deus immortalis Damiano suo mortali, datado de 12 de Abril de 1538. É de certo modo uma despedida a Damião de Góis, que já tinha decidido partir de Itália. Festeja a camaradagem entre estudantes e jocosamente lamenta as ausências de Góis, que partira em passeio [3], abandonando os amigos, Polites, Splinter, Willinger, Christoph e Paludanus.

2 – Clarissimo viro Damiano a Goes Equiti Lusitano Joachimus Polites – Poema datado de Pádua, a 1 de Dezembro de 1539, quando Damião de Góis já tinha regressado a Lovaina, é um elogio à obra de Góis, Commentarii Rerum Gestarum in India.

3- O terceiro poema, escrito já em Goes e datado de 11 de Dezembro de 1540, é um pedido de ajuda para a miséria que encontrou na sua terra natal, após as inundações e a ruína da família.

Entretanto, Polites conseguira a láurea in utroque jure em Ferrara, a 1 de Março de 1538, juntamente com Splinter van Hargen, futuro cunhado de Damião de Góis. Ambos tinham estudado em Pádua, mas, naquela época, era frequente estudar numa universidade e laurear-se noutra menos exigente. Também Erasmo recebeu o doutoramento em Teologia na Universidade de Turim em 1506, quando se deslocou a Itália.

Doutorado em Direito, Polites ansiava agora por uma posição condigna. Aqui se insere o tema da primeira carta de Góis a Antoine Perrenot, o futuro Cardeal de Granvelle (Anexo 1).  Pede ele o favorecimento do amigo.

De facto, em 1541, Polites foi nomeado Notário de Antuérpia (“Greffier”- "Graphiarius"). Pouco depois casou rico com Marguerite Coppier Van Calslagen (1517-1597), a quem deixou viúva em 1569. Não tiveram filhos.

Para além de um volume de Poemata (Antuérpia, 1548), deixou poemas seus nos Aliquot Opuscula de Damião de Góis, como referimos, e nos livros:

- Tragediae Sophoclis, Antuérpia, 1568, tradução de George Rataller;

- Alexandria ab Alexandro Genialium Dierum liber sex, Paris, 1532;

- De Radio Astronomico et geometrico liber, de Gemma Frisio, Antuérpia, 1545

- Encomium Angliae de Jaime Jespersen, Antuérpia, 1546.

Note-se que é muito possível que Polites tenha também recorrido à intermediação de Petrus Nannius (ou Pieter Nanninck) (1500-1557), muito ilustre humanista, professor de Latim no Colégio Trilingue, amigo de Erasmo e por quem o Cardeal de Granvelle tinha a maior consideração.  Este foi também muito amigo de Damião de Góis, para quem compôs um Genethliacum pelo nascimento do filho deste, Manuel, que foi incluído também nos Aliquot Opuscula de 1544 [4].

Polites foi Notário de Antuérpia de 1541 a 1566. Poeta, músico, amigo das artes, protegeu os artistas e os homens de letras. Faleceu em 1569.

O poeta Belga, Guillaume de Poetou, de Béthune (c.1528 – c. 1568), dedicou-lhe um honroso epigrama no livro Suite du Labeur en Liesse:

 

 

 A MON SEIGNEUR

                        JOACHIM POLITES

                        Greffier d’Anvers

 

Joieus d’entendre, & veoir, que les Neuf, des Dieux race,

Dans toy ont leur saints dons ferme voulu ancrer:

Nourry de hauts appas, enflammé s’est ma face.

Ces Vers, ó POLITES, qu’honneur caresse et gràce

Humble et dévotement à tes veux consacrer.

Ne rejettant le don que mon Enthousiasme

      A limé & basty, désirant de ton àme

Honnorer purement l’alme immortalité:

Esclave des neuf Soeurs, je jure que la flamme

De ton nom, serf de paix et cordialité,

Végétant dans l’ardeur de mon habilité,

Lucide apparoistra sous honneur, gloire & fame.

 

                     EN LABEUR LIESSE

 

Ao meu Estimado Senhor

                                     JOACHIM POLITES

                                     Notário de Antuérpia

 

Feliz de ouvir e ver que as Nove, da raça dos Deuses,

Quiseram em ti encrustar os seus santos dons:

Animado de altas maravilhas, o meu rosto se inflamou.

Estes versos, ó POLITES, que a honra e a graça favorecem

A ti quero consagrar, humilde e devotamente.

Não recusando o dom que o meu Entusiasmo

Poliu e edificou, desejando de tua alma

Honrar puramente a benigna imortalidade:

Escravo das nove Irmãs, eu juro que a chama

Do teu nome, servo de paz e de tranquilidade,

Vegetando no ardor da minha habilidade,

Aparecerá brilhando de honra, glória e fama.

 

                 TRABALHO COM ALEGRIA

 

 
   

 

 

 

 

                       

 

 

ANTOINE DE PERRENOT, CARDEAL DE GRANVELLE

 

Antoine Perrenot de Granvelle (1517-1586), nasceu em Besançon, então uma cidade auto-governada, rodeada pelo território imperial do Franche-Comté. Foi filho de Nicolas Perrenot (1484-1550), diplomata e Chanceler de Carlos V.  Era o segundo filho e desde muito cedo foi destinado a altos voos por seu pai. Logo aos 13 anos, foi estudar para Pádua e ali terá conhecido Damião de Góis quando este para lá foi em 1534. No final de Abril de 1538,  foi para Lovaina estudar Teologia. Aos 21 anos, foi indigitado para Bispo de Arras, ordenado sacerdote em 1540 e Bispo em 1542. Em 1561 foi feito Cardeal e Arcebispo de Mechelen.  Em 1584 foi nomeado Arcebispo de Besançon, mas não chegou a tomar posse do cargo, pois faleceu em 21 de Setembro de 1586.

Na abertura do Concílio de Trento, em 1545, discursou em nome do Imperador Carlos V. Em 1550, sucedeu a seu pai como Secretário de Estado do Imperador. Em 1552, negociou e  redigiu o Tratado de Paz de Passau. Em 1555, quando Carlos V abdicou, ficou a ocupar os mesmos cargos com Filipe II de Espanha. Em 1559 foi nomeado primeiro ministro de Margarida de Parma, a regente dos Países Baixos. A política de repressão que levou a cabo durante quase meia dúzia de anos fê-lo cair de certo modo em desgraça. Retirou-se em Março de 1564 para a Franche-Comté. 

Em 1570, chamado pelo Rei, negociou a aliança entre Espanha, o Papado e Veneza, que permitiu a vitória de Lepanto sobre os Turcos. No mesmo ano, foi feito Vice-Rei de Nápoles, cargo que desempenhou com brilho durante 5 anos. Foi então chamado a Madrid para presidir ao Conselho dos Negócios Italianos. Teve ainda um papel na entrada de Filipe II em Portugal em 1580. O Rei quis ele próprio comandar as tropas com que invadiu Portugal e encarregou De Granvelle de o substituir no governo de Espanha. Em 1584 ainda negociou o casamento da Infanta Catarina com Carlos Manuel de Saboia, mas, pouco depois, sobreveio-lhe a doença que o levou à morte.

Do Cardeal, para além de milhares de folhas manuscritas no acervo da Real Biblioteca, existem ainda os livros:

- Papiers d’État du Cardinal de Granvelle, d’après les manuscrits de la bibliothèque de Besançon – 9 volumes;

- Correspondance du Cardinal de Granvelle, 1565-1686 – 12 volumes.

Como acima referido, estão na Real Biblioteca de Madrid, uma carta de 1537 de Perrenot a Damião de Góis (Anexo 2) e uma de Damião de Góis ao Cardeal de 1561 (Anexo 3).

A primeira carta de 1537 (Anexo 2) escrita por Antoine Perrenot a Damião de Góis, então em Pádua, é um fait divers. Tinham aparecido em casa de Damião de Góis dois músicos flamengos a pedir algum trabalho para se sustentarem. Góis diz ao amigo que fica com um como seu criado e pergunta-lhe se pode dar emprego ao outro. Antoine Perrenot responde que não precisa de mais empregados e que devem ter autorização prévia do pai para contratarem pessoal. Já deveriam estar a estudar em Pádua outro ou outros dos seus irmãos.

Em Pádua, Perrenot é muito mais novo que Góis, tem 20 anos, enquanto este último tem 35. É a amizade entre um jovem e alguém mais velho e por isso, mais experiente. Já se deveriam conhecer há algum tempo, pois Damião de Góis chegou a Pádua em 1534. Uma carta de Perrenot para Polites, datada de 4 de Maio de 1536, termina assim: “Salutabis meo nomine Dominum Damianum a Goes, Dominum Splinterum, Dominum Franciscum Overium et eius discipulum Theodoricum […] Vale ex ædibus nostris, Patavii, 4 Maii 1536 [5].

Na carta dirigida ao Cardeal por Damião de Góis em 1561 (Anexo 3), este, lembrado talvez do tempo que tinha passado na Corte de D. Manuel I, vem solicitar-lhe que aceite o seu filho Rui,  de 15 anos na sua residência, para se ambientar com pessoas gradas. Este seria sem dúvida o primeiro filho que lhe nasceu em Portugal, já que abandonara a Flandres em 1545. Provavelmente não recebeu resposta e o pedido não terá tido sequência.  

 

 

 NOTAS:

 

[1] Eduardo del Pino González, El humanista español Juan de Verzosa y sus contactos en Flandes: un intercambio de epístolas con el humanista Joaquín Polites, in Humanistica Lovaniensia: journal of neo-latin studies, n.º 51, de 2002, pags. 83-121. Transcreve-se a nota 40, de pags. 93: La carta está fechada en Lovaina, el 16 de agosto de 1540. Véase Madrid, R.B. ms. II/2298, 120: “Amplissime praesul, Joachimus Polites est, cuius mores, et partes optime nosti […] rogabo te ut si possis, eum opitularis, ita ut meretur ».

[2] Tem o título “Dos aspectos sobre educación en la Europa del XVI: Damiao de Goes y Agustín Gualbes en la correspondencia de Granvela” e encontra-se em http://avisos.realbiblioteca.es/download_pdf.php?art=880.

[3] Tem-se dito que os “regna Liburnorum” se refere a Nápoles, possivelmente pela similitude com Livorno. É porém a Libúrnia, que corresponde hoje às cidades litorais do sul da Ístria e às ilhas da Croácia; tal como refere a Eneida (Livro I, 244).

[4] Desta altura, há um outro amigo de Damião de Góis que não costuma ser referido: é o poeta italiano Girolamo Falletti (1518-1564). Na ocasião da prisão de Góis pelos Franceses, e posterior libertação, escreveu ele dois epigramas que publicou mais tarde no seu livro de poesia, De bello Sicambrico et alia poemata, Venecia 1557, a fol. XCIV v. – XCV r.:

 

 

AD DAMIANVM A GOES EQVITEM LVSITANVM

 

Non secus ac turtur, caro uiduata sodali,

Ex liquido nunquam flumine potat aquas,

Sic uxor, postquam Gallorum praeda fuisti,

Plorauit raptum coniugis aegra sui.

 

A DAMIÃO DE GÓIS, CAVALEIRO PORTUGUÊS

 

Não de modo diferente do da rola que, privada de seu querido companheiro, nunca mais bebe água do rio transparente, assim tua esposa, depois que foste presa dos Gauleses, chorou dorida, o rapto do marido.

 

 
 

DE EODEM

 

Louanum, sitiens Damiano sospite fungi

Et consumato posse Catone frui,

Obtundit sacras excelsi numinis aures

Nec cessat Gallum sollicitare prece.

Annuerat Gallus: uenit Damianus ad urbem,

Accepit uultus protinus illa suos.

 

SOBRE O MESMO

 

Lovaina, desejando receber Damião salvo e poder desfrutar de este consumado Catão, clama aos ouvidos sagrados da excelsa divindade e não pára de importunar o Gaulês com o seu pedido. Anuiu o Gaulês: Damião chegou à cidade, ela contemplou imediatamente o seu rosto.

 

 

 

 

 

[5] Eduardo Del Pino González, art. citado, pag. 92.

 

 

 

ANEXO 1

 

 

Carta de Damião de Góis, de 16 de Agosto de 1540 dirigida a Antoine Perrenot de Granvelle

 

S. p.   Harum [litterarum] Lator Amplissime praesul, Joachimus Polytes est, cuius mores, et Doctes [Dotes] optime nosti, is enim conditionem, de qua tibi Antuerpiae locutus sum obtinere non potuit [1], proficiscitur tam [2] ad vos ob certas causas, amabo te, ut si [3] possis, eum [4] opitoleris, ita ut meretur; est profectus talis, qualem si mihi maiores essent copiae, apud me retinere cuperem.

Puluerem ac Receptam aduersus mei capitis uertiginem ne obliuiscaris  mittere.

Valeat tua Amplitudo.

Louanij,  xbj Augusti anno 1540.

            Tuus                                                              

 

Damianus a Goes"

 

 

 

 

O portador desta carta, distintíssimo Prelado, é Joaquim Polites, cujo carácter e qualidades muito bem conhecestes; ele não pôde obter a posição de que te falei em Antuérpia. Dirige-se a vós para certos assuntos; ficar-te-ei muito grato se lhe puderes dar uma ajuda, tal como merece; ele é tão cultivado, que teria desejado mantê-lo junto de mim, se eu tivesse mais meios.

Não te esqueças de me enviar o pó e a receita para as vertigens que sofro da minha cabeça.

Passe bem, Excelência.

Lovaina, 16 de Agosto de 1540

Teu,

 

Damião de Góis

 

 
 

 

[1] Ms.: palavra rasurada sobre riscada.

[2] Ms.: palavra entrelinhada, sobrescrita.

[3] Ms.: palavra rasurada sobre "ei".

[4] Ms.: palavra rasurada.

 

Entre parênteses rectos: notas de leitura.

 

   
  Manuscrito RB II-2298-, fls. 120 r    
   

O texto foi lido  pelo Prof. António Andrade, da Un. de Aveiro, que recorreu também à ajuda do Dr. Hugo Miguel Crespo, de Lisboa.  A ambos fico muito grato.

 

 

 

 

ANEXO 2

 

 

 

"Clarissimo Domino Damiano a Goes

Lusitano Suo obseruando

 

Reddidit mihi a te chartulam puer tuus mi domino, qua significas venisse ad te duos  iuvenes flandros musicos ex  quibus tibi unum  servas ministrum, petis vero  mihi   alterum indigo annuis et abundant nobis profecto famuli  neque  servum  aliquem recipere  possumus nisi iubenti   patri quo fit  ut  illum accipere  non  possum aliqui  vel in  tuam   gratiam illum accepturus condonabis nanque si id non faciem et quid viis impera quod prestare possum intelligesque quam tibi deditus  devotusque sum bene vale mi domino. Ex aedibus nostris 23 Septembris 1537

 

Ilustríssimo Senhor Damião de Góis, o seu respeitável Lusitano,

  

O teu criado entregou-me uma tua carta, meu senhor, na qual tu me informas que te chegaram dois jovens músicos flamengos, dos quais um guardas como criado, e pedes-me que eu te diga se tenho falta; mas temos abundância de criados e não podemos aceitar nenhum sem ordem do pai; daí resulta que não posso acolhê-lo a não ser que o aceitasse apenas para te fazer um favor. Perdoarás se não posso fazer isso e portanto pede coisas que eu possa fazer e perceberás quanto eu te seja dedicado e devoto. Fica bem, meu senhor. De nossa casa, 23 de Setembro de 1537.

 

 
  Manuscrito RB II-2798, fls.135 r    
   

O texto foi lido pelo Prof. Franco Bertolli, Director da Biblioteca Capitular de Busto Arsizio (Italia), a quem o manuscrito foi mostrado pelo meu amigo Carlo Colombo. Também o traduziu para italiano. Carlo Colombo visitara Lisboa pouco tempo antes e tínhamos falado das reais dificuldades de leitura da carta.  A ambos estou extremamente grato.

   

 

 

ANEXO 3

 

 

Carta de Damião de Goes al cardenal Granvela]. (Lisboa, 6-VII-1561).

 

 Et si foelicitas tuarum fortunarum nostram pristinam amicitiam obliuioni dedisse, nec inde officio meo defui unquam quin semper de te, de statu tuo cogitarem inquirumque [sic]. Benedicat tibi dominus et istam tuam cardinaliciam dignitatem huiuscemodi doctibus foecundet, ut ne in ea sinistro aliquo spiritu impulsus negligas quid facere tenearis in tanta farragine rerum haec pauca ab amico veteri, amico candido sint satis.

Res nostrae et si non ex ubrupto [sic] gradatim tamen Dei beneficio prospere succedunt, ad id adde prolium ubertatem, nam octo nobis numero sunt superstites quorum secundo natus Dola in Burgundia modo agit, primo vero et tertio nati vitam anachoreticam viunt, caeteri domi erudiuntur quorum adultiorem annos quindecim habens cuperem apud te bienio vel trienio manere, uti maternae patriae in qua bona haereditaria habet, mores imbuat et primatibus prouintiae inmouescat quod a te summo opere assequi cuperem, nec puto te pro antiquo nostrae amicitiae vinculo mihic [sic] hoc denegatum iri, praesertim cum hac lege id factum vellem ut puer ipse in mensa oeconimi tui recumbat et tibi ut famulus serviat sine tuo magno sumptu, nam quod ad amictum et vestitum spectat de iis omnibus cura erit Splintero ab Hargen sororio meo. Harum literarum latori certum responsum dabis ut illico puerum ad te mittam si eum in tuo famulatu recipere non grauaberis.

Vale, cardinalis amplissime. Olisipone, vi julii anno 1561.

Amplitudini tuae deditissimus,

Damianus Goes.

 

 

E se a felicidade dos teus sucessos porventura levasse ao esquecimento da nossa antiga amizade, isso da minha parte nunca aconteceu pois sempre pensei e me informei de como tu estás. Que o Senhor te bendiga e faça com que esta tua dignidade cardinalícia seja propícia aos doutos, para que, no meio de tanta mistura de coisas, segures estas poucas de um antigo amigo e as não descuides impelido por algum sinistro espírito, isso é bastante para um amigo bem intencionado.

As nossas coisas vão andando: senão de repente, pelo menos pouco a pouco resolvem-se com a ajuda de Deus, acresce o crescimento da prole, agora restam-nos oito sobreviventes, dos quais o segundo está em Dola na Borgonha, o primeiro e o terceiro levam vida de anacoretas, os outros são ensinados em casa; destes, gostaria que o mais velho, com 15 anos, ficasse contigo dois ou três anos, para que conheça os costumes da pátria de sua mãe, que tem boas tradições, e se relacione com as pessoas importantes da província, o que desejaria conseguir de ti com o teu excelente trabalho; nem imagino que isso me seja negado, em face do antigo vínculo da nossa amizade; sobretudo fica ciente que o rapaz deve comer na mesa do pessoal e servir-te como criado, sem o teu luxo; no que respeita aos fatos e demais roupa, disso tudo tomará cuidado Splinter de Hargen meu cunhado. A esta carta responderás com clareza pelo portador, para que te envie o rapaz, se não for incómodo recebê-lo na tua criadagem.

Adeus, ilustríssimo Cardeal. Lisboa, 6 de Julho de 1561

Dedicadíssimo a Vossa Excelência,

Damião de Góis

 
 

Manuscrito RB II/2316, fol. 252 r

   
       
 

 

A leitura desta carta, que aqui se transcreve com a devida vénia, está feita nesta página da Real Biblioteca:

http://avisos.realbiblioteca.es/download_pdf.php?art=880 

 

 

 

 

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

Eduardo del Pino González, El humanista español Juan de Verzosa y sus contactos en Flandes: un intercambio de epístolas con el humanista Joaquín Polites, in Humanistica Lovaniensia: journal of neo-latin studies, n.º 51, de 2002, pags. 83-121

 

Eduardo del Pino González, GRUDIA ME TENUIT CULTRIX STUDIOSA MINERVAE: Textos relacionados con la estancia en Lovaina del humanista español Juan de Verzosa, in Cuadernos de Filología Clásica. Estudios Latinos, 2003, 23, núm. 1, pp.  171-209

Online: http://www.ucm.es/BUCM/revistas/fll/11319062/articulos/CFCL0303230171A.PDF

 

Dirk Sacré, Le poète néo-latin Girolamo Faletti († 1564), in Humanistica Lovaniensia: journal of neo-latin studies, n.º 41, de 1992, pags. 199-220

 

Luc Courchetet d'Esnans, Histoire du Cardinal de Granvelle, Archevesque de Besançon, ViceRoi de Naples, Ministre de l’Empereur Charles Quint, et de Philippe Second, Roi d’Espagne. A Paris, chez Duchesne, 1761.

Online: www.archive.org

 

Martin Philippson, Ein Ministerium unter Philipp II – Kardinal Granvella am Spanische Hoffe (1579-1586). Berlin, Verlag Siegfried Cronbach, 1895

Online: www.archive.org

 

Francesco Piovan, Documenti sugli studi in Italia di Anoine Perrenot de Granvelle, in Quaderni per la storia dell’Università di Padova, Vol. 42 (2009), pp. 159-170.

 

Alphonse Roersch, Correspondance de Nicolas Clénard, Tome II, Notes et commentaires, Bruxelles, Palais des Académies, 1940.

 

Dichterschap en Koopmanschap in de zestiende eeuw, Omtrent de dichters Guillaume de Poetou en Jan vender Noot. Academisch proeschrift.  Promotor:  Prof. Dr. E.K. Grootes. Uitgeverij SUB ROSA, Deventer, 1987