10-6-2001

 

GUSTAV MAHLER

 

Das Lied von der Erde (1908)

  

   

De novo Mahler... a propósito de um magnífico concerto com “A Canção da Terra” ouvido na Fundação Gulbenkian no passado dia 18 de Maio. A Orquestra Gulbenkian, dirigida pelo Maestro Michael Zilm, tocava reforçada com 29 instrumentistas de outras orquestras, com um total de 89. Foram solistas o tenor Donald Litaker e o barítono Thomas Hampson, excelentes um e outro. Uma magnífica interpretação para esta obra que, para mim, é para Mahler, o que o Requiem Alemão é para Brahms, uma despedida da vida.

 
   

Do programa do espectáculo:

 

Das Lied von der Erde (“A Canção da Terra”) (c. 1h. e 10 min.)

 

Artista intransigente, Mahler levou à obsessão o desejo de perfeição. Homem atribulado e desiludido, fugiu do mundo, da civilização e mergulhou no seio da natureza, em busca de conforto. São suas estas palavras: “Um grande exemplo para todas as pessoas criativas é Jacob, que se bate com Deus até que Ele o abençoe. Deus tão pouco quer conceder-me a Sua bênção. Somente através das terríveis batalhas que tenho de travar para criar a minha música recebo finalmente a Sua bênção”.

O complexo universo mahleriano, muitas vezes caótico, sofredor, povoado de sinais de morte, mas também pleno de realidades belas, não é senão uma projecção da própria vida humana.

Com uma produção quase exclusivamente constituída por sinfonias e ciclos de canções, Mahler descobre o seu horizonte criativo. O compositor opera nestes dois domínios musicais uma síntese genial e grandiosa: por um lado confere ao Lied uma dimensão sinfónica e, por outro lado, insere o Lied em várias das suas sinfonias. A fusão destas duas formas musicais atinge a culminância em obras como a 8ª Sinfonia e a sua derradeira obra Das Lied von der Erde (“A Canção da Terra”), classificada como “sinfonia com voz”.

No final de 1907, três duros golpes do destino marcaram profundamente Mahler: a morte da sua filha mais velha, a demissão de director da Ópera de Viena e o diagnóstico de uma grave doença cardíaca. Por essa altura, o seu amigo Theodor Pollak ofereceu-lhe uma colectânea de 83 poemas Die chinesische Flöte (“A Flauta Chinesa”) que Hans Bethge tinha adaptado das traduções inglesa, francesa e alemã dos originais chineses. Pollak expressara a ideia de que esses poemas poderiam ser musicados e Mahler identificou-se de imediato com o espírito dos poemas, concebendo a adaptação de alguns deles. A razão da escolha de seis poemas, de rara beleza, da autoria de Li–Tai–Po, Tchang–Tsi, Mong–Kao–Yen e Wang–Wei deveu-se aos temas apresentados. Poemas voltados para a terra, para a natureza e para a solidão do homem no seio desses elementos, foram a fonte criativa de um documento pessoal e profundamente comovente que abre o último período criador de Mahler — Das Lied von der Erde “uma sinfonia para tenor, contralto (ou barítono) e orquestra”. Bruno Walter classificou esta obra como “apaixonada, amarga e ao mesmo tempo, misericordiosa; o canto da separação e do desvanecimento”.

Obra onde se encontra a fusão perfeita do Lied e da sinfonia, A Canção da Terra está impregnada de tristeza e nostalgia indefiníveis, mas também da celebração da natureza. Mahler conseguiu evidenciar nesta obra todos os aspectos do seu génio.

Nela encontramos tanto a ambivalência de sentimentos, entre o êxtase, o prazer e a premonição da morte, que caracteriza o próprio compositor, como também todo o clima outonal do romantismo tardio. Terminada no Verão de 1908, a obra só viria a ser estreada seis meses após a morte do compositor, a 20 de Novembro de 1911, em Munique, sob a direcção Bruno Walter. Constituída por seis andamentos, a obra inicia-se com um Allegro pesante em Lá menor. Das Trinklied von Jammer der Erde (“Canção de Beber da Tristeza da Terra”), do poeta chinês Li–Tai–Po, advoga o vinho como o melhor remédio para os males humanos. Diante do absurdo da vida, a embriaguez é a única saída para a dor e para a revolta. Cada estrofe da canção termina com o terrível refrão: Dunkel ist das Leben, ist der Tod (“Sombria é a vida, é a morte”). Usando genialmente todos os recursos orquestrais a fim de aumentar a tensão, Mahler cobre toda a gama de emoções.

O segundo andamento indicado Etwas schleichend (um pouco arrastado) é na tonalidade de Ré menor. A imagem poética desta segunda canção, Der Einsame im Herbst, (“O Solitário no Outono”) cantada neste caso pelo barítono, é a tristeza do homem que chora sozinho com as suas recordações e para quem “o outono se prolonga demasiado no seu coração”. Mahler sublinha o verso Mein Herz ist müde (“O meu coração está cansado”). O andamento termina melancolicamente com uma coda orquestral de extraordinária beleza. De índole totalmente diversa é Von der Jugend (“Da Juventude”). Com poema de Li–Tai–Po, este Lied é tratado em forma de miniatura e descreve uma cena chinesa.

Deparamo-nos com um pequeno “pavilhão de porcelana verde”, uma “pequena ponte de jade” que se reflectem no espelho do lago. A frágil superfície encantada é traduzida por delicadas sonoridades que nos transmitem um efeito de fria emoção.

Um procedimento análogo caracteriza o quarto andamento: Von der Schönheit (“Da Beleza”). Indicado como comodo, dolcissimo, esta canção descreve, num estilo gracioso, jovens raparigas a colherem flores de lótus na margem de um rio.

Porém, o andamento anima-se cada vez mais quando em ritmo de marcha (o mais vivo e agitado de toda a obra) jovens cavaleiros montados em corcéis de fogo, perturbam a nostalgia da cena. No final do poema reencontramos a atmosfera inicial. Tratado como uma canção de embalar de grande beleza tímbrica, o poema termina sobre um murmúrio das flautas e violoncelos:

 

In dem Funkeln ihrer großen Augen,

In dem Dunkel ihres heißen Blicks

Schwingt klagend noch die Erregung Ihres Herzens nach.

 

“No brilho dos seus olhos,

no calor do seu olhar sombrio,

ainda traem a emoção dos seus corações.”

 

Esta atmosfera é quebrada pelo quinto andamento, Der Trunkene im Frühling (“O Bêbado na Primavera”). Em forma de scherzo em Lá Maior, é um novo hino aos prazeres da bebida. O despreocupado e jovial Allegro inicial muda poeticamente quando um pássaro (tema brilhante para o piccolo) desperta o ébrio e o informa que a primavera chegou durante a noite. O ébrio protesta e diz que não acredita ter nada a ver com a primavera ou o canto dos pássaros:

 

Und wenn ich mich mehr singen kann,

So schlaf’ ich wieder ein,

Was geht mich denn der Frühling an!?

Lasst mich betrunken sein!

 

“E se não posso mais cantar,

então durmo de novo,

que me importa a primavera?

Deixai-me com a minha embriaguez!”

 

O último Lied, de longe o mais importante, tanto pela duração como pela beleza, é Der Abschied (“A Despedida”) e resulta da conjugação de dois poemas com afinidades temáticas, de Mong–Kao–Yen e Wang–Wei e ainda de alguns versos do próprio compositor que funcionam, neste caso, como coda.

No primeiro, o poeta espera o seu amigo para com ele contemplar o esplendor do crepúsculo. Mahler inicia o andamento com um interlúdio orquestral em forma de marcha fúnebre, criando assim um ambiente fascinante, entoado em uníssono pelos violoncelos, contrabaixos, violas, harpas e contrafagote. Quando a voz entra, sustentada pelos violoncelos, o efeito é de uma alma perdida, impressão intensificada pela transferência do lamento do oboé para a flauta. O poema descreve o entardecer:

 

Die Sonne scheidet hinter dem Gebirge,

In alle Täler steig der Abend nieder

Mit seinen Schatten, die voll Kühlung sind...

 

“O sol desaparece por trás das montanhas.

O anoitecer e as suas sombras frescas

surgem nos vales...”

 

Um tremolo de dois clarinetes termina esta variação que se cinge aos três primeiros versos. A segunda variação constitui um momento muito comovente da obra. Numa melodia ascendente inesquecível, o barítono descreve a Lua “como um barco de prata sobre o mar azul do céu”. O Fá agudo na primeira sílaba de Silberbarke (barco de prata), é como que o culminar de um desejo que depois se recolhe sobre si próprio. A cantilena da voz prossegue, sublinhada pelos clarinetes e pela harpa que precedem o reaparecimento do gruppetto. As texturas orquestrais simplificam-se para criar um ritmo ondulante em quartas na harpa, secundada pelo bandolim quando o poema nos fala do canto do regato e da respiração da terra. A ideia de nostalgia e a beleza da terra é retomada num novo tema com o verso: Alle Sehnsucht will nun träumen (“Todo o desejo se transforma em sonho”). Trata-se da melodia da canção, Ich bin der Welt abhanden gekommen (“Afastei-me do Mundo”) utilizada por Mahler no famoso Adagietto da sua 5ª sinfonia.

O clímax central da primeira parte é a candente irrupção do êxtase. O tema do desejo reaparece depois do grito Lebewohl (“Adeus”). O tema de Ich bin der Welt subjacente, é agora tratado pentatonicamente ao começar o verso:

 

O Schönheit! O ewigen Liebens–, Lebens–trunk‘ne Welt!

 

“Ó beleza! Ó mundo ébrio de amor e vida eternos!”

 

Um longo interlúdio orquestral entre os dois poemas, construído a partir de motivos já ouvidos, torna-se o prenunciador de futuras catástrofes. Soberanamente orquestrado, o ritmo de marcha fúnebre prossegue, lúgubre e insistente, enquanto a voz descreve a chegada do amigo e a sua despedida:

 

Du, mein Freund,

mir war auf dieser Welt das Glück nicht hold!

 

“Meu amigo,

a felicidade não me foi propícia neste mundo!”

 

Neste verso, a música dolente, modula para o modo Maior. No momento em que o poeta refere que procura repouso para o seu solitário coração, Mahler cita Um Mitternacht (“À meia–noite”). O tema do “desejo” volta a ouvir-se nos versos:

 

Still ist mein Herz und harret seiner Stunde!

 

O meu coração está tranquilo e aguarda a sua hora!”

 

Começa assim a maravilhosa e insólita coda em dó Maior, com versos da autoria do próprio Mahler :

 

Die liebe Erde allüberall

blüht auf im Lenz und grünt aufs neu!

Allüberall und ewig Blauen licht die Fernen!

Ewig... ewig...

 

“Em toda a parte a amada terra

Floresce na primavera e torna a verdejar!

Por toda a parte e eternamente resplandece um azul luminoso!

Eternamente...eternamente...”

 

Quando a voz entoa as últimas palavras Ewig... ewig, a música parece dissolver-se imperceptivelmente num pianíssimo, sustentado pelas cordas e com arpejos da harpa e da celesta. A música dá lugar ao silêncio e a emoção é levada à sua plenitude.

 

Isabel Assis Pacheco             

 

 

 

 

 

1. Das Trinklied vom Jammer der Erde

Texto de Hans Bethge (1876-1946), sobre os versos chineses de Li-Tai-Po (701-762)

 

Schon winkt der Wein im goldnen Pokale,

Doch trinkt noch nicht, erst sing ich euch ein Lied!

Das Lied vom Kummer soll auflachend

in die Seele euch klingen. Wenn der Kummer naht,

liegen wüst die Gärten der Seele,

Welkt hin und stirbt die Freude, der Gesang.

Dunkel ist das Leben, ist der Tod.

 

Herr dieses Hauses!

Dein Keller birgt die Fülle des goldenen Weins!

Hier, diese Laute nenn' ich mein!

Die Laute schlagen und die Gläser leeren,

Das sind die Dinge, die zusammen passen.

Ein voller Becher Weins zur rechten Zeit

Ist mehr wert, als alle Reiche dieser Erde!

Dunkel is das Leben, ist der Tod.

 

Das Firmament blaut ewig und die Erde

Wird lange fest stehen und aufblühn im Lenz.

Du aber, Mensch, wie lang lebst denn du?

Nicht hundert Jahre darfst du dich ergötzen

An all dem morschen Tande dieser Erde!

 

Seht dort hinab!

Im Mondschein auf den Gräbern hockt

eine wildgespenstische Gestalt - Ein Aff ist's!

Hört ihr, wie sein Heulen hinausgellt

in den süßen Duft des Lebens!

 

Jetzt nehmt den Wein! Jetzt ist es Zeit, Genossen!

Leert eure goldnen Becher zu Grund!

Dunkel ist das Leben, ist der Tod!

 

 

 

 

1. Canção de Beber da Tristeza da Terra

 

Já o vinho vos acena na sua taça dourada,

mas não bebei ainda. Antes que vos cante uma canção!

A canção do desgosto

ressoa como uma gargalhada nas vossas almas.

Quando o desgosto sutura,

ficam desolados os jardins da alma,

esmorecem e morrem a alegria e os cantos.

Sombria é a vida, é a morte.

 

Senhor desta casa!

A tua cave está cheia de vinho dourado!

Aqui chamo meu a este alaúde!

Tanger o alaúde e esvaziar os copos,

São coisas que juntas ficam bem.

Uma taça cheia de vinho no momento certo

vale mais do que todos os reinos desta terra!

Sombria é a vida, é a morte.

 

O firmamento é de um azul eterno

e a terra longo tempo durará ainda

e florescerá na primavera.

Mas tu, homem, quanto tempo vives tu?

Não tens cem anos para gozar

de todas as caducas futilidades desta terra!

 

Olhem lá em baixo! Ao luar, sobre as sepulturas

acocora-se uma fantasmagórica figura!

É um macaco! Escutem como o seu uivo,

rasga o doce aroma da vida!

 

Agora, tomai o vinho! Agora é tempo, companheiros!

Esvaziai as vossas taças douradas até ao fundo!

Sombria é a vida, é a morte!

 

 

 

 

 

2. Der Einsame im Herbst

Texto de Hans Bethge (1876-1946), sobre os versos chineses de Tchang-Tsi (765? - 830?)

 

Herbstnebel wallen bläulich überm See;

Vom Reif bezogen stehen alle Gräser;

Man meint', ein Künstler habe Staub vom Jade

Über die feinen Blüten ausgestreut.

 

Der süße Duft der Blumen is verflogen;

Ein kalter Wind beugt ihre Stengel nieder.

Bald werden die verwelkten, goldnen Blätter

Der Lotosblüten auf dem Wasser ziehn.

 

Mein Herz ist müde. Meine kleine Lampe

Erlosch mit Knistern; es gemahnt mich an den Schlaf.

Ich komm zu dir, traute Ruhestätte!

Ja, gib mir Ruh, ich hab Erquickung not!

 

Ich weine viel in meinen Einsamkeiten.

Der Herbst in meinem Herzen währt zu lange.

Sonne der Liebe, willst du nie mehr scheinen,

Um meine bittern Tränen mild aufzutrocknen?

 

 

 

 

 

2. O Solitário no Outono

 

A névoa azulada de Outono flutua sobre o lago,

cobrindo de geada cada lâmina de relva;

dir-se-ia que um artista espalhou pó de jade

sobre as delicadas florações.

 

O doce perfume das flores desvaneceu-se;

um vento frio curva as suas hastes.

Em breve, as murchas folhas douradas

das flores de lótus, partirão nas águas.

 

O meu coração está cansado.

A minha pequena lâmpada extinguiu-se com um estalo;

convencendo-me a dormir.

Venho até ti, caro lugar de repouso!

Sim, dá-me descanso, necessito de conforto!

 

Choro muito na minha solidão.

O outono prolonga-se demasiado no meu coração.

Sol do amor, não voltarás tu a brilhar,

e as minhas lágrimas amargas ternamente secar?

 

 

 

 

 

3. Von der Jugend 

Texto de Hans Bethge (1876-1946), sobre os versos chineses de Li-Tai-Po (701-762)

 

Mitten in dem kleinen Teiche

Steht ein Pavillon aus grünem

Und aus weißem Porzellan.

 

Wie der Rücken eines Tigers

Wölbt die Brücke sich aus Jade

Zu dem Pavillon hinüber.

 

In dem Häuschen sitzen Freunde,

Schön gekleidet, trinken, plaudern,

Manche schreiben Verse nieder.

 

Ihre seidnen Ärmel gleiten

Rückwärts, ihre seidnen Mützen

Hocken lustig tief im Nacken.

 

Auf des kleinen Teiches stiller

Wasserfläche zeigt sich alles

Wunderlich im Spiegelbilde.

 

Alles auf dem Kopfe stehend

In dem Pavillon aus grünem

Und aus weißem Porzellan;

 

Wie ein Halbmond steht die Brücke,

Umgekehrt der Bogen. Freunde,

Schön gekleidet, trinken, plaudern.

 

 

 

3. Da juventude

 

No meio do pequeno lago

está um pavilhão de porcelana

verde e branca.

 

Como as costas de um tigre

arqueia-se a ponte de jade

de encontro ao pavilhão.

 

Na pequena casa, amigos estão sentados,

bem vestidos, bebem, conversam;

alguns deles escrevem versos.

 

As suas mangas de seda deslizam

para trás, os seus bonés de seda

travessamente recolhidos no fundo da nuca.

 

Na calma superfície do

pequeno lago, tudo se reflecte

singularmente, como num espelho.

 

Tudo está às avessas

no pavilhão de porcelana

verde e branca;

 

a ponte é como uma meia lua,

com o seu arco invertido.

Amigos, bem vestidos, bebem, conversam.

 

 

 

 

 

4. Von der Schönheit

Texto de Hans Bethge (1876-1946), sobre os versos chineses de Li-Tai-Po (701-762)]

 

Junge Mädchen pflücken Blumen,

Pflücken Lotosblumen an dem Uferrande.

Zwischen Büschen und Blättern sitzen sie,

Sammeln Blüten in den Schoß und rufen

Sich einander Neckereien zu.

 

Goldne Sonne webt um die Gestalten,

Spiegelt sie im blanken Wasser wider.

Sonne spiegelt ihre schlanken Glieder,

Ihre süßen Augen wider,

Und der Zephyr hebt mit Schmeichelkosen das Gewebe

Ihrer Ärmel auf, führt den Zauber

Ihrer Wohlgerüche durch die Luft.

 

O sieh, was tummeln sich für schöne Knaben

Dort an dem Uferrand auf mut'gen Rossen,

Weithin glänzend wie die Sonnenstrahlen;

Schon zwischen dem Geäst der grünen Weiden

Trabt das jungfrische Volk einher!

 

Das Roß des einen wiehert fröhlich auf

Und scheut und saust dahin;

Über Blumen, Gräser, wanken hin die Hufe,

Sie zerstampfen jäh im Sturm die hingesunknen Blüten.

Hei! Wie flattern im Taumel seine Mähnen,

Dampfen heiß die Nüstern!

 

Goldne Sonne webt um die Gestalten,

Spiegelt sie im blanken Wasser wider.

Und die schönste von den Jungfraun sendet

Lange Blicke ihm der Sehnsucht nach.

Ihre stolze Haltung is nur Verstellung.

In dem Funkeln ihrer großen Augen,

In dem Dunkel ihres heißen Blicks

Schwingt klagend noch die Erregung ihres Herzens nach.

 

 

 

4. Da Beleza.

 

Jovens raparigas colhem flores,

colhem flores de lótus na margem do rio.

Entre arbustos e folhas estão sentadas,

juntando flores nos seus regaços e interpelando-se

umas às outras e divertindo-se.

 

O sol dourado tece as suas formas,

reflectindo-se na água luminosa.

O Sol reflecte os seus esbeltos membros,

os seus ternos olhos,

e o Zéfiro levanta e acaricia

o tecido das suas mangas,

conduzindo a magia dos seus perfumes pelo ar.

 

Oh, vede! Quem serão estes jovens rapazes

ali à borda do rio, em soberbos corcéis,

ao longe brilhando como raios de sol;

já entre os ramos dos verdes salgueiros

aproximam-se a trote os vigorosos rapazes.

 

O cavalo de um deles relincha alegremente

assusta-se e parte subitamente;

sobre as flores e as ervas estremecem os seus cascos

pisando, em brusco turbilhão, as flores que se abatem.

Ei! Como se agitam as suas crinas em alvoroço,

e fumegam os seus quentes narizes!

 

O sol dourado tece as suas formas,

reflectindo-se na água luminosa.

E a mais bela das raparigas dirige-lhe

longos olhares de desejo ardente.

A sua orgulhosa postura é só um disfarce.

No brilho dos seus grandes olhos,

na escuridão do seu olhar apaixonado,

vibra penosamente a exaltação do seu coração.

 

 

 

 

 

5. Der Trunkene im Frühling

Texto de Hans Bethge (1876-1946), sobre os versos chineses de Li-Tai-Po (701-762)

 

Wenn nur ein Traum das Leben ist,

Warum denn Müh und Plag?

Ich trinke, bis ich nicht mehr kann,

Den ganzen, lieben Tag!

 

Und wenn ich nicht mehr trinken kann,

Weil Kehl und Seele voll,

So tauml' ich bis zu meiner Tür

Und schlafe wundervoll!

 

Was hör ich beim Erwachen? Horch!

Ein Vogel singt im Baum.

Ich frag ihn, ob schon Frühling sei,

Mir ist als wie im Traum.

 

Der Vogel zwitschert: "Ja! Der Lenz

Ist da, sei kommen über Nacht!"

Aus tiefstem Schauen lausch ich auf,

Der Vogel singt und lacht!

 

Ich fülle mir den Becher neu

Und leer ihn bis zum Grund

Und singe, bis der Mond erglänzt

Am schwarzen Firmament!

 

Und wenn ich nicht mehr singen kann,

So schlaf ich wieder ein,

Was geht mich denn der Frühling an!?

Laßt mich betrunken sein!

 

 

5. O Bêbado na Primavera

 

Se a vida não passa de um sonho,

porquê, então, a fadiga e o tormento?

Eu bebo até não poder mais,

todo o santo dia!

 

E quando não posso beber mais,

porque garganta e alma estão cheios,

então cambaleio até à minha porta

e durmo maravilhosamente!

 

Que ouço eu quando acordo? Escuta!

Um pássaro canta na árvore.

Pergunto-lhe se a Primavera já chegou,

para mim é como um sonho.

 

O pássaro chilreia: “Sim!

A Primavera chegou, veio durante a noite!”

Em profunda contemplação, eu escuto,

o pássaro que canta e ri!

 

Encho de novo o meu copo

e esvazio-o até ao fundo

e canto, até a lua brilhar

no negro firmamento!

 

E quando não posso mais cantar,

então durmo de novo.

Que me importa a Primavera?

Deixai-me com a minha embriaguez!

 

 

 

6. Der Abschied

Texto de Hans Bethge (1876-1946), sobre os versos chineses de Mong-Kao-Yen and Wang-Wei (701-761)

 

Die Sonne scheidet hinter dem Gebirge.

In alle Täler steigt der Abend nieder

Mit seinen Schatten, die voll Kühlung sind.

O sieh! Wie eine Silberbarke schwebt

Der Mond am blauen Himmelssee herauf.

Ich spüre eines feinen Windes Weh'n

Hinter den dunklen Fichten!

 

Der Bach singt voller Wohllaut durch das Dunkel.

Die Blumen blassen im Dämmerschein.

Die Erde atmet voll von Ruh und Schlaf,

Alle Sehnsucht will nun träumen.

Die müden Menschen gehn heimwärts,

Um im Schlaf vergeßnes Glück

Und Jugend neu zu lernen!

Die Vögel hocken still in ihren Zweigen.

Die Welt schläft ein!

 

Es wehet kühl im Schatten meiner Fichten.

Ich stehe hier und harre meines Freundes;

Ich harre sein zum letzten Lebewohl.

Ich sehne mich, o Freund, an deiner Seite

Die Schönheit dieses Abends zu genießen.

Wo bleibst du? Du läßt mich lang allein!

Ich wandle auf und nieder mit meiner Laute

Auf Wegen, die vom weichen Grase schwellen.

O Schönheit! O ewigen Liebens - Lebenstrunkne Welt!

 

Er stieg vom Pferd und reichte ihm den Trunk

Des Abschieds dar. Er fragte ihn, wohin

Er führe und auch warum es müßte sein.

Er sprach, seine Stimme war umflort: Du, mein Freund,

Mir war auf dieser Welt das Glück nicht hold!

 

Wohin ich geh? Ich geh, ich wandre in die Berge.

Ich suche Ruhe für mein einsam Herz.

Ich wandle nach der Heimat, meiner Stätte.

Ich werde niemals in die Ferne schweifen.

Still ist mein Herz und harret seiner Stunde!

 

Die liebe Erde allüberall

Blüht auf im Lenz und grünt

Aufs neu! Allüberall und ewig

Blauen licht die Fernen!

 

Ewig... ewig...

 

 

 

6. A Despedida

 

O sol desaparece por trás das montanhas.

Em todos os vales desce o anoitecer

com as suas sombras plenas de frescura.

Oh, vede! Como um barco de prata a pairar,

a lua eleva-se no mar azul do céu.

Sinto o sopro de uma brisa delicada

atrás dos pinheiros sombrios!

 

O ribeiro canta harmoniosamente na escuridão.

As flores empalidecem no crepúsculo.

A terra respira do fundo do sono e do silêncio,

todo o desejo se transforma agora em sonho.

Os homens cansados voltam para casa,

para no sono reaprenderem

a felicidade esquecida e a juventude!

Os pássaros acocoram-se em silêncio nos seus ramos.

O mundo adormece!

 

Há um sopro fresco na sombra dos meus pinheiros.

Eu estou aqui e espero o meu amigo;

eu espero o seu último adeus.

Eu anseio, ó meu amigo, desfrutar ao teu lado

da beleza deste anoitecer.

Onde ficaste? Deixas-me muito tempo sozinho!

Vagueio, para cá e para lá, com o meu alaúde,

por caminhos de erva macia e entumecida.

Ó beleza! Ó mundo ébrio de amor e vida eternos!

 

 

Ele desceu do cavalo

e estendeu-lhe a bebida da despedida.

Ele perguntou-lhe para onde ele iria

e por que razão teria que ser assim.

Ele disse, a sua voz estava velada:

“Ó meu amigo,

a felicidade não foi amável para mim neste mundo!

 

Para onde vou? Eu vou, eu vagueio nas montanhas.

Eu procuro repouso para o meu solitário coração.

Eu caminho para a minha terra, o meu lugar.

Eu nunca mais vaguearei na distância.

O meu coração está tranquilo e aguarda a sua hora!”

 

Em toda a parte a amada terra

floresce na Primavera e torna a verdejar!

Em toda a parte, eternamente, resplandece

o azul no horizonte!

 

Eternamente...    eternamente...

 

 

Tradução de Ofélia Ribeiro           

 

 

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