4-9-2008
Manuel Borges Carneiro
(1774 - 1833)
BIOGRAFIA
Nasceu Manuel Borges Carneiro em 2 de Novembro de 1774, na quinta denominada das Cotas, sobranceira ao Douro, nos arredores da vila de Resende. Foram seus pais José Borges Botelho e de D. Joana Thomasia de Melo. Seu pai era bacharel em Cânones por Coimbra, embora nunca tivesse profissão ligada às letras; era sua ocupação a lavra das suas propriedades. Foi baptizado a 17 de Novembro de 1774 e toda a vida se declarou católico convicto e praticante.
Teve 3 irmãs. Sabemos o nome da mais velha, Bernardina e da mais nova, Mariana Raquel, que, mais tarde, esteve presa 4 anos em Lamego sem culpa formada.
Não há notícias da preparação escolar de Borges Carneiro para a Universidade, apenas os exames de aptidão feitos em Coimbra às disciplinas de gramática latina e de retórica (1789), filosofia racional e moral (1790), geometria e catecismo (1791). Terá estudado as primeiras letras em Resende na escola pública ou com professor particular e o latim, filosofia e matemática provavelmente em Lamego. Matriculou-se em Direito Civil em Coimbra no final de 1791 e foi aprovado nos exames do primeiro ano em 6 de Julho de 1792. Foi aprovado a direito natural e das gentes, história do direito civil romano e pátrio, instituições de direito civil romano e pôde matricular-se no 2.º ano 1792/1793. (Da tese da Prof. Zília Osório de Castro, donde provêm os dados biográficos aqui referidos).
Teve no final do ano escolar o perdão do acto (passagem administrativa) – carta régia de 24 de Abril de 1793 – por motivo do nascimento da 1.º filha do príncipe regente D. João (VI). Matriculou-se no 3.º ano a 2 de Outubro de 1793 e a 12 do mesmo mês, passou no exame de grego. Neste ano escolar (1794) interrompeu os estudos, não tendo sido admitido às provas finais por falta de frequência. São ignoradas as razões desta interrupção e nenhum dos biógrafos a referem. Só três anos depois, a 3 de Outubro de 1797, aparece de novo o seu nome nas matrículas. Decidira já abandonar o Direito Civil, passando para o curso de Cânones, como seu pai. Completou o curso ao fazer as cadeiras de direito canónico pelo método analítico e direito Pátrio em 3 de Julho de 1800.
Nos dois últimos anos, foi dos melhores alunos. Foi um dos 14 (no total de 59) que tiveram a classificação de “Muito Bom”.
Borges Carneiro optou então por seguir a carreira da Magistratura. Foi praticar em Lisboa, nos Juízos do Cível e do Crime e da Casa da Suplicação. Depois, como era ainda obrigatório na altura, requereu em 19 de Dezembro de 1801 a chamada “habilitação de bacharel”, cujo processo se encontra na Torre do Tombo (Maço n.º 56, n.º 13). Abonaram a idoneidade moral do candidato as testemunhas:
- Bacharel Manoel Botelho de Almeida Miroto, de 60 anos, vizinho
- Bacharel José Mendes da Fonseca, de Lamego
- Bacharel José António de Miranda Correa, de 57 anos, de Freigil, concelho de Aregos
- José Ignácio Pinto, viúvo, de 50 anos
- Francisco Jorge, de 63 anos
- António do Couto de Vasconcellos Pinto, da Quinta da Corugeira, concelho de Aregos, de 41 anos
- João Pinto Machado, de Moinhos, concelho de Aregos, de 32 anos
Entre as declarações cujo teor se repete em todos os testemunhos, figura a de que “sabe da mesma forma não terem os Pais e Avós do Habilitando tido algum ofício ou exercício dos que costumam professar ou exercitar as pessoas plebeias”.
Em face das declarações das testemunhas, logo no dia seguinte, a 14 de Julho de 1802, proferiu decisão o Corregedor de Lamego António de Gouvêa Araújo Coutinho, declarando o habilitando competente para exercer funções publicas na área das letras.
Segue-se o que hoje chamaríamos o registo criminal negativo e declarações dos Juizos em que praticara, subscritas por Dr. José do Cazal Ribeiro, Desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação e Francisco Xavier Carneiro, Desembargador da Casa da Suplicação e Corregedor do Cível da Corte. Este último declarou por escrito: “Faço saber que o bacharel Manoel Borges Carneiro, de vinte e oito anos, se tem apresentado nas audiências deste Juízo há dois anos a esta parte, onde tem praticado com bom procedimento, inteligência e aceitação das partes.”
Já habilitado, concorreu ao lugar de Juiz de Fora de Viana do Alentejo, onde foi provido por decreto de 13 de Maio de 1803 e carta Régia de 14 de Junho de 1803, lugar em que foi reconduzido por decreto de 13 de Maio e 15 de Outubro de 1805 e provisão de 24 de Março de 1806, pelo período de três anos. A remuneração era muito baixa – 20$000 rs. – e ele pediu aumento para 50$000 rs. Foi-lhe concedido o aumento para 40$000 rs.
Em 30 de Novembro de 1807, na primeira invasão francesa, Junot tomou conta do País. A guarnição francesa do Alentejo era comandada pelo general Kellermann, que deu uma ordem pessoal para que Borges Carneiro fosse encarcerado no Convento de S. Francisco de Beja. Preso, escreveu ele uns “Pensamentos do Juiz de fora de Viana do Alentejo……” em verso, que não pude consultar. Inocêncio Francisco da Silva, que tem um conceito muito elevado de Borges Carneiro, acha que ele vale muito pouco como poeta; diz do livrinho: “São escriptos em versos hendecassyllabos soltos, porém taes que induzem a formar do auctor um tristíssimo conceito.” Libertado, declarado inocente, voltou a Viana, donde saiu a 18 de Junho de 1810.
As suas funções de Juiz em Viana do Alentejo estão documentadas com os “Autos de Residência”, lavrados pelo Desembargador José Francisco Fernandes Correia, para avaliar o seu desempenho, com a inquirição de 68 testemunhas. Enquanto durou o inquérito, Borges Carneiro suspendeu as suas funções e foi residir em Oriolas (Oriola de Cima e Oriola de Baixo), concelho situado a seis léguas. Provando-se que bem servira, foi-lhe passada a “certidão de residência”.
Verifica-se nesta altura uma interrupção da sua carreira de magistrado, sem que se conheça o motivo. Terminou quando, em Maio de 1812, foi nomeado provedor da comarca de Leiria.
Como habitualmente, desempenhou o cargo com rectidão a aprumo. Dedicou-se ao estudo da legislação Portuguesa, extremamente dispersa e preparou dois volumes que veio a publicar em 1916:
- Extracto das leis, avisos, provisões, assentos e editaes publicados nas côrtes de Lisboa e Rio de Janeiro, desde a epocha da partida d'El-rei nosso senhor para o Brazil em 1807 até Julho de 1816; e
- Appendice do Extracto das leis, avisos, etc., desde 1807 até Julho de 1816.
Pouco antes da publicação deste segundo livro, foi escolhido para secretário da Junta encarregada de elaborar o Código Penal Militar, criada por decreto de 27 de Maio de 1816.
A Junta tomou a iniciativa de solicitar a promoção de Borges Carneiro ao chamado Primeiro Banco. Por Alvará de 12 de Junho de 1818 foi-lhe concedido o predicamento do 1.º banco – assento no 1.º banco das Cortes e equiparação a juiz de 1.ª classe (mas as Cortes não reuniam desde 1674, no tempo de D. Pedro II).
A Junta terminou os trabalhos em 11 de Fevereiro de 1820. O Código Penal Militar foi aprovado por alvará de 7-8-1820, mas não chegou a entrar em vigor por causa da revolução.
Por carta Régia de 25 de Setembro de 1820 sobre decreto de 19 de Maio foi nomeado supranumerário Desembargador da Relação e Casa do Porto.
A REVOLUÇÃO
A situação de Portugal era precária em muitos sentidos. As invasões francesas tinham arrasado o País e reduzido a população que vivia miseravelmente. O Rei prosseguiu a sua estadia no Brasil, havendo quem defendesse que a capital do Reino Unido de Portugal, Algarve e Brasil, passasse para o Rio de Janeiro. Os Governadores do Reino prestavam vassalagem aos Generais ingleses, que (se pode dizer que) governavam o País de facto. Beresford reprimiu ferozmente a sublevação de 1817 e pôs no cadafalso o General Gomes Freire de Andrade e mais onze oficiais (os Mártires da Pátria), o que entristeceu a Nação.
Em 2 de Maio de 1820, Beresford embarcou para o Brasil onde foi pedir mais poderes a D. João VI. Não regressou a tempo. Em 24 de Agosto de 1820, foi desencadeada no Porto a Revolução liberal, encabeçada pela associação secreta chamada Sinédrio em que sobressaíam Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges e José da Silva Carvalho. Teve a adesão total de todas as classes: desde logo dos militares que não recebiam soldo, dos comerciantes, do clero e até da nobreza.
Em Lisboa, surgiu um movimento de apoio em 15 de Setembro. Tropas e representantes dos dois movimentos fundiram-se em 27 de Setembro em Alcobaça onde formaram dois organismos de cúpula, a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino e a Junta Provisional Preparatória das Cortes.
E Manuel Borges Carneiro? Sendo embora um entusiasta da revolução liberal, foi utilizado pela reacção dos Governadores do Reino. Estes tentaram primeiro controlar militarmente a situação e, não o conseguindo, decidiram convocar as Cortes pelo sistema tradicional; e nomearam Manuel Borges Carneiro como secretário da comissão encarregada de as convocar.
Beresford chegou à boca da barra a Lisboa em 10 de Outubro, mas não o deixaram desembarcar e teve de seguir para Inglaterra.
Entretanto, Borges Carneiro redigiu rapidamente o seu texto panfletário “Portugal restaurado” que teve três edições até ao final do ano. Não pôs o seu nome como autor, utilizou o pseudónimo de D.C.N. Publicola, que, segundo Inocêncio, significa “Deus connosco”. Foi-lhe depois aditando oito parábolas, que elenco na bibliografia.
De facto, até ser eleito deputado pela província da Estremadura, não encontramos uma participação activa directa na política portuguesa. Política, fê-la através dos textos que publicou. Tê-la-á feito também através da loja Maçónica a que pertencia, o Grande Oriente Lusitano, de que foi Grande Chanceler (Tese de Zília Castro, pag. 54, nota 28, citando J.S. Silva Dias). A Maçonaria era, porém, uma associação secreta e publicamente, Borges Carneiro negava que a ela pertencesse – Anexo 3. Mas a Grande Enciclopédia Luso-Brasileira reafirma: “Manuel Borges Carneiro foi mação de elevada categoria e ocupou os mais altos cargos no Grande Oriente Lusitano e no Grande Oriente Lisbonense, dissidente em 1823 do primeiro, mas em nenhum deles ascendeu ao grão-mestrado”.
Logo em 31 de Outubro de 1820, foram publicadas as instruções tendo em vista as eleições gerais para a Constituinte, feita de um modo indirecto: por cada 600 fogos, era escolhido um eleitor. Os eleitores elegiam os deputados.
Diz-se que as instruções seguiram quase à letra as de Espanha, o que explicaria a rapidez com que foram aprontadas.
As eleições realizaram-se de 10 a 27 de Dezembro daquele ano, e tendo-se apresentado 67 deputados (isto é, mais de dois terços) em Lisboa até 23 de Janeiro de 1821 seguinte, foram convocadas as Cortes para o dia seguinte.
Borges Carneiro iniciou assim a sua “carreira” de tribuno parlamentar, em que realmente sobressaiu. Deixo para depois o elenco das suas posições políticas. Sublinho aqui, no entanto, o depoimento de um italiano de visita a Portugal, Giuseppe Pecchio (ver bibliografia), que o foi ver discursar:
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Si alzò in seguito un oratore più alto di statura di Fernandez Thomas, poco rapido nel dire, ma impetuoso, quasi irrefrenabile nelle idee. Intesi allora bisbigliare nelle gallerie il nome di Borges Carneiro. Questo deputato entusiasma spesso l’uditorio, perché le sue mozioni sono sempre ardite, e secondano le passioni popolari. |
Levantou-se depois um orador de estatura mais elevada, lento no falar, mas impetuoso, irresistível nas ideias. Ouvi então bisbilhotar nas galerias o nome de Borges Carneiro. Este deputado entusiasma muitas vezes o auditório, porque as suas moções são sempre audaciosas e vão de encontro às paixões populares.
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Entretanto, no Brasil, D. João VI acompanhava, algo perplexo, o desenrolar dos acontecimentos em Portugal. Decidira que a melhor solução seria que a Família Real permanecesse no Brasil, enviando para Portugal como seu representante o príncipe D. Pedro. Tivera já, de facto, o pressentimento de que o Brasil em breve se separaria da Mãe Pátria.
A revolução do Rio de Janeiro de 26 de Fevereiro do 1821 veio transtornar esses planos. D. João VI espantou-se com o sucesso que as ideias liberais estavam a ter no Brasil. E decidiu regressar rapidamente a Portugal, com a família Real, deixando no Brasil o príncipe D. Pedro. Mandou colocar a bordo os restos mortais de sua mãe e preparou tudo para a partida, que teve lugar em 26 de Abril de 1821.
A armada que vinha do Brasil chegou a Lisboa a 3 de Julho de 1821. As Cortes elegeram uma delegação para, no dia seguinte, ir acolher a Família Real, ao mesmo tempo que apontavam como indesejáveis e proibidos de desembarcar alguns nobres da comitiva. Na delegação, estava incluído Borges Carneiro. Tudo se passou bem, o Rei fez o juramento que as Cortes lhe pediram, do teor seguinte:
Eu D. JOÃO VI, pela graça de Deus e pela constituição, rei do reino unido de Portugal, Brazil e Algarves, juro aos Santos Evangelhos manter a religião catholica apostólica romana, observar e fazer observar as bases da constituição decretada pelas cortes geraes, extraordinárias e constituintes da nação portuguesa, e a constituição que elas fizerem, e ser em tudo fiel à mesma nação.
Entretanto, as Cortes Gerais prosseguiam a discussão da Constituição, enquanto o Governo procedia a reformas profundas do quadro jurídico português: foram extintas a Inquisição, a intendência geral de polícia, o tribunal da inconfidência, a mesa da consciência e ordens, o desembargo do paço, a tortura, os direitos banais e as coutadas, os privilégios de foro especial e de aposentadoria; tomaram-se providências em relação à Universidade de Coimbra, à Companhia dos vinhos do Alto Douro, e à agricultura em geral, etc.
Terminou a redacção e votação da Constituição da Monarquia, subscrita pelos Deputados em 23 de Setembro de 1822, e foi jurada por D. João VI no dia 1 de Outubro seguinte.
Já se tinham realizado, entretanto, novas eleições gerais em 18 de Agosto de 1822, agora para as Cortes ordinárias, com base na Carta de Lei 11 de Julho de 1822, que as havia regulamentado.
Manuel Borges Carneiro foi eleito deputado ordinário pelos círculos de Leiria, Lisboa, Setúbal e Tomar e como substituto, pelos de Coimbra (5.º suplente) e Viseu (2.º suplente). Optou por representar o círculo de Lisboa.
Abriram as novas Cortes em 15 de Novembro e logo a 19, sofrem uma perda de vulto com a morte de Manuel Fernandes Tomás, o maior exponente da revolução liberal. Teve exéquias oficiais e as Cortes decretaram o pagamento de uma pensão anual vitalícia à viúva e a cada um de seus dois filhos.
Um problema político de muito maior importância do que na altura se pensou, foi que a Rainha Carlota Joaquina não quis jurar a Constituição, porque “decidira nunca jurar na sua vida”. A Rainha foi convidada a sair do País, mas depois limitou-se a retirar-se do Paço da Bemposta para o Ramalhão, dizendo estar doente e apresentando atestados de 10 médicos. O governo declarou a Rainha privada dos seus direitos civis e políticos e insistia pela saída de Portugal, logo que possível. Esta atitude deixou certamente nela ressentimentos que mais tarde vieram ao de cima.
Em 11 de Dezembro de 1822, um grupo de cinco deputados encabeçado por José Acúrsio das Neves pediu às Cortes que fosse revista a situação da Rainha, e que fosse “posta em liberdade”. Borges Carneiro encabeçou a comissão de cinco deputados que deram parecer sobre o caso em 9 de Dezembro seguinte. A proposta e o parecer foram discutidos após agitado debate, sendo aprovada a manutenção do status quo.
No Brasil, D. Pedro havia proclamado unilateralmente a independência com o célebre grito do Ipiranga em 7 de Setembro de 1822: “Independência ou Morte!”
No início de 1823, escreveu Borges Carneiro dois pequenos textos que publicou no jornal oficial da altura, que são importantes para conhecer o seu pensamento político:
- Carta a S. Magestade Luiz XVIII, no Diário do Governo de Terça-feira, 18 de Fevereiro de 1823, pag. 326-328, Anexo 1
- Aos Portugueses, no Diário do Governo de Quarta-feira, 12 de Março de 1823, pags. 507-508., Anexo 2.
Havia agitação no País. As Cortes Ordinárias fecharam nos termos legais em 31 de Março, mas logo em 18 de Abril o Governo dirigia um ofício à Deputação permanente para ser convocada uma sessão extraordinária para discussão de diversas leis. A convocação foi feita para o dia 15 de Maio. Mas poucos dias depois, deu-se a Vilafrancada. Esta começou com o apoio de forças militares ao príncipe D. Miguel, seguida da intervenção de D. João VI, que quis dominar o filho. No meio disto, as Cortes não tinham condições para prosseguir e realizaram a última sessão em 2 de Junho de 1823, com uma declaração de protesto dizendo “que, estando destituídos de poder executivo, desamparados da força armada, não podiam continuar o seu mandato; e a sua persistência seria inútil à nação e interrompiam as suas sessões até que a deputação permanente o julgasse conveniente, protestando em nome de seus constituintes, contra qualquer alteração ou modificação na constituição de 1822.”
Manuel Borges Carneiro foi mandado sair para Resende (ordem da intendência geral da Policia, publicitada a 10 de Julho, mas certamente do início de Junho, já que a passagem de Borges Carneiro por Coimbra foi assinalada pela Gazeta de Lisboa de 14 de Junho – Anexo 3). Foi depois demitido de desembargador da relação e casa do Porto por decreto de 17 de Julho.
Foi certamente durante este exílio em Resende que Borges Carneiro escreveu o seu livro Direito Civil de Portugal, cujos primeiros três volumes foram publicados entre 1826 e 1828.
A situação política mudou de novo com o falecimento de D. João VI a 10 de Março de 1826. Ficou Regente a Infanta D. Isabel Maria.
Do Brasil, D. Pedro IV repôs o regime constitucional. A Carta Constitucional foi outorgada por Decreto de D. Pedro de 29 de Abril de 1826 e jurada pela Infanta Regente a 31 de Julho.
O Decreto com a regulamentação das eleições foi assinado pela Regente a 7 de Agosto de 1826.
As eleições realizaram-se em 8 e 17 de Outubro de 1826. Manuel Borges Carneiro foi eleito pela Região da Beira. A 16 de Outubro, um Alvará da Infanta restituiu-lhe o cargo de Desembargador da Relação do Porto.
As Cortes reuniram pela primeira vez a 30 de Outubro.
Havia agora uma 2.ª Câmara – Câmara dos Pares – e censura prévia.
O País estava já praticamente em regime de guerra civil.
No entanto, ainda em 14 de Dezembro de 1827, Borges Carneiro foi nomeado Desembargador ordinário da Casa da Suplicação.
A 26 de Fevereiro de 1828, D. Miguel, como Regente em nome de sua sobrinha e (então) noiva, D. Maria II, jurou perante as Cortes a Carta Constitucional. Mas, pouco depois, a 13 de Março, dissolveu a Câmara dos Deputados.
Começou então o calvário de Borges Carneiro. Foi demitido do lugar de Desembargador da Casa da Suplicação e da Magistratura. A 25 de Agosto de 1828, foi preso no Rossio e ficou incomunicável na cadeia da cidade. A 30 de Agosto foi conduzido para a Torre de S. Julião da Barra, onde ficou até à morte; nunca lhe foi instaurado qualquer processo!...
Valeu-lhe um pouco a fidelidade de um seu criado, Manuel Luis, que fez tudo o que estava ao seu alcance para aliviar o sofrimento do seu patrão e amigo.
Em Resende, foi presa e levada para a cadeia de Lamego onde ficou quatro anos, sua irmã mais nova, D. Mariana Raquel de Melo, apenas culpada de ser irmã de Borges Carneiro. Também a ela não foi instaurado qualquer processo.
À beira da libertação de Lisboa pelos liberais, sobreveio na prisão uma epidemia de cólera que atingiu também Borges Carneiro a 30 de Junho de 1833, vindo a falecer a 4 de Julho seguinte.
AS IDEIAS POLÍTICAS
Na sua extensa e muito bem elaborada tese de doutoramento, Zília Osório de Castro, expõe com detalhe as posições políticas defendidas por Borges Carneiro nas Cortes Gerais Extraordinárias, o Parlamento liberal.
Não vou (aliás, seria praticamente impossível) explanar aqui todas as posições que ele tomou na Assembleia Constituinte, mas apenas as mais relevantes.
Desde o tempo do Marquês de Pombal fora introduzida nos estudos de Direito, em Coimbra, a cadeira de Direito Natural e das Gentes, onde se ensinava que o poder parte dos indivíduos e da própria sociedade e que os cidadãos não eram por natureza tutelados por um qualquer soberano. O Rei não era senhor do seu povo, o povo é que aclamava o seu Rei. Esta fora a doutrina que havia corrido em Portugal na Revolução de 1640, e Borges Carneiro cita nesse sentido (a pgs. 25, nota, do Portugal Restaurado) João Pinto Ribeiro:
"Está nos povos a eleição e criação dos seus reis e nela contratam com eles haverem-nos de administrar em sua conservação e utilidade. Todas as vezes que os reis lhes faltam com a obrigação do ofício que lhes deram de defensores e conservadores da República, os podem remover como pessoas que faltam à condição do seu contrato e ficam os vassalos desobrigados de lhes obedecer, ou acudir ao seu serviço, e lhe podem, como a tiranos, negar a obediência."
Usurpação, retenção e restauração de Portugal, João Pinto Ribeiro – Lisboa, 1642, Roma, 1646.
Apesar de tudo, Borges Carneiro defendeu D. João VI, até quando ele cedeu um pouco às manias conspirativas da Rainha Carlota Joaquina. Defendeu também D. Pedro IV, a quem dedicou o seu livro “Direito Civil de Portugal”, apesar de reprovar o papel que este desempenhou na separação e independência do Brasil.
A Constituição de 1822 é verdadeiramente revolucionária em muitos sentidos, mas até conservadora noutros. Lá está no art.º 25.º:
A Religião da Nação Portuguesa é a Católica Apostólica Romana. Permite-se contudo aos estrangeiros o exercício particular de seus respectivos cultos.
A justificação era que a Religião Católica era a religião da maioria em Portugal.
Por isso, Borges Carneiro não atacava a Religião Católica. Como diz a Prof. Zília de Castro, “Nunca o deputado vintista atacou propriamente a religião, mas apenas o mau uso que dela se tinha feito “ (pags. 684.).
Assim a Constituição de 1822, seguiu a tradição de se considerar a Religião Católica como religião de Estado.
A participação de Borges Carneiro nos trabalhos da Assembleia Constituinte foi muito extensa e a sua presença e intervenção particularmente assídua.
Para compreender o sentido dos votos que exprimiu, devemos saber antes que naquela Assembleia não havia disciplina partidária, o que dava mais liberdade ao voto individual. Também não havia abstenções, o que obrigava a tomar posição sobre todos os assuntos; poderia defender-se posição contrária à da maioria ou também votar com a maioria mesmo sem concordar totalmente (voto útil).
Refere a Prof. Zília de Castro que Borges Carneiro em cerca de oitenta por cento das resoluções votadas evidenciou a sua concordância com a maioria e votou de conformidade. Entre 21 casos sujeitos a votação nominal, distinguiu ela seis, em que Borges Carneiro votou com a minoria vencida:
1 - Forma de eleição – As eleições deveriam ser directas ou indirectas? Borges Carneiro (BC) defendeu as eleições indirectas e assim votou, ficando vencido.
2 - Critério da maioria –A eleição dos deputados teria de ser por maioria absoluta ou bastaria a maioria relativa? BC defendia a maioria relativa e assim votou, ficando vencido.
3 - Suspensão do habeas corpus – Em casos especiais, deveriam poder efectuar-se prisões sem as formalidades habituais. Depois alguém propôs que essa suspensão do Habeas Corpus fosse decidida por uma maioria de dois terços. Outra especificação queria na Constituição o elenco dos casos em que tal havia de ser possível. BC foi contra as duas emendas, mas ficou vencido. Casos que afastariam o Habeas Corpus: rebelião declarada, invasão inimiga, traição. BC tendo votado contra a emenda, preferia agora o termo "conspiração". Mas foi vencido.
4 - Nomeação dos conselheiros de Estado. Foi decidido que não eram perpétuos, mas amovíveis; BC propôs que servissem 2 anos, mas a maioria votou 4 anos.
5 - Situação do Príncipe D. Pedro - Borges Carneiro preferia (sessão de 27-6-1822) que se decretasse o regresso do Príncipe à Europa e que fosse censurado o comportamento deste em relação às Cortes. O Presidente fez votar a proposição seguinte: "Se o Príncipe Real há-de voltar já, ou há-de continuar a governar as províncias do Brasil que actualmente lhe obedecem até à publicação do acto adicional à Constituição?" Continua o Diário das Cortes: "Decidiu-se que esta votação fosse nominal, dando voto de sim aqueles deputados que aprovassem a 1.ª parte da alternativa; e de não aqueles que, reprovando a 1.ª, aprovassem a segunda parte. Tomados, e contados os votos, foi esta segunda parte aprovada por 64 votos contra 47". Borges Carneiro votou com a minoria e ficou vencido.
6 - Voto na questão dos forais – Os forais deveriam ser extintos ou apenas reformados? BC com mais 14 deputados fizeram uma declaração de voto em que disseram ter preferido a extinção completa dos forais, sendo vencidos pela maioria.
Borges Carneiro defendeu sempre que não deveria existir uma segunda Câmara (Câmara dos Pares). Já na questão do veto suspensivo, acabou por ceder ele que inicialmente era contra a existência de qualquer poder de veto do Rei.
Já a existência da segunda câmara foi rejeitada por unanimidade.
Tanto a segunda câmara como o veto suspensivo do Rei subalternizariam o papel da Câmara dos Deputados.
Rejeitadas a inexistência de veto e o veto absoluto, foi aprovada por maioria a existência de veto suspensivo na forma a determinar pela Constituição. Mais uma vez BC acompanhou a maioria com um voto útil com que não concordava, preferindo no fundo a inexistência de veto.
Outro voto útil de BC foi também o estabelecimento dos juízes de factos (jurados); votou com a maioria a favor do Tribunal do Júri, apesar das naturais reservas que tinha, como magistrado que era.
Outra luta que BC travou foi a da defesa da plena liberdade de imprensa, com inexistência de censura prévia. É a lei que deve reprimir os abusos.
Muito complexa era também a questão brasileira, com o Príncipe D. Pedro a conspirar para ser Imperador do Brasil independente, como de facto o foi. Borges Carneiro defendeu neste caso, pontos de vista que depois se revelaram irrealistas: tudo fazer no sentido de impedir a independência e a separação da mãe pátria, defender o envio de tropas para repor a ordem, supremacia da metrópole no governo do Reino Unido.
OS OPOSITORES EXCELENTES
Os maiores ataques à revolução liberal chegaram por via da oposição de figuras gradas da sociedade portuguesa que confrontaram o novo regime.
Os primeiros foram os diplomatas portugueses sediados no estrangeiro, em geral, membros da nobreza, declaradamente hostis ao regime constitucional e que tudo faziam para o prejudicar. Essa atitude levou-os a negar passaportes aos navios e às pessoas que se dirigiam para Portugal. Houve longas discussões na Assembleia Constituinte sobre o modo como deveriam ser punidos esses diplomatas, tendo vencido o ponto de vista moderado que se limitava a considerar hostil a atitude deles e passível de censura grave. De facto, não poderia ser considerada crime, por não existir nas leis do reino.
O segundo caso foi o do Patriarca D. Carlos da Cunha que se recusou a acatar e jurar as Bases da Constituição, também em oposição frontal ao regime constitucional. Também este caso foi longamente discutido nas Cortes, dizendo uns que era crime, outros que traição, outros que acto hostil. Foi votado por maioria (incluindo o voto de Borges Carneiro) que se deveria emitir decreto estabelecendo que todo o indivíduo que se recusasse a jurar as Bases da Constituição perderia a nacionalidade portuguesa e deveria ser expulso do Reino. Isso mesmo foi aplicado ao Cardeal.
O terceiro caso e bem mais grave, foi o da Rainha D. Carlota Joaquina que se negou a jurar a Constituição, alegando que decidira nunca jurar na vida. Contra ela emitiram as Cortes em 4 de Dezembro de 1822, dois decretos (Anexo 4) em que retiravam à rainha a cidadania portuguesa e a realeza e a expulsavam do reino; no segundo diploma, adiavam a aplicação das medidas do primeiro, por motivo da saúde dela, atestada por dez médicos.
A questão foi depois para as Cortes, que nomearam uma comissão para se pronunciar sobre o assunto a qual emitiu parecer datado de 9 de Dezembro (Anexo 5). Já o parecer estava pronto, um grupo de cinco deputados, encabeçado por José Acúrsio das Neves, apresentou com data de 11 de Dezembro uma Indicação, em que se fazia uma defesa incisiva da Rainha e a condenação do procedimentos das Cortes (Clemente José dos Santos, ob. cit., pags. 511-513) A Comissão juntou então um aditamento ao Parecer a que chamou Post Scriptum datado de 13 de Dezembro, diz-se que totalmente redigido por Borges Carneiro (ibidem, pags. 513-516). Seguiram-se longas discussões, de que não resultou grande coisa (ibidem, pags. 516-571). A Rainha ficou no Ramalhão (Sintra), mas alternava a estadia com visitas a Lisboa.
O HOMEM
Quem foi Manuel Borges Carneiro? Sem dúvida, um homem bom, recto de carácter, amigo dos seus semelhantes. Era inteligente, de raciocínio veloz, embora “exaltado”, como o chamaram no seu tempo.
Assim o definiu o sensato Marquês de Fronteira e Alorna, José Trazimundo Mascarenhas Barreto nas suas Memórias: “Entre os membros da deputação iam os mais exaltados deputados da Camara, entre elles, o bom, honrado e excellente Desembargador Borges Carneiro, chefe do partido exaltado, o qual, apesar da sua honradez, tinha as ideias mais perigosas e absurdas em politica. “ e ainda:
“Borges Carneiro, o chefe do partido exaltado naquela época, dotado da maior probidade e honradez e com muito talento, era partidário das reformas e denunciava os abusos da administração e do Poder Judicial, a que ele pertencia, mostrando grandes desejos duma reforma radical nas Ordens religiosas, propondo várias medidas, a respeito de dízimos e morgados, mas respeitando, com tudo, os direitos adquiridos e sem querer fazer o menor sangue, deixando ver em suas propostas o bem formado do seu coração.
Os deputados que o seguiam partilhavam em tudo das ideias do chefe e a maioria ilustrada da Câmara mostrava a maior prudência e tacto com uma grande ilustração.
Nunca houve em Portugal representação nacional mais patriótica e honrada do que a das Cortes daquela época, tanto na Assembleia Constituinte, como na Legislativa. É para lastimar que a influência dos nossos vizinhos espanhóis e a das sociedades secretas fizessem votar uma constituição que tão pouco convinha aos costumes nacionais."
A sua biografia tem alguns pontos obscuros que será difícil hoje desvendar. Nunca casou nem lhe são conhecidas paixões por mulheres e não sabemos porquê – deverá haver uma razão.
Na sessão de 22 de Abril de 1822, opôs-se Borges Carneiro à proposta de Borges de Barros que queria o direito de voto para as mulheres que tivessem mais de cinco filhos legítimos, dizendo que as mulheres eram incapazes de exercer direitos políticos; e citava o Apóstolo S. Paulo (1.ª Ep. aos Coríntios, cap. 14, vers. 34): Mulieres in ecclesiis taceant, non enim permittitur eis loqui, sed subditas esse, sicut et lex dicit.
Um detractor diz que ele estivera internado no Hospital de S. José com os doidos e não sabemos se é verdade que ele havia tido doenças do foro mental, já que não é possível confirmá-lo. Mas há, de facto, na sua vida, dois hiatos, dos 20 aos 23 anos e dos 36 aos 38 anos, em que não sabemos por onde andou.
Foi um grande tribuno do Parlamento liberal, sem dúvida o maior, depois de Manuel Fernandes Tomás, precocemente falecido.
Uma parte apreciável dos seis volumes do Diário das Cortes de 1820 a 1822, está preenchida com os seus discursos. Tinha opinião sobre tudo e as galerias adoravam ouvi-lo.
Como todos os jurisconsultos do seu tempo e ainda a maior parte dos de hoje, acreditava que o Direito se resume à Lei, embora baseados no sumo princípio de direito natural: Todos os homens nascem livres e iguais perante a Lei. Esqueciam-se depois que a lei é feita por homens que também erram e… quanto!
Temos de concordar que Manuel Borges Carneiro, diga-se o que se disser, foi um mártir da liberdade.
Diário do Governo de 18-2-1823, pag. 326-328
Carta a S. Magestade Luiz XVIII
Sire: A fala que V. Magestade acaba de dirigir ao parlamento, trata da Espanha por um modo que interessa também a Portugal, que agora corre com ela os mesmos interesses e o mesmo perigo. Permiti, pois, Senhor, a quem não é mais que simples cidadão português escrever uma vez a um Rei. Eu compreenderei Portugal na denominação da Espanha, como vossas intenções e as de vossos companheiros o compreendem.
“Tenho feito (dizeis vós) todos os esforços para livrar a Espanha do último grau do infortúnio. A cegueira porém com que foram recusadas as proposições feitas ao Gabinete de Madrid, deixa pouca esperanças de paz.”
Mui sensível será por certo a Espanha à filantropia com que lhe comprazeis; porém, mostrastes vós, e vossa corte, e vossos santos companheiros, o mesmo interesse por ela, quando Carlos IV e o seu infame Ministro a aviltava com todo o género de baixezas, a empobrecia com a mais brutal administração, a vendia por fim em Fontainebleau? Quando palacianos dissolutos transtornavam em Portugal toda a ordem da justiça, e só lhe deixavam olhos para chorar? Desaprovastes vós a conduta de Fernando VII quando, derribada no ano 14 pela força com ingratidão e perjúrio inaudito a Constituição que o salvara do cativeiro, tiranizava por seis anos o povo seu libertador; levava aos cadafalsos e às calcetas os mais ilustres defensores da pátria; e forcejava por aviltar e empobrecer a nação ilustrada e valorosa, que a ele e a vós havia livrado de um senhorio opressor? Tratou então essa congregação de santos de conter o desaconselhado Rei na carreira da tirania? Tem ela jamais recomendado aos Reis que cuidem de reger os povos pelos ditames da justiça eterna em lugar da monstruosa em lugar da monstruosa arbitrariedade e de paixões vergonhosas? pelas Cortes e parlamentos em lugar de áulicos corruptos? pelas antigas Constituições dos Estados, em lugar de camarilha, inquisições e fanatismo? Não. Pelo contrário, vós publicastes então que o que chamais princípio monárquico se achava em toda a sua beleza e pureza: e quando povos oprimidos por governos tão degenerados buscavam chamá-los ao exercício da razão, e de suas antigas instituições, vos coligastes contra eles tratando-os como anarquistas e carbonários. Como pois poderá hoje a Espanha crer que vos interessais por ela? Pelo contrário, só crerá que vos interessais pela manutenção do despotismo dos Reis e dos palacianos, e que o Gabinete Francês não pode ver escapar-lhe aquele espírito de influência e dominação que sobre a mesma Espanha exercitou desde Luis XIV, e que o mesmo Napoleão proclamou, inculcando a sua nova dinastia vacilante no trono de França, enquanto o Governo Espanhol não fosse semelhante ao seu.
Porém vejamos, Senhor, pelo remédio que aplicais à nossa cegueira, que espécie de amor é essa que assim vos abraça para tirar da ruína o belo país da Espanha. “Cem mil Franceses (dizeis) estão a ponto de marchar invocando o Deus de S. Luis, para que se digne conservar o trono de Espanha a um descendente de Henrique IV.” Cem mil Franceses vão marchar em nome de Deus de S. Luis. Dizei-nos, Senhor, quem seja esse Deus; pois o que adoramos é Deus de paz; é, pela sua moderação modelo de Legisladores; e não deixa cair fogo do Céu sobre os Samaritanos ingratos. Se pois enviais em nome de Deus cem mil baionetas a trucidar povos pacíficos que a ninguém ofendem, e cujo único delito é quererem restabelecer e reformar suas instituições políticas para se livrarem das desgraças, com que há tantos anos são vexados pelo despotismo de seus Reis, nós em nome de um Deus mais justo, rebateremos a mais injusta agressão. Se o Deus de S. Luis protege o mais violento insulto feito à razão humana e no direito público por que se regem as nações, o Deus de Afonso Henriques e de S. Fernando confundirá por uma vez os hipócritas, e aniquilará os déspotas coligados sob a máscara da paz contra as liberdades do mundo. “Tenho feito (dizeis) todos os esforços para livrar a Espanha do último grau de infortúnio. A cegueira com que recusou minhas proposições, deixa poucas esperanças de paz. Meu único objecto é conquistar a paz, que o estado actual da Espanha tornaria impossível. Falai, Senhor, sincera e verdadeiramente como convém à majestade. A Europa tem presenciado o contrário de tudo isto. Deste modo, Napoleão, sob pretexto de conquistar a paz, acendia a guerra em toda a Europa. Nenhumas proposições hão sido feitas á Espanha, nem uma potência independente pode reconhecer o direito de se lhe fazerem relativas às suas instituições domésticas. Não nos faleis de paz, quando o vosso Governo tem posto em acção todos os meios pecuniários e militares para acender entre nós uma guerra fratricida. Dizei antes, que a inveja de uma regeneração tão pacífica irritou os inimigos da paz e das felicidades públicas; dizei que, esgotados já os recursos da intriga e da manhosa política, recorreis ao último tribunal dos Reis, os canhões e as baionetas: hæc ultima Regum ratio. E pois, os Peninsulares amam a paz; e não temem a guerra: é deles antiga Lei não sofrer mando estrangeiro; por eles caiu em terra o colossal poder de Napoleão e cairá agora o dos que se têm declarado hostis a todas as nações. A Europa será convulsa e convém que o seja. Tamanho atentado pesará gravemente sobre vossa cabeça e sobre as dos hipócritas que vos rodeiam, mirrará vossas cãs, e vos levará ao sepulcro cheio de amarguras. Não se pode provocar impunemente o leão de Espanha.
“Marcham cem mil homens para que Deus se digne conservar o trono de Espanha a um descendente de Henrique IV.”
Pois quê? a Constituição de Espanha não conserva assaz o trono de Fernando VII, apesar de suas ingratidões para com aquele nobre povo? Não está garantida no pacto fundamental a sua mais segura inviolabilidade? Poderá ele desejar disso uma prova mais forte que o dia 7 de Julho, quando animava uma facção para subverter a mesma Constituição que lhe segura o trono? Contudo, vós, Senhor, julgais que a marcha do Duque de Angoulème para Madrid é mais seguro meio para conservar o trono ao descendente de Henrique IV. Assim a marcha do Duque de Brunswik para Paris conservou o trono a vosso desditoso irmão? E a quem inculpará a posteridade como causa desta catástrofe? Quais as consequências dela? Ou pensais vós que a Espanha em um momento de perplexidade e de agitação se exporia a ser outra vez tiranizada por Fernando absoluto, Fernando sem Constituição?
Porém vós não excluis a ideia de Constituição. “Uma vez (dizeis) que Fernando VII se ache em liberdade para dar uma Constituição aos seus povos, que só dele a podem obter…, naquele momento cessarão as hostilidades; na vossa presença, senhores, faço esta solene promessa.”
Deixai, Senhor, aos Diplomatas frases anfibiológicas. Se dissésseis: “Uma vez que Fernando VII tenha dado uma Constituição aos seus povos, e estes a aceitarem”, embora se julgaria que tínheis exprimido uma ideia; mas dizeis: “uma vez que se ache em liberdade para dar a Constituição”, que entendeis vós por esta expressão? Ir-se para Baiona, ser conduzido por uma esquadra do mediterrâneo a Génova, e dali à companhia dos santos aliados? Nesse caso, poderá a Espanha crer e esperar que lhe dará nova Constituição aquele que, ao regressar do seu cativeiro, no momento de sentir as emoções da gratidão, quebrou a fé jurada, derribou a Constituição que o salvara, e se converteu por seis anos em implacável inimigo do povo seu libertador? aquele que à simples aragem de sucesso enganava em 7 de Julho a todos os partidos e fazia gritar neto, neto, absoluto, absoluto? Então a vossa solene promessa se cumpriria tanto como as que Fernando de Nápoles, e Frederico de Prússia fizeram aos seus povos quando deles precisavam.
Em 1812 o vosso santo companheiro Alexandre reconhecia por um tratado solene a Constituição de Espanha: a Rainha Carlota a enchia de louvores lá desde o novo mundo: passou o perigo; vós todos a declarastes anárquica, e aquela Senhora deixa-se expatriar antes que jurá-la. Como pois se fiarão os povos em Reis absolutos? .Essa mesquinha carta que tanto sangue custou à França, e tão poucas liberdades lhe deixou, vós fazeis quanto podeis para a ir minguando até que desapareça de todo. Oh! Cega ambição de dominar sem o freio da Lei, e de dar livre carreira ao ímpeto das paixões! Em a nota de um dos vossos co-aliados é inculpada a Espanha, porque seu Rei não tem actualmente liberdade de fazer em tudo sua vontade. Não tem, é verdade. Pois quê? Deverão os Reis ser livres em satisfazer suas vontades vãs e caprichosas, e em governar a seu sabor os povos? Será o ofício de Rei o único que não tem regimento algum? As Constituições não são, Senhor, coisa nova. Elas são antigas, o despotismo só, é moderno. Segundo as antigas Cortes de Espanha, não eram seus Reis invioláveis; elas os depunham se não governassem bem: si no, no. Em Portugal elas faziam os Reis e as leis, quem vos fecistis Regem, faciamus leges. Com o andar dos tempos, os Reis sopearam as Cortes, e em lugar delas, tiveram ao seu lado homens perversos, cúmplices de seus caprichos, com os quais reduziram este belo País ao aviltamento e à miséria. Como pois, Senhor, pretendeis hoje enganar a Espanha para não ter Constituição, nem poder reformar suas instituições, que outro tanto vale o prometer-lhe que Fernando lhe dará quando se achar em liberdade para lha dar? Falai-nos da liberdade do nosso amado Rei o Sr. D. João VI: ele goza de toda a que pode desejar no seio dos seus súbditos, e se a santa aliança lhe dissesse que dê uma Constituição aos Portugueses, responderia que lhes dá a que actualmente têm, como a mais adequada à felicidade do Rei e do povo. Aprendei, Senhor, deste Rei sábio, e vede no amor que os Portugueses lhe dedicam a bênção do Deus de Afonso I, e a felicidade do neto de João IV.
Dizeis vós que a França, depois de liquidadas todas as despesas, inclusivamente as que tornaram indispensáveis os preparativos militares, (só indispensáveis no cálculo da intriga), tem um acréscimo disponível de 40 milhões e acrescentais “que a França devia à Europa o exemplo de uma prosperidade que as nações só podem conseguir pelo restabelecimento da Religião e da legitimidade.” “A prosperidade actual da França proveio do restabelecimento da Religião”. Convenho ; mas porque a não houve quando a dominava e oprimia a aristocracia sacerdotal? Quando numerosos exércitos de frades e clérigos devoravam as classes produtoras? Não confundais pois a Religião pura e santa com o fanatismo e hipocrisia: a primeira é essencial à prosperidade das nações; estes só são favoráveis aos déspotas. É o despotismo tão irracional e brutal que jamais se pode manter no mundo sem se apoiar nas trevas da superstição e na aristocracia dos sacerdotes. “Proveio a actual prosperidade da França no restabelecimento da legitimidade.” Assim será; mas porque não existiu essa prosperidade enquanto Corte não emigrou das Tulherias? Enquanto revolução não reduziu as classes devoradoras de toda a indústria, repartiu os terrenos nacionais, formou novos códigos, aboliu intoleráveis privilégios, e reformou por toda a parte as instituições sociais? Logo a actual prosperidade da França se deve não à legitimidade, mas à ausência de legitimidade. Não atribuais ao despotismo a virtude de prosperar, vivificar: ele só tem a de secar, aniquilar; na Suécia, segundo vós, não há legitimidade, mas filiação da revolução, e contudo sabemos que regem ali as leis e a justiça. Não entendais, Senhor, por isto que nós aborrecemos a legitimidade: ela é solenemente garantida nas duas Constituições peninsulares. Os Portugueses sempre estiveram e estão hoje mui ufanos com a dinastia de Bragança. Porém, os Reis só têm legitimidade enquanto mantêm as Constituições por que reinam. Se as quebram, se para se desfazerem delas vão reorganizando completamente o clero, serão arremessados pelos povos como a cana agitada pelo vento.
Respeite, V. Magestade a Constituição de França, para que o Deus de S. Luis o guarde; e não atente contra a nossa, para que o Deus de Afonso o não castigue. Lisboa, 13 de Fevereiro de 1823. De V. Magestade venerador mui reverente, Manuel Borges Carneiro.
Diário do Governo de Quarta-Feira, 12 de Março de 1823, pags. 507-508
Aos Portugueses
Ontem (*) o Ministro da Justiça veio às Cortes por ordem de El-Rei anunciar que um partido capitaneado pelo Conde de Amarante acabava de arvorar em Vila Real o estandarte da rebelião, levantando o grito de morra a Constituição e os seus sectários: Portugueses, vós que me escolhestes para um dos vossos representantes, e que por muitos modos me haveis honrado com o testemunho da vossa confiança, não vos dedigneis de que eu fale nesta ocasião àqueles de entre vós que correm risco de se deixarem iludir, especialmente nas províncias do reino.
Vivem entre nós inimigos irreconciliáveis de nossas novas instituições, uns porque são feridos ou ameaçados no gozo de seus monstruosos privilégios, no uso pacífico de viverem em ociosa abundância à custa das rendas nacionais; de sopearem arrogantemente seus concidadãos; de servirem arbitraria e impunemente seus empregos; outros, portugueses e estrangeiros, porque se venderam ao partido estrangeiro, emissários de uma facção aristocrática radicada na França e apoiada na coligação de alguns déspotas, a qual quer jogar os últimos dados para destruir a carta daquele Reino e as Constituições de todos os países, a fim de restabelecer na Europa o poder absoluto de um só, principiando a contra-revolução na península.
Não é já possível perecer a causa Constitucional, demasiadamente justificada pelo anterior procedimento dos déspotas; assaz se conheceu não convir às nações ser governadas pelo arbítrio de validos desmoralizados e egoístas em vez de homens probos, eleitos pelo povo. Podem com tudo isto ainda aqueles inimigos da felicidade pública extraviar os incautos e acarretar à pátria calamidades momentâneas. Para os extraviarem, cobertos com o escudo da mesma Constituição que desejam derribar, espalham por escrito e palavra e principalmente por uma enxurrada de periódicos incendiários, doutrinas subversivas; alteram todos os factos; exageram todas as notícias, acumulam todas as calúnias; denigrem todas as reputações; e preparam assim o caminho ao grito da rebelião; outros, como Zurriago em Espanha, debaixo das vestes da liberdade, incitam à desunião e anarquia, e fazem revoltar o povo cego contra instituições que são todas em favor dele.
Conhecei pois as pérfidas tramas destes sedutores. Seus discursos e escritos tendem a desacreditar as Cortes, para lhes fazer perder a força moral. Mas quem desejará o vosso verdadeiro bem, aqueles que por seus vícios, egoísmo e arbitrariedades, reduziram Portugal a tamanha desgraça, ou os que vós mesmos elegestes para a remediar por instituições e leis capazes de vos fazer felizes? Não escolhestes vós os que mais mereceram vossa confiança? Não estamos nós continuamente ocupados dos meios da prosperidade geral? Não se governam assim os países da Europa que têm chegado à maior felicidade? Assim se governavam também nossos maiores quando levantaram este reino glorioso; então eram tudo as Cortes e os Reis, nada os Validos e os Cortesãos. Erigiu-se depois o despotismo, e esmagou a glória nacional. Assim recobrou a França sua antiga prosperidade, nós a temos imitado, sem seguirmos os excessos da sua revolução.
Pretendem desacreditar o governo. Porquê? Porque é liberal identificado com a causa da Constituição, e está com isso fechada a porta a suas pérfidas maquinações? Quantos ataques dirigiram contra a nomeação do actual Ministro da Guerra, ainda depois que as Cortes declararam nada haver nela de inconstitucional? Porque naquela repartição mais que em outra lhes era nocivo um homem superior a todas as seduções. Quaisquer providências que o Governo dê, são caluniadas: tudo o que faz ou deixa de fazer. Terá havido defeitos. Qual o Governo que não os tenha, principalmente em uma carreira nova? Como se poderá sem inconvenientes fazer reformas, radicar instituições que ofendem as instituições e os interesses de muitos? Como prevenir totalmente a reacção que deve resultar da colisão de leis velhas e novas, de hábitos inveterados, que só tempo pode apagar?
Dizem-vos que as nações estrangeiras estão coligadas contra nós, e que não há meios de defesa. Sim, falam-vos em tudo a linguagem dos déspotas estrangeiros. São estes, não as nações, que invejam a nossa felicidade nascente: são estes os que se opõem ao progresso do Sistema Constitucional, desejado hoje por toda a Europa, porque querem governar a seu livre arbítrio sem o freio da razão e da lei. Para isso nos enviam continuamente seus emissários e seu ouro corruptor. A guerra é com eles, não com as nações; essas louvam nossa nobre empresa, e hão-de auxiliá-la. Nossa luta é com os Reis despóticos: ou hão-de admitir Cortes, como houve na antiguidade, ou acabar; já não há meio termo. Feliz o nosso amado Rei, que conheceu a grande verdade que a causa das nações é inseparável da causa dos Reis: debalde espalham aqueles sedutores que ele está coacto e cativo, e que sua vontade é voltar ao primeiro estado quando era sempre enganado por homens corruptos, inimigos da felicidade pública, e só amigos da rua.
Dizem-vos finalmente que se ofende a Religião de nossos pais. Eles são os que perverteram, tirando aos Bispos e Párocos a autoridade que tinham por divina instituição; reduzindo à penúria a maior parte destes e das suas igrejas; devorando os dízimos para manter luxos e vaidades; assoalhando em lugar das santas doutrinas evangélicas, doutrinas de soberba e avareza desconhecidas na igreja antes do Século XII. Fechai pois os ouvidos a estas seduções, das quais só vos podem vir desgraças. Não ensanguenteis a regeneração imaculada, que se tornou admirável na história humana. Somente a Constituição que jurámos pode restaurar nossa antiga glória e felicidade. Ela vai seguindo o caminho, que necessariamente deve seguir: é uma árvore que produzirá com o tempo frutos sazonados. Não os podemos colher sem tempo e sacrifícios. Não se curam doenças inveteradas sem remédios lentos e incómodos ao doente.
Tenho devido a muitos de entre vós o reconhecimento de que não falo senão pela verdade e pelo bem geral, e nisso me fazeis justiça; pois nada mais espero nem desejo da causa constitucional: o pouco de que preciso para a vida, o tenho de minha casa. Crede-me pois também hoje, que só vos falo pelo que é bem. A imensa maioria da nação, o valor dos nossos leais Militares que desde o princípio sustentam a santa causa da pátria, a energia das Cortes e do governo, sufocaram à nascença as sementes da guerra civil. O Governo foi já, segundo os termos da Constituição, revestido do poder necessário para arrancar a causa do mal. Mas castigos e sacrifícios é o que se deseja evitar: poupar vítimas que se imolem no altar da segurança pública. Contemplai a sorte desses corpos facciosos de Espanha, e das povoações que lhes deram auxílio: têm sido feridos como pelo golpe do raio: foi forçoso aos Minas e Milans fazer-lhes sentir o peso da indignação nacional. Não provoqueis sobre vós tamanha desgraça. É isso o que se deseja evitar: poupar vítimas imoladas no altar da justiça.
Lisboa, 28 de Fevereiro de 1823 = Borges Carneiro.
(*) Rogamos ao Ilustríssimo Deputado assim como aos nossos Leitores, que nos desculpem de havermos demorado até hoje a inserção desta carta, pois só a devem atribuir à afluência de Notícias Oficiais às quais devíamos dar a preferência.
Diário do Governo de 11-7-1823, pags. 1217
Senhor Redactor, Vi na Gazeta de Lisboa n.º 144 (de 19-6-1823, pag. 1106) o extracto de uma carta referindo as palavras que dizia haver-me dirigido o Corregedor de Coimbra na ocasião do meu trânsito por aquela Cidade. Posto que não haja exactidão na dita referência, como contudo se pretende, que o Corregedor me classificasse entre os Rosa-Cruzes e Pedreiros-Livres, eu desejaria muito que aquele Magistrado, ou qualquer outra Autoridade, ou pessoa indagasse exactamente aquela asserção, e achariam que eu nunca quis pertencer a outra sociedade, que não seja a sociedade geral, composta de Governo e governados, nem ter ante os olhos outro interesse, senão o interesse geral dessa sociedade (*). V. S. me obrigará se inserir na mesma Gazeta a presente carta. Resende, 28 de Junho de 1823—De V. … venerador muito atento. Manoel Borges Carneiro.
(*) Muitas vezes advogou como Deputado os interesses dessa sociedade geral: mas também bastantes vezes se iludiu por teorias bem incapazes de trazer vantagens a essa sociedade. O seu desfaçamo-nos deles (dos Reis) não esquece. (Nota do redactor)
Decreto n.º 1
Tendo a rainha, por sua espontânea e livre declaração, feita e assinada do próprio punho em data de 28 de Novembro, ratificado a que havia solene e formalmente feito em data de 22 do mesmo mês, que com pleno conhecimento da lei e sua sanção havia tomado positiva e firme determinação de não jurar a constituição política da monarquia, e havendo expirado o prazo marcado pela lei sem que tenha prestado o juramento a que era obrigada em execução da mesma lei: faço saber que, pelo facto de não jurar a constituição, a rainha tem perdido todos os direitos civis e políticos inerentes tanto à qualidade de cidadão português como à dignidade de rainha, e que outrossim deverá sair imediatamente do território português.
As autoridades a quem competir o tenham assim entendido e façam executar. Palácio de Bemposta, 4 de Dezembro de 1822 = (Com a rubrica de sua majestade) = Filippe Ferreira de Araújo e Castro.
Decreto n.º 2
Tendo representado a rainha que, segundo o estado de sua saúde e o rigor da estação, não podia, sem perigo iminente de vida, sair imediatamente do território português, como devia, em observância da lei, por não haver jurado a constituição política da monarquia; e havendo declarado os facultativos que, com efeito, haveria perigo iminente de vida se fizesse jornada nesse momento: determino que fique diferida a execução do decreto desta mesma data, até que possa verificar-se, sem perigo iminente de vida; devendo retirar-se, entretanto, para a quinta do Ramalhão, acompanhada unicamente das pessoas indispensáveis para o seu serviço pessoal.
As autoridades a quem competir o tenham assim entendido e façam executar. Palácio de Bemposta, 4 de Dezembro de 1822 = (Com a rubrica de sua majestade) = Filippe Ferreira de Araújo e Castro.
A comissão encarregada de dar parecer sobre o processo formado pelo poder executivo acerca da recusação da sereníssima senhora D. Carlota Joaquina em jurar a constituição da monarquia portuguesa, não cansará o soberano congresso com a exposição deste acontecimento, clara e ordenadamente expendido no relatório que dele fez o secretário de estado dos negócios do reino e nos documentos que o instruem, o que tudo sua majestade, logo que se terminou este negócio, mandou remeter às cortes, para seu inteiro conhecimento, e se mandou imprimir.
Limita-se, pois, a comissão a apresentar ás cortes este processo, como uma nova e luminosa prova da sabedoria e virtudes que adornam a pessoa do senhor D. João VI, da. sua intima e sincera união com a nação, e do seu amor à observância das leis. A circunspecção e energia com que este negócio foi tratado nas diversas sessões do ministério, ouvido o conselho de estado; as antecipadas comunicações que por palavra e escrito se fizeram à rainha desde o dia 22 de Novembro, para prevenir que incorresse por falta de conhecimento na sanção da lei: o pronto cumprimento que a esta se deu, decretando-se logo no dia 4 de Dezembro haver perdido todos os direitos inerentes à qualidade de cidadão e à dignidade de rainha, aquela desaconselhada senhora que, fundada e ratificada a sua solene recusação de jurar, pela simples razão de ter assentado de nunca jurar na sua vida, e uma vez haver dito que não jurava, não obstante conhecer a mesma lei; as atenções em tudo guardadas com ela, especialmente sobre a escolha do país estrangeiro para onde quereria retirar-se e sobre os meios da sua viagem; o deferimento, enfim, dado à sua representação para se suspender a viagem, quando pela unânime declaração de dez médicos da real câmara constava não se poder ela agora fazer sem iminente perigo da sua vida, mandando-a entretanto retirar para a quinta do Ramalhão, que ela mesmo havia designado, acompanhada somente das pessoas indispensáveis ao seu serviço pessoal; tudo, senhores, atesta as virtudes do senhor D. João VI e a prudência e firmeza dos seus ministros. A lei cumpriu-se sem tergiversação, como era forçoso fazer-se em um país constitucional onde ela é igual para todos; a humanidade respeitou-se o decoro e atenções devidas à augusta esposa de sua majestade guardaram-se.
Como, pois, a lei esteja cumprida, e somente espaçada a sua execução na parte em que por ora se torna impossível, e o negócio não pertença às atribuições das cortes, parece à comissão que nada resta senão declarar-se na acta que elas ficam inteiradas.
Sala das cortes, 9 de Dezembro de 1822. = Manuel Borges Carneiro = António Lobo de Barbosa Ferreira Teixeira Girão = Manuel José Baptista Felgueiras = José Correia da Serra = João Pedro Ribeiro.
BIBLIOGRAFIA
OBRAS DE MANUEL BORGES CARNEIRO
Portugal Regenerado em 1820 – 3 edições nesse ano, a que acresceram oito parábolas, 98 pags.
Edição tem como autor: D.C.N. Publícola
Online: http://books.google.pt
Parábolas acrescentadas:
Primeiras três, publicadas em 2 de Novembro de 1820:
Parábola I – Devedores da Fazenda Pública, luxo de Portugal - até pag. 12
Parábola II – Regresso do Príncipe Real de Portugal – até pag. 19
Parabola III – Methodo da operação do Governo - até pag. 27
Parábolas 4.ª e 5.ª – publicadas em Novembro de 1820
Parábola IV - A Magia e mais superstições desmascaradas
Parábola V – Apêndice sobre as operações da Santa Inquisição Portuguesa ou parte segunda do discurso sobre a Magia e mais superstições desmascaradas.
Parábola 7.ª, publicada em 27 de Dezembro de 1820
Parábola VII – Juízo crítico sobre a legislação de Portugal – até pag. 329
Parábola 8.ª, publicada em 6 de Janeiro de 1821
Dialogo sobre o futuro destino de Portugal, ou parábola VIII accrescentada ao Portugal regenerado – até pag. 42
Direito Civil de Portugal, 4 vols. Lisboa, 1826-1828 e 1858 (neste ano, o volume IV que contém o Elogio de Emygdio Costa).
Online em http://purl.pt/705/
LINKS
Portugal - Dicionário Histórico
TEXTOS CONSULTADOS
Adelino da Palma Carlos, «Manuel Borges Carneiro», in «Jurisconsultos Portugueses do Século XIX», 2º vol., ed. Conselho Geral da Ordem dos Advogados, Lisboa, 1960, pp.1 - 25.
Zília Maria Osório de Castro, Manuel Borges Carneiro e a teoria do Estado Liberal, Coimbra, Instituto de História e Teoria das Ideias, 1976, 39 pags., Sep. da Revista de História das Ideias, n.º 1.
Online: http://rhi.fl.uc.pt/vol/01/zcastro.pdf
Zília Maria Osório de Castro, Cultura e política: Manuel Borges Carneiro e o vintismo, Lisboa, INIC: Centro de História da Cultura da Universidade Nova, 1990, 2 vols. (1013 pags.), ISBN 972-667-120-5
Documentos para a história das cortes geraes da Nação Portugueza, org. de Clemente José dos Santos, Lisboa, Imprensa Nacional, 1883, 2 vols.
Jacinto Inácio de Brito Rebelo, Manuel Borges Carneiro, in OCCIDENTE, 1879, pags. 117, 118, 125, 126, 151, 152, 155, 166, 178, 179. 186, 187.
Galeria dos Deputados das Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes da Nação Portugueza [red. João Damásio Roussado Gorjão, colab. Pato Moniz
F. 5565 da BNP – pags. 302 – 323
Tre mesi in Portogallo nel 1822, Lettere di Giuseppe Pecchio a Ledi G. O., Madrid 1822 per D. Michele di Burgos, 87 pag.
José Pecchio, Cartas de Lisboa, 1822, pref. Manuela Lobo da Costa Simões, trad. Manuel José Trindade Loureiro. Lisboa, Livros Horizonte, 1990, 102 pag. ISBN: 972-24-0773-2
Inocêncio Francisco da Silva, Diccionario bibliographico portuguez : estudos applicaveis a Portugal e ao Brasil, Imprensa Nacional, 1858 – 1968, entrada “Manuel Borges Carneiro”
Diário do Governo - 1822
Online: http://books.google.pt
Diário das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portuguesa, 1821-1822
8 volumes
Clemente José dos Santos (1818 - 1892), Documentos para a História das Cortes Geraes da Nação Portugueza, 5 volumes
Constituição Política da Monarchia Portugueza, 1822.
Marquês de Fronteira (1802-1881), Memórias do marquês de Fronteira e d'Alorna D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto ditadas por ele próprio em 1861, Coimbra, 1928-1932, 5 vols.
Online: http://purl.pt/12114
José Agostinho de Macedo, A Tripa Virada n.º 4, MS. reproduzido no Boletim da Sociedade de Bibliophilos Barbosa Machado, Ano I, n.º 3, Lisboa 1912, pags. 169 - 184
Emygdio Costa, Elogio pronunciado na Associação dos Advogados de Lisboa no dia 27 de Maio de 1841, por ocasião de se mandar colocar na sala das conferências o retrato do preclaríssimo jurisconsulto Manuel Borges Carneiro, no início do 4.º volume do Direito Civil de Portugal.
Online: http://purl.pt/705/1/sc-4406-p/sc-4406-p_item1/P5.html
Bertita Harding, Amazon Throne, The Bobbs-Merrill Company, Indianapolis, New York, 1941, 1.st edition.