12-1-2013
UMA TESE DE DOUTORAMENTO LAMENTÁVEL
O título refere-se à Tese de doutoramento apresentada à Universidade Federal Fluminense por Alex Silva Monteiro, com o título “Conventículo herético”: cristãs-novas, criptojudaísmo e Inquisição na Leiria seiscentista, que se encontra publicada na Internet em vários sites do Brasil e dois também de Portugal. O autor consultou muitos processos da Inquisição de Lisboa, respeitantes a cristãos novos da área de Leiria e escreveu o seu texto como se tudo o que se encontra nos processos fosse a pura verdade, a demonstração das convicções heréticas dos réus e uma justificação irrefutável da acção dos Inquisidores.
Antes de prosseguir, devo situar o âmbito deste meu texto. Vou referir-me apenas à Inquisição tal como esta operava desde o início do séc. XVII; deixo pois de lado o séc. XVI que conheço menos, e que tem características próprias algo diferentes do que se passou a seguir. E falarei apenas da Inquisição na sua actividade de reprimir os cristãos novos, deixando de lado toda a perseguição que fazia de outros prevaricadores: cristãos velhos hereges, os acusados por sodomia e outros actos sexuais considerados desviantes, bruxaria e superstição, os padres solicitantes, os bígamos, os idólatras. De facto, estes todos juntos nunca justificariam a existência da Inquisição, pois poderiam ser sempre punidos pelos Tribunais do Rei ou das Dioceses. A Inquisição foi criada por causa dos cristãos novos e tinha necessidade deles para justificar a sua existência.
Tendo optado por ficar em Portugal, os cristãos novos procuraram adaptar-se o melhor possível à sociedade portuguesa, nomeadamente efectuando matrimónios mistos. Nos processos citados pela Tese em apreciação (que abrange um período muito curto, mais ou menos entre 1625 e 1635), aparecem muitos meios cristãos novos, 1/4, 1/8 de cristãos novos, ou simplesmente, com parte de cristãos novos. Infelizmente para eles, essa miscigenação não os salvou da perseguição da Inquisição que tratava a todos do mesmo modo.
No estudo da Inquisição, em Portugal, há duas tendências bem definidas:
- os que aceitam que se tratava de facto de um Tribunal da Fé, que examinava as crenças dos réus cristãos novos e os condenava porque eles, apesar de terem sido baptizados, continuavam a acreditar na religião judaica;
- os que acham que isso é falso, que as denúncias e as confissões eram inventadas e que o que a Inquisição fazia era puro antisemitismo, ao perseguir todos os que tivessem alguma ascendência judaica.
A defender a primeira tendência, há uma aliança contranatura, da direita católica com os estudiosos judaicos e filo-judaicos. Os primeiros justificam a existência da Inquisição com a heresia dos cristãos novos, os segundos acham que os processos demonstram o criptojudaísmo dos cristãos novos e ficam contentes com isso.
Esta problemática pode inserir-se numa questão mais larga que é a de saber que fins prosseguia a Inquisição. António José Saraiva concluiu liminarmente que a instituição queria era apropriar-se dos bens dos cristãos novos. A justificação não satisfaz porque, muitas vezes, a Inquisição perseguia e gastava as suas energias e o tempo dos Inquisidores com réus desprovidos, que pouco ou nada rendiam para os seus cofres. E não raro a Igreja teve de prover a Inquisição com fundos retirados dos seus rendimentos.
Nos livros citados da Prof. Ana Isabel López-Salazar Codes, ela aponta a principal característica da Inquisição, que era a de ser uma estância de poder, com muita independência. Ela e outros autores realçam o facto de que a Inquisição se apoiava no Rei, quando “incomodada” pelo Papa, e no Papa quando “incomodada” pelo Rei. Ora, para exercer o poder, precisava de ter uma actividade que lhe merecesse a aprovação da sociedade. Essa actividade era atormentar os cristãos novos, que não tinham de modo nenhum os favores da população. De facto, pela sua natureza e modo de ser, eles procuravam as ocupações mais rentáveis, fosse de negócios, fosse de profissões e mandavam os filhos estudar nas Universidades para as exercer. Quer dizer: para existir, a Inquisição tinha de fazer algo que agradasse à população e esse algo era prender e julgar os cristãos novos.
É que a tese oficial que fala de um Tribunal da Fé, como um meio de converter os cristãos novos, cai por terra ao ver o tratamento que os cristãos novos tinham nos cárceres dos Estaus. Alguém pode acreditar que os “reconciliados” saíam de lá católicos fervorosos, depois de terem sido maltratados, espoliados, insultados e humilhados? O mais provável é que, se entraram para lá católicos, saíssem de lá convictos da fé judaica.
A Inquisição era uma instituição absurda porque se baseava numa impossibilidade: conhecer o pensamento do indivíduo, saber em que é que ele acreditava ou não. É verdade que também as Leis dos Reino, as Ordenações, condenavam os hereges; mas essa condenação só podia ser baseada em palavras ou actos que demonstrassem a crença herética. Como, no final, os condenados (à morte) eram relaxados ao poder secular, as provas tinham de ser ou a declaração do próprio réu de crer na religião judaica, ou acções que demonstrassem cabalmente tal crença. Não bastava que essas acções representassem um costume dos judeus, como erradamente consideraram por vezes os Inquisidores.
Como a Inquisição precisava de provas contra os réus, foram pouco a pouco estandardizando-se determinadas práticas como significando essa crença. O autor da Tese especifica-as (pag. 194), considerando o que chama a dieta (não comer carne de porco, lebre ou coelho nem peixe de pele), guardar os sábados de trabalho, encomendar-se a Deus com o Padre Nosso, não ter Cristo como Deus, esperar o Messias e jejuns (judaicos). Destas práticas, a mais fatal eram os jejuns. Quando o réu era apanhado a fazer jejuns no cárcere, devidamente controlado nas casas de vigia, estava logo no caminho de uma condenação. As outras não tinham realidade física, só existiam ou depois de o réu as confessar ou de alguém denunciar que ele tinha dito que fazia. Destes rituais da lista, considero que apenas os jejuns integram a noção de “judaizar”, verbo de que se usa e abusa entre nós e de que se deve dar uma definição restrita, por exemplo: Judaizar –as manifestações exteriores dos cristãos novos capazes de significar eles acreditarem na religião judaica e não na religião católica. Entretanto, é por exemplo ridículo considerar sinal da crença na Lei de Moisés, vestir camisas lavadas ao sábado!...
Note-se que é errado indicar como crença judaica “encomendar-se a Deus com o Padre Nosso”. O Pai Nosso é uma oração comum a Judeus e a Cristãos. Possivelmente por isso, os Católicos passaram a dizer no fim “Amen, Jesus”; os judeus omitiam a expressão e assim declaravam a crença judaica; “diziam o Padre Nosso, sem dizer Jesus no fim”, esta a revelação da crença judaica. Em Portugal, nas aldeias, até meados do séc. XX, dizia-se “Amen, Jesus, Maria, José”.
Caso semelhante é o dos Salmos de David aceites como oração pelas duas religiões. Mas, no ritual Católico, diz-se no final o “Gloria Patri”, venerando a Santíssima Trindade.
É preciso dizer que a instrução religiosa judaica era e é muitíssimo mais complicada do que estas práticas, repetidas de processo para processo, revelam. Quando o médico Diogo Nunes (Pr. n.º 2361) quis revelar os seus conhecimentos de doutrina judaica, ditou para o processo 80 páginas; depois disse que fora sua avó analfabeta a instrui-lo, mas os Inquisidores sabiam que ele frequentara os meios judaicos de Espanha durante muito tempo.
Por isso, é falsa a afirmação do autor da Tese a pgs. 33: “Não eram raros os casos de grupos de cristãos-novos que se organizavam para o estudo e o debate das leis mosaicas.” Não dá nem poderia dar qualquer prova disso. Não havia rabinos, não havia livros, nem instrução religiosa para tal estudo e debate.
Querendo condenar os judeus, a Inquisição tinha de conseguir que eles confessassem seguir a Lei de Moisés, ou que alguém testemunhasse que eles tinham declarado isso mesmo. Encontraram para isso uma fórmula muito simples: o réu do processo tinha de conseguir adivinhar quem o tinha denunciado. Como não tinha sinais nem modo de o saber, denunciava por sua vez toda a gente que conhecia, esperando acertar nos denunciantes; deste modo, a Inquisição ficava com denúncias para prender mais uns tantos.
Era uma máquina infernal, uma fábrica de judeus, como lhe chamou H.P. Salomon (“The marrano factory”), republicando em inglês o livro de António José Saraiva. H.P. Salomon comete porém um erro: o de dizer que os cristãos novos eram católicos crentes. Ao dizer isso, cai no mesmo logro da Inquisição, quando queria descobrir a crença dos condenados. Por natureza, o pensamento é livre, impossível de conhecer. Os cristãos novos tinham práticas de católicos, aprendiam o catecismo e frequentavam os sacramentos. É o suficiente para concluir que estavam inocentes. Saber em que é que acreditavam, não é função de nenhum tribunal. Por isso, é ridículo e absurdo chamar à Inquisição, Tribunal da Fé.
A TESE
Como já disse, o autor da Tese acreditou em tudo o que consta dos processos. Não deu a mínima importância aos autores que, ao longo dos séculos, puseram a nu a Inquisição, indicados na Bibliografia a seguir.
Não satisfeito com isso, levou a sua fantasia a inventar um “Conventículo herético”, um grupo de 10 raparigas, ligadas por laços de parentesco ou de conhecimento mútuo, que se reuniam periodicamente e comunicavam umas às outras a crença na Lei de Moisés. Ora estas mocinhas, com excepção de uma que tinha 30 anos, tinham idades compreendidas entre 12 e 20 anos, umas adolescentes, outras mal saídas da infância. Nesta idade seria natural que procurassem os rapazes para serem cortejadas e praticamente impossível que se interessassem por religião.
Por outro lado, os conhecimentos da religião judaica não existiam em Portugal há uma centena de anos, não havia nem rabinos, nem sinagogas, nem professores.
Ora, é inimaginável que as raparigas se juntassem umas às outras conversando: “Tu crês na Lei de Moisés?” – “Eu creio, e tu?”- “Eu também creio”… É que sobre a religião judaica não tinham mesmo mais material de conversa!
Os cristãos novos não eram nem masoquistas, nem suicidas. Sabiam muito bem que seriam maltratados na Inquisição, faziam todos os possíveis para não serem notados. Claro que, depois de serem presos, tinham de seguir as regras do jogo para salvarem a vida. Denunciavam todos os de que se lembrassem, não poupavam os pais e os irmãos, até porque os Inquisidores apreciavam muito os testemunhos de parentes chegados. O sistema estava tão vulgarizado que a palavra “denunciar” já se não usava, fora substituída pela expressão mais vulgar “dar em”.
Era esta a defesa que tinham, não existia outra. No processo, aparecem duas espécies de defesa. Já vi centenas de processos, ainda não encontrei um em que a primeira, a “contestação por negação” servisse para alguma coisa. Quanto à defesa por contraditas e coarctadas, encontrei meia dúzia em que alguns testemunhos foram desvalorizados, mas sem evitar a condenação.
Na época a que se referem os processos estudados, os cristãos novos de Leiria seriam conhecidos apenas pela fama que tinham e nunca por comportamentos diferentes do dos cristãos velhos. Um sinal disso é a ausência de denúncias à Inquisição feitas por cristãos velhos, quer sejam familiares da Inquisição quer não, que são frequentes em processos de datas anteriores. Não que lá faltassem comissários e familiares da Inquisição, pois destes havia muitos, mas não tinham matéria para contar aos Inquisidores.
Por isso, carecem totalmente de sentido os ajuntamentos de dezenas de pessoas referidos nalguns processos. O autor da Tese foi buscar dois, de confissões nos processos de Manuel Pinto Losa (n.ºs 1800 e 10564) e de Leonor de Andrade (n.º 10554). Os réus escolhiam esta solução (dos ajuntamentos), porque permitia denunciar mais gente de uma vez só, mas era um expediente que se tornava perigoso. Ao denunciar por atacado, podiam pisar os calos de alguém da confiança dos Inquisidores (ainda que cristão novo) e então lá tinham um processo por perjúrio. Outro perigo era o de incluir nos denunciados algum cristão velho, o que era considerado falta imperdoável na Inquisição. Foi o que aconteceu a Manuel Pinto Losa, que incluiu nas denúncias 16 cristãos velhos (e mais cinco que eram duvidosos) e se viu preso de novo (ver abaixo resumo dos dois processos dele ). Depois, também dois cristãos novos, Sebastião Correia Alcoforado e o P.e João Lopes Matão, conseguiram provar a falsidade de dois ajuntamentos referidos em dois depoimentos dele de 20-8-1629, de que resultou a libertação do segundo (não aparece processo). Manuel Pinto Losa teve uma condenação muito severa para as galés, mas depois conseguiu a liberdade prometendo sair do País. O autor da Tese não refere o segundo processo (do perjúrio): não deu conta da sua existência? Ou viu-o, não o mencionou e prosseguiu normalmente com a descrição da segunda confissão do dia 21-8-1629, pretextando para si que afinal esta não figurava na acusação de perjúrio?
A actuação da Inquisição face a este processo de perjúrio era muito delicada, porque já havia gente condenada com os depoimentos de Manuel Pinto Losa. Nos processos da Inquisição, praticamente os únicos absolvidos são os réus denunciados por quem teve a seguir um processo por perjúrio. Na época a que se refere a Tese houve em Leiria uns poucos presos por perjúrio; por ironia do destino, um é Simão Lopes (Pr. n.º 2723-A, de Évora), o primeiro denunciante no processo de Manuel Pinto Losa e que, só por si, levou ao decreto da sua prisão. Foram presos também por perjúrio, André Ferreira (Pr. n.º 5678), Manuel Ribeiro Losa (Pr. n.º 10568), Sebastião Rebelo (Pr. n.º 4837) e José Lopes Matão (n.º 6490), todos de Leiria.
O entusiasmo e a imaginação do autor da Tese pregaram-lhe algumas partidas. Na descrição do ajuntamento no Verão de 1620, diz Manuel Pinto Losa:
“…estando todos sentados perto do rio, em um bosque onde estavam assentos debaixo de latadas, e árvores, cantaram os ditos Matões e Tomé de Fontes, o qual, depois de cantarem algumas letras, disse que queria cantar só e cantou à viola o seguinte:
É mui certa opinião
Testemunhas mais de dez
Que todo o novo cristão
Vive na Lei de Moisés.”
O autor da Tese teve dificuldade em ler Matões e leu “ mataens”. E comentou: “A música agradou aos presentes, obviamente, pela mensagem que trazia, pois Fernão Rodrigues pediu que Thomé retomasse a cantar. A palavra “mataens” provavelmente era a curuptela [sic]de “matán Torá” que significa a doação da lei por Deus a Moisés no monte Sinai. Assim, “os ditos mataens” talvez fosse um hinário de louvor a “Lei de Moisés”.
Pura fantasia. “Matões” refere-se a dois personagens de sobrenome Matão, mencionados pouco antes daquela transcrição, Sebastião Lopes Matão e Manuel Lopes Matão. Não tem nada a ver com palavras hebraicas.
Na transcrição dos processos da Inquisição, quando a leitura se torna difícil, parece-me que se deve adoptar o seguinte princípio: o texto é difícil de se decifrar, mas deve ser qualquer coisa de muito simples, a linguagem é sempre bastante corriqueira. Não vou aqui assinalar todos os lapsos de leitura que figuram na Tese, mas faço mais um reparo ao texto transcrito na pag. 148: onde está “coins”, o original diz “cains”, isto é, “cães”.
Como os relatados por Manuel Pinto Losa, também o ajuntamento relatado por Leonor de Andrade (Pr. n.º 10554) é naturalmente falso de todo. De outros processos sabemos que os familiares da Inquisição seguiam com atenção todos os movimentos dos cristãos novos, que nunca se atreveriam a fazer reuniões em grupo ao ar livre.
O “Conventículo Herético”
É de facto uma pena que o autor da Tese, tendo consultado tantos processos, não se desse conta do caminho errado que seguia ao acreditar piamente no conteúdo de todas as denúncias e de todas as confissões. Tanto mais que, nos próprios processos que consultou, havia dados evidentes do contrário. Vejamos o processo de Joana de Pena.
Entre as dez moças que arbitrariamente elencou no “Conventículo”, há uma chamada Joana da Pena (Pr. n.º 11832), que disse ter de 16 para 17 anos, e que pelos testemunhos, devia ser muito viva. Quando os cárceres estavam muito cheios, havia três ou mais presos por cada cela. Com Joana da Pena, estavam Maria de Figueiredo (Pr. n.º 8361), de Souto da Covilhã, casada, de 36 anos, que tinha já quatro filhos e Catarina Fernandes, solteira, de 40 anos, de Castelo Branco, com dois filhos Maria Aires (Pr. n.º5659), de 18 anos, presa na Inquisição e Martinho, de 5 anos. Joana e Catarina disseram à Maria de Figueiredo que confessasse ser judia e crer na Lei de Moisés mas “dizendo-lhes ela declarante que nunca tal fizera nem passara, elas lhe diziam que fizesse e confessasse, porque também elas confessavam o que não fizeram, e não eram judias e vinham dizer que o eram. E declarou que as ditas mulheres lhe disseram que quando viesse à mesa dizer que cria na Lei de Moisés, o dissesse com a boca e não com o coração.”
depois,
“Disse que o dizer-lhe Joana da Pena como tem dito que nesta mesa se não dava procurador que defendesse os presos e que já passara esse tempo e dizendo lhe ela declarante [Maria de Figueiredo] que daqui já tinham saído muitos livres, e que ela se queria livrar, ela lhe disse que já passara esse tempo e que se ela declarante [Maria de Figueiredo] tinha cá parentes, não se havia de poder livrar, e dizendo-lhe ela declarante como havia de pôr sobre si o que não fizera, ela [Joana] lhe dizia que o pecado que nisso fizesse ficava sobre quem cá a trouxera e que, quando tomasse na mesa juramento, dissesse consigo que jurava de dizer mentiras e que os padres da Companhia tinham uma bula por onde absolviam de todas as mentiras que aqui se diziam. E que indo a primeira vez desta mesa, quando confessou o que tem dito e dando disso conta à dita Joana da Pena, ela lhe disse que tornasse a pedir mesa e desse em todas as pessoas que sabia estavam presas e nas que mais conhecesse, porque nesta mesa se faziam maiores favores a quem mais pessoas dava e que se ela dissesse de muita gente lhe tirariam o hábito no auto. E uma Catarina Fernandes que aí estava, de Castelo Branco, e ouvia o sobredito, dizia que ela tomara o conselho daquela menina, e viera a confessar mas não declarara se o fizera verdadeira ou falsamente, e somente quando ela declarante [Maria de Figueiredo] dizia que não era judia, as sobreditas lhe diziam: Porque nós fomo-lo!, com o que dava a entender que o não eram também, e al não disse.”
De facto, nesta altura, muitos Padres da Companhia de Jesus tinham uma posição muito crítica sobre a actuação da Inquisição.
Isto declarou Maria de Figueiredo na sessão de 9-1-1635, quando decidiu revogar todas as confissões que fizera, por serem falsas, dizendo “que ela não queria senão a verdade, e era que tudo o que dissera e confessara nesta mesa fora falso, e que de tudo se revogava, porque ela nunca crera na Lei de Moisés, nem se declarara com pessoa alguma na crença dela, e que dizer o contrário que agora diz, foi por mau conselho que lhe deram nestes cárceres, dizendo-lhe que não havia aqui letrados que a pudessem defender (…) e com este temor pediu mesa e confessou o que não fizera e pede e requere que a nenhuma pessoa se dê em culpa o que delas disse, porque tudo disse falsamente, persuadida de uma Joana de Leiria e de uma Catarina Fernandes, irmã de uns clérigos de Castelo Branco, as quais a encaminharam no que havia de dizer…”.
O depoimento de Maria de Figueiredo foi confirmado por Catarina Fernandes (Pr. n.º 5925) e Maria Cordeira (Pr. n.º 12207), também companheiras de cárcere.
Depois disto, Maria de Figueiredo e Joana da Pena ficaram em maus lençóis. A primeira por se revogar, a segunda por pôr a claro a perfídia da Inquisição. Maria de Figueiredo foi mesmo condenada a ser relaxada pelo Conselho Geral de 1-6-1636 mas depois, em depoimento de 1-8-1636, assentou nas suas confissões e foi condenada a cárcere e hábito penitencial perpétuo sem remissão; a seguir, a pedido de seu marido e por graça do Inquisidor-Geral D. Francisco de Castro de 23-9-1636, foi-lhe terminada a penitência e retirado o hábito penitencial.
Joana da Pena foi tratada com mais severidade, como refiro a seguir no resumo do seu processo e também é descrito em pormenor na Tese de que falo. Era sem dúvida uma moça muito inteligente, mas imprudente como é normal com a vivacidade da juventude. Pôs a nu as artimanhas da Inquisição e queixou-se de não darem defensores aos réus de menor importância como ela, desprovidos de bens e ainda muito novos. Não sabia a pobre que, nos processos da Inquisição, a defesa servia para bem pouco ou mesmo para nada.
Perante isto, fico perplexo com o modo como o autor da Tese persiste em crer que, sim senhor, haviam declarado crer na Lei de Moisés, com dezenas de pessoas. Como é evidente, tinham perfeita consciência de terem sangue de judeus nas veias, porque o sistema da limpeza de sangue bem lho lembrava e eram apontadas a dedo nas ruas, mas tudo faziam para esquecer isso. E os poucos conhecimentos que tinham das tradições judaicas, não davam para manter conversa nenhuma.
A falsidade dos depoimentos na mesa da Inquisição é confirmada em outros processos, onde os presos, depois de muitas confissões, as revogaram na totalidade, de diversos modos, por exemplo: Fernando de Morales Penso (Pr. n.º 6307), a caminho do Brasil, para onde ia degredado, escreveu uma carta a um Padre Jesuíta seu amigo, onde dizia que tudo confessara falsamente, para salvar a vida; António Tavares da Costa (Pr. n.º 9112) juntou ao processo uma longa declaração desdizendo uma a uma todas as suas confissões e foi relaxado por isso.
A INQUISIÇÃO E OS SEUS PROCESSOS
Uma vez que a Inquisição se dizia ser um Tribunal, antes de começar a estudar os processos, há que conhecer pelo menos uns rudimentos de processo civil e penal, para poder aferir as semelhanças e as diferenças. Isso é importante para a definição dos conceitos utilizados, por exemplo, libelo, contradita, coarctada, etc. Um dado elementar é que a sentença no processo inquisitorial não é uma sentença, porque não se destina a julgar o réu, não contém a decisão do “tribunal” sobre o comportamento do réu e a pena a aplicar. A decisão está no Assento da Mesa e, nos casos previstos no Regimento, no Assento do Conselho Geral. A sentença é mais um anúncio ao público do que fez o réu e do castigo que vai ter. Redigia-se quando o processo estava acabado e era depois lida no auto da fé. Como já está de certo modo para além do processo, os Inquisidores tomavam algumas liberdades na sua redacção e, muitas vezes, as culpas mencionadas nem constam do processo; o redactor entusiasmava-se e descrevia cerimónias judaicas de que ninguém havia falado.
A seguir, há que estudar o Regimento aplicável ao processo, ou o de 1552, 1613, 1640 ou 1774.
Finalmente, há que verificar se a actuação dos Inquisidores está de acordo com as normas referidas ou se foi empregue algum truque para molestar o réu. Depressa se conclui que a actuação da Inquisição está cheia de perversidades, umas que até estão no Regimento, outras que são da livre iniciativa dos Inquisidores. Já me referi a algumas nestas páginas:
- a existência de casas de vigia nos cárceres;
- a colocação nos cárceres de presos que possam ser voluntariosos para denunciar à mesa o que se passou e disse nos cárceres;
- nunca ligar nenhuma à contestação do processo por negação, por mais válida que seja
- parar o processo, deixando o preso a “apodrecer” na prisão
- aplicar aos réus castigos físicos, fora do tormento, por exemplo açoites
- já depois de findo o processo, no período do cárcere, solicitar aos presos mais confissões
- aplicar aos condenados penas não previstas nos assentos, por ex. degredos no interior do País;
- no caso do Conselho Geral, decidir sem fundamento – enquanto a Mesa em geral segue uma certa lógica, por vezes, as decisões do Conselho Geral decidem de modo diferente sem fundamentar.
Nos processos abaixo resumidos, há mais uma perversidade que, aliás, era habitual na Inquisição Portuguesa: indicar como curadores dos menores os alcaides e guardas dos cárceres ou outro pessoal da própria Inquisição. Como é evidente, estes defenderiam os interesses da instituição e não os dos réus. Isto era tão flagrante que no Breve do Papa de 22 de Agosto de 1681, foi determinado expressamente:
Nec Tutor seu Curator quibus de Jure dandus est, vllo modo detur Custos carcerum, neque alius officialis Sancti Officii, sed deputetur alia persona grauis, fidelis et bonæ conscientiæ
isto é,
Que não possam ser tutores ou curadores daqueles a quem de direito se devem nomear, nem o guardião do cárcere, nem outro oficial do Santo Ofício, mas que se eleja para isso qualquer outra pessoa que seja grave, fiel e de boa vida.”
Sabe-se, porém, que a Inquisição pouco ou nada ligou a este Breve do Papa.
Também o célebre segredo da Inquisição era manobrado conforme as conveniências. O rigorosíssimo segredo não evitava que, em pouco espaço de tempo, se soubesse de todas as pessoas conhecidas dos réus que tinham dado entrada na prisão; e então, nada mais natural do que denunciá-las, nem que fosse para fazer número. Por outro lado, a inutilidade da defesa e a necessidade de "adivinhar" os denunciantes e fazer confissões equivalentes para salvar a vida era desconhecida cá fora ainda no séc. XVIII, como se prova nos respectivos processos, por exemplo no do Dr. Diogo Nunes Ribeiro (Pr. n.º 2367).
Dizem algumas pessoas que a Inquisição castigava os cristãos novos porque eram judaizantes, isto é, porque não criam no catolicismo que lhes fora ensinado no Catecismo. Uma prova disso seria o facto de muitos cristãos novos que iam ou fugiam para o estrangeiro se circuncidarem assim que chegavam ao País de destino. Isto pode ser verdade, mas também acontecia que os mais desprovidos tinham mesmo de o fazer para integrarem a comunidade judaica, que os sustentava. E o P.e Manuel Dias no séc. XVII dá uma relação de cristãos novos que fugiram para o estrangeiro e continuaram a comportar-se como católicos (D.G. Arquivos, Armário dos Jesuítas, Maço 30, n.º 55).
A Inquisição não tinha a ver com a religião. Atormentava os cristãos novos porque isso justificava a sua existência como instituição poderosa. Sem cristãos novos, não haveria Inquisição.
Sendo então uma instituição de poder, os seus chefes eram gente poderosa. E o poder corrompe, como sempre se soube. Por isso, não há que esperar que os Inquisidores se tenham comportado como santos.
Dizem alguns que a Inquisição Portuguesa não foi muito violenta, porque não executou muitos réus. É verdade, mas é enorme o número dos que passaram pelos cárceres de onde saíram humilhados, espoliados, sem saúde e com a vida estragada. Aliás, um elemento essencial para os réus salvarem a vida era que se mostrassem humildes, compungidos, com muitas demonstrações de arrependimento; se se comportassem de peito erguido, o mais provável era que acabassem no cadafalso.
O processo inquisitorial em Portugal era uma máquina infernal para amarfanhar os cristãos novos.
Observações pontuais a afirmações da Tese
Quadro III, pag. 98 – Enterro com sepultura eclesiástica não é uma pena. Os falecidos no cárcere iam para sepulturas provisórias junto dos Estaus. No Assento que os julgava, se eram relaxados, mandava-se abrir a sepultura para queimar as ossadas junto com a estátua deles; se eram absolvidos ou reconciliados, dizia-se no Assento que se autorizava o seu enterro católico e missas de sufrágio.
Quadro IV, pag. 99 – Cárcere perpétuo ou ao arbítrio dos Inquisidores são penas idênticas.
BIBLIOGRAFIA COMENTADA DE ALGUNS AUTORES QUE DESMASCARARAM A INQUISIÇÃO
Notícias recônditas do modo de proceder a Inquisição de Portugal com os seus presos. Informação que ao Pontífice Clemente X deu o P.e António Vieira. Lisboa, na Imprensa Nacional, Anno 1821.
Online: http://books.google.com
Este opúsculo é da maior importância, porque os casos que descreve estão todos comprovados nos respectivos processos. Teve pouca difusão porque ficou em manuscrito no sec. XVII e, da edição de Londres, em 1722, vieram poucos exemplares para Portugal. A edição de 1821, depois da extinção sa Inquisição, é mais conhecida.
Michael Geddes, Miscellaneous Tracts, 1.st volume, London, MDCCXIV:
V. A View of the Inquisition of Portugal; with a List of the Prisoners which came out of the Inquisition of Lisbon, in an Act of the Faith, celebrated Anno 1682. And another in 1707.
VI. A Narrative of the Proceedings of the Inquisition in Lisbon, with a Person now living in London, during his Imprisonment there.
Online: http://books.google.com
Embora não comprove os factos que narra, estão descritos de modo muito convincente. Diz João Lúcio de Axevedo na História dos Cristãos Novos Portugueses:
“Este auto (de 10-5-1682) foi presenciado pelo capelão da feitoria britânica Michael Geddes, que dele dá noticia e transcreve a lista dos condenados, em um escrito sobre a Inquisição portuguesa, publicado alguns anos depois da sua morte. Nele não somente descreve o auto da fé como oferece minuciosa e assaz exacta informação sobre a constituição do tribunal, normas do processo, modo das execuções e até sobre as particularidades do tormento, parecendo ter colhido as notícias de pessoa instruída pela experiência do cárcere. Conta que era uso queimar o populacho as barbas com tições inflamados, aos impenitentes, condenados ao fogo, antes de os tocarem as labaredas. Chamava-se a isso fazer a barba aos hereges. E, acrescentava o inglês, não era isso porque fosse o povo naturalmente cruel, mas só pelo ódio que votava a esta classe de culpados, mostrando-se pelo contrário misericordioso e compungido quando assistia a execuções por crimes comuns".
Charles Dellon, Relation de l’Inquisition de Goa, A Paris, chez Daniel Horthemels, rue St. Jacques, au Mecœnas, 1688.
Online: http://books.google.com
O autor, francês, foi preso em Goa e descreve a sua experiência na prisão. O processo desapareceu, mas o facto de nunca ter sido refutado atesta a sua autenticidade. Foi o livro que mais difundiu na Europa críticas à Inquisição Portuguesa.
António José Saraiva, Inquisição e cristãos-novos, 5.ª edição, Imprensa Universitária n.º 42, Editorial Estampa, Lisboa, 1985.
António José Saraiva, The Marrano Factory, The Portuguese Inquisition and Its New Christians (1536–1765), traduzido, revisto e aumentado por H.P. Salomon and I.S.D. Sassoon, Brill, Leiden, Boston, Köln, 2001
O livro de Saraiva e a sua tradução/revisão/aumento e adaptação por H.P. Salomon são fundamentais para o estudo da Inquisição Portuguesa apesar das suas limitações. O confisco é insuficiente para explicar a Inquisição, é a própria existência e a manutenção da Inquisição que a justificam. Quanto a H.P Salomon que diz que os cristãos novos eram católicos fervorosos, também não é correcto: as crenças não são visíveis e não interessam para o caso.
Saraiva é desvalorizado pelos seus críticos porque não foi ver os processos aos arquivos e baseou-se nas publicações existentes. É o argumento de I.S. Revah, que diz ter visto muitos. Se viu, não os interpretou como deve ser, ao concluir que os cristãos novos eram criptojudeus, o que não era verdade.
Joaquim Romero Magalhães, "E assim se abriu judaísmo no Algarve", in Separata da Revista da Universidade de Coimbra, vol. 29, 1981, pags. 1-74
Este artigo explica muito bem o funcionamento da Inquisição, utilizando para isso o início das prisões no Reino do Algarve.
Há dois autores católicos que costumam ser incluídos nos defensores da Inquisição como Tribunal da Fé, no que eu não concordo e provo com uma citação de cada:
J. Lúcio de Azevedo, História dos Cristãos Novos Portugueses, Clássica, Lisboa, 1975.
Online: www.archive.org
“O antagonismo, que dividia a nação em dois campos, católicos e marranos, era propriamente de raça e só na aparência de religião. Tudo que tendesse a separar os elementos, que deviam confundir-se, avivava o conflito, e mantinha o pretexto das perturbações. “ (Pag. 339)
Fortunato de Almeida – História da Igreja em Portugal, 2.º volume, Portucalense, Porto, 1967
“A animadversão geral contra os judeus provinha menos de dissentimentos religiosos que de causas sociais, avultando entre estas a rivalidade económica e o sentimento de nacionalidade inconfundível que a gente hebreia conservou em todos os tempos. Certamente ninguém atribuirá a fanatismo religioso os conflitos que ainda hoje se repetem na Rússia, na Alemanha, em França e noutros países onde são numerosos os indivíduos de crença mosaica. As causas que na actualidade subsistem devem ser as mesmas que actuavam há séculos.” (Vol. II, pag. 422).
RESUMOS DE PROCESSOS
MANUEL PINTO LOSA (Pr. n.º 1800), foi preso em 25 de Setembro de 1626, tinha então 22 anos. Era filho de pai e avô médicos. Seu pai (Pr. n.º 7582) fora condenado por judaísmo meia dúzia de anos antes e passara também alguns anos na cadeia da Inquisição. Porém, conseguira há pouco que lhe tirassem o hábito penitencial. Tinha duas irmãs, de 19 e 9 anos. Tinha estudado Artes e Latim em Coimbra e em Salamanca, certamente com vista a tirar o curso de Medicina. Não deveria ser muito aplicado, porque ainda não iniciara a preparação para ser Médico.
Na altura da prisão, apenas existia na Inquisição a denúncia contra ele de Simão Lopes (Pr. n.º 6068, img. 54), que o chamou Manuel de Fontes (apelido do pai), feita no dia 19 de Setembro de 1626. O n.º IX do Tit. IV do Regimento de 1613 era bastante restritivo em permitir a prisão quando existia um único testemunho, mas no caso dele, os Inquisidores não se preocuparam com isso: nem se justificaram no processo, nem fizeram subir a questão ao Conselho Geral, considerando assim que o réu era “pessoa das ordinárias”. Foram-se depois acumulando no processo as denúncias contra ele, embora com certo vagar: Fernão Soares (Pr. n.º 5657) em 1-3-1627, Isabel Henriques (Pr. n.º 10610) em 5-3-1627, Gaspar Dias Pestana (Pr. n.º 3744) em 7-3-1627, Manuel Ribeiro Losa (Pr. n.º 1795) em 25-8-1627, Cristóvão Rodrigues (Pr. n.º 7720), em 28-3-1628, Luis Ferreira (Pr. n.º 7724) em 3-1-1629, Maria Vieira (Pr. n.º 5661) em 7-2-1629, Isabel de Aguiar (Pr. n.º 7234) em 8-2-1629, Ascenso Rodrigues (Pr. n.º 6000) em 15-2-1629, Joana Lopes (Pr. n.º 7229) em 26-3-1629, Diogo Barbosa (Pr. n.º 8004) em 28-4-1629, Júlio Pinto (Pr. n.º 5141) em 2-5-1629, Estêvão de Andrade (Pr. n.º 5410) em 30-5-1629, Sebastião Lopes Ribeiro (Pr. n.º 6130) em 30-5-1629, Sebastião Rebelo (Pr. n.º 6132) em 6-6-1629, Filipa Lopes (Pr. n.º 3749) em 16-7-1629, Isabel de Fontes (Pr. n.º 7236) em 23-7-1629, Francisco de Andrade (Pr. n.º 1263) em 27-7-1629.
O processo seguiu seus termos, o réu quis defender-se e foi-lhe dado como Procurador o Licenciado Jerónimo de Figueiredo de Sá. Contestou por negação, dizendo que tinha sido sempre bom cristão e apresentou testemunhas. De nada lhe serviu, e não há memória de que a Inquisição alguma vez tenha atendido a este tipo de defesa, por mais convincentes que fossem os depoimentos das testemunhas. Veio depois com contraditas indicando uma longa lista de inimigos que não poderiam ser aceites como testemunhas contra ele. A contestação por contraditas e coarctadas só muitíssimo raramente é que serviu de alguma coisa nos processos da Inquisição. Manuel Pinto indicou imensas testemunhas, mas apenas foi permitida a audição das que depunham sobre inimizade com quem tinha denunciado o réu. E não serviu de nada… até que o réu se convenceu que não havia defesa possível e decidiu confessar e denunciar por sua vez. Assim, em 19-8-1629 (img. 661), iniciou as suas confissões e denúncias, em que implicou centenas de pessoas de Leiria. Para denunciar um número maior, inventou ajuntamentos de cristãos novos em diversos lugares, em alegres convívios, declarando-se todos fervorosos seguidores da Lei de Moisés. Foram 14 sessões que preenchem 165 páginas do processo. Depois disto, foi o réu reconciliado sem problemas e saiu no auto da fé de 2-9-1629. Antes de sair em liberdade fez ainda mais algumas denúncias numa confissão extra de 31-10-1629. Um pormenor engraçado é que ele casou em 23 de Junho de 1630 com Lucrécia dos Santos (Pr. n.º 466), de 20 anos, que saíra reconciliada no mesmo auto da fé. Foi dispensado o hábito penitencial a ambos para casarem. Ter-se-ão conhecido na prisão?
A Inquisição começara a prender os denunciados por Manuel Pinto Losa, quando deu conta que alguns deles sempre haviam sido considerados como cristãos velhos. Ordenou então um inquérito, ouvindo dez ou mais testemunhas por cada uma dessas pessoas, despachando depois assim: “Foi vista na mesa do Santo Ofício em os 11 do mês de Março de 1634 esta diligência que o S.to Ofício mandou fazer sobre a limpeza de sangue de José Monteiro nela conteúdo e pareceu a todos os votos que por ela se mostrava ser ele cristão velho inteiro assim por parte de seu pai como de sua mãe, sem haver fama nem rumor em contrário. “ De uma lista inicial de 21, ficaram depois 16 que eram certamente cristãos velhos e foi em 7 de Setembro de 1634 emitido mandado de prisão por perjúrio contra Manuel Pinto Losa (Pr. n.º 10564).
O processo é muito extenso. A certa altura, os presos cristãos novos Sebastião Correia Alcoforado (Pr. n.º 4830) e P.e João Lopes Matão fizeram saber aos Inquisidores que nunca se tinham realizado os ajuntamentos que Manuel Pinto dissera que se haviam feito em suas casas, nas confissões de 20-8-1629 (img. 693 e 697). Foi feito um inquérito ouvindo 12 cristãos velhos de Leiria e provou-se que eles tinham razão; o P.e João Lopes Matão foi libertado, nem tem processo. Feita a acusação, quis ainda Manuel Pinto defender-se primeiro por negação, depois invocando contraditas, que não provou, como diz a sentença. Foi a visto da mesa em 20 de Abril de 1635 e os Inquisidores, o representante do Ordinário e a maior parte dos Deputados foram de opinião que lhe fosse aplicada a pena que depois foi aprovada pelo Conselho Geral em 2 de Maio seguinte: ir ao auto da fé com carocha de falsário, ouvir a sua sentença e ser açoitado pelas ruas públicas da cidade de Lisboa citra sanguinis effusionem, degredado para sempre para as galés de Sua Majestade, onde servirá ao remo sem soldo. Porém, os Deputados Luis Álvares da Rocha e Luis Pereira de Castro, eram de opinião que ele fosse relaxado à justiça secular pela gravidade de suas culpas, e por as suas falsidades terem levado à prisão de muitas pessoas, algumas das quais haviam sido relaxadas e exemplifica: Lourenço Alberto (Pr. n.º 11808), Manuel Soares de Miranda (Pr. n.º 1205), Manuel Teixeira (Pr. n.º 4745), Manuel de Anta (Pr. n.º 10550), Jorge da Fonseca (Pr. n.º 10672), Gaspar Rodrigues (Pr. n.º 457) e Maria de Anta (Pr. n.º 2469). Também a sentença refere: “E havendo informação na mesa do Santo Ofício que o réu culpara falsamente as ditas pessoas, e que muitas delas não tinham raça da Nação, foi preso nos cárceres dele. E pedindo mesa confessou que, induzido por certas pessoas que nomeou, testemunhara falso na mesa da Inquisição contra outras muitas, dizendo que se haviam declarado com ele por judias, sendo mentira, porque com elas não comunicara coisa alguma sobre esta matéria, nem sabia que andassem apartadas da fé, nem que tivessem raça da Nação, posto que o ouvira dizer; e que de assim haver testemunhado falso, estava muito arrependido, e pedia perdão e misericórdia.”
Foi ao auto da fé de 20 de Maio de 1635. A pena aplicada raramente era executada porque naquele tempo havia pouquíssimas galés a remos. Nos intervalos ficavam os condenados presos no Limoeiro. Em 29 de Novembro de 1636 (img. 661) foi lavrado um “Termo que fez Manuel Pinto para se sair fora do Reino”. Tendo ele saído da prisão por três meses para se curar disseram-lhe que dentro de um mês se saísse do Reino para sempre ou tornasse para o Limoeiro, onde estava; o réu assinou no final do documento. A Inquisição que perseguia até ao alto mar os que fugiam do Reino, neste caso estava interessada em que ele desaparecesse para sempre.
GRUPO DE MOÇAS DO "CONVENTÍCULO HERÉTICO"
GREGÓRIA DE MIRANDA (Proc. n.º 11006) foi presa a 20-3-1632, quando tinha 19 anos; era analfabeta. No processo, estavam as denúncias de Manuel Pinto Losa (Pr. n.º 1800), seu primo afastado, em 19-8-1629, de António Galvão (Pr. n.º 6921), em 4-3-1630, de Sebastiana de Fontes (Pr. n.º 5294) em 22-4-1630, de Isabel de Freitas (Pr. n.º 11807) em 11-2-1630 e 31-5-1630, de José Lopes Matão (Pr. n.º 6723) em 19-9-1630, de Beatriz ou Brites da Costa (Pr. n.º 3395) em 27-9-1630, de Ângela Soares (Pr. n.º 8854) em 23-6-1631, de Bárbara de Lena (Pr. n.º 3390), em 10-7-1631, de Isabel de Fontes (Pr. n.º 11819), em 2-9-1631, de Inocência da Costa (Pr. n.º 6735), em 22-10-1631, de Francisca da Costa (Pr. n.º 7709) em 23-10-1631, de Francisco Soares (Pr. n.º 11045), em 20-11-1631, de André Rodrigues (Pr. n.º 879), em 23-12-1631 e 29-12-1631, de Maria Soares, casada com Fernão Galvão, (Pr. n.º 3176) em 12-1-1632, de Maria Soares, solteira, filha de Francisco Soares (Pr. n.º 3869) em 19-2-1632, de Leonor Fontes de Miranda (Pr. n.º 10557) em 24-2-1632, de António Soares (Pr. n.º 6920), em 9-3-1632. Segue-se a certidão do notário reportando-se ao decreto da prisão assinado em 10-3-1632. Prossegue o processo com as denúncias de Maria Soares, filha de Fernão Galvão (Pr. n.º 12565), de 19-3-1632, de Manuel Cardoso de França (Pr. n.º 4037) em 19-3-1632, outro testemunho de Francisco Soares (Pr. n.º 11045), em 19-3-1632, de Manuel Soares de Miranda (Pr. n.º 1205), em 19-3-1632, de Isabel da Costa (Pr. n.º 7131) em 29-3-1632, de Maria de Anta (Pr. n.º 2469), de 15-3-1632, de sua irmã Isabel de Miranda (Pr. n.º 11536), em 26-6-1632, de Catarina de Anta (Pr. n.º 1940), em 28-7-1632, de D. Leonor Cardosa (Pr. n.º 11534), em 6-8-1632, de Sebastiana de Oliveira (Pr. n.º 2477), em 9-8-1632, de Beatriz ou Brites de Oliveira (Pr. n.º 9581), de 16-9-1632, de Manuel Dias (Pr. n.º 11528), de 25-9-1632. Ao todo, 28 testemunhas.
A 15 de Julho de 1632, a ré iniciou as suas confissões; prosseguiu a 16 de Julho (de manhã e de tarde), 19 de Julho, 22 de Julho (de manhã e de tarde). Foi a visto da Mesa em 11 de Outubro de 1632 e todos os votos foram no sentido da reconciliação, com abjuração de vehementi e cárcere e hábito penitencial a arbítrio dos Inquisidores. Foi ao auto da fé de 9-1-1633. A 14-1-1633, fez uma confissão-extra, um abuso dos Inquisidores. Confessou-se a 12 e comungou a 13 de Janeiro de 1633. Em 16-1-1633 o termo das penitências, onde lhe é determinado que no fim do ano envie para ser junta ao processo uma certidão do seu confessor em como cumpriu as que se lhe determinou; tal certidão não aparece. Foi-lhe tirado o hábito penitencial e dito que “não saia deste Reino nem ande em liteira, cadeira ou silhão, nem sobre sua pessoa traga ouro, prata nem seda, o que ela tudo prometeu.”
Custas: 1$696 réis.
ISABEL DE MIRANDA (Proc. n.º 11536), irmã da anterior, foi presa a 20-3-1632, quando tinha 30 anos; era analfabeta. No processo, estavam as denúncias de Manuel Pinto Losa (Pr. n.º 1800), seu primo afastado, em 19-8-1629 e 21-8-1629, de Isabel de Freitas (Pr. n.º 11807) em 11-2-1630 e 31-5-1630, de António Galvão (Pr. n.º 6921), em 4-3-1630, de Sebastiana de Fontes (Pr. n.º 5294) em 22-4-1630, de José Lopes Matão (Pr. n.º 6723) em 19-9-1630, de Beatriz ou Brites da Costa (Pr. n.º 3395) em 27-9-1630, de Ângela Soares (Pr. n.º 8854), filha de Diogo Soares, em 23-6-1631, de Bárbara de Lena (Pr. n.º 3390), em 10-7-1631, de Isabel de Fontes (Pr. n.º 11819), em 2-9-1631, de Inocência da Costa (Pr. n.º 6735), em 22-10-1631, de Francisca da Costa (Pr. n.º 7709) em 23-10-1631, de Francisco Soares (Pr. n.º 11045), em 20-11-1631, de André Rodrigues (Pr. n.º 879), em 23-12-1631 e 29-12-1631, de Maria Soares, casada com Fernão Galvão, (Pr. n.º 3176) em 12-1-1632, de Maria Soares, solteira, filha de Francisco Soares (Pr. n.º 3869) em 19-2-1632, de Leonor Fontes de Miranda (Pr. n.º 10557) em 24-2-1632, de António Soares (Pr. n.º 6920), em 9-3-1632. Segue-se a certidão do notário reportando-se ao decreto da prisão com sequestro de bens, assinado em 10-3-1632. Prossegue o processo com as denúncias de Maria Soares, filha de Fernão Galvão (Pr. n.º 12565), de 19-3-1632, de Manuel Cardoso de França (Pr. n.º 4037) em 19-3-1632, de Manuel Soares de Miranda (Pr. n.º 1205), em 19-3-1632, outro testemunho de Francisco Soares (Pr. n.º 11045), em 19-3-1632, de Maria de Anta (Pr. n.º 2469), de 20-3-1632, de Isabel da Costa (Pr. n.º 7131) em 29-3-1632, de sua irmã Gregória de Miranda (Pr. n.º 11006), em 19-7-1632 e 22-7-1632, de Catarina de Anta (Pr. n.º 1940), em 28-7-1632, de D. Leonor Cardosa (Pr. n.º 11534), em 6-8-1632, de Sebastiana de Oliveira (Pr. n.º 2477), em 9-8-1632, de Beatriz ou Brites de Oliveira (Pr. n.º 9581), de 16-9-1632, de Manuel Dias (Pr. n.º 11528), de 25-9-1632. Ao todo, 28 testemunhas, como sua irmã.
A 26 de Junho de 1632, iniciou a sua confissão, que tem à margem a nota: “Isabel de Miranda, estando muito doente no cárcere” e depois “Estas confissões se tomaram de novo em 18 e 19 de Outubro, por a ré o pedir.” De facto, em 18-10-1632 (img. 66) está: “Emenda as confissões passadas”; no dia seguinte “continua a emendada confissão”. “Diz mais” a 3-11-1632. A 8-11-1632, admoestação antes do libelo e a 10 do mesmo mês foi chamada para ser interrogada. Foi a visto da Mesa em 16 de Novembro de 1632 e todos os votos foram pela reconciliação, com abjuração em forma e cárcere e hábito penitencial a arbítrio dos Inquisidores. Foi ao auto da fé de 9-1-1633. A 14 de Janeiro de 1633, tal como sua irmã, fez uma confissão extra, dizendo o texto que ela “pedira audiência dos cárceres da penitência”. Confessou-se a 14 e comungou a 15 de Janeiro de 1633. Em 17-1-1633 o termo das penitências, tal como sua irmã acima.
Custas: 1$973 réis.
MARIA DA PENA (Proc. n.º 5258), foi presa a 13-1-1633, quando tinha 17 anos; era analfabeta. No processo estavam as denúncias de de António Galvão (Pr. n.º 6921), em 20-10-1629, de Francisco Gomes (Pr. n.º 10262), em 27-4-1632, de Isabel de Miranda (Pr. n.º 11536), em 19-10-1632. O processo não tem a transcrição do decreto da prisão de 3-1-1633. Prossegue o processo com as denúncias de D. Leonor Cardosa (Pr. n.º 11534), em 6-1-1633, de Bartolomeu Henriques (Pr. n.º 3704), em 13-1-1633, de Catarina de Anta (Pr. n.º 1940), em 15-1-1633, de Ângela Soares (Pr. n.º 5415), filha de Fernão Galvão, em 13-4-1633, de Lourenço Teixeira (Pr. n.º 10796), em 26-4-1633, de Madalena de França (Pr. n.º 5261), em 13-8-1633, de Isabel Lopes (Pr. n.º 5444), em 21-8-1633 e 30-9-1633, de Leonor de Fontes (Pr. n.º 439), em 3-9-1633, de Isabel Francisca (Pr. n.º 5443), em 16-9-1633, de Maria de Andrade (Pr. n.º 5260), em 23-9-1633, de Filipa da Mota (Pr. n.º 452), em 28-9-1633, de Antónia de Oliveira (Pr. n.º 10288), filha de Iria ou Irina dos Santos, em 7-10-1633, de Filipa Lopes (Pr. n.º 455), em 13-10-1633, de Madalena Pereira (Pr. n.º 9885), em 17-10-1633, de Clara Lopes (Pr. n.º 4927), em 22-10-1633, de Maria do Espírito Santo (Pr. n.º 9876), em 4-11-1633, e de Isabel Cordeira (Pr. n.º 5440), em 29-11-1633. Ao todo, 22 testemunhas.
Aos 3 de Abril de 1633, iniciou as suas confissões, que prosseguiu a 22 de Abril e mais tarde a 24 de Setembro do mesmo ano, data em que disse também a Genealogia. Crença a 6 de Outubro, “Diz mais” e ratificação a 7, sessão de diminuições a 8 de Outubro, admoestação antes do libelo a 12, denuncia sua irmã Joana a 15 de Outubro, sessão in specie a 29 de Novembro, “Diz mais” a 1 de Dezembro. Foi a visto da Mesa em 12 de Dezembro de 1633 e o assento tomado por unanimidade foi a favor da reconciliação, com abjuração em forma e cárcere e hábito penitencial a arbítrio dos Inquisidores. Uma confissão extra a 23 de Janeiro de 1634 e foi ao auto da fé em 2 de Abril de 1634. Não tem o termo de penitências, mas um despacho do Bispo Inquisidor Geral D. Francisco de Castro em 6 de Junho de 1634, dando-lhe a liberdade, perdão das penitências e retirar o cárcere e o hábito penitencial, por ir casar com Manuel Vieira (Pr. n.º 444), também penitenciado no mesmo auto da fé de Abril de 1634.
Custas: 1$599 réis
JOANA DA PENA (Pr. n.º 11832), irmã da anterior, foi presa a 29-3-1634, quando tinha 16 anos; era analfabeta. No processo estavam as denúncias de Gregória de Miranda (Pr. n.º 11006), em 19-7-1632, de Isabel de Miranda (Pr. n.º 11536), em 19-10-1632, de D. Leonor Cardosa (Pr. n.º 11534), em 6-1-1633, de Isabel Francisca (Pr. n.º 5443), em 16-9-1633, de Antónia de Oliveira (Pr. n.º 10288), filha de Iria ou Irina dos Santos, em 23-9-1633, de Isabel Lopes (Pr. n.º 5444), em 30-9-1633, de Antónia da Costa (Pr. n.º 10286), em 6-10-1633, de Filipa Lopes (Pr. n.º 455), em 13-10-1633, de sua irmã Maria da Pena (Pr. n.º 5258), em 15-10-1633, de Ângela Soares (Pr. n.º 5415), filha de Fernão Galvão, em 17-1-1634. O processo não tem a transcrição do decreto da prisão de 10-3-1633. Prossegue o processo com as denúncias de Madalena de França (Pr. n.º 5261), em 10-4-1634, de Francisca de Ceita (Pr. n.º 11308), em 27-4-1634, de António Godinho de Miranda (Pr. n.º 2170, de Évora), em 19-5-1634, de Maria Cordeira (Pr. n.º 12207), em 30-5-1634, de António Rodrigues (Pr. n.º 3598), em 4-7-1634, de Isabel de Oliveira (Pr. n.º 11840), em 5-7-1634, de Maria da Pena (Pr. n.º 12201), filha de António Pires, em 2-10-1634, de Catarina de Oliveira (Pr. n.º 11312), em 11-12-1634, de Maria de Figueiredo (Pr. n.º 8361), em 9-1-1635 e 19-1-1635, de Mariana de Ceita (Pr. n.º 11898), em 10-1-1635, de Catarina Fernandes, a Sampalheira de alcunha (Pr. n.º 5925), em 1-3-1635, de Maria Cordeira (Pr. n.º 12207), em 5-3-1635, de Francisca de Ceita (Pr. n.º 11308), em 5-3-1635, de Isabel Luis (Pr. n.º 11831), em 22-2-1635, e de Antónia Rodrigues (Pr. n.º 3603), em 13-3-1635. Ao todo, 25 testemunhas.
A 30-3-1634, iniciou as suas confissões, que prosseguiu em 28 de Abril, 27 de Maio, 8 de Junho (em que disse a Genealogia), 27 de Junho e 2 de Agosto. A sessão da Crença foi a 4-9-1634. Em 22-12-1634, sessão in specie e sobre as diminuições. Admoestação antes do libelo e libelo a 29-12-1634. Publicação da prova da justiça em 9-1-1635. Como a ré tinha dito que naquela Inquisição não se dava Procurador (defensor) aos presos, deram-lhe um Procurador, o Licenciado Luis Craveiro. Teve de aprender assim à sua custa que a defesa escrita não servia para nada. Nova sessão in specie em 5-3-1635. Durante o mês de Março foi notificada de mais denúncias contra ela (provas da justiça). Ainda apresentou contraditas que de nada serviram. A 30-3-1635, fez mais confissões.
Os Inquisidores foram particularmente cruéis com Joana da Pena, que de facto tinha sido um pouco fala-barato no cárcere, como vimos acima. Quando o processo foi a Visto da Mesa em 30-3-1625, mandaram que a Ré fosse posta a tormento por não ter denunciado Maria de Figueiredo e Catarina Fernandes. Ora estas duas companheiras de cárcere não eram de Leiria mas sim da Beira Baixa (Covilhã e Castelo Branco) e certamente Joana de Pena não fazia ideia de que tivesse que denunciar conversas na prisão. A 24-4-1635, o Conselho Geral concordou com a ida a tormento que, pela descrição, deverá ter sido particularmente doloroso: “…… se foi continuando o tormento e sendo atada com toda a correia, foi de novo admoestada e por dar a mesma resposta, lhe foi posto o cordel e sendo admoestada outra vez, por a Ré dizer que não tinha mais que declarar, foi atada perfeitamente e por a Ré dizer nesses termos que não tinha mais que declarar, foi começada a levantar e sendo no lugar do libelo foi muito admoestada que quisesse declarar toda a verdade e declarar a tenção das palavras que confessara haver dito e por a Ré dizer que não tinha mais que dizer, houveram os ditos Senhores por satisfeito ao assento que neste processo se tinha tomado…” Como é evidente, ela nada disse e assim purgou no tormento a suposta falta. Não foi feito novo Assento da Mesa como estava previsto e determinado pelo Conselho Geral. Foi a auto da fé em 20-5-1635, em que foi reconciliada. Mas no Termo das penitências, não lhe tiraram o hábito penitencial.
Custas: 4$093 réis
FILIPA LOPES (Pr. n.º 455), filha de Manuel de Fontes e de Bárbara de Lena, foi presa a 27 de Janeiro de 1633, quando tinha de 15 para 16 anos; era analfabeta. No processo estavam as denúncias de Gregória de Miranda (Pr. n.º 11006), em 19-7-1632, de Isabel de Miranda (Pr. n.º 11536), em 19-10-1632, de Ana Rodrigues (Pr. n.º 3717) em 5-1-1633. Segue-se a certidão do baptismo em 14-9-1617. Depois o decreto da prisão, datado de 17-1-1633. Prossegue o processo com as denúncias de Maria da Pena (Pr. n.º 5258), em 8-4-1633 e 22-4-1633, de Antónia da Costa (Pr. n.º 10286), em 9-7-1633, de sua irmã Leonor de Fontes (Pr. n.º 439), em 3-9-1633, de Antónia de Oliveira (Pr. n.º 10288), em 23-9-1633, de Isabel Lopes (Pr. n.º 5444), em 17-10-1633, de Isabel Cordeira (Pr. n.º 5440), em 29-9-1633, de Madalena de França (Pr. n.º 5261), em 17-10-1633, e de Ângela Soares (Pr. n.º 5415), filha de Fernão Galvão, em 17-1-1634. São 11 testemunhas.
Iniciou as suas confissões em 27-1-1633. Em 16-3-1633, a Genealogia. Mais confissão em 5-4-1633, 13-10-1633 e 15-10-1633 (junto com a sessão da Crença). Em 12-11-1633 uma sessão in specie sobre as diminuições. A 14-11-1633, a Admoestação antes do libelo e o libelo. Disse que não queria Procurador, mas foi-lhe atribuído o Licenciado Francisco da Fonseca Freire. Este escreveu algumas linhas de defesa e possivelmente incitou a ré a confessar mais, o que ela fez em 18-11-1633 e em 13-1-1634. O processo foi a Visto da Mesa em 14-2-1634 e o assento tomado por unanimidade foi a favor da reconciliação, com abjuração em forma e cárcere e hábito penitencial a arbítrio dos Inquisidores. A sentença foi publicada no auto da fé de 2-4-1634. Confessou-se e comungou. O termo das penitências a 21 de Abril de 1634; não lhe foi retirado o hábito penitencial.
Custas: 3$429 réis.
LEONOR DE FONTES (Pr. n.º 439), irmã da anterior, foi presa a 19 de Abril de 1633, quando completara apenas 12 anos (foi baptizada a 26-2-1621, conforme certidão no processo de sua irmã Filipa Lopes); era analfabeta. No processo estavam as denúncias de Gregória de Miranda (Pr. n.º 11006), em 19-7-1632, de Isabel de Miranda (Pr. n.º 11536), em 19-10-1632. Há um interrogatório da ré a 13-4-1633 e a seguir a certidão do decreto da prisão, datado de 31 de Dezembro de 1632, a que se seguiu o mandado de prisão datado de 3-1-1633. Os Inquisidores hesitaram em prender uma moça tão nova, mas decidiram fazê-lo depois que ela declarou não ter culpas que confessar. Prossegue o processo com as denúncias de Maria da Pena (Pr. n.º 5258), em 22-4-1633 e 8-4-1633 (nesta ordem).
A 3-9-1633, fez a sua confissão. A 17 do mesmo mês, a sessão da Genealogia. A 7 de Outubro, crença e ratificação. Foi a Visto da Mesa em 21-11-1633, e por unanimidade foi decidida a reconciliação, com cárcere e hábito penitencial a arbítrio dos Inquisidores. A sentença foi lida no auto da fé de 2 de Abril de 1634. (Note-se a arbitrariedade de a manter presa desde o assento da Mesa até ao auto). Termo de ida e penitências em 21-4-1634, em que lhe retiraram o hábito penitencial. Custas: 698 réis.
Note-se que, no interrogatório de 13-4-1633, a ré pediu que a “encaminhassem no que havia de dizer”, ingenuidade própria da pouca idade que tinha. Note-se então mais esta perversidade da Inquisição que consistia em atribuir a função de curador a pessoal da Inquisição, no caso da Leonor de Fontes, o Alcaide dos cárceres, Roque Girão.
ISABEL PINTA (Pr. n.º 5442), filha de Simão de Fontes e de Inês Pinta, foi presa em 13-1-1633, quando tinha 15 anos; assinava o seu nome, embora a Genealogia não nos diga (como devia) se sabia ler e escrever. No processo estavam as denúncias de Gregória de Miranda (Pr. n.º 11006), em 19-7-1632, de Maria da Fonseca (Pr. n.º 8119), casada com José Lopes Matão, em 23-8-1632 e de isabel de Miranda (Pr. n.º 11536), em 18-10-1632 e 19-10-1632. Está a seguir a certidão notarial do decreto da prisão datado de 31 de Dezembro de 1632. Depois, os depoimentos de Ana Rodrigues (Pr. n.º 3717), filha de André Rodrigues, em 5-1-1633, de D. Leonor Cardosa (Pr. n.º 11534), em 6-1-1633, de Maria da Pena (Pr. n.º 5258), em 8-4-1633 e 22-4-1633, de Ângela Soares (Pr. n.º 5415), filha de Fernão Galvão, em 13-4-1633, Genebra Soares (Pr. n.º 459), que nunca casou natural e moradora em Torres Novas, em 2-6-1633, de Antónia da Costa (Pr. n.º 10286), em 9-7-1633, de Madalena de França (Pr. n.º 5261), em 13-8-1633, de Isabel Lopes a “Mouquinha” (Pr. n.º 5444), em 29-8-1633, de Leonor de Fontes (Pr. n.º 439), em 3-9-1633, de Antónia de Oliveira (Pr. n.º 10288), filha de Iria ou Irina dos Santos, em 23-9-1633, de Filipa da Mota (Pr. n.º 452), em 28-9-1633, de Filipa Lopes (Pr. n.º 455), em 13-10-1633, de Madalena Pereira (Pr. n.º 9885), em 17-10-1633, de Isabel Cordeira (Pr. n.º 5440), em 29-11-1633, de Maria Soares (Pr. n.º 9884), viúva de Álvaro Soares ou Álvaro Lopes, de Torres Novas, em 11-1-1634, do Padre João Baptista (Pr. n.º 9168), em 20-2-1634. Ao todo, 19 testemunhas.
Segue-se a Genealogia em 19-8-1633, em que também lhe é dado por curador Roque Girão, Alcaide dos cárceres. Sessão in genere em 5-9-1633 e in specie em 13 de Setembro do mesmo ano. Admoestação antes do libelo e libelo em 16-9-1633. Lido este, disse ela que era tudo falso, que se queria defender e pediu que lhe fosse atribuído um Procurador, que foi o Licenciado Francisco da Fonseca Freire. Esteve com ele no dia 8-10-1633. O Procurador contestou por negação as acusações e a ré indicou as testemunhas, que foram ouvidas por comissão (deprecada) para Leiria. Esta defesa nunca era aceite pela Inquisição.
O Promotor requereu a publicação da prova da justiça. Lida esta, a ré disse que era tudo falso e que queria estar com o seu Procurador para apresentar contraditas. O Promotor publicou o depoimento da 17.ª testemunha. A 6-12-1633, a Ré esteve com o seu Procurador e acabou por não arguir contraditas. Os Inquisidores a houveram “por lançada das com que pudera vir” (despacho de 9-12-1633).
Iniciou as suas confissões em 10-3-1634, prosseguiu no dia seguinte, depois no dia 13 do mesmo mês, e a 14, disse “mais e ratificou”. O tempo urgia porque se aproximava a data do auto da fé. O processo foi a Visto da Mesa a 14 de Março de 1634 e todos os votos foram favoráveis à reconciliação. A sentença foi lida no auto da fé de 2 de Abril seguinte. Assinou os habituais termos de abjuração em forma e de segredo e confessou-se e comungou. O termo de penitências é duríssimo: ficou praticamente em cárcere na Paróquia de S. Lourenço, em Lisboa, até que uma fidalga a recolheu, e sempre com o hábito penitencial. No final de 1643, isto é, nove anos depois, foi à Inquisição pedir que a deixassem ir para Leiria, onde uma Brites Pacheco tomaria conta dela. O Bispo Inquisidor Geral Francisco de Castro consentiu em terminar-lhe a penitência e retirar-lhe o hábito penitencial, deixando-a partir para Leiria, por termo datado de 3-12-1643. Toda esta barbaridade apenas porque ela teve a veleidade de se querer defender no processo; e faz-se isto a uma miúda de 16 anos!
Custas: 3$924 réis.
ISABEL LOPES (Pr. n.º 5444), por alcunha a “Mouquinha”, filha de Simão Baptista Lopes e de Domingas Fernandes, foi presa a 13 de Janeiro de 1633, quando tinha 20 anos; era analfabeta. No processo estavam as denúncias de Gregória de Miranda (Pr. n.º 11006), em 19-7-1632 e de Isabel de Miranda (Pr. n.º 11536), em 19-10-1632. Está a seguir a certidão notarial do decreto da prisão datado de 30 de Dezembro de 1632. Depois, o depoimento de Maria da Pena (Pr. n.º 5258), em 8-4-1633 e 22-4-1633. Prossegue o processo com a denúncia de Ângela Soares (Pr. n.º 5415), filha de Fernão Galvão, em 13-4-1633, de Antónia de Oliveira (Pr. n.º 10288), em 11-7-1633, de Antónia da Costa (Pr. n.º 10286), em 15-7-1633, de Madalena de França (Pr. n.º 5261), em 13-8-1633, de Leonor de Fontes (Pr. n.º 439), em 3-9-1633, de Filipa da Mota (Pr. n.º 452), em 28-9-1633, de Filipa Lopes (Pr. n.º 455), em 13-10-1633, de Madalena Pereira (Pr. n.º 9885), em 17-10-1633, e de Maria do Espírito Santo (Pr. n.º 9876), em 11-11-1633. Ao todo, 12 testemunhas.
Iniciou as suas confissões em 29 de Agosto de 1633, prosseguiu em 30 de Setembro (incluindo-se aqui a Genealogia), e em 17 de Outubro (incluindo-se aqui a sessão da Crença). Foi a Visto da Mesa em 19-11-1633, e por unanimidade foi decidida a reconciliação, com cárcere e hábito penitencial a arbítrio dos Inquisidores. Interessante a justificação que dão para algumas diminuições: “ e algumas pessoas em que está diminuta, podem lhe esquecer pois se não considera respeito algum por que trate de o encobrir”. Ficou na prisão, aguardando a leitura da sua sentença no auto da fé de 2 de Abril de 1634. Confessou-se e comungou. Certamente por lapso, o Termo de ida e penitências de 11-4-1634 não tem a retirada do hábito penitencial.
Custas: 855 réis.
ÂNGELA SOARES (Pr. n.º 5415), filha de Fernão Galvão e de Maria Soares, foi presa a 13 de Janeiro de 1633, quando tinha 14 anos; era analfabeta. Na realidade, tinha 16, pois foi baptizada em 11-11-1616, conforme certidão no processo n.º 10286, de sua irmã, img. 84. No processo estavam as denúncias de Gregória de Miranda (Pr. n.º 11006), em 19-7-1632, de Isabel de Miranda (Pr. n.º 11536), em 19-10-1632, de Catarina de Anta (Pr. n.º 1940), em 23-7-1632, de D. Leonor Cardosa (Pr. n.º 11534), em 6-8-1632, de Isabel de Miranda (Pr. n.º 11536), em 8-11-1632, de Bartolomeu Henriques (Pr. n.º 3704), em 22-11-1632. Está a seguir a certidão notarial do decreto da prisão datado de 31 de Dezembro de 1632. Prossegue o processo com a denúncia de Ana Rodrigues (Pr. n.º 3717) em 5-1-1633, de Antónia Pereira (Pr. n.º 3715), em 26-1-1633, de Maria da Pena (Pr. n.º 5258), em 8-4-1633 e 22-4-1633, de sua irmã Antónia da Costa (Pr. n.º 10286), em 9-7-1633, de Antónia de Oliveira (Pr. n.º 10288), filha de Iria ou Irina dos Santos, em 20-7-1633, de Madalena de França (Pr. n.º 5261), em 13-8-1633, de Isabel Lopes (Pr. n.º 5444), em 29-8-1633, de Leonor de Fontes (Pr. n.º 439), em 3-9-1633, de sua irmã Antónia da Costa (Pr. n.º 10286), em 14-9-1633, de Isabel Francisca (Pr. n.º 5443), em 16-9-1633, de Maria do Espírito Santo (Pr. n.º 9876), em 22-10-1633, de Filipa Lopes (Pr. n.º 455), em 18-11-1633,, de Madalena Pereira (Pr. n.º 9885), em 22-11-1633, de seu pai Fernão Galvão (Pr. n.º 11135), em 6-2-1634 e de sua mãe Maria Soares (Pr. n.º 3176), em 6-2-1634. 19 testemunhas, ao todo.
Iniciou as suas confissões em 13-4-1633. Sessão de Genealogia em 15-7-1633. Mais confissão em 14-9-1633, sessão da Crença na mesma data. “Diz mais e ratifica-se “ a 23 do mesmo mês. Mais confissão em 17-1-1634, “Diz mais e ratifica-se “a 19 do mesmo mês, sessão in specie por diminuições em 21-1-1634. Admoestação antes do libelo e libelo a 23 do mesmo mês. Publicação da prova da justiça. A 10-2-1634, “Diz mais e ratifica-se”. Foi a Visto da Mesa em 10 de Fevereiro de 1634, e a todos os votos pareceu que fosse reconciliada. Publicada a sentença no auto da fé de 2 de Abril de 1634. Termo de penitências a 26 de Junho; não lhe foi retirado o hábito penitencial. Na mesma data, no final do processo um Termo de como Ângela Soares e sua irmã Antónia da Costa (Pr. n.º 10286) são entregues pessoalmente a seus pais para que as levem em Leiria ao mestre escola para que este vigie o cumprimento das penitências que lhes foram determinadas nos seus processos.
Em 14-7-1634, por despacho do Bispo Inquisidor Geral foram retirados o cárcere e os hábitos penitenciais ao pai, à mãe e às filhas, Ângela Soares e Antónia da Costa. Foi lavrado em 12-9-1634 um Termo pelo mestre escola João Galvão Botelho para retirar o hábito a Ângela Soares – está no pr. n.º 11135, de Fernão Galvão, img. 473.
Custas: 2$740 réis.
ANTÓNIA DA COSTA (Pr. n.º 10286), irmã inteira da anterior, foi presa a 13 de Janeiro de 1633, quando tinha 17 anos; era analfabeta. No processo estavam as denúncias de seu meio irmão, António Galvão (Pr. n.º 6921) em 20-2-1632, de Manuel Soares de Miranda (Pr. n.º 1205 – relaxado), em 19-3-1632, de Gregória de Miranda (Pr. n.º 11006), em 19-7-1632, de Catarina de Anta (Pr. n.º 1940), em 23-7-1632, de D. Leonor Cardosa (Pr. n.º 11534), em 6-8-1632, de Manuel Henriques (Pr. n.º 11529), em 11-8-1632, de Manuel Dias (Pr. n.º 11528), em 25-9-1632, de de Isabel de Miranda (Pr. n.º 11536), em 8-11-1632, de Bartolomeu Henriques (Pr. n.º 3704), em 22-11-1632. Está a seguir a certidão notarial do decreto da prisão datado de 31 de Dezembro de 1632. Prossegue o processo com a denúncia de Ana Rodrigues (Pr. n.º 3717) em 5-1-1633, de Antónia Pereira (Pr. n.º 3715), em 26-1-1633, de Maria da Pena (Pr. n.º 5258), em 8-4-1633 e 22-4-1633, de sua irmã Ângela Soares (Pr. n.º 5415), em 13-4-1633, de Madalena de França (Pr. n.º 5261),em 13-8-1633, de Isabel Lopes (Pr. n.º 5444), em 29-8-1633, de Isabel Francisca (Pr. n.º 5443), de Antónia de Oliveira (Pr. n.º 10288), filha de Iria ou Irina dos Santos, em 7-10-1633, de Madalena Pereira (Pr. n.º 9885), em 17-10-1633, de Maria do Espírito Santo (Pr. n.º 9876), em 22-10-1633, de Filipa Lopes (Pr. n.º 455), em 18-11-1633, de Filipa da Mota (Pr. n.º 452), em 24-11-1633, de Isabel Cordeira (Pr. n.º 5440), em 29-11-1633, de seu pai Fernão Galvão (Pr. n.º 11135), em 6-2-1634 e de sua mãe Maria Soares (Pr. n.º 3176), em 6-2-1634. 24 testemunhas no total.
Iniciou as suas confissões em 9-7-1633. prosseguiu a 15 de Julho (quando fez também a sessão de Genealogia), e em 4 de Setembro. Sessão da Crença em 23-9-1633. “Diz mais e in specie e diminuições” a 6 de Outubro. Admoestação antes do libelo e libelo a 8-10-1633. “Continua sua confissão” em 10-10-1633, depois a 11 e a seguir pede um Procurador, que foi o Licenciado Francisco da Fonseca Freire, com quem tem um encontro. Publicação da prova da justiça. O Procurador escreve que ela quer fazer mais confissões, o que faz a 13 de Outubro. O promotor publica mais provas. A 20 de Outubro, o Procurador declara que quer apresentar contraditas. Na mesma data os Inquisidores querem saber a idade exacta da ré e de sua irmã Ângela Soares e, para isso, pedem informações a Leiria da data do baptismo. Era um pouco mais velha do que tinha declarado, pois fora baptizada em 28-4-1612, tinha pois 21 anos. O promotor publica mais prova. A ré desiste de apresentar contraditas e faz mais confissão em 19-11-1633. Em 22 de Novembro, esteve com o procurador. O Promotor publica mais prova. Foi chamada para interrogatório em 23-1-1634; dizem-lhe que ela está diminuta. Foi a visto da Mesa em 23-1-1634 e pareceu à maioria dos votos que deveria ser posta a tormento por não denunciar sua irmã Beatriz da Costa e suas meias irmãs Francisca da Costa e Inocência da Costa e ainda a meia irmã Francisca de Pena. O Assento é irregular por não referir os votos minoritários. Entretanto, o Promotor publicou mais culpas, pelo que o processo voltou a Visto da Mesa a 10 de Fevereiro de 1634. Entretanto, aparentemente, a ré tinha feito mais confissões, após a leitura das denúncias feitas contra ela por sua mãe e seu pai. O Assento refere: “Visto (…) o que mais confessou antes de se dar a comunicação do assento por que estava mandada para tormento por suas diminuições, pareceu a todos os votos, excepto ao Deputado Luis Álvares da Rocha, que, visto satisfazer a diminuição de seu pai e mãe, e de suas irmãs, Brites da Costa, Inocência da Costa, e Francisca da Costa, que se lhe devia passar pelas mais e que ficava em termos de ser recebida …” Não é dita a posição do Deputado Luis Álvares da Rocha.
Publicada a sentença no auto da fé de 2 de Abril de 1634. Termo de penitências a 26 de Junho; não lhe foi retirado o hábito penitencial. Com sua irmã, foi entregue a seus pais. Foi-lhe também tirado o hábito pelo Mestre Escola, João Galvão Botelho em 12-9-1634; o documento está no processo n.º 11135, de seu pai, Fernão Galvão, img. 475.
Custas: 4$295 réis.
Vale a pena lembrar o calvário desta família (das duas anteriores, mais Maria e Joana da Pena) na Inquisição. Como se fosse um Sultão, Fernão Galvão teve 13 filhos: um filho de uma escrava preta, Madalena Machado, dois de Maria Fernandes, uma filha do 1.º casamento com Leonor de Fontes e nove filhos do 2.º casamento com Maria Soares. Só escaparam à Inquisição Gaspar da Costa e Belchior da Costa do 2.º casamento! Ele e a esposa Maria Soares foram também presos. A filha Ângela Soares foi presa e julgada duas vezes, com um intervalo de… 50 anos! Faleceram no cárcere a filha Isabel da Costa (Pr. n.º 7131) em 3-6-1632, aos 23 anos, três meses apenas após a sua prisão; e o filho Manuel da Costa (Pr. n.º 9484), preso em 9-12-1673, faleceu no cárcere em 29-12-1681, antes do julgamento, isto é, após oito anos de prisão!
TEXTOS CONSULTADOS
Regimento do Santo Ofício da Inquisição de 1613
Online: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/1/19/p56
Regimento do Santo Ofício da Inquisição de 1640
Online: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/7/20/p267
António Baião, Episódios dramáticos da Inquisição Portuguesa, 3.ª ed., Lisboa, Seara Nova, 1972-1973, 3 vols.
Maria Luísa Braga, A inquisição na época de D. Nuno da Cunha de Ataíde e Melo (1707-1750 / Maria Luísa Braga. - contém transcrição de cartas do Padre Miguel de Almeida a outro padre. Trabalho estatístico feito sobre os dados da Colecção Moreira, In: Cultura: história e filosofia. - v. I (1982), p. 175-260
Ana Isabel López-Salazar Codes, Inquisición y política. El gobierno del Santo Oficio en el Portugal de los Austrias (1578-1653), Lisboa, CEHR-UCP, 2011. ISBN 978-972-8361-39-6.
Ana Isabel López-Salazar Codes, Inquisición portuguesa y Monarquía Hispánica en tiempos del perdón general de 1605, Lisboa, Edições Colibri – CIDEHUS/UE, 2010. ISBN 978-989-689-039-1.
Inquisição portuguesa: tempo, razão e circunstância, Coordenação de Luis Filipe Barreto, José Augusto Mourão, Paulo de Assunção, Ana Cristina da Costa Gomes, José Eduardo Franco,... [et al.], Editora Prefácio, Lisboa – S. Paulo, 2007, ISBN 978-989-8022-20-2
Henry Kamen, Inquisition and Society in Spain, in the sixteenth and seventeenth centuries, Indiana University Press, Bloomington, 1985, ISBN 0-253-22775.5
B. Netanyahu (1910-2012), The origins of the Inquisition in Fifteenth Century Spain, Second Edition, New York Review Books, 2001, ISBN 0-940322-39-0
Yosef Hayim Yerushalmi (1932-2009), Assimilation and racial anti-semitism: the Iberian and the German models. - New York: Leo Baeck Institute, 1982. (Leo Baeck memorial lecture; 26 )
Cecil Roth (1899-1970), Marranos and racial anti-semitism, in Jewish Social Studies, Vol. 2, n.º 3 (Jul. 1940), pp. 239-248
ADENDA – 16-1-2013 – Vi agora que o Doutor Alex Silva Monteiro continuou a estudar a saga da família de Fernão Galvão e publicou um artigo sobre a ida de Ângela Soares à Inquisição pela segunda vez com o título “Banida! De Leiria ao Brasil: A trajetória de uma cristã-nova no século XVII”, na revista WebMOSAICA, 4, n. 1 (2012).
No artigo, continua com os mesmos pontos de vista que na sua tese, dando como fiéis todas as denúncias e todas as confissões.
No seu estudo da Família Galvão, faltou-lhe mencionar o processo n.º 9899, de Madalena da Costa e, sobretudo, o processo n.º 9484, de Manuel da Costa, que morreu no cárcere dos Estaus em 3-12-1681, estando ali preso há nove anos, em virtude da suspensão da Inquisição por determinação do Papa em 1674 (foi absolvido).
Mas o que quero especialmente fazer notar é que o título do artigo está errado. Ângela Soares não foi para o Brasil e o degredo a que tinha sido condenada foi certamente perdoado: isto, apesar de o documento que a perdoou não estar no processo (n.º 5415-1).
De facto, no processo, figuram as datas em Fevereiro, Abril e Agosto de 1685, em que ela se foi confessar em Igrejas de Lisboa, com declarações dos próprios confessores.
No final do processo, os degredados iam para a cadeia do Limoeiro à espera de transporte para o local do degredo. No processo n.º 2339, de Jerónimo Rodrigues, outro dos condenados com a Ângela Soares no auto da fé de 26-11-1684, está uma certidão, datada de 8-2-1685, indicando os degredados naquele auto da fé para o Brasil (entre os quais duas mulheres e o próprio Jerónimo Rodrigues), que haviam dado entrada na cadeia do Limoeiro, mas dessa certidão não consta o nome de Ângela Soares.
Mais: verifica-se do processo que a Ângela Soares (pr. n.º 5415-1) foi afiançada no final do processo, pois está lá um pedido de levantamento da fiança em 19-6-1685, que havia sido feita certamente por Pedro Ferreira Belém para ela ser solta e ir em liberdade.