12-11-2014

Outros capítulos do mesmo livro aqui       

 

Os Jagas de Angola no tempo da Rainha Jinga

 

 

Capítulo 31.º do livro de Fr. António de Gaeta,

La maravigliosa conversione alla santa Fede di Cristo della Regina Singa, e del suo Regno di Matamba nell'Africa meridionale

 

Capítulo XXXI

(Páginas 392 a 449)

 

Quem são os Povos Jagas e porque são assim chamados; os seus bárbaros costumes e os ritos que observam; o bestial orgulho e a desumana crueldade com que agem.

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Ora, porque muitas vezes os Povos Jagas são referidos na presente história, no tempo em que a Rainha Jinga e o seu exército seguiam a vida e os costumes deles, é bom que mostremos o que são os Povos Jagas, de onde tiveram a sua origem, e o modo de viver que têm, para que o Leitor possa compreender muitos termos, que sem esta explicação dificilmente poderia entender. Dizem alguns que os Jagas foram chamados antigamente Jacas, e que habitavam junto ao primeiro Lago que forma o Rio Nilo numa Província do Império dos Monemuges, homens de elevada estatura, de horrível semblante, cruéis, orgulhosos, bárbaros, desumanos, mortíferos, e ferozes a combater; as armas, de que se servem na batalha, são somente o arco, as flechas e o punhal; os seus costumes são cruéis, e bestiais, parecem homens selvagens; andam nus e alimentam-se de carne humana; não têm Rei, mas governam-se como uma República, vivem na floresta em cabanas, construídas de palha como as dos Pastores, ou antes, de bandidos e ladrões. Os Jagas, depois de formarem um grande exército, percorreram diversos Países, depredando, destruindo e pondo tudo a ferro, a fogo e a sangue até que entraram no Reino do Congo pela região de Batta, e tendo maltratado, desfeito e posto em fuga os primeiros que se lhes opuseram, e quiseram opor resistência, dirigiram-se para a Cidade Real da Cidade do Congo, e tendo-a assaltado de improviso, tomaram-na, saquearam-na, e destruíram-na, matando e tirando a todos a vida, sem perdoar nem à condição, nem ao sexo, nem à idade; depois, divididos em vários esquadrões, percorrendo ora esta, ora aquela Região, apoderaram-se de quase todo o Reino do Congo até que, passados alguns anos, foram expulsos pelas Armas dos Portugueses, chamados em sua ajuda por um Embaixador enviado para esse feito a Lisboa, pelo Rei do Congo ao Rei de Portugal, que logo lhas mandou com muitos navios e barcos; e aconteceu que, fugindo eles para diversas partes, como já estavam divididos em vários exércitos, subjugaram pela força das suas armas os estados de muitos Príncipes e Potentados, já não confinantes e vizinhos, mas mesmo longe do Congo, onde, tornando-se fortes, continuam a permanecer infestando, depredando e escravizando os habitantes ora desta, ora daquela Província.

Outros afirmam, por antiga tradição, que os Povos Jagas se chamavam outrora Ajagas, e que depois a palavra se corrompeu para Jagas, que habitavam na Serra, assim chamada pelos Portugueses, isto é, Montanha Leoa, para além da linha do Equinócio 18 graus, abaixo da altura do Polo para Norte, diante 25 graus da cidade de Luanda, ou seja de Angola; chamada talvez Leoa pela sua grandeza e eminência, ou então (e esta razão agrada-me bastante mais) por ser muito feroz e muito abundante em Leões; e sendo os ditos Povos Jagas por eles ferozmente molestados, fazendo neles grande mortandade, decidiram partir, abandonando aquele país, para irem habitar outros lugares e, descendo à planície, e formados em vários exércitos com vários Capitães, e comandantes a quem obedeciam, começaram a estender-se por diversas Províncias e Reinos de África, saqueando, queimando e destruindo vilas, terras e Cidades; matando a quem lhes opunha resistência, e fazendo seus escravos aqueles que se lhes rendiam. Os prisioneiros, que não eram aptos para as armas, matavam-nos e cortavam-nos em pedaços, nos talhos, como se faz com a carne dos animais, para os comerem; os outros que lhes pareciam dispostos para a guerra, integravam-nos na sua milícia, e obrigavam-nos a imitar as crueldades, as rapinas e a malvadez da vida que eles mesmos levavam. Os meninos pequenos, feitos por eles escravos, ensinavam-nos e adoptavam-nos por filhos, e adestravam-nos nas armas; os próprios filhos naturais, sem poupar um só, matavam-nos todos, para libertarem-se do peso e da obrigação de os amarem e os criarem; para serem mais prontos e expeditos na guerra. Assim estes homens tão bestiais, para serem conhecidos como Jagas, para se distinguirem dos outros, e para se tornarem perante todos mais ferozes e formidáveis, costumavam, como por divisa, arrancar os dois primeiros dentes da frente da parte de cima, e muitos deles também os dois de baixo; daí que o vê-los somente causava já grande terror e espanto; daí que, parecendo, em parte pela sua crueldade e em parte pela sua brutidade, uns diabos do Inferno, eram por todos odiados, temidos, fugidos e desprezados. Com tudo isto, muitos países com o tempo e muitas Províncias vizinhas, conversando e relacionando-se com estes Povos Jagas com eles confinantes, tornando-se com os seus chefes e Príncipes eles mesmos Jagas, se deram a seguir aquela infame, desumana e bárbara vida; alguns voluntariamente como os Senhores, chamados Cafange, Casà, Cabuco, Cahere, Cachifunzo, Chalanda, Cunga, Donga, Quisumba, Catubia e outros, os quais, para se tornarem totalmente iguais àqueles e semelhantes tanto na divisa como nos costumes, arrancaram também eles os dois primeiros dentes da boca, uns só da parte superior, outros das duas, como se disse acima; e outros por desespero, como a Rainha Jinga cuja vida narramos, a qual vendo-se despojada pelos Portugueses dos seus Reinos de Angola e do Dongo, se tornou, embora tivesse sido baptizada em menina, uma fúria de Averno, e pondo-se em campanha com um grande exército, declarou-se seguidora da vida dos Jagas, deixando-se levar por toda a espécie de malvadez e de vícios, combatendo e perseguindo desesperadamente os Portugueses, com as armas nas mãos, para readquirir e recuperar quanto lhe tinham usurpado e tirado.

A maldição que Deus deu a Caim de andar sempre vagueando pelo mundo, parece que foi herdada por esta nação dos Jagas, pois como os Ciganos não têm casas próprias, onde parem, vivem em movimento contínuo, e vão pelas terras de outrem, dispersos e vagabundos, não parando mais do que dois ou três anos num lugar; e partindo daí, vão habitar e fazer seu poiso noutro lugar; fazem os seus casamentos com as escravas que capturam na guerra, entre elas escolhendo a mais bonita, que lhes agrade, casam com ela, e declaram-na sua mulher principal, chamada por eles Enganainene, a quem todas as outras concubinas estão sujeitas e obedecem. Se, depois, enfastiados dela, o que acontece muitas vezes, a repudiam, escolhem outra e põem-na no lugar da primeira, a qual fica em casa como criada e escrava como as outras concubinas, se é que não a matam ou mandam para as suas propriedades a trabalhar na terra, e a cultivar o campo; e nisto diverge o matrimónio dos Gentios, que são Jagas, do dos simples gentios; o Jaga por qualquer ocasião de nada, ou capricho que lhe passe pela cabeça, repudia, expulsa ou então mata a mulher e toma uma outra sem dar nem receber dote, porque são suas escravas, e não há quem as defenda; mas o simples Gentio, quando quer casar-se, manda ou vai ele em pessoa procurar o Pai da jovem, para que lha dê por mulher e leva-lhe um presente, ou um donativo, segundo as possibilidades e condição da pessoa, que a pede; se o Pai consente e tem prazer em dá-la, aceita o donativo e ele a leva para casa como sua mulher; se depois, num espaço de tempo, por algum desgosto tido com seu marido, ela se separa dele, e volta para a casa paterna, o Pai dela é obrigado a restituir ao Genro tudo o que dele tinha recebido como dote da filha; mas se o marido por um seu capricho a expulsa de casa, negando fazer vida com ela, o Sogro não tem obrigação de restituir alguma coisa ao Genro.

Entre as muitas impiedades e bárbaras crueldades que praticam estes Povos Jagas, aquela que na minha opinião é a maior e a mais bestial é a de matar os próprios filhos para não ter o trabalho de os criar e para se subtraírem à obrigação natural que têm de os amar: por isso, expulsando para fora da povoação as mulheres grávidas, já perto do parto, mandam-nas dar à luz nos bosques e nas selvas, e então depois de a mãe dar à luz o filho ou filha, logo o mata, ou deixa abandonado na terra, para que seja devorado pelas feras. Feito isso, volta a mãe a casa e o marido lhe vem ao encontro com amigos e parentes para a receber, fazendo grande festa com alegria e com alguns gritos por eles usados, aprovando a coragem dela de ter morto o filho e ter-se desse modo libertado da injúria e vergonha recebida de, quando estava grávida, ter sido expulsa do povoado, e da companhia das outras mulheres de casa. Pode imaginar-se ou encontrar-se impiedade maior do que esta? Bem pode dizer-se deles, o que diz Salomão nos Provérbios: Laetantur cum male fecerint, et exultant in rebus pessimis, Quorum viae perversae sunt, et infames gressus eorum. Pois que não apenas estes Povos Jagas, mas todos os Etíopes da África Meridional são astutíssimos, maliciosos, velhacos, biltres e naturalmente inclinados para o mal; e para fazer e aprender o bem, são de tal modo, rebeldes, ignorantes, néscios, desajeitados e privados de senso, de juízo e de razão, que parecem ser animais brutos, e bestas irracionais a quem se poderiam aplicar aquelas palavras de Jeremias: Filii insipientes sunt et vecordes sapientes sunt ut faciant mala bene autem facere nescierunt . Quando se recompõem e são convencidos do erro e do mal que fizeram e não o podem negar, a resposta que dão às razões, é uma grande insipidez, pois fazem-se tolos e parvos; e o que é pior dizem que tudo o que se diz para o bem deles é mentira, de tal modo que te fazem vir a vontade de lhe tomar a medida do casaco com um bom bastão.

Todo o tempo que nos é concedido por Deus para que o gastemos ao serviço da sua Divina Majestade, estes Etíopes idólatras e bárbaros Jagas, servindo-se dele de modo perverso, o gastam e desperdiçam: a fumar tabaco de manhã à noite; a tocar, cantar e dançar continuamente; na paródia, estroinice, na lascívia e outras desonestidades; e finalmente em ir à guerra e exercitar a milícia, para roubar, saquear, destruir, matar, e saciar-se de carne humana.

Quanto à primeira, é coisa miserável vê-los todos, sem exceptuar algum, com o cachimbo na boca, que eles chamam Cattiambao, em todas as horas e todos os momentos a beber, engolir, e vomitar do nariz e da boca, densas nuvens de fumo de tabaco, e é tão grande o gosto e deleite que nisso têm, que achando-se por acaso com as mão ocupadas, para não perder aquele pouco de tempo sem tomar tabaco, põem o cachimbo na boca e, apertando-o com os dentes, bebem com seu grande prazer ao mesmo tempo aquele fumo, enquanto atendem à obra ou ao trabalho que têm entre mãos. E o que admira mais, e tem piada a ouvi-lo contar, é que também de noite indo dormir com o cachimbo, ou Cattiambao na boca, acontece muitas vezes, quando estão a dormir, que caindo-lhe da boca (que pelo muito que ressonam, a dormir, está quase sempre aberta), o fogo que está lá dentro se pega ao leito e ao quarto, que são todos feitos de palha e incendeia, queima, devora e consome as suas pequenas bugigangas, e alfaias de casa, não sem perigo de serem eles mesmos queimados. De qualquer modo, este dano não é suficiente para travar-lhes o vício de tomar o fumo do tabaco.

A segunda coisa principal com que estes Etíopes Jagas se divertem, e em que gastam inutilmente o seu tempo, é tocar, cantar e dançar sem descanso; pois do nascer da manhã até à meia noite outra coisa se lhes não ouve, senão cantos e sons; mais, não se vê que danças e bailes, sem nunca se cansarem, nem aborrecerem-se, parece que têm asas nos pés e que têm o perpétuo movimento. Os instrumentos musicais que tocam, tirando a Marimba, que dá um som algo agradável, são todos estrepitosos, desafinados e desagradáveis, que em vez de deleitar, ofendem o ouvido, entre os quais o mais usado é um tambor vazio, aberto por baixo e fechado por cima, com dois palmos de circunferência e cinco de comprimento, coberto de uma pele bastante dura, o qual eles percutem com s mãos. Usam também a guitarra, pequena de corpo, e um braço comprido, com duras cordas feitas de folhas de palmas, que tocam sem teclas na parte mais baixa do instrumento, ao modo de uma harpa: mas o instrumento mais digno e de que eles mais gostam, é uma abóbora seca, que tem lá dentro grãos de milho ou então pedrinhas, que fazem ao abaná-la um grande barulho, que se junta e fazem ir a tempo com os outros instrumentos; e embora esta sua música faça com a sua confusão grande aborrecimento, e tédio a quem não está habituado, a eles, no entanto, parece uma dulcíssima e suavíssima melodia, de que tiram grande prazer e deleite. E é digno de admiração que revelem tão bem com estes instrumentos os conceitos da sua alma, e tão claramente com os sons deles os manifestam, que quase se fazem entender melhor com as mãos a tocar, do que o fariam com a boca falando. Ao som e ao toque deles, movendo com ritmo os pés, e batendo as palmas a tempo, bailam ad numerum e acertam as suas danças com a música, fazendo nas posições do corpo muitos movimentos bruscos e mal jeitosos, tanto que parecem mesmo Diabos, saídos do Inferno. As danças que fazem eles, homens e mulheres misturados, são de tal modo porcas, lascivas e desonestas, que por modéstia de dispenso de descrever algumas particularidades, para não ofender as castas orelhas dos Leitores.

Quanto à crápula, libertinagem e ao vício da gula, que é a terceira coisa em que passam toda a sua vida estes idólatras Etíopes Jagas, digo que são todos Epicuros e Sardanápalos, que, tendo feito seu Deus o próprio ventre, quorum Deus venter est, só a este adoram; e para que consigam enchê-lo e empanturrar-se, não há malvadez nem maldade, grave e enorme quanto se queira, que não cometam com facilidade, Corpus bene saginatum, diz S. Basílio, et anima illi immersa ad peccandum proclivis sit. O vício infame da gula abre, encaminha e facilita o caminho para toda a espécie de pecados, sobretudo para o pecado da luxúria e da desonestidade. Os antigos comiam uma única vez por dia, depois do pôr do Sol, por isso, além de se conservarem sãos, eram também castos, continentes e virtuosos. Que diremos destes, que têm por costume comer de manhã à noite? Diremos que são todos uns animais e lobos vorazes. Diz Plutarco que, tendo os Filósofos de Atenas perguntado a Platão que coisa notável tinha visto na Sicília, respondeu que tinha visto uma besta monstruosa que se empanturrava duas vezes por dia, referindo-se a Dionísio de Siracusa, que foi o primeiro a inventar o pequeno almoço de manhã e a ceia à noite. E Diógenes Laércio e Latâncio Firmiano asseguram, que não foi por outra razão que os Gregos se mantiveram tanto tempo sem médicos e sem necessidade de medicamentos, se não porque uma vez por ano se tiravam sangue, uma vez por mês iam a banhos e só comiam uma vez por dia; e só dos Hebreus se lê que, comendo todas as outras nações à noite, eles comessem ao meio do dia. Mas estes Etíopes Jagas, embora à noite comam formalmente, não deixam porém de comer de manhã, ao meio dia, à meia noite e a todas as horas, que a ocasião lhes ponha nas mãos algum alimento ou coisa comestível. E são tão desregulados, que enchem a barriga até à garganta, com a barriga pronta a rebentar, e já não posso mais, e por isso não raro acontece, que pelo exagero em comer e beber, muitos deles, rebentando nos flancos, morrem de repente com a barriga cheia. Parecem o Abutre de Tício que está sempre a bicar e nunca se sacia; é bem verdade, que, quando são apertados pela necessidade, se sustentam com pouquíssimo alimento, desde que possam engolir o fumo do tabaco; pois se perdessem este, perderiam também a vida.

Infeliz Eva, que por uma maçã, fez de si escrava e todo o mundo; desaventurado Esaú, que por um prato de lentilhas, vendeu a progenitura, e o morgadio a seu irmão Jacob: e eu digo, infelicíssimos e desafortunadíssimos Etíopes que, por um almoço, e uma ceia, que lhes seja oferecida, se reduzem a prazo a venderem a si mesmos, a terra, o Céu e também Deus; até costumam dizer (é um provérbio de que usam) Quem nos dá muito a comer e pouco para trabalhar, este é o nosso verdadeiro Deus, o nosso verdadeiro Senhor, e Patrão; a este queremos servir; deste queremos nós ser escravos, pois não foi por outra razão que viemos ao mundo, se não para comer e servir.

Os alimentos, que por vezes comem, são tão sujos, nojentos e repugnantes, que só de pensar neles, dá vómitos e náuseas; pois, além de carne humana, comem ratos, grilos, serpentes, cobras, vermes e outros animais sujos e imundos. Mas o alimento de que mais gostam e apreciam, são as carnes de algumas serpentes ou dragões, que eles chamam Bomme, os quais são de um tamanho tão desmesurado, que, abrindo a boca, poderiam engolir um veado inteiro com os cornos todos, e de tal comprimento que atingem algumas vinte, trinta e mais pés, como testemunha o mesmo Padre Perfeito, que diz ter visto uma destas Bomme morta, e apanhou um susto e medo não pequenos. Não parecerá ao Leitor estranho o que ele conta, pois recordo-me de ter lido nas antigas histórias, que um companheiro de Cipião, chamado Nasica, matou uma serpente nos montes do Egipto, cuja pele levou para Roma, a qual estendida no Campo de Marte, se constatou que tinha cento e vinte pés de comprimento. Portanto, as carnes destas serpentes que, quando estão bem comidas, cheias e oprimidas pelo sono, são com facilidade mortas pelos caçadores, são comidas com gosto, como carnes selvagens pelos Etíopes Jagas e as consideram ainda mais saborosas, gulosas e delicadas, quando já estão estragadas, meias podres e mal cheirosas. Não é de admirar pois que sendo eles tão gulosos e glutões, sejam também tão dedicados ao vício da carne e da luxúria, com cujos estímulos, não os podendo suportar, correm impacientes, sem vergonha alguma, ao modo de jumentos, a desafogar os seus desenfreados apetites e desejos desonestos. E, por esta sua quentura, são tão luxuriosos e fecundos que, de um certo Senhor principal confinante deste Reino, a quem por ser agora velho, embora lhe faltem as forças para os prazeres e deleites de Vénus, não falta porém a vontade e o desejo, diz-se como coisa certa que tenha tido mais de duzentos filhos das suas mulheres e concubinas; e o próprio Missionário, que isto conta que, falando ele com outro senhor, Jaga gentio na Província de Quisama lhe disse este que tinha cem filhos todos vivos e mandou vir na altura diante dele 47, prometendo-lhe que se ele ficasse ali até ao dia seguinte, teria feito comparecer à sua presença todos os cem. Disto se gloriava mais do que se tivesse conquistado um Reino. Das mulheres Jagas não falo, porque são piores que os homens, bastante mais desonestas que eles, lascivas, todas imersas no infame vício da carne, e descaradas e levianas de tal modo, que não se envergonham de andar nuas pelas praças do umbigo para cima e da metade para baixo. Como a mulher perdeu a vergonha, está o caso arrumado, perde logo também a honra. As mulheres Messanas, que entre elas, por aquilo que diz Plutarco, se matavam umas às outras, quando souberam que o Senado tinha mandado publicar um Édito, que a primeira que fosse encontrada morta, fosse o seu cadáver levado à vista de toda a cidade, e posto nu na praça, só isto bastou para que cessassem de se matar, ao considerar a vergonha e desonra de ser vistas por todos nuas daquele modo, ainda que já mortas, tão envergonhadas eram e amantes da honestidade. Se um Édito semelhante fosse feito e intimado a estas mulheres Jagas, não seria bastante para lhes tirar o descaramento e liberdade da sua vida impúdica; porque, se não se envergonham de andar quase despidas, e de mostrar as suas vergonhas, mesmo a quem não as quer ver, enquanto são vivas, muito menos se sentiriam desonradas em mostrá-las depois de mortas. Antes, perderam de tal maneira a vergonha, que aquele pouco de modéstia e de vestido, com que cobrem somente as partes pudendas, quando caminham em público pelas praças, quando estão em casa com os seus parentes e maridos, ou, dizendo melhor, amásios, tiram-no fora, ficando os homens e mulheres totalmente nus, como a natureza os fez. Que é que se pode dizer de pior? Concluo pois que não é por outra coisa que estes Jagas Etíopes são tão dissolutos, lascivos, carnais e desonestos, se não porque são tão dedicados ao vício da gula, da crápula, e da embriaguez; pois da gula, nasce a lascívia, e depois do exagero na comida, nada mais se espera que excessos na luxúria.

A quarta coisa principal a que se dedica esta nação Jaga, e em que ocupa todo o seu tempo e a sua vida, é a guerra, ou justa, ou injusta, que seja; pois, sendo homem ociosos e inimigos do trabalho, por isso mesmo exercitam a milícia, e as armas, já que, para arranjar alimento, que detestam procurar com trabalho, assaltando de surpresa as terras vizinhas e populações, roubando, depredando, saqueando e esvaziando as suas casas, as suas posses e mantimentos; e porque a maior mercadoria e o maior negócio, que nestes Reinos se faz, consiste na compra que fazem os Portugueses de escravos, que eles adquirem com a troca de seda, de lã, de vinho e de outras mercadorias vindas da Europa, para os revender depois no Brasil, onde são necessários nos edifícios onde se produz o açúcar; em cada um destes são empregados não menos de trezentos escravos, dos quais morre uma grande quantidade pela fatiga intolerável, que suportam no fabrico e trabalho do açúcar, de que se carrega cada ano a frota do Brasil, que são oitenta grandes navios, que portanto o levam para Portugal; por isso, estes Povos Jagas vão de boa vontade à guerra, para apanhar e fazer espólio de escravos e vendê-los e trocá-los por mercadorias que os Mercadores Portugueses mandam vir da Europa, sobretudo o vinho, de qual são tão amigos que por ele se vendem a si mesmos, e acontece muitas vezes que o Pai venda por um barril de vinho, o seu filho.

Combatem nus e não levam mais veste nenhuma que um pedaço de pele diante, quanto baste para cobrir as suas vergonhas; no combate, não adoptam outras armas senão o arco, a flecha, um isqueiro, e um punhal com dois palmos de comprido; são velocíssimos como veados na corrida; pintam a cara de alvaiade e carvão pisado, enfiam através do nariz num buraco feito para isso, uma caninha, e assim quando assaltam os inimigos vão tão feios e disformes que os espantam, atemorizam e põem em fuga: os prisioneiros que fazem na guerra, quando tenham oposto resistência e não se tenham logo rendido, matam-nos quase a todos; mas se se deixam apanhar com pouco derramamento de sangue, dividem-nos entre os Oficiais do exército; mas sacrificam muitos ao Demónio; a outros, matam-nos para dar de comer aos soldados, uma parte deles são trocados e vendidos aos Portugueses por vinho da Europa; e outra parte guardam-nos como escravos, bastante mais aflitos, tiranizados e maltratados que se estivessem numa galé, presos com cadeias; apoderando-se das propriedades, casas e coisas que pela força das armas injustamente lhes tiraram; é por isso que gostam de guerrear, para gozar das fadigas e do trabalho de outrem; e podendo arranjar-se a viver licitamente, no entanto, sendo embora sãos e vigorosos, dão-se a esta espécie de vida tão ociosa e de poltrões, e preferem sofrer penúrias e necessidades de todas as coisas, que consegui-las com metade das suas fadigas e indústria. Que admira pois que sejam tão viciosos, se vivam sempre no ócio? Sendo o ócio o fermento e a raiz de todo o mal, que leva à alma a torrente e à cheia de todos os males. Acontece que Deus permite muitas vezes, para punir e castigar tantas das suas maldades e crimes que cometem, que uns sejam carnífices dos outros, costumando por vezes a Divina Justiça tomar vingança dos inimigos com os seus próprios inimigos, como fez já por meio da Rainha Jinga, permitindo que esta, sendo embora Jaga por diversas vezes, e em breve tempo desfizesse com o seu exército, dissipasse e trucidasse cinco exércitos de Senhores e Príncipes Jagas, cujos nomes são os seguintes: Quisumbe, Caete, Catubia, Cabuco e Chalanda; induzida a fazer isto não por outra razão que a sua ambição porque sendo ela (como dizia) Rainha entre os Jagas, todos os outros Jagas deviam obedecer e sujeitar-se a ela e como sua Senhora e Patroa, reverenciá-la e reconhecê-la como tal. Na verdade, boa coisa da Providência e Justiça de Deus, fazer que um Demónio expulse o outro, e que um homem mau castigue um outro pior e mais perverso que ele e que no final, acabem todos na forca; mas quando os inferiores ficarem maiores e mais potentes do que os vencidos, ficarão talvez estes sós no mundo sem o devido castigo? Não, não, estes também serão humilhados, serão confundidos e castigados por Deus. Omnis, omnis, qui se exaltat, humiliabitur.

Em suma, para concluir com uma frase tudo quanto se pode dizer de mal destes idólatras Etíopes Jagas, basta dizer que vivem como muitos Ateus, dedicados totalmente aos prazeres dos sentidos e deleites da carne; e porque não acreditam que exista Deus nem Juízo, nem Inferno, nem Paraíso, nem outra vida para além da presente, assim sem temor algum se consideram os mais felizes e contentes homens do mundo, não se preocupando de outro Paraíso, que não este. Tendo sido perguntado uma vez ao filósofo Quilão de Esparta, se podia encontrar-se no mundo um homem que fosse verdadeiramente feliz e contente, respondeu que não; porque, sendo o homem por sua natureza insaciável, e incontentável, nunca se sacia nem se contenta com a sua sorte, nemo sua sorte contentus, e por conseguinte, não podia ser totalmente feliz, como o são os animais, os quais, porque se contentam em ter o alimento de que precisam, vivem alegres e contentes; no entanto, aquilo que parecia impossível a Quilão, isto é, que se pudesse encontrar felicidade perfeita nesta vida, estes bárbaros Jagas, não só o têm por possível, mas eles mesmos na sua vida ao modo das bestas, que levam, por tão felizes e tão contentes se têm, como se no seu modo de viver estivesse todo o conteúdo da felicidade humana. Mísera e cega gente, indigna do nome de homens, e merecedora de habitar e ser conservada nos bosques com os animais ferozes; pois não merece de ser chamado homem, nem de estar entre os homens quem não conhece, e não tem em conta a nobreza, o valor e a preciosidade do homem.

Mas já é tempo de, do modo da vida e costumes, passarmos à religião que estes Etíopes Jagas observam. A Religião, diz Túlio, é a primeira, e parte principal da Justiça Política, que ensina o homem a honrar e venerar uma natureza superior à humana, que é a natureza de Deus, Autor da mesma natureza, sumo e infinito bem, cuja essência é eterne, sem fim, independente, não criada, que não teve princípio e nunca terá fim; e consiste no culto exterior, nos ritos e cerimónias, com os quais se adora a Soberana Divindade e Majestade de Deus. A virtude da Religião pode dizer-se comum a todas as nações, porque não há cidade, nem região, não há gente nem povo no mundo, ainda que bárbaro, feroz e desumano, a quem por ditame da mesma natureza, e do próprio Deus, não seja inserida no coração a adoração e veneração com actos internos e externos de um qualquer nume, por eles reputado e reconhecido como Deus, como afirma o grande Padre Agostinho. É bem verdade que muitos, como os gentios e os infiéis, estiveram errados no conhecimento do verdadeiro Deus, atribuindo a Divindade que é própria do Criador, às criaturas que doidamente adoram, e introduziram no mundo a religião e culto dos ídolos, dos falsos deuses, chamados por eles numes celestes, e Divindades imortais, e com isto uma infinidade de males, erros e enganos. Desta espécie de idólatras, são os Etíopes Jagas destes Reinos da África Meridional, os quais como adoram diversos ídolos, assim variados são também os ritos e cerimónias da sua falsa religião. Esta variação e esta diferença viu-se bem no exército, que a Rainha Jinga tinha de pé antes de se tornar Cristã; pois, sendo composto de várias nações gentias dos Reinos de Dongo, de Matamba, de Ganguela, de Umba, de Lubolo, de Ilamba, de Sombe, de Quisama, de Moaches, de Bamba e de Quitexe, e tendo cada uma destas nações o seu próprio ídolo; segundo a diversidade destes, que são muitos, adorando alguns o ídolo que chamam Enquixe; outros o ídolo chamado Cassuto, outros o ídolo Quibila, outros o ídolo Mauguese, outros o ídolo Quisalanasamba, outros o ídolo Quibuco e outros o ídolo Quitori: assim diferentes são também as leis da religião, dos ritos e das cerimónias, e dos sacrifícios que lhes dedicam; e para melhor se distinguir uma nação da outra, trazem consigo diversos símbolos supersticiosos da vã religião dos seus falsos deuses, uns levam pendurado no pescoço um pedacinho de madeira, outros fragmentos de ossos, outros dois cornitos na cabeça, outros no peito uma ponta também de corno cheia de malefícios, e bruxarias, outros, colares de ferro em volta do pescoço, outros em volta dos braços, outros nos pés, uns com um cinto de pele de serpente, uns têm uma divisa, e outros têm outra, e todos enfim estão enfeitiçados e levam o feitiço e sortilégio dentro de uma pele de lagarto, isto e, de crocodilo, composto de gordura de homens, de feras, de serpentes, de sumo de ervas e de outros ingredientes, que o Xinguilo ou Bruxo lhes fornece para levarem como coisa sagrada, por reverência do ídolo que adoram, e ao qual têm devoção do mesmo modo que nós Cristãos trazemos connosco o Agnus Dei, as cruzinhas e as relíquias dos Santos. O modo de que usam para adorar e venerar os seus falsos deuses, consiste em alguns actos exteriores, que demonstram humildade, como ajoelhar-se, cobrir-se e prostrar-se de bruços em terra, borrifar a cabeça, sujar a cara com poeira, recitar algumas suas orações, que acompanham com profundíssimas reverências, e oferecer-lhes em sacrifício o melhor das coisas que possuem.

Note-se que os nomes dos ídolos acima mencionados significam as enfermidades a que está sujeito o corpo humano, como por exemplo Quitori, que quer dizer na língua deles, doença e dor de cabeça: por isso, adoram o ídolo Quitori, porque, enganados pelos Bruxos, que são os médicos deles, crêem tolamente que só ele os possa curar e livrá-los da dor de cabeça; por isso, quando são atacados desta doença, e se vêem atormentados, recorrem logo ao deus Quitori, e, implorando a sua ajuda, erguem-lhe em casa uma estátua de madeira, e outra na estrada, fora da Cidade, onde lhe oferecem sacrifícios de galinha, e de outros animais, para o aplacar e pedir-lhe que não permita a entrada, mas afaste para longe a referida doença. Assim, também os outros ídolos, que adoram, têm os seus ministros ou médicos, como o ídolo Quitori, e são chamados com os nomes das doenças, para a cura das quais, a eles se recorre. Daqui se conclui que o culto e devoção, que estes Etíopes Jagas têm para com os seus deuses, não nasce da virtude da religião, mas sim da necessidade que têm de ser ajudados por eles nas suas precisões e doenças, de que sofrem, sem pensarem se são ou não deuses, e sem saber o que fazem; pelo que, na verdade, não crêem em Deus nem nos deuses; são todos tacitamente ateus, que excluem Deus do mundo, como dissemos; e se se lhes pergunta por que adoram este e aquele ídolo, e a razão do culto e reverência que lhes prestam, não sabem dar outra resposta, se não porque assim faziam os seus antepassados, para encontrar remédio para as suas doenças e necessidades. Por isso, não sabendo eles demonstrar a divindade dos seus deuses, são facilmente convencidos, quando se lhes demonstra com razões a falsidade deles, e a vaidade das suas superstições e ridículas cerimónias, das quais vou aqui mencionar algumas, para que os Missionários Apostólicos que vão pregar naqueles Reinos a fé de Cristo, a qualidade dos seus erros, que têm e em que crêem, saibam também aplicar os remédios oportunos, empenhando-se em persuadi-los do contrário em discussões públicas e privadas, e com a eficácia do raciocínio, desenganá-los, convencê-los, e extrair-lhes os ditos erros, no que, vista a sua ignorância, e os frívolos fundamentos das suas falsas crenças, não encontrarão muita dificuldade e resistência. De outro modo, o querer ministrar-lhe e instrui-los na Doutrina Cristã, sem primeiro fazer-lhes ver e abjurar os erros, aborrecer e detestar as diabólicas superstições da sua sã religião, seria um trabalho deitado ao vento e sem fruto.

A primeira superstição de que usam estes idólatras Jagas, consiste em adorar um ídolo chamado Gangazumbo, considerado por eles o maior de todos, para o qual têm um Ministro, ou médico assalariado, o qual é uma vezes homem, outras, mulher; quando é mulher, esta veste-se de homem e quando é homem anda vestido de mulher. Ora este Ministro médico, ou médica, leva consigo uma caixa, chamada na língua deles Mosseto, dentro da qual conserva algumas coisas dedicadas ao dito ídolo. Se alguém fica doente, manda vir logo o dito médico e pergunta-lhe que espécie de doença é a que tem, e qual o remédio que é preciso para a curar; o qual, depois de receber do enfermo um presente e a promessa de dar outros mais tarde, exercita a sua arte de medicar, deste modo: o ministro médico, ou melhor Bruxo, depois de à noite, ter invocado o Demónio, manda juntar alguns instrumentos de tocar, que se costumam utilizar na dita função, e, na presença dos amigos e parentes do enfermo, e às vezes com ajuda do mesmo enfermo, toca aqueles instrumentos, enquanto bailam e dançam todos os circunstantes, até que estejam cansados; então, o médico retira-se para um quarto secreto, ou gabinete obscuro, onde está colocada a caixa ou Mosseto dedicado ao Demónio, e logo se ouve vir do dito quarto um uivo espantoso; ouvido pelos que estão de fora. Todos ficam silenciosos para ouvir as respostas e oráculos do Demónio, o qual diz em alta voz, para que todos o ouçam: Eu sou Gangazumbo, Senhor e autor das vossas leis, a doença do enfermo é esta e desta espécie (dirá aquilo que lhe apetece) por isso, se querem que o cure, a primeira coisa que ele tem a fazer é que me honre oferecendo-me sacrifício e eu lhe darei os medicamentos necessários para se poder curar; e a segunda, que observe e siga inteiramente as ordens que lhe dará o meu ministro.

Outras vezes acontece que, não estando o ministro endemoninhado, e não respondendo por isso o Demónio às suas chamadas, falha na prescrição e não acerta na cura do enfermo; e então ele, para não perder o ganho por este prometido, fala por si, como se fosse o Demónio que falasse, e diz mil despropósitos inventados da sua cabeça, ficando todavia o enfermo com a sua doença, e ele desculpando-se, que tenha acontecido por esta ou por aquela razão, por este ou por aquele impedimento. Para além disso, no acto da consulta, unta o Ministro ou Bruxo o corpo com sucos de ervas, pinta e suja a cara com alvaiade, terra amarela, e carvão amassado, põe na cabeça penas de muitas cores de diversos pássaros; cobre as partes pudendas com um pedaço de pele, da parte de trás, e com outro da parte de diante, cinge o peito e as costas com cordas cheias de nós, circunda os pulsos e os pés com manilhas, e pulseiras de ferro, e fala com voz rouca, da garganta, revira e entorta os olhos, faz muitos actos e gestos espantosos, enfim, parece um Diabo feio em forma humana; o qual, querendo medicar e curar o paciente, unta-lhe primeiro o corpo de muitas sujas e mal cheirosas porcarias e depois que o vê curado, se é que se cura, começa a dar-lhe muitas ordens e recomendações, muito mais do que as que tinham os Judeus na lei antiga, como por exemplo, que se abstenha deste e daquele alimento, que leve no pescoço ou então no braço esquerdo, ou no pé direito uma argola de ferro; que não fale com mulheres que andam menstruadas; que não entre em sua casa, nem na de outros, sem fazer antes esta ou aquela cerimónia; que erga uma estátua de madeira ao ídolo, que o curou daquela doença, com um altarzinho em sua honra, onde lhe oferecerá sacrifício; que tenha alguns ossos de um certo animal na porta de sua casa; e no quarto onde dorme, penas deste ou daquele pássaro; e cem ou mil outras ridicularias e bagatelas que por brevidade deixo de lado, a principal das quais é que tenha o Mosseto, isto é, a caixa para pôr e conservar todas as coisas que oferece ao referido ídolo, e que, em cada lua nova, ou cheia, de ajoelhe diante dele e lhe peça as graças que deseja, pois, por meio desta cerimónia lhe será o ídolo benévolo e o socorrerá nas suas necessidades.

A segunda superstição e espécie de idolatria, chamada por estes povos Jagas Tutocacombe, é usada por eles com as mesmas cerimónias acima ditas, quando querem impetrar alguma graça do ídolo, como dos filhos, de serenidade, de chuva para irrigar os seus cultivos e fecundar os campos, ou de outra coisa semelhante; juntando às sobreditas mais esta cerimónia, que adoram a caixa do ídolo chamado Moese, a quem recorrem, na qual proferem algumas palavras para serem entendidos e ouvidos do Demónio.

A terceira superstição, que é diabólica, bárbara e desumana, consiste em expulsar da Cidade as mulheres parturientes e mandá-las ir para qualquer sua propriedade, até que aí tenham dado à luz; depois, (se não o matam) voltam para casa sem parto, que, se a mãe é nobre, deixam em poder da ama; se é plebeia ficam no mesmo lugar a criá-lo até que lhe começam a despontar os dentes. Se, por desgraça, lhe nascem os dentes de cima antes dos de baixo, têm-no os pais por péssimo augúrio e dizem que aquele menino ou menina terá um péssimo futuro; pelo que os desdenham de tal maneira, que não querem reconhecê-los por seus filhos, e, o que é pior, os deitam no rio, ou então os deixam abandonados sobre a terra, de maneira que são devorados pelas aves de rapina ou pelas feras. Se, pelo contrário, nascem ao filho primeiro os dentes de baixo que os de cima, como têm isso por óptimo sinal, fazem todos os da casa grande festa e alegria, com sons, cantos e bailes: o pai e a mãe untam-lhe o corpo com o suco de diversas ervas, e todos se embelezam e se pintam com várias cores, o marido recebe das mãos da mulher o menino, leva-o ao peito, aperta-o, abraça-o, beija-o, aceita-o e reconhece-o por seu filho; de volta dele, antes de ser levado para a cidade, fazem uma outra cerimónia e é que deixam o menino em terra debaixo de uma árvore, onde o Pai vai buscá-lo e leva-o consigo nos braços para casa.

Costumam os povos destes Reinos, em especial os Jagas, ter várias mulheres; os Senhores principais têm mais de cinquenta, os outros que o não são, as que podem manter. Em todos os sacrifícios que fazem, tem de assistir e encontrar-se presente a mulher principal, de outro modo, não seriam gratos e aceites pelos seus ídolos. A cada Lua Nova, ou décima quinta, abrem o Mosseto, em que têm as coisas consagradas ao ídolo, que adoram e então, com actos da maior humildade e devoção, o reverenciam, adornando-se nesse dia com vagas divisas, pintando-se o rosto, o peito e os braços de várias cores, pondo penas na cabeça, levando corninhos pendurados no pescoço, braceletes nos pulsos, ferros nos pés, cinturinhas nos flancos, compostas de diversos ingredientes, feitiçarias dos Bruxos e algum pau ou outra coisa nas mãos, o que tudo conservam dentro do Mosseto, ou caixa como coisas sagradas. Se de noite têm algum sonho bom ou mau, de manhã pintam e sujam a cara, ou o peito com uma cor que para eles denota a qualidade do sonho. Estas e outras superstições diabólicas observavam estes Etíopes Jagas sujeitos à Rainha Jinga, antes que a fé de Cristo os convertesse. E não é de admirar que, sendo o seu exército formado de várias nações gentias e idólatras, que têm, como temos dito, tantos rituais diferentes, e cerimónias diversas, fossem em tão grande quantidade, as quais agora pela misericórdia de Deus não se vêem levar nem fazer mais em público; e se por acaso alguém as observa ou as leva consigo, fá-lo às escondidas, e em segredo, para não incorrer na pena que a Rainha, assim aconselhada pelo Padre Antonio de Gaeta, Missionário Apostólico, fez por édito público fulminar contra os que de futuro exercitarão tal arte diabólica.

Chama-se o Ministro ou Ministra, o Bruxo ou Bruxa, que exerce este ofício de examinar, medicar e sacrificar aos Demónios, junto destes Etíopes Jagas, com o nome de Xinguilo ou Xinguila, em cujo corpo entrou o Demónio, e fingindo ser a alma de um Senhor ou Príncipe Jaga, já falecido, fala por sua boca e profere os oráculos e as respostas de tudo aquilo que se lhe pergunta nos sacrifícios que a ele se oferecem. Por isso, querendo o Rei, ou Capitão Geral de um exército saber do Demónio, ou se da guerra, por exemplo, que quer mover ao seu inimigo, sairá vitorioso, oferece-lhe, segundo o supersticioso costume dos Jagas, sacrifício na forma seguinte: reunidos antes por público edital na praça maior da Cidade todos os Oficiais e Capitães do Exército no dia a tal fim destinado, onde acorre também grande quantidade de povo, para estarem presentes na função, e ser espectadores daquele horrível sacrifício, e diabólica superstição, e colocado no meio o Mosseto ou Caixa do sobredito Rei, ou Capitão Geral, a cujo pedido se oferece o sacrifício, sentam-se em volta daquele em alguns bancos, que servem somente para esta cerimónia, todos os Xinguilos ministros do Demónio, e assim sentados, começam a tocar alguns instrumentos, que fazem um som e um barulho de espantar; depois, pondo-se de pé, assim como todos os assistentes, começam a bailar, a dançar e a chamar o Demónio, o que fazem pelo espaço de uma boa hora e, acabada esta, entra o Demónio no corpo de um destes Xinguilos, ou Bruxos seus ministros, fazendo-lhe logo demonstrar actos e gestos de possesso, dando urros e vozes horríveis, revirando os olhos e torcendo totalmente o rosto, de que ficam todos os circunstantes aterrados e cheios de espanto; e, parando o baile, sentam-se em terra, e com um grande silêncio, ficam todos atentos para ouvir o que o Demónio dirá pela boca do endemoninhado Xinguilo, o qual fingindo (por exemplo, no exército da Rainha Jinga) ser a alma do Rei Angolabandi, seu irmão, fala desta maneira, para que todos entendam: Eu sou o Rei Angolabandi já falecido, que fui outrora Senhor deste Reino, e Capitão deste Exército, e venho chamado por ti, Rainha, dizer-te que a guerra que agora queres empreender contra ou teus inimigos, terá um feliz sucesso, e contra eles terás uma gloriosa vitória, pois eu te assistirei e estarei sempre a ajudar-te; mas antes é preciso que tu me honres com todos os que comigo virão defender-te, e por isso te ordeno que ponhas dentro do meu Mosseto ou Caixa a mim destinada, um bom pedaço de pano fino; que mates e me ofereças em sacrifício alguns homens, sacrifício que repetirás, quando tornares vitoriosa. Dito isto, o demónio pela boca do possesso, e endiabrado Xinguilo, logo com grande presteza faz o seguinte: põem-se em volta muitos homens e mulheres, prisioneiros de guerra, que reservaram para esse efeito e têm preparados, ou seja, em fila, um a seguir ao outro, com os joelhos postos em terra, e feito isso, o endemoninhado Xinguilo pega numa faca com dois palmos de comprimento, muito bem aguçada na forma de um punhal, que não é utilizada senão para esta função, e levantando-se, corre como uma fúria de Averno, levada e agitada pelo Demónio a investir contra aqueles desgraçados, espetando-lhes com força a faca no peito, ou no ventre, ou nos flancos, e, tirando-o fora, lambe com a língua e suga o sangue da ferida com a boca; terminada esta bestial e bárbara função, volta fremente e furioso ao seu lugar e ordena aos outros Xinguilo, que façam a mesma cerimónia de sugar o sangue daqueles pobres feridos, o que fazem com tanto gosto e deleite, como se sugassem e bebessem um copo de mel ou ambrósia, ou de néctar; depois disto, acabam de os matar e partindo-os em pedaços, dividem-nos e entregam-nos aos que estiverem presentes, para que tenham com que fazer à noite uma boa e lauta ceia; por fim, retomam e renovam no render de graças ao Demónio os sons e as danças, ficando por todo aquele dia o endemoninhado Xinguilo Patrão e Senhor do exército, por todos reverenciado e honrado como se fosse um outro deus na terra, a cujos pés se prostra e baixa a cabeça o próprio Rei, ou Capitão Geral daquele exército, como fez várias vezes a Rainha Jinga no passado, antes da sua conversão, quando fazia este diabólico sacrifício que pelos Jagas costuma fazer-se todas as vezes que vão mover guerra aos inimigos, antes de entrar em acção com as armas, para saber o sucesso do conflito, do qual quando regressam vitoriosos, e com a prisão do Senhor, com quem guerrearam, a primeira coisa que fazem é tirar-lhe a vida e cortando-lhe a língua, a ponta do nariz e os cabelos da cabeça, oferecem-nos ao Demónio em novo sacrifício que fazem, e repõem dentro do Mosseto, ou Caixa a ele dedicada, matando e sacrificando muitos outros prisioneiros tomados na batalha, do mesmo modo acima descrito. Estripam depois e reduzem a pequeníssimos pedaços o corpo do Príncipe inimigo, cujas carnes, em parte as comem e parte esmagam com ervas e outros ingredientes, que lhe foram ensinados pelo Demónio, dentro de um almofariz de madeira, em que costumam pisar o arroz para lhe tirar as cascas, e transformado em unguento, que eles chamam Magiaisamba, que quer dizer óleo milagroso, em cada Lua Nova ou Lua Cheia e todas vezes que têm de ir para a guerra, antes de parir e marchar com o exército, com ele se untam, o qual conservam nas suas casas com grande reverência, do mesmo modo que nós conservamos nas nossas Igrejas os Santos Óleos. Se por acaso ficam derrotados na batalha, voltam logo a fazer sacrifício ao Demónio como acima foi dito, para saber a razão daquela derrota, o qual respondendo pela boca do Xinguilo, adianta para se desculpar, diversas razões, isto é, que foi um castigo que lhes deu, porque não fizeram o sacrifício no dia anterior à batalha; ou então porque não se consultaram primeiro com ele, de que modo deveriam atacar; ou então porque as mulheres que tinham ficado em casa, tinham cometido adultério, ou por outros pretextos e causas por ele inventadas para cobrir as suas mentiras; e com tudo isto são os miseráveis tão iludidos, que sem darem conta do engano, crêem em tudo o que ele diz e lhe dão todo o crédito. Mas não admira, que sendo eles ignorantíssimos, sejam ao mesmo tempo tão cegos e vivam tão enganados.

Quando morre o Jaga maior, Príncipe e Chefe do Exército e da sua nação, o sucessor, que fica no governo, tem por obrigação fazer-lhe as exéquias, e celebrar os seus funerais do modo que segue. Forma-se no lugar destinado um círculo de figura oval, com a largura de cerca de vinte palmos, e comprido em proporção, em volta do qual se espetam muitos paus, como picos, longos, em forma de paliçada, em cuja extremidade se deixa uma saída, ou buraco aberto para poder lá entrar, e põe-se uma bandeira desenrolada na parte superior dele e no meio uma cadeira. Os paus enfeitam-se e vestem-se com vários panos de seda e panos da terra, onde se penduram muitas garrafas de vinho da Europa e cabaças cheias, de diversas cores e bebidas, que por elas se costumam beber e em volta dos quais vão estar presos frangos, galinhas, cabras, bois e animais em grande quantidade para os sacrificar à alma do defunto Príncipe e uma infinidade de armas penduradas nos mesmos paus. Feita esta preparação, que se faz dentro de um bosque fora da zona habitada cerca de uma légua, no dia marcado para o horrendo espectáculo e diabólico sacrifício, estando as vítimas humanas que serão sacrificadas já vestidas ricamente e pomposamente, dão-lhes de comer e de beber até mais não poderem; quando estão bem cheias, embriagadas e cheias de vinho até à garganta, partindo-se da casa do Príncipe ou Capitão sucessor do morto, que faz o funeral oferece o sacrifício, e que as acompanha ao lugar destinado, por ministros horrendos conduzidas as infelizes e levadas ao açougue entre sons, cânticos e danças, como se fossem a umas núpcias; ali chegadas, escolhem entre as vítimas um homem, o mais digno e o mais nobre e constituem-no chefe e dirigente daquela turba de miseráveis, e tendo-o sentado na cadeira colocada no meio do círculo, com o cortejo de muitos pajens em volta, ficando todos os outros que com ele irão morrer, da parte de fora, onde está colocada a bandeira, põem-se a tocar os instrumentos, a cantar e a bailar, em desordem todos juntos como malucos, doidos e furiosos. Chegada depois a hora do sacrifício, o Príncipe ou Capitão sucessor do morto entra no círculo e falando com o que está sentado na cadeira, diz-lhe: Nós te escolhemos por chefe e guia desta gente, que deve morrer contigo, a fim de que tu a leves para servir o nosso Príncipe defunto na outra vida, em sinal da nossa fidelidade e amor que lhe temos. Por vezes, como se aquele fosse o próprio Príncipe morto, ajoelhando-se-lhe à frente, diz-lhe o seguinte: Senhor, receba Vossa Alteza esta minha oferta, que lhe faço, e perdoe-me se é pequena, porque prometo fazer-lhe uma maior no futuro; e entretanto peço-lhe que me conceda a graça, de que eu possa inteiramente observar as leis dos Jagas, e conquistar com as armas as Províncias ou os Estados de outrem. Feito o discurso, de um ou de outro modo, põe-se de pé, tira com violência aquele desventurado da cadeira, faz-lhe dobrar os joelhos para terra e, com uma faca cortante, corta e decepa a cabeça do busto e ao mesmo tempo, são mortas pelos seus ministros todas as outras vítimas, tanto homens como animais, que estão fora do círculo; e, feito um monte com os corpos no meio do círculo, ali sobrepõem o cadáver daquele nobre, que tinha sido declarado chefe deles e guia dos outros e, depois de colocada a dita bandeira, deixando tudo à discrição do tempo, vão-se embora e regressam todos a suas casas.

Entretanto, se acontece por acaso, como costuma acontecer, que sejam roubados e despojados os ditos cadáveres dos ricos fatos que têm vestidos, e sejam roubadas as outras coisas que ficaram do sacrifício, têm isso por péssimo augúrio e sacrilégio abominável dizendo que as ditas vestes e as ditas coisas não foram tiradas e roubadas àqueles corpos mortos, mas ao próprio Príncipe e Capitão defunto a quem tinham sido oferecidas e sacrificadas; e caindo os ladrões nas suas mãos, neles fazem crudelíssima vingança; e o que é pior, como se tivesse sido profanado e já não valesse, ou aproveitasse o sacrifício feito, voltam com a mesma mortandade e impiedade a renová-lo. Por isso, o Secretário do Senhor de Cassange, homem Cristão, embora Etíope, disse ao Padre João Baptista de Montecuccoli, nosso Capuchinho, e Missionário Apostólico, que o dito Cassange, trinta anos atrás, por terem sido roubadas as coisas que tinham ficado no sacrifício por ele oferecido ao seu antecessor, tinha-o logo renovado com a morte de duzentas e oitenta pessoas, que, ao passarem, foram por ele vistas e contadas e creio que ali estivesse ainda presente. E o Senhor de Cassange, que vive e reina agora, depois de ter sido baptizado pelo Padre Fr. António de Saravezza, também nosso Missionário Capuchinho, e unido em matrimónio com uma única mulher, segundo o rito da Santa Igreja Romana, matou no entanto, e sacrificou ao seu predecessor no ano de 1658, cento oitenta e quatro pessoas. Este é o funeral que fazem os Jagas aos seus Príncipes defuntos, esperando um, dois ou vários anos depois de estarem sepultados, segundo o número e quantidade de prisioneiros feitos na guerra, para os poder sacrificar.

Os homens que foram reputados no Mundo como os mais ferozes, bárbaros e desumanos, foram os Garamantes na Ásia, e os Massajetas na Índia Oriental, mas não ficam atrás estes Etíopes Jagas da África Meridional; e nisto somente divergem uns dos outros, que os primeiros, mesmo sendo bestiais, têm no entanto alguns vestígios de humanidade, mas estes têm muito de bestial e nada de humano e bastante de diabólico; pois, além de o demonstrarem no aspecto, nas obras e nas palavras e na sua natureza ferocíssima e crudelíssima, pela qual parecem Diabos do Inferno, demonstram-no também por serem mentirosos, e como tais são filhos do Demónio, que é o pai da mentira. Mentem sempre, nunca dizem a verdade, se não por erro e sem querer, mesmo aqueles que são Cristãos e vivem no meio dos Brancos, de modo que corre este provérbio entre os Portugueses, que moram na cidade de Luanda ou em Angola, quando não querem dar crédito a coisa que se lhes conte: Isso, dizem, é dito dos Negros, que é o mesmo que dizer: é falso, é mentira. São também homens infernais e diabólicos, por esta outra razão: porque têm continuamente prática e comércio com o Demónio, como os que exercem artes mágicas, e são todos dedicados às superstições, encantamentos, augúrios, prestígios, sortilégios, adivinhações, malefícios e bruxarias, com pacto expresso ou tácito com o próprio Demónio, a quem adoram e invocam em todas as suas acções; e, tendo-se feito escravos de Satanás, não é de admirar que sejam ainda escravos de todas as nações do Mundo. Os Hebreus, porque deixaram de adorar o verdadeiro Deus de Israel, para adorar os ídolos Belo, Belfegor, Astarot e Bahalim, e por isso permitiu o próprio Deus, para castigar a sua infidelidade e perfídia, que fossem feitos escravos e levados para diversos países numa duríssima servidão. E esta também julgo que seja a razão, por que Deus permite que estes pretos etíopes sejam tidos por escravos em todas as partes do Mundo e na sua própria pátria, onde vivem em maior servidão, e escravidão, do que aquela que sofria o Povo Hebreu, já que entre eles mesmos se tiranizam; uns são servos dos outros e estes vendem os primeiros como escravos a mercadores, que de boa vontade os compram, para os revender noutro lado com lucro: é o castigo que lhes dá Deus nesta vida pelo pecado gravíssimo da idolatria, que cometem no adorar não apenas os demónios, mas também as almas dos Senhores já defuntos e por tantas outras patifarias, enormidades e vícios, de que estão cheios até aos olhos.

Ao tratar dos seus negócios e a fazer contratos, não usam escritos nem instrumentos, como os que não sabem escrever, mas negoceiam somente com base na palavra e através de testemunhas; por isso acontece muitas vezes que, sendo eles ardilosos, velhacos e faltos de fé, uns enganam os outros, negando aquilo que disseram, fizeram ou prometeram, deram ou receberam; e, para saberem a verdade, recorrem ao Demónio, o qual, por meio de alguns juramentos que lhes ensina, que pelos seus ministros faz fazer aos que negam, permite conhecer se o que se nega, ou afirma, seja verdadeiro ou falso. Comparece um homem a certa hora diante do Juiz, e apresenta uma querela contra um outro, porque nega por exemplo pagar-lhe uma dívida, que lhe deve, e não tendo testemunhas para o provar, pede que se lhe dê juramento, o qual não pode recusar, porque mostraria ser Réu, mesmo que fosse inocente. Os juramentos que costuma dar o Juiz, ou o Ministro do Demónio, são vários, entre os quais há um chamado Bolungo, que consiste numa bebida composta de terra amarela, misturada com o suco de algumas ervas; bebe-a o acusado; se ele é Réu, fica tão bêbado e fora de si, que, se o ministro não é lesto a ajudá-lo com o remédio contrário, morre logo por obra do Demónio. Um outro juramento é chamado Quilumbo e dá-se desta maneira: pega-se numa faca e depois de a levar ao fogo até ficar muito quente, passa-se três vezes sobre a perna do paciente; se ele é Réu, queima-se-lhe a carne de tal maneira que faz saltar a pele, não sem que ele sinta uma enorme dor; mas se é inocente, não lhe faz mal algum. O terceiro juramento, bastante pior que estes, e mais perigoso, chama-se Orioncio e consiste num veneno muito potente, que dão a comer dentro de um delicado e saboroso fruto chamado Niceso; o que o come, se é Réu, incha-lhe imediatamente a garganta e a língua de tal maneira que, se o Ministro não o socorre rapidamente com o antídoto que tem preparado, cai morto por terra; se é inocente, embora não lhe tire a vida, fica no entanto por algum tempo debilitado pela violência e grande malignidade do veneno. O quarto juramento chamado Oluquenque, dá-se ao querelado para lhe extrair a verdade da boca, desta forma: atam-se-lhe as mãos de trás com uns cordões finos com tanta força que chegam a penetrar até ao osso; se ele não tem culpa daquilo que se lhe opõe, os cordões, sem lhe dar qualquer dor, logo abrandam a força por si mesmos e se desatam; mas se é culpado, por si mesmo se apertam os cordões, ficando a chorar o desgraçado e gritando pelo enorme tormento que sofre. Estes são os juramentos que se usam entre os Etíopes Jagas para descobrir a verdade em Juízo, inventados pelo Diabo, o qual opera os efeitos referidos, por meio dos seus ministros, que ao dá-los, querem ser muito bem pagos e o que é pior, muitas vezes com eles acabam por declarar os inocentes, culpados e os culpados, inocentes. Disso temos um exemplo num caso ocorrido no Reino de Micoco, confinante com o Reino do Congo, que refere o nosso Padre Missionário António de Gaeta, por lhe ter sido contado por D. Calisto Zelote Mosicongo, seu Intérprete, como já disse, junto da Rainha Jinga, e é o seguinte:

Havia uma lei no dito Reino de Micoco, que mandava que morresse, sem remição, quem fosse considerado culpado no juramento; desagradava ao Rei a rigorosa observância desta lei, pela qual muitos eram condenados à morte; por isso, para verificar se os ministros que davam o juramento, descobriam realmente por meio dele a verdade do facto, usou esta bela astúcia: mandou ele esconder um saquinho de moedas e dinheiros da terra, que são caracoizinhos do mar, culpando dois seus escravos de o terem roubado; fê-los prender e negando eles ter cometido o furto, mandou chamar os ministros os obrigassem com juramento a confessar a verdade. Compareceram para o efeito muitos ministros, os quais vendo o Rei muito perturbado e indignado por aquele acidente, isto lhes bastou para declarar culpados aqueles pobres inocentes, por isso, ao dar o juramento, para agradar ao Rei, carregaram de tal maneira a mão na composição da bebida, que, logo que a beberam, caíram de repente por terra como mortos, e se não tivessem sido rápidos a ministrarem-lhe o antídoto, teria, certamente morrido. Então, o ministro principal e todos os outros afirmaram que aqueles escravos eram culpados e Réus do imputado furto. Tendes a certeza? perguntou o Rei; sim Senhor, responderam eles, foram já descobertos, o juramento teve efeito, não pode mentir. Se é assim, replicou o Rei, que regressem ao cárcere, porque quero que sejam justiçados amanhã de manhã e feitos morrer. Na manhã seguinte, fez publicar um edital, dizendo que todo o povo se reunisse na praça do palácio real, e estando já todos, veio o Rei e contou em público como tinha sido a coisa e a astúcia que ele tinha usado para provar e conhecer se os ministros do juramento diziam a verdade; mas que tinha constatado que a arte deles falia e eles eram mentirosos, falsos e aldrabões e mandava que fossem todos queimados vivos, como homens enganadores e prejudiciais ao bem público do Reino; o que foi logo executado. E o Rei, destruindo aquela lei diabólica, fez logo uma outra, que dali para o futuro, ninguém tomasse juramento e quem o desse, fosse condenado a morrer como Bruxo, ou Nigromante.

Aqui, antes de prosseguir, quero, para maior satisfação do Leitor, demonstrar como, às más qualidades e viciosos costumes desta bárbara nação, quis a natureza que correspondessem ainda as péssimas qualidades da terra, e a habitação fosse tal qual os habitantes e isto por quatro razões: primeiro, pela intempérie do ar e inclemência do Céu; segundo, pela esterilidade da terra; terceiro, pela ferocidade dos animais; e quarto pela crueldade bestial dos homens. Quanto ao primeiro, está sujeito o seu clima a um Céu tão inclemente e infeliz, que continuamente e em qualquer altura envia influxos malignos, que geram nos corpos mal-estar e doenças gravíssimas. De dia, o calor do Sol é insuportável, e um homem branco não pode apanhá-lo uma hora, sem que fique notavelmente afectado na cabeça; por isso, quem sofre aqui de sífilis, não teria necessidade dos suadoiros de Pozzuolo no Reino de Nápoles, nem dos banhos de S. Cassiano na Toscana, porque neste País, pelo calor excessivo, que aqui se sofre, como se está abaixo da Zona tórrida, destila-se de tal modo e com tanta abundância o suor, que nunca seca e evacua não só os maus humores, mas também os bons, consumindo desta maneira o húmido radical, do que fica abreviada a vida. De noite, a Lua produz efeitos ainda piores; e quando chove, abrem-se as cataratas do Céu, e caem com tanta fúria as chuvas, acompanhadas pelo espantoso estrépito das descargas, do frequente resplandecer dos relâmpagos e do ribombar horrível dos trovões, que parece que quer submergir o Mundo. Quanto ao segundo, a terra é esterilíssima, porque sendo continuamente atingida pelos raios ardentíssimos do Sol, e tornada assim árida e seca, como areia ou saibro, não produz nem trigo, nem cevada, nem vinho, nem azeite, nem fruto algum dos nossos da Europa; só aqui nasce o grão da Índia, chamado pelos da terra massa grossa, e uma outra espécie de grão semelhante à Melega das nossas zonas, a que chamam massa pequena, de que se faz o pão que comem; mas não podendo amassar-se a farinha dos ditos grãos, poem-na a cozer dentro de uma panela, mexendo-a com um pau, até que ganhe corpo e se torne num pedaço de pasta, e usam esta em vez de pão. Há grande abundância de feijões e de favas, desde que se cultive bem a terra e não sejam escassas as chuvas; a qual dá também três espécies de frutas variadas, que duram todo o ano, isto é, bananas, nicesos e dendém, e deste último se faz o óleo de palma, que se usa para temperar as comidas e é semelhante à tâmara da Berbéria, embora de espécie diferente da palma. Crescem ali muitas ervas medicinais, mas são muito mais as más e venenosas. Nos seus bosques, poucas madeiras se encontram, que sejam boas para ser trabalhadas e muitas que não valem muito e não servem sequer para ser queimadas. Os campos, tirando aquela pouca terra que se cultiva, são impraticáveis pela grande quantidade de palha, de espinhos e de árvores selvagens, que atravessam e impedem aos passageiros o caminho. Os montes são ali asperíssimos e não se conseguem passar senão por caminhos escarpados e tortuosos; e o que é pior (para vir ao terceiro) é que esta terra se torna impraticável por ser um covil de Leões, de Tigres, de Elefantes, de Lobos, de Búfalos selvagens, e de outras bestas e animais ferocíssimos, de que se encontra grande quantidade, com excepção dos Ursos. As serpentes são tão numerosas que, se não morresse cada ano boa parte delas nos fogos, que nos campos e nos montes se ateiam às palhas secas e restolhos, não só não se poderia ali viver, mas seria a terra de todo inabitável; e, com tudo isto, os viajantes ali caminham sempre com temor, e com risco de ser devorados pelas feras ou pelas serpentes, como já aconteceu muitas vezes e continua a acontecer, embora indo muitos juntos e bem armados para se defenderem, sendo por aquelas com tanta presteza e tão de improviso assaltados, que não lhes dão tempo algum para se defenderem. Os rios estão cheios de Crocodilos, chamados por eles Lagartos, e de cavalos-marinhos [hipopótamos]; os primeiros por terem de comprimento vinte e às vezes trinta pés, causam somente por os ver, grande terror e espanto; os segundos são pouco menores que os Elefantes, abrem a boca mais de seis palmos, em que têm os dentes muito grandes e agudos, são ferocíssimos e, embora venham pastar em terra, vivem no entanto sempre e ficam na água, donde levantam com frequência a cabeça, para tomar ar e respirar. Portanto aqueles que atravessam estes rios, sobretudo com barquitos pequenos, correm sempre o perigo de ali deixarem a vida, se não estão bem atentos, porque ou salta de repente um Lagarto ou seja um Crocodilo dentro da barca e apanhando com a boca um homem, puxa-o para o rio, ou o Hipótamo (sic) ou cavalo marinho investe a barquita e vira-a para baixo, parte-a, desfá-la, e parte-a em pedaços, o que costuma acontecer muitas vezes submergindo e afogando todos os que lá vão. O próprio Padre António, Prefeito da Missão, refere que se encontrou muitas vezes nesse perigo, e ter por isso recorrido à ajuda divina, invocando o Santíssimo nome de Jesus, e o da Virgem sua Mãe, recitando a Antífona: Sub tuum praesidium confugimos, Sancta Dei Genitrix, etc. De modo que, ou caminhando por terra, ou viajando pela água, corre-se sempre o risco de morrer miseravelmente, ou submerso nas ondas, ou devorado por Dragões, ou devorado pelas feras. E finalmente quanto ao quarto, concluo, que se nesta região o clima é pestífero, o ar de fogo, o céu de bronze, a terra esterilíssima, os animais ferocíssimos, as serpentes e dragões horribilíssimos, as ervas venenosíssimas, as árvores silvatiquíssimas, os rios cheios de monstros voracíssimos, não parece razoável que seja comparada com o Inferno? Claro que sim; mas se é um Inferno, onde estão os condenados? Onde estão os Demónios? Digo eu que estes são os próprios habitantes, os mesmos Etíopes Jagas, que aí moram, os quais lembram de facto Demónios pela deformidade do vulto; Demónios pela negritude do corpo; Demónios na alma, pela vontade que têm sempre fixada no mal; Demónios nos pensamentos pelas superstições, malefícios e bruxarias, em que estão sempre a pensar; Demónios nas palavras, nas grandes mentiras que dizem; Demónios nas obras, por tantos outros pecados, que cometem; e para acabar, Demónios e mais que Demónios, condenados e mais que condenados, pela bestial ferocidade, desumana e bárbara crueldade, que mostram em todo o tempo e em todas as suas acções.

São por último estes povos Jagas e negros Etíopes (para além dos vícios e más qualidades mencionadas) tão levianos, instáveis e inconstantes, que não perseverando largo tempo no bem começado, com grande facilidade, do bem passam ao mal, A virtude da perseverança é comparada por S. Agostinho à cauda; tal como a cauda é a última parte que finaliza e dá perfeição a todas as outras partes do animal, também a perseverança é a última virtude que acaba e aperfeiçoa as outras virtudes. Do mesmo modo, pode dizer-se que o vício da instabilidade, da inconstância é o último e o pior de todos os vícios, porque reduz ao cúmulo e dá completude à malícia humana; é esta a razão por que, tendo eu até agora feito menção e mostrado os inumeráveis vícios e pecados, em que vive envolvida esta cega gente, quis reservar isto da sua inconstante e instável natureza para o fim, por ser o pior que os torna mais odiosos a Deus a abomináveis ao Mundo. Por isso, pedindo o Sereníssimo Profeta a Deus, que castigasse o rebelde, teimoso, obstinado e incorrigível povo Hebreu, com o mais severo, rigoroso e infame castigo que se pudesse encontrar, deste modo rezou: Deus meus pone illos ut totam, et sicut stipulam ante faciem venti, Faz Senhor, com que este Povo nunca tenha firmeza, nem estabilidade, que seja volúvel como a roda que gira no eixo, ou como restolho, ou trémula folha ao vento; que lhe gire sempre o cérebro na cabeça, e agitada a vontade dos afectos contrários, que queira e não queira, que ame e odeie ao mesmo tempo. Foi ouvido David e teve esta sua imprecação o desejado efeito, pois, como testemunha o Profeta Jeremias: Peccatum peccavit Hierusalem, propterea instabilis facta est. Esta foi a maior pena e é o mais severo e vergonhoso castigo que deu Deus aos Hebreus, pois à grandeza da sua culpa, corresponde a instabilidade e inconstância do coração, o não permanecer jamais numa vontade, o não perseverar no mesmo propósito: Instabilis facta est. Assim não têm firmeza ou permanência alguma de pátria ou de lugar. Esta mesma maldição, e este mesmo castigo posso eu dizer que dos Hebreus foi transferido para estes Povos da Etiópia, se é verdade aquilo que muitos graves autores afirmam que os Etíopes descendem e têm a sua origem em Canaã, filho de Cam, o qual fez pouco do pai deste, Noé, que, por se ter embriagado de vinho, jazia nu por terra, mostrando-o a todos os seus irmãos, em vez de cobrir as vergonhas paternas; o que, sabido depois do velho Pai, para o punir da sua temeridade, maldisse o filho dele Canaã, e nele todos os seus descendentes até ao fim do Mundo, não por outra coisa, se não porque disse a seu pai Cam, que tinha visto o seu Avô Noé nu, embriagado e fora de si. Não admira pois que estes Etíopes sejam tão instáveis e inconstantes, tão viciosos e perversos, se, como descendentes de Canaã, herdaram a instabilidade e portanto desde o ventre materno, haereditario iure, a inconstância, que é o pior e o mais infame vício que pode ter um homem. E esta é também a razão por que a gente adulta destes países, tanto homens como mulheres, por quanto escreve e avisa no seu relatório o supramencionado Padre Perfeito, pouco tempo poderá durar e perseverar a produzir frutos de vida eterna, embora com facilidade se tenham convertido à fé de Cristo; porque a semente da palavra de Deus que a eles se prega, ou que cai sobre a dura pedra da sua própria e velha malícia, e, por não ter substrato, e não poder aí aprofundar as raízes, logo seca; ou então cai nas espinhas dos seus maus hábitos e logo aí fica sufocada e morta, sem poder, pela instabilidade e inconstância deles, chegar a dar frutos de boas obras, que sejam permanentes, e duráveis; embora ao princípio mostrem carregar-se de ramagens verdejantes de tantos desejos e boas esperanças, que dão com a prontidão com que se convertem, de fazer grandes coisas; é propriedade singular destes pretos Etíopes, ou para melhor dizer, leviandade natural, de manhã parecerem Santos e à noite, Diabos.

Mas não por isso, porque sejam tão volúveis, instáveis e inconstantes, se deve desesperar da sua salvação, nem devem tão pouco os Pregadores Evangélicos e Missionários Apostólicos abandonar, ou desistir da empresa de os converter, e reduzir ao seio da santa Católica Igreja Romana, imitando o nosso Piedosíssimo Redentor, o qual sabendo e conhecendo muito bem que os Fariseus e Saduceus não deviam crer na sua doutrina, mas mais depressa caluniá-la, não deixou no entanto de lhes a pregar; pois uma só alma que se salve pela nossa acção basta para dar por bem empregadas todas as nossas fadigas e trabalhos da nossa vida; tanto mais que Verbum Dei nunquam redit vacuum. A palavra de Deus nunca deixa de dar algum fruto, e, se tarda a dá-lo pode ser que o dê centuplicado, e é mais abundante. Diz Laércio, que sendo interpelado por certos amigos o Príncipe dos filósofos Peripatéticos, Aristóteles, por que é que fazia bem a um homem perverso e facínora, respondeu-lhes com uma frase digna de um filósofo: Não lhe faço bem porque me mova à piedade a sua malícia, que odeio e aborreço, mas porque tenho compaixão da humanidade e da alma humana, que amo nele, como sendo semelhante à minha e tem algo de divino; por isso, sou obrigado a socorrê-lo. Esta obrigação deve-se à natureza, não aos méritos dele; e tanto mais, que com os benefícios, de mau e perverso pode tornar-se virtuoso e pelo bem, emendar a sua má via e mudar para melhor os seus costumes malvados. Se isso disse e fez um filósofo gentio só pelo conhecimento que tinha da nobreza e da dignidade da alma racional, com mais razão devemos nós cristãos ter piedade dela e procurar com todos os nossos meios a sua salvação, pois sabemos quanto valor dá Deus às almas por nós remidas e recompradas com o preço infinito do seu preciosíssimo sangue. Aqui não posso deixar de virar a minha pena para os Eminentíssimos e Reverendíssimos Senhores Cardeais da Congregação de Propaganda Fide, para lhes pedir, como faço, humildemente, que com o mesmo fervor e zelo que começaram, se dignem prosseguir esta obra tão santa da Missão dos ditos países, não deixando de enviar muitos operários Evangélicos, que, cultivando com a pregação da palavra de Deus a vinha desta nova Cristandade, não a deixem ficar de novo selvagem, e ser presa da espinha dos vícios. Pelo contrário, sendo estes Povos instáveis, inconstantes e fáceis a resvalar para a idolatria, mais têm necessidade de ser socorridos e ajudados; mais devem Suas Eminências enviar-lhe Missionários suficientes, que, com o exemplo e com a doutrina os ajudem a preservar na fé de Cristo, que recentemente receberam; o que com a eficácia da sua divina graça poterit de lapidibus istis suscitare filios Abrahae. Como se viu factualmente na pessoa da Rainha Jinga que, sendo a mais iníqua, celerada, feroz, bárbara e diabólica Mulher, que por desespero, feita apóstata da fé, seguiu voluntariamente a infame e péssima vida dos Jagas idólatras, dignou-se por sua infinita piedade chamá-la de novo à fé e convertê-la à penitência por meio do Padre António de Gaeta, Pregador Capuchinho e Prefeito da Missão daquele Reino; a qual, tendo primeiro com o favor de Deus e depois com a assistência e guia do mesmo Padre, perseverado em viver cristã e virtuosamente até à morte, pode piamente crer-se que a sua alma repouse agora felizmente no Céu, onde goza o prémio das muitas boas obras feitas por ela depois da sua conversão. E, embora o sobredito Padre, por ter ido desta para outra vida antes de ela morrer, não pudesse dar-nos um relato da sua morte, soube porém pelo que me contou um nosso Capuchinho, ter de lá vindo a notícia que ela falecera, estando com febre desde há quatro meses, o que muito a abalou, com óptima disposição e com todos os Sacramentos da Santa Igreja. Foi ela chorada não só pelos seus vassalos, mas também pelos Portugueses, que outrora tinham sido seus capitalíssimos inimigos; fazendo disso demonstrações particulares, celebrando-lhe um funeral tão magnífico, e sumptuoso, como se tivesse morrido o seu próprio Senhor, trazendo por longo tempo os sinais de luto, dando a conhecer com isto, que se a tinham odiado por longo tempo pelas suas más qualidades e perversos costumes, a tinham depois amado singularmente pela sua grande bondade e virtude. Pela morte desta boa Rainha Jinga, que depois do baptismo foi chamada Dona Ana, sucedeu na Coroa a sua irmã Dona Bárbara, que agora reina e é também ela Católica, muito boa e devota Cristã.

Concluo portanto que, se o Padre sobredito com ajuda de Deus, apenas em seis anos, em que esteve no Reino de Matamba, fez tanto bem e trouxe frutos tão copiosos à Igreja, com a conversão de uma Rainha, e de mais de oito mil almas, por ele baptizadas, e renascidas para Cristo, é muito necessária nos ditos países a assistência dos Missionários Apostólicos e que a sua missão não deve ser de modo nenhum descuidada, ou interrompida, mas, pelo contrário, favorecida, ampliada e sustentada por quem tem a faculdade e autoridade para o fazer; e se Deus por meio de um único seu ministro baniu totalmente da real Cidade de Matamba e seu distrito, a idolatria, onde já não se vêem adorar Ídolos nos caminhos públicos, como antes se fazia, tendo o mesmo Padre no dia da festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo queimado diante da Porta da Igreja vinte e três imagens deles, na presença do Povo e da Rainha, que apareceu de improviso para ver aquela novidade, se os seus deuses sem se defenderem, se deixaram arder e consumir pelas chamas; mas, vendo-os arder disse em alta voz: Olhai que deuses nós adorámos! Como queriam eles socorrer às nossas necessidades se não se podem ajudar a si mesmos? E fazendo sair um suspiro do peito, foi-se embora dolente e contrita. Sacrificar a Demónios homens e animais, não só já não se faz mas também foram exilados e banidos da Cidade os ministros de tais sacrifícios. A carne humana que antes se comia publicamente, agora todos demonstram aborrecê-la e ter nojo dela. As bruxarias e feitiços supersticiosos já não são trazidos no corpo, como antes costumavam. As mulheres já não vão dar à luz fora do povoado nos bosques, onde deixavam os filhos que tinham parido, para serem alimento e pasto das feras, mas agora dão à luz nas próprias casas e cuidam de bem os criar e educar e levam-nos à Igreja para que sejam baptizados. Os funerais e exéquias que faziam aos seus mortos, chamados Tambi, são completamente proibidos. As casas, os altares e os sepulcros que dedicavam aos mesmos defuntos, não só não se fazem e se erguem de novo, mas os já feitos foram todos demolidos e deitados por terra. Os baptizados até ao presente chegam a passar o número de oito mil. Os maridos com uma só mulher em legítimo matrimónio segundo o rito da Igreja Católica, são mais de mil, entre os quais se contam todos os Senhores principais do Reino e a própria Rainha que procurou, enquanto viva, para impedir o concubinato público, que todos se casassem cristãmente. Todos finalmente, principalmente nas festas e aos Domingos, frequentam a Igreja e os Santos Sacramentos, vêm de boa vontade escutar a prédica, a Santa Missa e a Doutrina Cristã, que todos os domingos se ensina à hora de Vésperas, assistem aos Sábados às ladainhas de Nossa Senhora e à terça parte do Rosário, que muitas pessoas principais por sua devoção começaram a recitá-lo todas as tardes, nas próprias casas, imitando a Rainha, que antes de qualquer outra pessoa, adquiriu este santo e louvável costume. Se por isso Deus recolheu um tão grande fruto desta nova Cristandade por meio de um só Missionário, quanto maior o colheria, se fossem muitos a cultivá-la e fecundá-la com a rega das santas virtudes cristãs: por isso, volto de novo a suplicar, prostrado aos seus pés, aos sobreditos Eminentíssimos Senhores Cardeais, que queiram ter a peito favorecer, manter e sustentar esta Missão, in qua messis quidem multa, operarii autem pauci, providenciando-a com um número suficiente de bons e diligentes operários; de outro modo, todo este bem, pela instabilidade e inconstância destes Povos seria perdido e deitado ao vento. O que Deus não permita.