6-5-2001

 

 

GUSTAV MAHLER

(1860 - 1911)

 

A minha familiaridade com a música de Mahler é relativamente recente. Data de 1994, ano em que Lisboa foi Capital Europeia da Cultura. No ciclo Grandes Orquestras Mundiais, vieram agrupamentos musicais notáveis ao Coliseu interpretar as sinfonias de Mahler. Ouvi umas três, entre as quais uma belíssima interpretação da Sinfonia dos 1000, a Oitava, assim chamada porque o compositor apontava como sendo mil, o número mínimo de intérpretes! Infelizmente, não há em Portugal orquestras capazes de interpretar Mahler, por maiores reforços que lhes juntem.  Mais tarde, ouvi outras interpretações em Bruxelas e ainda uma Sexta Sinfonia em Veneza, pela Orquestra do Teatro La Fenice, a actuar numa enorme tenda de campanha, enquanto não está reconstruído o teatro, após o incêndio. 

Depois disso, comprei já as sinfonias, os Lieder eines fahrenden Gesellen,  os Kindertotenlieder, Das Lied von der Erde, li duas biografias dele e outras duas de Alma Mahler.

Entretanto, durante um curso de duas semanas em Berlim, tive ocasião de ouvir em 18 de Agosto de 2001, uma bela interpretação da 4.ª Sinfonia pela Gustav Mahler Jugendorchester no Konzerhaus do Gendarmeparkt. Dirigia Ivan Fischer (n. em 1951) e cantou a canção final a soprano inglesa Amanda Roocroft. Não foi talvez uma interpretação muito subtil (a orquestra é composta de jovens na casa dos 25 anos), mas foi um momento musical que me agradou muito e chegou a pôr-me os cabelos em pé. A orquestra é muito poderosa.

A música de Mahler não é assim tão difícil como às vezes se diz. É uma música algo complexa, pela variedade e novidade de alguns sons e instrumentos e a inclusão do canto nas sinfonias. Além disso, é uma música que não cansa, pois, quanto mais se ouve, melhor se percebe. Não é muito extensa, cabe em quinze ou dezasseis CD's. Ele teve uma vida bastante curta, e dedicou-se muito à direcção de orquestra e de teatros, pois tinha de ganhar a vidinha e escrever música não dava grandes resultados para isso. Aliás, os últimos anos foram passados na América, onde auferia rendimentos que seriam inacessíveis na Europa. O casamento com Alma Mahler foi para ele uma fonte permanente de inspiração, pois aquela jovenzinha de extracção burguesa revelou-se uma mulher extraordinária (Pode ver a minha página sobre ela, aqui).

Existem muitos textos sobre Mahler na Net, e dispenso-me de acrescentar mais coisas aqui.

Pode ver-se o artigo da Enciclopédia Britânica, a muito completa página de Jason Greshes, a enorme discografia de Vincent Mouret, em francês, e também este directório. Estas páginas contêm depois listas com numerosos outros links.

5-7-2003 – Mahler tem sido ouvido de novo em Lisboa, agora pela mão da Orquestra Sinfónica Portuguesa. Ontem, dia 4, fui ao Teatro Nacional de S. Carlos ouvir uma bela interpretação da 9.ª Sinfonia, com a orquestra sob a direcção de Jeffrey Tate, que valeu realmente a pena. Para mim, esta é uma das sinfonias que tem de ser ouvida tocada ao vivo, para apreender todas as suas nuances.

Em 15 de Novembro de 2002, já ali ouvira a 3.ª Sinfonia, dirigida por Zoltán Peskó e a participação da mezzo soprano Mariana Pentcheva, que também me encheu as medidas.

2004 - Também em 2004, vi e ouvi em Lisboa magníficas interpretações de Mahler. No Coliseu, no âmbito do ciclo Grandes Orquestras Mundiais, a 27 de Abril, a Orquestra do Festival de Budapeste tocou a Sinfonia n.º 9, dirigida por Iván Fischer; a 27 de Maio, a Orquestra de Filadélfia, dirigida por Christoph Eschenbach executou a Sinfonia n.º 1. A 27 de Junho, no Centro Cultural de Belém, a Orquestra Sinfónica Portuguesa, dirigida por Jeffrey Tate executou a Canção da Terra, com as vozes de Keith Lewis e Petra Lang. Todas brilhantes interpretações.

2005 - Grandes Orquestras vieram também este ano a Lisboa interpretar Mahler. A 18 de Janeiro, veio de Paris a Orquestra Filarmónica de Rádio France, para, dirigida por Myung-Whun Chung, executar a Sinfonia n.º 5. A 9 de Fevereiro, a Royal Concertgebouworkest (Orquestra Real do Palácio de Concertos) de Amsterdão, dirigida pelo Maestro Mariss Jansons, executou a Sinfonia n.º 6, em Lá menor, Trágica. Ambas, mas especialmente a segunda, foram interpretações inesquecíveis.

2006 - Dentro do ciclo "Grandes Orquestras Mundiais", a Orquestra da Gewandhaus de Leipzig, dirigida pelo Maestro milanês Riccardo Chailly interpretou poderosamente a Sinfonia n.º 7, no concerto de 4-3-2006, no Coliseu dos Recreios.

2008 - A 6 e 7 de Novembro, a Orquestra Gulbenkian, reforçada com 16 instrumentistas, dirigida pela Maestrina Australiana Simone Young, e com a soprano Sueca Miah Persson, interpretou a 4.ª Sinfonia - um espectáculo memorável.

21-4-2009 -  No Coliseu dos Recreios, em Lisboa (Ciclo "Grandes Orquestras Mundiais"), ouvi de novo (oito anos depois) a Gustav Mahler Jugendorchester, desta vez interpretando a 3.ª Sinfonia, dirigida por Ingo Metzmacher, acompanhada pela mezzo-soprano inglesa Jane Irwin e pelo Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília. Tocou com muito vigor, como grande orquestra que é, mas também com muita subtileza. Os cantores foram impecáveis. Só foi pena o público do Coliseu ter-se portado mal, como é (mau) costume: um festival de tosse, a bocas abertas (ninguém põe um lenço na boca). A meu lado um idoso tirava fotografias (o que é proibido) com um telemóvel que tocava umas campainhas (!).

 

29-1-2010 - A Orquestra Gulkbenkian, dirigida pelo francês Bertrand de Billy, interpretou a Nona Sinfonia. Não gostei da interpretação. A orquestra, com 92 elementos, dos quais 26 eram reforços, estava desguarnecida (55 elementos nas madeiras). Além disso tocava de um modo delicado; eu acho que Mahler é forte, mesmo quando a música é triste. O Adagio final foi mais agradável que o resto

 

30-4-2010 - A Orquestra Gulbenkian, muito bem dirigida pela maestrina australiana Simone Young interpretou a 5.ª Sinfonia, numa exibição muito agradável de ouvir. Mas penso ainda que era fraco o volume de som das madeiras.

 

16 e 17-4-2011 - Dois óptimos concertos na Gulbenkian da Gustav Mahler Jugendorchester, com 118 instrumentistas, dirigidos pelo Maestro Philippe Jordan, com os solistas Thomas Hampson, barítono e Burkhard Fritz, tenor. No sábado, seis lieder do período Des Knaben Wunderhorn e a 1.ª Sinfonia. No domingo, o adágio da Sinfonia n.º 10 e a Canção da Terra. Ambos de encher todas as medidas.

 

6-6-2011 - Sinfonia n.º 2, Ressurreição: Um concerto de luxo com a San Francisco Symphony (121 elementos) o Coro Gulbenkian (115: S-35, C-22, T-28, B-30), a Solista Americana Laura Claycomb (Soprano) e a Sueca Katarina Karnéus (Meio-Soprano). Dirigiu o Maestro Michael Tilson Thomas, que só abriu a partitura quando entraram as Solistas. 80 minutos de puro encanto. O Coro esteve muito bem e admirei-me como conseguiu fazer um espectacular pianíssimo com aquela formação.

O público do Coliseu dos Recreios portou-se melhor do que é costume. Não houve festival de tosse, mas não faltou quem tossisse. Os pianíssimos eram estragados pelo ranger das cadeiras.

 

31-1-2014 - No Centro Cultural de Belém, a Orquestra Gulbenkian, com mais 34 reforços (total: 100) tocou Blumine e depois a 1.ª Sinfonia, dirigida com muita classe pela maestrina finlandesa Susanna Mälkki, que a partir de agora será Maestrina Convidada Principal da Gulbenkian. Belíssima interpretação e a dirigir ela tem mesmo muita maestria.

 

24-4-2014 - Treze anos depois, ouvi na Gulbenkian de novo a Orquestra da Juventude Gustav Mahler (com 119 elementos) interpretar a 4.ª Sinfonia, dirigida pelo jovem (31 anos) Maestro alemão David Afkham, que é Maestro Principal da Orquestra Nacional de Espanha. Foi uma interpretação muito expressiva, que não é habitual nesta Orquestra. A canção final foi cantada pela Soprano Christiane Karg, também alemã. Uma agradável noite, com muito boa música. 

No início do concerto, a orquestra tocou  o Prelúdio do 3º Acto e Encantamento de Sexta-feira Santa da ópera Parsifal, de Wagner, como homenagem a Claudio Abbado, recentemente falecido, fundador da Orquestra; foi pedido ao público que não aplaudisse (por uma menina portuguesa, elemento da Orquestra), e seguiu-se um minuto de silêncio, com a assistência de pé.

 

13-02-2015 - Hoje, a  Orquestra Gulbenkian com 97 elementos (incluindo 32 reforços) interpretou magistralmente a 9.ª Sinfonia. Dirigiu a finlandesa Susanna Mälkki (n. 13-8-1969)com enorme genica mahleriana, na sua qualidade de maestrina convidada principal da Orquestra.

 

8-3-2015  - No Centro Cultural de Belém, a Orquestra Sinfónica Portugesa tocou a 3.ª Sinfonia sob a direcção da Maestrina Joana Carneiro. Dirigiu bem e a orquestra tinha volume suficiente, mas alguns solistas não me convenceram. O público, horrível: deu um festival de tosse e batia palmas no fim de cada andamento!...  Vozes: a espanhola Maria José Montiel, meio soprano, elementos do Coro do Teatro Nacional de São Carlos e do Coro Juveniel de Lisboa.

 

04-4-2015 - Na Gulbenkian, na primeira etapa da digressão da Páscoa, a Orquestra da Juventude Gustav Mahler (com 129 elementos) interpretou magistralmente a 2.ª sinfonia ("Ressurreição"), dirigida pelo inglês Jonathan Nott, Maestro principal da Orquestra de Bamberg; cantores solistas a Soprano Chen Reiss e a contralto Christa Mayer. Pela primeira vez cantou com a Orquestra o Coro Gulbenkian com as suas 100 vozes. Foi uma noite memorável. O maestro exigia muita expressividade à Orquestra desde fortíssimos a pianíssimos, de tal maneira que, por vezes, no fundo da sala, quase se não ouviam estes últimos. Só uma pequena observação: o grupo que tocava fora de cena fazia-o no espaço muito aberto do átrio, o que retirava muito volume ao som, para quem estava na sala; uma solução teria sido entreabrir uma das portas.

 

18-11-2016  - A Orquestra Gulbenkian, reforçada com 19 elementos, interpretou muito bem a 4.ª Sinfonia, drigida pelo maestro americano Benjamin Shwartz, nascido em 1979; cantora solista a soprano sul-coreana Sunhae Im. Foi uma interpretação memorável que foi também transmitida em directo pela Antena 2 da Rádio

 

09-3-2018 - A Orquestra Gulbenkian, com 120 elementos (incluindo 59 instrumentistas convidados) dirigida pelo Maestro David Afkham (nascido em 1983). Maestro Principal da Orquestra Nacional de Espanha, ofereceu-nos uma magnífica execução da 2.ª Sinfonia (Ressurreição). Participaram também a Soprano Christina Landshamer alemã e a meio soprano Elisabeth Kulman, austríaca, com o Coro Gulbenkian (24 sopranos, 24 contraltos, 21 tenores e 17 baixos).

 

06-10-2018 - A Orquestra Gulbenkian, muito reforçada, foi hoje dirigida pelo novo maestro titular Lorenzo Viotti, suiço, de apenas 28 anos, tocando a 1.ª sinfonia, uma interpretação algo peculiar, mas muito interessante.

 

Lamento aqui que a bilheteira da Gulbenkian on line, tenha aberto sem bilhetes a venda de lugares para a 4.ª Sinfonia, em 7-9-2018, com a direcção de Gustavo Dudamel e para a 3.ª, interpretada pela Orquestra Juvenil Gustav Mahler no ano que vem em 5-3-2019. É uma situação inadmissível que urge corrigir!!!

 

 

Lieder eines fahrenden Gesellen

 

 

 

1. 

 

Wenn mein Schatz Hochzeit macht,

Fröhliche Hochzeit macht,

Hab' ich meinen traurigen Tag!

Geh' ich in mein Kämmerlein,

Dunkles Kämmerlein,

Weine, wein' um meinen Schatz,

Um meinen lieben Schatz!

Blümlein blau! Verdorre nicht!

Vöglein süß! Du singst auf grüner Heide.

Ach, wie ist die Welt so schön!

Ziküth! Ziküth!

Singet nicht! Blühet nicht!

Lenz ist ja vorbei!

Alles Singen ist nun aus.

Des Abends, wenn ich schlafen geh',

Denk' ich an mein Leide.

An mein Leide! 

 

 

 

2. 

 

Ging heut morgen übers Feld

Tau noch auf den Gräsern hing;

Sprach zu mir der lust'ge Fink:

"Ei du! Gelt? Guten Morgen! Ei gelt?

Du! Wird's nicht eine schöne Welt?

Zink! Zink! Schön und flink!

Wie mir doch die Welt gefällt!"

 

Auch die Glockenblum' am Feld

Hat mir lustig, guter Ding',

Mit den Glöckchen, klinge, kling,

Ihren Morgengruß geschellt:

"Wird's nicht eine schöne Welt?

Kling, kling! Schönes Ding!

Wie mir doch die Welt gefällt! Heia!"

 

Und da fing im Sonnenschein

Gleich die Welt zu funkeln an;

Alles Ton und Farbe gewann

Im Sonnenschein!

Blum' und Vogel, groß und klein!

"Guten Tag, ist's nicht eine schöne Welt?

Ei du, gelt? Schöne Welt?"

 

Nun fängt auch mein Glück wohl an?

Nein, nein, das ich mein',

Mir nimmer blühen kann! 

 

 

 

3.

 

Ich hab' ein glühend Messer 

Ich hab' ein glühend Messer,

Ein Messer in meiner Brust,

O weh! Das schneid't so tief

In jede Freud' und jede Lust.

Ach, was ist das für ein böser Gast!

Nimmer hält er Ruh', nimmer hält er Rast,

Nicht bei Tag, noch bei Nacht, wenn ich schlief.

O Weh!

 

Wenn ich in dem Himmel seh',

Seh' ich zwei blaue Augen stehn.

O Weh! Wenn ich im gelben Felde geh',

Seh' ich von fern das blonde Haar

Im Winde wehn.

O Weh!

 

Wenn ich aus dem Traum auffahr'

Und höre klingen uhr silbern' Lachen,

O Weh!

Ich wollt', ich läg auf der schwarzen Bahr',

Könnt' nimmer die Augen aufmachen! 

 

4. 

 

Die zwei blauen Augen von meinem Schatz 

Die zwei blauen Augen von meinem Schatz,

Die haben mich in die weite Welt geschickt.

Da mußt ich Abschied nehmen

Vom allerliebsten Platz!

O Augen blau, warum habt ihr mich angeblickt?

Nun hab' ich ewig Leid und Grämen.

 

Ich bin ausgegangen in stiller Nacht

Wohl über die dunkle Heide.

Hat mir niemand Ade gesagt.

Ade! Mein Gesell' war Lieb' und Leide!

Auf der Straße steht ein Lindenbaum,

Da hab' ich zum ersten Mal im Schlaf geruht!

 

Unter dem Lindenbaum, der hat

Seine Blüten über mich geschneit,

Da wußt' ich nicht, wie das Leben tut,

War alles, alles wieder gut!

Alles! Alles, Lieb und Leid

Und Welt und Traum!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Canções de uma alma errante

 

1.

 

Quando o meu tesouro se vai casar

E tem alegres bodas,

O dia para mim é triste!

Vou para o meu quartinho,

Quarto pequeno e escuro!

Choro! Choro pela minha amada,

Pelo meu tesouro de amor!

Florinha azul! Não seques!

Doce passarinho, tu cantas num verde prado!

Oh! como o mundo é belo!

Choro! Choro!

Não cantem! Não floresçam!

A primavera já passou!

Já não é tempo de cantar!

À noite quando vou dormir,

Penso na minha dor!

No meu desgosto!

 

2.

Esta manhã atravessei o campo,

Ainda havia orvalho na erva.

Disse-me o tentilhão:

«Olá! Como estás? Bela manhã! Não é verdade?

O mundo não está a tornar-se belo?

Chip! Chip! Belo e vivo!

Como me agrada o mundo!»

 

Também as flores-campaínhas do campo

Estiveram a anunciar coisas alegres

com o seu pequeno sino, ding, ding.

Ao darem os bons-dias:

«O mundo não está a tornar-se belo?

Ding, ding! Coisa linda!

Como o mundo me agrada! Eia!»

 

E ali, sob os raios do sol,

Começou o mundo a brilhar.

Tudo ganhou sons e cor

Sob o brilho do sol!

Flores e aves, grandes e pequenas!

«Bom-dia! O mundo não é belo?

E tu, que dizes? Não é verdade? O mundo é belo!»

 

Agora talvez comece também a minha felicidade!

Não! Não! Aquilo em que penso

Nunca poderá florescer para mim!

 

3.

 

Tenho uma faca em brasa,

Uma faca no meu peito.

Ai de mim! Ela enterra-se tão profundamente

Em toda a alegria, em todo o prazer,

Oh! Como é um hóspede cruel!

Nunca sossega, nunca pára!

Nem de dia nem de noite, quando eu durmo!

Ai de mim!

 

Quando olho para o céu,

Vejo dois olhos azuis!

Ai de mim! Quando atravesso o campo dourado,

Vejo, ao longe, o cabelo loiro

A esvoaçar ao vento!

Ai de mim!

 

Quando acordo do sonho

E oiço o tinir do seu riso prateado,

Ai de mim!

Desejo estar estendido no caixão negro,

E nunca mais abrir os olhos!

 

 

4.

 

Os dois olhos azuis do meu tesouro

Mandaram-me pelo mundo fora.

Tenho de me despedir

Destes lugares queridos!

Ó olhos azuis! Porque olhastes para mim?

Assim eternamente, não terei senão dor e sofrimento!

 

Parti para a noite serena,

Atravessei o prado adormecido.

Ninguém me disse adeus.

Adeus! Os meus companheiros eram o amor e a dor.

À beira do caminho estava uma tília,

Debaixo dela descansei pela primeira vez, adormeci.

 

Debaixo da tília, que me cobriu

Com o manto dos seus botões em flor.

Ali esqueci o tormento da vida.

Tudo, tudo ficou novamente claro.

Tudo, o amor e o sofrimento,

O mundo e o sonho.

 

 

 

(Tradução de Nuno Barreiros. Do programa do Recital na Fundação Calouste Gulbenkian em 10-2-2004)

 

 

 

 

 

2.ª SINFONIA

Urlicht

 

 

 

 O Röschen rot,

 Der Mensch liegt in größter Not,

 Der Mensch liegt in größter Pein,

 Je lieber möcht' ich im Himmel sein.

 Da kam ich auf einem breiten Weg,

 Da kam ein Engelein und wollt' mich abweisen.

 Ach nein, ich ließ mich nicht abweisen!

 Ich bin von Gott und will wieder zu Gott,

 Der liebe Gott wird mir ein Lichtchen geben,

 Wird leuchten mir bis in das ewig selig' Leben!

 

 

 

                       (Aus Des Knaben Wunderhorn)

 

 

Auferstehung

  

Chor und Sopran:

 Aufersteh'n, ja aufersteh'n wirst du,

 Mein Staub, nach kurzer Ruh!

 Unsterblich Leben

 Wird, der dich rief, dir geben.

 Wieder aufzublüh'n, wirst du gesät!

 Der Herr der Ernte geht

 Und sammelt Garben

 Uns ein, die starbe!

 

Alt solo:

 O glaube, mein Herz, o glaube:

 Es geht dir nichts verloren!

 Dein ist, ja dein, was du gesehnt,

 Dein, was du geliebt, was du gestritten!

 

Sopran solo:

 O glaube: Du wardst nicht umsonst geboren!

 Hast nicht omsonst gelebt, gelitten!

 

 

Chor und Alt:

 Was entstanden ist, das muß vergehen!

 Was vergangen, auferstehen!

 Hör auf zu beben!

 Bereite dich zu leben!

 

Sopran und Alt solo:

 O Schmerz! Du Alldurchdringer!

 Dir bin ich entrungen.

 O Tod! Du Allbezwinger!

 Nun bist du bezwungen!

 Mit Flügeln, die ich mir errungen,

 In heißem Liebessreben

 Werd ich entschweben

 Zum Licht, zu dem kein Aug gedrungen!

 

 

 

Chor:

 Mit Flügeln, die ich mir errungen,

 Werd ich entschweben!

 Sterben wird ich, um zu leben!

 Aufersteh'n, ja aufersteh'n wirst du,

 Mein Herz, in einem Nu!

 Was du geschlagen,

 Zu Gott wird es dich tragen!

 

 

 

 

Luz primordial

 

 

Ó pequena rosa vermelha!

Jaz o homem na maior miséria!

Jaz o  homem jaz no maior sofrimento!

Como eu gostaria de estar no céu!

 

Vinha eu por amplo caminho:

Quando um anjo surgiu e me quis afastar.

Ah, não! Não deixei que me afastasse!

Eu venho de Deus e a Deus hei-de regressar!

O bom Deus enviar-me-á uma pequena luz.

Que me Iluminará até à bem-aventurada vida eterna

 

RESSURREIÇÃO 

 

Coro e Soprano

 

Ressuscitarás, oh sim, ides ressuscitar,

Meu pó, após breve curto repouso!

Aquele que te chamou

A vida imortal te dará!

 

De novo te verão desabrochar!

O senhor à colheita irá

E em feixes nos recolherá,

A nós que juntos morremos!

 

Solo de Contralto

Ah, crê meu coração, crê!

Nada para ti está perdido!

É teu, sim é teu aquilo por que ansiaste,.

É teu o que amaste, aquilo por que lutaste!

 

Solo de Soprano

Ah, crê: não nasceste em vão,

Não foi em cão que viveste, sofreste!

 

Coro e contralto

O que foi criado tem de perecer!

O que pereceu, ressuscitará!

Pára de tremer!

Prepara-te para viver!

 

 

Solo de Soprano e Contralto

Ó dor! Tu, que tudo penetras,

De ti fui arrancado!

Ó morte, tu que tudo conquistas,

Foste agora conquistada!

 

Com as asas que para mim ganhei,

No ardente esforço do amor,

Desaparecerei

Na luz nunca vista!

 

Coro

Com as asas que para mim ganhei,

Desaparecerei!

Morrerei para poder viver!

 

Ressuscitarás, sim ressuscitarás,

Meu coração, num instante!

Aquilo por que lutaste

A Deus te levará!

 

Tradução de Ofélia Ribeiro

 

 

3.ª SINFONIA

 

O Mensch! Gib acht!  

 

 

 

 

ALTSOLO

 

O Mensch! Gib acht!

Was spricht, die tiefe Mitternacht?

"Ich schlief, ich schlief -,

Aus tiefem Traum bin ich erwacht: -

Die Welt ist tief,

Und tiefer als der Tag gedacht.

Tief ist ihr Weh -,

Lust - tiefer noch als Herzeleid:

Weh spricht: Vergeh!

Doch alle Lust will Ewigkeit -,

- Will tiefe, tiefe Ewigkeit!" 

 

 

 

 

Es sungen drei Engel einen süßen Gesang

 

 

                    (Aus Des Knaben Wunderhorn)

 

FRAUEN- UND KNABENCHOR

ALTSOLO

:

 Bimm bamm, bimm, bamm, . . .

 

 Es sungen drei Engel einen süßen Gesang,

 Mit Freuden es selig in den Himmel klang.

 Sie jauchzten fröhlich auch dabei,

 Daß Petrus sei von Sünden frei.

 Und als der Herr Jesus zu Tische saß,

 Mit seinen zwölf Jügern  das Abendmahl aß,

 Da sprach der Herr Jesus: "Was stehst du den hier?

 Wenn ich dich anseh', so weinest du mir."

   "Und sollt' ich nicht weinen, du gütiger Gott" . . .

 

 Du sollst ja nicht weinen!

 "Ich habe übertreten die Zehn Gebot;

 Ich gehe und weine ja bitterlich,

 Ach komm und erbarme duch über mich."

 

 Has du denn übertreten die Zehen Gebot,

 So fall auf die Knie und bete zu Gott!

 Liebe nut Gott in alle Zeit,

 So wirst du erlangen die himmlische Freud!

 

 Die himmlische Freud, die Selige Stadt;

 Die himmlische Freud, die kein Ende mehr hat.

 Die himmlische Freude war Petro bereit'

 Durch Jesum und allen zur Seligkeit.  

 

 

 

 

 

 

 

4.º MOVIMENTO

"Canção da meia noite, de Zatustra"

(de "Assim falou Zaratustra" de Nietzsche)

 

CONTRALTO SOLO

Homens! Prestai atenção!

Que diz a profunda meia noite?

Eu adormeci, eu adormeci,

Acordei de um sonho profundo!

Profundo é o mundo,

Mais profundo do que o dia deixaria supor.

Profunda é a sua dor,

O êxtase é ainda mais profundo que a tristeza.

A dor grita: Segue!

Mas todo o prazer quer a Eternidade,

Uma profunda, profunda Eternidade!

 

 

5º MOVIMENTO

“Canção dos três Anjos”

 

(de “A trompa mágica do Menino”)

 

CORO FEMININO, CORO INFANTIL (RAPAZES), CONTRALTO SOLO

 

Bim, Bam, Bim, Bam

Três anjos cantam uma doce canção,

Alegremente ela ressoa suave no céu,

Ouviram-se tantos gritos de júbilo,

Que até Pedro ficou livre dos seus pecados.

E quando o Senhor Jesus se sentou à mesa,

Com os seus doze discípulos, comeu a ceia.

Disse então o Senhor Jesus:

“Que fazes tu aqui?

Quando olho para ti, começas a chorar."

 

“Então não tenho que chorar Deus de misericórdia?”

Transgredi os dez mandamentos,

Continuo a chorar amargamente

Ah! Tende piedade de mim !

 

Se transgrediste os dez mandamentos,

Ajoelha-te e reza a Deus

Ama só a Deus para sempre!

Assim conhecerás as alegrias celestes.

A alegria celeste, a cidade feliz,

A alegria celeste, que não tem fim.

A alegria celeste foi entregue por Jesus a Pedro,

E a todos para a nossa salvação.

 

 

4.ª SINFONIA

Das himmlische Leben  

 

 

Wir genießen die himmlischen Freuden,

Drum tun wir das Irdische meiden,

Kein weltlich Getümmel

Hört man nicht im Himmel!

Lebt alles in sanftester Ruh'!

Wir führen ein englisches Leben!

Sind dennoch ganz lustig daneben!

Wir tanzen und springen,

Wir hüpfen und singen!

Sankt Peter im Himmel sieht zu!

 

 

 

Johannes das Lämmlein auslasset,

Der Metzger Herodes drauf passet!

Wir führen ein geduldig's,

Unschuldig's, geduldig's,

Ein liebliches Lämmlein zu Tod!

Sankt Lucas den Ochsen tät schlachten

Ohn' einig's Bedenken und Achten,

Der Wein kost' kein Heller

Im himmlischen Keller,

Die Englein, die backen das Brot.

 

 

 

Gut' Kräuter von allerhand Arten,

Die wachsen im himmlischen Garten!

Gut' Spargel, Fisolen

Und was wir nur wollen!

Ganze Schüsseln voll sind uns bereit!

Gut Äpfel, gut' Birn' und gut' Trauben!

Die Gärtner, die alles erlauben!

Willst Rehbock, willst Hasen,

Auf offener Straßen

Sie laufen herbei!

Sollt' ein Fasttag etwa kommen,

Alle Fische gleich mit Freuden angeschwommen!

Dort läuft schon Sankt Peter

Mit Netz und mit Köder

Zum himmlischen Weiher hinein.

Sankt Martha die Köchin muß sein.

 

 

 

Kein' Musik ist ja nicht auf Erden,

Die uns'rer verglichen kann werden.

Elftausend Jungfrauen

Zu tanzen sich trauen!

Sankt Ursula selbst dazu lacht!

Kein Musik ist ja nicht auf Erden,

die unsrer verglichen kann werden.

Cäcilia mit ihren Verwandten

Sind treffliche Hofmusikanten!

Die englischen Stimmen

Ermuntern die Sinnen,

Daß alles für Freuden erwacht.

   

 

 

 

 

 

 

A vida celestial

 

Saboreamos os prazeres celestes,

por isso evitamos todas

as coisas terrenas.

No céu não se escuta

nenhum rumor do mundo!

Todos vivem em serena paz!

Levamos uma vida angelical,

mas somos também muito alegres!

Levamos uma vida angelical,

dançamos e cantamos,

saltamos e pulamos!

E no céu, São Pedro observa-nos!

 

São João solta o pequeno cordeiro,

Herodes, o carniceiro, aguarda por ele!

Levamos o manso,

inocente e manso

e doce cordeirinho, para a morte!

São Lucas abate o boi

sem muito pensar ou sentir,

o vinho não custa um tostão

nas caves celestes,

e os anjos cozem o pão.

 

Ervas aromáticas de diversos tipos,

crescem no jardim celeste!

Bons espargos, feijões,

e tudo o que quisermos!

São-nos servidos pratos fartos!

Boas maçãs, boas peras, e boas uvas!

Os jardineiros deixam-nos provar tudo!

Se quereis corças ou lebres,

eles surgem correndo

pelas ruas espaçosas!

E se é dia de jejum,

todos os peixes nadam alegremente

até à tona!

E eis São Pedro que chega

com a sua rede e engodo

ao viveiro celeste.

Santa Marta deve ser a cozinheira!

 

Não existe música na Terra,

que se compare à nossa.

Onze mil virgens

lançam-se numa dança!

Santa Úrsula observa e ri!

Não existe música na Terra,

que se compare à nossa.

Cecília e os seus pares

são magníficos músicos de câmara!

As vozes dos anjos

estimulam os sentidos,

e tudo desperta para a alegria.

 

                     Tradução de Ofélia Ribeiro

 

 

8.ª SINFONIA

 

 Veni, creator spiritus

   

 

Veni, creator spiritus,

Mentes tuorum visita;

Imple superna gratia,

Quae tu creasti pectora. 

 

 

Qui Paraclitus diceris,

Donum Dei altissimi,

Fons vivus, ignis, caritas,

Et spiritalis unctio. 

 

 

Infirma nostri corporis

Virtute firmans perpeti;

Accende lumen sensibus,

Infunde amorem cordibus. 

 

 

Hostem repellas longius,

Pacemque dones protinus;

Ductore sic te praevio

Vitemus omne pessimum. 

 

 

Tu septiformis munere,

Dexterae paternae digitus.

Per te sciamus da Patrem,

Noscamus (atque) Filium,

 

 

(Te utriusque) spiritum

Credamus omni tempore.

Da gaudiorum praemia,

Da gratiarum munera;

Dissolve litis vincula,

Adstringe pacis foedera.

Gloria Patri Domino,

Deo sit gloria et Filio

 

 

Natoque, qui a mortuis

Surrexit, ac Paraclito

In saeculorum saecula.

 

Mahler did not use the text in parenthesis.

 

 

 

Vem, espírito criador,

Visita as almas dos teus fiéis,

Enche os corações com a graça divina,

Os corações que tu próprio criaste.

 

 

És o nosso Conselheiro.

Dom de Deus Altíssimo,

Fonte viva, fogo, caridade,

E unção da Graça.

 

 

Fortifica os nossos débeis corpos

Com o eterno vigor,

Dá luz aos nossos sentidos,

Enche de amor os nossos corações.

 

 

Repele o inimigo para longe de nós,

E dá-nos logo a paz,

Para que, por Ti guiados,

Evitemos todo o mal.

 

 

Tu és o Espírito com sete dons,

O dedo à direita do Pai,

Por Ti conheçamos o Pai,

Conheçamos também o Filho,

 

 

E em ti, Espírito de ambos,

Faz-nos crer para sempre.

Dá-nos as alegrias celestes,

Dá-nos dá os presentes da Graça.

 

 

Pacifica, onde há disputas,

Preserva os laços da paz.

Glória a Deus Pai e Senhor,

E ao Filho nascido homem

 

 

E dos mortos ressuscitado,

E ao Espírito Consolador,

Pelos séculos dos séculos.  

 

 

 

Schlußszene aus "Faust"

Letzte Szene aus dem zweiten Teil von Goethes Faust

BERGSCHLUCHTEN, WALD, FELS, EINÖDE.

HEILIGE ANACHORETEN

(gebirgauf verteilt, gelagert zwischen Klütten)

 

 

 

Waldung, sie schwankt heran,

Felsen, sie lasten dran,

Wurzeln, sie klammern an,

Stamm dicht an Stamm hinan.

Woge nach Woge spritzt,

Höhle, die tiefste, schützt.

Löwen, sie schleichen stumm,

Freundlich um uns herum,

Ehren geweihten Ort,

Heiligen Liebeshort.

 

PATER ECSTATICUS

(auf- und abschwebend)

 

Ewiger Wonnebrand

Glühendes Liebeband,

Siedender Schmerz der Brust,

Schäumende Gotteslust!

Pfeile, durchdringet mich,

Lanzen, bezwinget mich,

Keulen, zerschmettert mich,

Blitze, durchwettert mich!

Daß ja das Nichtige

Alles verflüchtige,

Glänze der Dauerstern,

Ewiger Liebe Kern! 

 

PATER PROFUNDUS

(tiefe Region)

 

Wie Felsenabgrund mir zu Füßen

Auf tiefem Abgrund lastend ruht,

Wie tausend Bäche strahlend fließen

Zum grausen Sturz des Schaums der Flut

Wie strack, mit eig'nem kräft'gen Triebe,

Der Stamm sich in die Lüfte trägt;

So ist es die allmächt'ge Liebe,

Die alies bildet, alles hegt.

 

Ist um mich her ein wildes Brausen,

Als wogte Wald und Felsengrund,

Und doch stürzt, liebevoll im Sausen,

Die Wasserfülle sich zum Schlund,

Berufen gleich das Tal zu wässern:

Der Blitz, der flammend niederschlug,

Die Atmosphäre zu verbessern,

Die Gift und Dunst im Busen trug,

 

Sind Liebesboten, sie verkünden,

Was ewig schaffend uns umwallt.

Mein Inn'res mög' es auch entzünden,

Wo sich der Geist, verworren, kalt,

Verquält in stumpfer Sinne Schranken,

Scharf angeschloss'nem Kettenschmerz.

O Gott! beschwichtige die Gedanken,

Erleuchte mein bedürftig Herz! 

 

DESFILADEIROS, FLORESTA, PENHASCOS

 Região deserta.

Santos Anacoretas, distribuídos pela montanha acima,

entre os precipícios.

 

CORO E ECO:

 

 

Florestas ondeando,

Os rochedos pesando,

Raízes agarrando,

Tronco a tronco subindo.

Uma a uma, onda espuma,

Caverna envolta em bruma,

Passa o leão calado

E manso a nosso lado,

Honra ao lugar sagrado,

A santo amor votado.

 

PATER ECSTATICUS (subindo e descendo no ar):

 

Gozo eterno e ardente,

Laço de amor vibrante,

Coração-dor veemente,

Deus-prazer transbordante.

Oh, setas macerai-me!

Oh, lanças, trespassai-me!

Oh, clavas, esmagai-me!

Oh, raios apagai-me!

P’ra que cesse o que é nada

E em pó se degrada,

E em eterno fulgor

Brilhe a estrela do amor.

 

PATER PROFUNDUS (região profunda):

 

Como os abismos a meus pés

Noutros mais fundos estão assentes,

Como os ribeiros que correr vês

Espumam nas quedas das torrentes,

Como o tronco com seu possante

Impulso sobe na atmosfera:

Assim é o amor omnipotente

Que tudo forma e tudo gera.

 

À minha volta oiço um fragor,

São como vagas bosque e penha,

Contudo, é só o marulhar

Manso de água que se despenha,

Chamada a fecundar o vale;

O raio que em chamas se abateu

Veio limpar o ar, afinal,

Que de vapores letais se encheu –

 

São mensageiros de amor, a voz

Do eterno agir da natureza.

Se o meu espírito, em seu atroz

Sofrimento, turva frieza,

Inflamado fosse, e a dor

Dos sentidos, escura prisão!

Vem, Deus, a mente apaziguar,

Iluminar-me o coração!

 

 

 

 

PATER SERAPHICUS (região intermédia):

 

Nuvem matutina vem

P’los abetos a ondular!

Já pressinto o que contém:

Jovens almas devem ser.

 

CORO DOS MENINOS BEM-AVENTURADOS:

 

Diz-nos, Pai, onde voamos,

Diz-nos qual é a nossa essência.

Felizes somos: achamos

Tão doce a nossa existência!

 

PATER SERAPHICUS:

 

À meia-noite nascidos,

Meio despertas alma e mente,

Para os pais logo perdidos,

Ganho pr’os celestes entes.

Sentis perto alguém que amou,

Estou certo. Vinde até mim!

Mas não sabeis por onde andou

No mundo, e é melhor assim!

Vinde em meus olhos entrar,

Órgãos mundanos, terrenos;

Deles vos podeis servir

P’ra ver o lugar ao menos.

(Recebe-os em si.)

São árvores, é um penedo

Torrente que se desvia

E em queda livre, sem medo,

O seu caminho abrevia.

 

MENINOS BEM-AVENTURADOS (de dentro):

 

É imponente, grandioso,

Mas sombrio, este lugar.

Mete-nos medo! Bondoso

Santo, deixa-nos voar!

 

PATER SERAPHICUS:

 

Subi a esfera mais alta,

E pouco a pouco crescei;

É aí que Deus mais se exalta,

É a eterna e pura lei.

É dos espíritos o pão

Que o mais claro éter governa,

Deus-Amor, revelação

Que nos leva à vida eterna.

 

 

 

CHOR DER ENGEL

(Schwebend in der höheren Atmosphäre, Faustens Unsterbliches tragend)

 

 

Gerettet ist das edle Glied

Der Geisterwelt vom Bösen:

Wer immer strebend sich bemüht,

Den können wir erlösen;

Und hat an ihm die Liebe gar

Von oben teilgenommen,

Begegnet ihm die sel'ge Schar

Mit herzlichem Willkommen. 

 

CHOR SELIGER KNABEN

(um die höchsten Gipfel kreisend)

 

Hände verschlinget euch

Freudig zum Ringverein,

Regt euch und singe

Heil'ge Gefühle drein!

Göttlich belehret,

Dürft ihr vertrauen;

Den ihr verehret,

Werdet ihr schauen. 

 

DIE JÜNGEREN ENGEL:

 

Jene Rosen, aus den Händen

Liebend-heiliger Büßerinnen,

Halten uns den Sieg gewinnen

Und das hohe Werk vollenden,

Diesen Seelenschatz erbeuten.

Böse wichen, als wir streuten,

Teutel flohen, als wir trafen.

Statt gewohnter Höllenstrafen

Fühlten Liebesqual die Geister,

Selbst der alte Satans-Meister

War von spitzer Pein durchdrungen.

Jauchzet auf! es ist gelungen. 

 

DIE VOLLENDETEREN ENGEL:

(Chor mit Altsolo)

 

Uns bieibt ein Erdenrest

Zu tragen peinlich,

Und wär' er von Asbest

Er ist nicht reinlich.

Wenn starke Geisteskraft

Die Elemente

An sich herangerafft,

Kein Engel trennte

Geeinte Zwienatur

Der innigen beiden;

Die ewige Liebe nur

Vermag's zu scheiden. 

 

DIE JÜNGEREN ENGEL:

 

Ich spur soeben,

Nebelnd um Felsenhöh',

Ein Geisterleben.

Regend sich in der Näh'.

Seliger Knaben,

Seh' ich bewegte Schar

Los von der Erde Druck,

Im Kreis gesellt,

Die sich erlaben

Am neuen Lenz und Schmuck

Der obern Welt.

Sei er zum Anbeginn,

Steigendem Vollgewinn

Diesen gesellt! 

 

DIE SELIGEN KNABEN:

 

Freudig empfangen wir

Diesen im Puppenstand;

Also erlangen wir

Englisches Unterpfand.

Löset die Flocken los,

Die ihn umgeben!

Schon ist er schön und groß

Von heiligem Leben.

(entzückt)

 

 

Höchste Herrscherin der Welt,

Lasse mich im blauen,

Ausgespannten Himmelszelt

Dein Geheimnis schauen!

Bill'ge, was des Mannes Brust

Ernst und zart beweget

Und mit heil'ger Liebeslust

Dir entgegen träget!

Unbezwinglich unser Mut,

Wenn du hehr gebietest;

Plötzlich mildert sich die Glut,

Wenn du uns befriedest. 

 

DOCTOR MARIANUS UND CHOR:

 

Mutter, Ehren würdig,

Jungfrau, rein im schönsten Sinn,

Uns erwählte Königin,

Göttern ebenbürtig.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Chor:

Dir, der Unberührbaren,

ist es nicht benommen,

Daß die leicht Verführbaren

Traulich zu dir kommen.

In die Schwachheit hingerafft,

Sind sie schwer zu retten;

Wer zerreißt aus eig'ner Kraft

Der Gelüste Ketten?

Wie entgleitet schnell der Fuß

Schiefem, glattem Boden!

(Mater gloriosa schwebt einher)

 

 

 

 

 

 

 ANJOS (voando na atmosfera mais elevada e transportando a alma de Fausto):

 

Das garras do mal elevamos

Est’alma a nobre esfera,

Pois só àquele redenção damos

Que em esforço persevera.

E se nele o supremo amor

Uma parte tiver,

Os santos com fraterno ardor

O irão receber.

 

CORO DOS MENINOS BEM AVENTURADOS (pairando à volta dos cumes mais elevados):

 

Dai-vos as mãos

Em roda nos ares,

Entoai, irmãos,

Sagrados cantares!

Por Deus guiados,

Confiar podeis;

Vereis, extasiados,

O que adorais.

 

OS ANJOS MAIS NOVOS:

 

Por penitentes espalhadas,

Aquelas flores de rosa

Foram ajuda preciosa

Pr’a vitória, e consumada

Foi a obra: a alma ganhámos.

Os maus, quando as lançámos,

Recuaram; os diabos fugiram

E o espinho do amor sentiram

Em vez do fogo infernal;

E até o Satã principal

Com suas setas ferimos.

Jubilai, pois conseguimos!

 

OS ANJOS MAIS PERFEITOS:

 

Temos da terra um resto

Penoso aqui;

Nem que fosse de asbesto,

Puro não é.

Se o espírito potente

Assimilou

A si os elementos,

Nunca anjo separou

O uno e íntimo par,

A dupla metade

Que só o eterno amor

Dividir pode.

 

OS ANJOS MAIS NOVOS:

 

Há nevoeiro cerrado

Lá nas alturas;

Perto, o ar agitado

Com formas puras.

Faz-se um clarão,

Vejo a legião

Dos inocentes,

Livres da dor terrena,

Roda fazendo

Juntos, contentes

Co’a luz amena

Do nosso mundo.

Eles iniciarão

As fases de ascensão

Deste defunto.

 

OS MENINOS BEM-AVENTURADOS:

 

Com gáudio o recebemos

Em estado de crisálida;

E dos anjos obtemos

Uma fiança válida;

Soltai o véu que encobre

A sua essência;

Grande e belo já sobe

Em santa existência.

 

 

DOCTOR MARIANUS (na mais pura e elevada cela):

 

(Extasiado)

Excelsa senhora do mundo,

Deixa-me no ar;

No céu tão azul e fundo,

Teu mistério olhar!

Aceita este coração

Que te estremece,

E com sacrossanta paixão

A ti se oferece.

Invencível o vigor

Quando tu ordenas;

Mas acalma-se o ardor

Quando nos serenas.

 

 

Virgem pura e imaculada,

Mãe que veneramos,

Rainha por nós amada

Que aos deuses igualamos.

 

Passam correntes

De nuvens leves,

São penitentes,

Almas suaves

Que a seus pés estão,

Sorvem o éter,

Pedem perdão.

 

A ti, a intocável,

Não está vedado

Que o mais vulnerável

Se ponha a teu lado.

Difícil nos é salvá-lo

Da própria fraqueza;

Quem resiste ao apelo

Da impureza?

É fácil escorregar

Em chão liso e traiçoeiro.

 

Quem não cede a um olhar,

A um sussurro fagueiro?

 

A Mater Gloriosa chega, flutuando no ar.

 

 

 

 

 

CHOR DER BÜSSERINNEN:

 

(und Una Poenitentium)

Du schwebst zu Höhen

Der ewigen Reiche,

Vernimmt das Flehen,

Du Gnadenreiche!

Du Ohnegleiche! 

 

MAGNA PECCATRIX:

(St. Lucae Vll, 36)

 

Bei der Liebe, die den Füßen

Deines gottverklärten Sohnes

Tränen ließ zum Balsam fließen,

Trotz des Pharisäer-Hohnes:

Beim Gefäße, das so reichlich

Tropfte Wohlgeruch hernieder,

Bei den Locken, die so weichlich

Trockneten die heil'gen Glieder. 

 

MULIER SAMARITANA:

(St. Joh. IV)

 

Bei dem Bronn, zu dem schon weiland

Abram ließ die Herde führen:

Bei dem Eimer, der dem Heiland

Kühl die Lippe durft' berühren,

Bei der reinen, reichen Quelle,

Die nun dorther sich ergießet,

Überflüssig, ewig helle,

Rings, durch alle Welten fließet -

 

MARIA AEGYPTIACA:

(Acta Sanctorum)

 

Bei dem hochgeweihten Orte,

Wo den Herrn man niederließ,

Bei dem Arm, der von der Pforte,

Warnend mich zurücke stieß,

Bei der vierzigjähr'gen Buße,

Der ich treu in Wüsten blieb,

Bei dem sel'gen Scheidegruße,

Den im Sand ich niederschrieb -

Zu Drei:

Die du großen Sünderinnen

Deine Nähe nicht verweigerst, 

 

DOCTOR MARIANUS:

(in der höchsten, reinlichsten Zelle)

 

Hier ist die Aussicht frei,

Der Geist erhoben!

Dort ziehen Frauen vorbei,

Schwebend nach oben.

Die Herrliche mittenin

Im Sternenkranze,

Die Himmelskönigin,

Ich seh's am Glanze.

Und ein büßendes Gewinnen

In die Ewigkeiten steigerst,

Gönn' auch dieser guten Seele,

Die sich einmal nur vergessen,

Die nicht ahnte, daß sie fehle

Dein Verzeihen angemessen! 

 

 

 

 

CORO DAS PENITENTES:

 

Sobes à origem

Da eterna esperança,

Ouve-nos Virgem

Que nada alcança

Cheia de graça!

 

MAGNA PECCATRIX (S. Lucas, VII, 36 )

 

Pelo amor que os pés divinos

De teu filho, o Homem-Deus,

Banhou em bálsamos finos,

Enfrentando os fariseus;

Pelo vaso generoso

Cuj’unguento os perfumou,

Pelo cabelo sedoso

Que os santos membros secou –

 

MULIER SAMARITANA (S. João, IV)

 

Pela fonte a que Abraão

Levava o gado a beber,

Pela concha que levou

Aos lábios o Salvador;

P’la nascente de água pura

Que agora ali dessedenta,

Em abundância perdura

E o universo alimenta –

 

MARIA AEGYPTIACA (Acta Sanctorum)

 

Pela campa consagrada

Que o Seu corpo recebeu,

Pelo braço que à entrada

O acesso me vedou;

P’los anos de sofrimento

Que no deserto passei,

P’lo adeus e arrependimento

Que à areia confiei –

 

A TRÊS:

 

Tu, que às grandes pecadoras

Não recusas tua visão,

 

DOCTOR MARIANUS (na mais pura elevada cela)

 

A vista é livre aqui,

O’spírito elevado.

Vejo mulheres ali

Ao céu subindo.

No meio delas, se adivinha,

De estrelas coroada,

Dos céus a rainha,

P’lo brilho revelada.

E à vida eterna alcandoras

Quem fez sua contrição,

Concede a esta alma boa,

Que pecou só uma vez

E da falta não sabia,

Teu perdão, tuas mercês!

 

 

UNA POENITENTIUM:

(sich anschmiegend)

 

(Gretchen)

Neige, neige,

Du Ohnegleiche,

Du Strahlenreiche,

Dein Antlitz gnadig meinem Glück!

Der früh Geliebte,

Nicht mehr Getrübte,

Er kommt zurück. 

 

SELIGE KNABEN:

(in Kreisbewegung sich nähernd)

 

Er überwächst uns schon

An mächt'gen Gliedern,

Wird treuer Pflege Lohn

Reichlich erwidern.

Wir wurden früh entfernt

Von Lebechören;

Doch dieser hat gelernt,

Er wird uns lehren. 

 

UNA POENITENTIUM:

 

(Gretchen)

Vom edlen Geisterchor umgeben,

Wird sich der Neue kaum gewahr,

Er ahnet kaum das frische Leben,

So gleicht er schon der heil'gen Schar

Sieh, wie er jedem Erdenbande

Der alten Hülle sich entrafft.

Und aus ätherischem Gewande

Hervortritt erste Jugendkraft!

Vergönne mir, ihn zu belehren,

Noch blendet ihn der neue Tag! 

 

MATER GLORIOSA:

(und Chor)

 

Komm! Hebe dich zu höhern Sphären!

Wenn er dich ahnet, folgt er nach.

 

DOCTOR MARIANUS:

(auf dem Angesicht anbetend)

(und Chor)

 

Blicket aut zum Retterblick,

Alle reuig Zarten,

Euch zu sel'gem Glück

Dankend umzuarten!

Werde jeder bess're Sinn

Dir zum Dienst erbötig;

Jungfrau, Mutter, Königin,

Göttin, bleibe gnädig!

 

CHORUS MYSTICUS:

 

Alles Vergängliche

Ist nur ein Gleichnis;

Das Unzulängliche,

Hier wird's Ereignis;

Das Unbeschreibliche,

Hier ist's getan;

Das Ewig-Weibliche

Zieht uns hinan.

 

 

 

 

UNA POENITENTIUM (antes chamada Margarida, chegando-se a ela):

 

Inclina, inclina,

Oh, Mãe divina,

Luz que ilumina,

Teu olhar, muda a minha sorte!

O meu amado,

Purificado,

Furta-se à morte.

 

MENINOS BEM-AVENTURADOS (aproximando-se com movimentos circulares):

 

Ele suplanta já

Nossa estatura,

E recompensará

Amor e cura.

Nenhum de nós chegou

A vida a amar;

Mas este, que a viveu,

Vai-nos ensinar.

 

A MESMA PENITENTE (antes chamada Margarida):

 

P’lo coro dos espíritos cercado,

Nem sabe o noviço onde está,

Mas pressente o seu novo estado,

Tão igual aos outros é já.

Vê como deixa já p’ra trás

A capa de terrena vaidade,

E da etérea roupagem faz

Fonte de fresca mocidade.

Deixa-me ser seu guia agora,

Temo que a nova luz o cegue.

 

MATER GLORIOSA:

 

Vem, ascende à mais alta esfera,

Mal te pressinta, logo te segue.

 

DOCTOR MARIANUS (orando prostrado):

 

Contemplai, vós, penitentes,

O olhar salvador;

Renascereis, novos entes,

P’ra eterno prazer.

Quem em tua luz caminha,

Serve-te em humildade;

Virgem, Mãe, Deusa, Rainha,

Tem de nós piedade!

 

CHORUS MYSTICUS:

 

Tudo o que passa

É símbolo só;

O que não se alcança

Em corpo aqui está;

O indescritível

Realiza-se aqui;

O Eterno-Feminino

Atrai-nos para si.

 

               FINIS

 

Tradução de João Barrento, em Johann Wolfgang Goethe, Fausto, Círculo de Leitores, Lisboa, 1999 – ISBN 972-42-2097-4