3-8-2009

 

 

Garcia Lopes

  (1520 ? - 1572)

 

 

O médico Garcia Lopes, cristão novo, de Portalegre, onde nasceu por volta do ano de 1520, merece maior atenção do que aquela que lhe tem sido dada até ao presente. Infelizmente, não me foi possível obter dados novos sobre a sua biografia, porquanto o seu processo na Inquisição de Évora (n.º 171) encontra-se em muito mau estado e não me foi permitido consultá-lo (não me chegou às mãos nenhum dos processos com a indicação de "mau estado"). Tive assim de me contentar com os dados recolhidos em 1930 por Silva Carvalho e com a interpretação que este autor deu ao que conseguiu ali descobrir.

Garcia Lopes era filho de Jorge Gomes, tratante e de Violante Gomes, naturais e residentes na mesma cidade de Portalegre. Tinha pelo menos dois irmãos, Gaspar Gomes, que emigrou para o Brasil e Diogo Gomes, que vivia na quinta de Vale de Mourelos, perto de Almada, em frente de Lisboa e três irmãs: Isabel Gomes, Ana Gomes e Violante Mendes.

A sua família deveria ser abastada, já que lhe permitiu pagar os estudos; e a perseguição da Inquisição a toda a família também é indício disso, pois os bens dos condenados eram todos confiscados.

Deverá ter feito em Évora os estudos preparatórios de gramática, latim e grego e, tendo estudado depois em Salamanca quatro anos, saiu bacharel em artes e medicina.

Foi para Portalegre exercer clínica. Casou com Clara Lopes, natural de Castelo Branco e proveniente de uma família abastada, tanto assim que levou de dote 500 000 réis. Tiveram dois filhos, mas o casamento não foi feliz, constando que ele tratava mal sua mulher, que até o acusava de a ter contagiado com sífilis (Silva Carvalho).

Entretanto Garcia Lopes, com vista a aumentar os seus rendimentos, arrematava a cobrança de certos impostos, que depois cobrava junto dos contribuintes. Esta era uma actividade típica e costumeira dos cristãos novos, que não raro lhes valia o ódio das populações. A certa altura, começou a ser menos certo nas suas contas, de tal modo que se viu em apertos e resolveu fugir para o estrangeiro.

Foi assim que, depois de doze ou treze anos de clínica na região do Alto Alentejo, Garcia Lopes abandonou mulher e filhos e veio ter com seu irmão Diogo a Almada. Convenceu este a partirem juntos para França. Ali ficaram pouco tempo e passaram para Antuérpia, na Flandres, onde permaneceu mais de dois anos.

Em Antuérpia, conviveu com cristãos-novos célebres como os irmãos do médico Tomás Rodrigues da Veiga, Jácome de Olivares e Pero de Faria (perito na língua hebraica), Fernão Galindo, de Évora, Francisco Fernandes, de Castelo Branco, Pero Lopes e outros. Arranjou ainda tempo para estudar e, segundo Silva Carvalho, doutorou-se em Lovaina. Pouco antes de partir, publicou em 1564 o seu livro Commentarii de varia rei medicæ lectione, de que falaremos em pormenor a seguir. Dedicou-o o a D. João de Mascarenhas (1512-1580), herói do cerco de Diu (1545), mas que depois atraiçoou Portugal, sendo partidário da entrega do Reino a Filipe II de Espanha e nisso colaborador de Cristóvão de Moura.

Publicado o livro, decidiu voltar a Portugal, mas foi preso por dívidas à chegada, tendo ficado cerca de dois anos no calabouço. Depois de conquistada a liberdade, não tardou muito que a perdesse de novo, indo desta vez parar aos calabouços da Santa Inquisição. Foi o caso que uma sua prima, Inês Lopes, talvez avariada da cabeça, andara a dizer pela vila, que ela e todos os da sua família continuavam a ser, no seu íntimo, judeus convictos e que só ela agora se havia convertido à Religião de Jesus Cristo.

Por sorte, Guilherme João Carlos Henriques (1846-1911) pôde ainda consultar no final do sec. XIX o processo dela da Inquisição de Évora (n.º 11422, agora em mau estado, e não o n.º 7475, como ele diz), e dele fez um resumo, que aqui vamos utilizar.

Em 31 de Julho de 1569, o Bispo de Portalegre, Dom António de Noronha, lavrou um auto de denúncia dos ditos de Inês Lopes. A seguir, inquiriram-se os que tinham denunciado o caso a Sua Ex.ª Rev.ma: Estêvão Nogueira, fidalgo cavaleiro da Casa Real e suas irmãs, Inês Álvares e Violante Rodrigues. Disseram eles que Inês Lopes era “mulher de pouco crédito e de pouca autoridade”. Mas, para a Inquisição, servia muito bem os seus intentos. Presa a 2 de Agosto de 1569, começou a prestar declarações e a fazer denúncias em catadupa. Disse que se dava bem com toda a família, excepto com seu primo, o Doutor Garcia Lopes, com quem estava de relações cortadas, por “a escandalizar em coisa da sua honra”. Em 18 sessões que se prolongaram de 12 de Agosto a 28 de Novembro de 1569, denunciou 75 pessoas. Em 17 de Março de 1570, ratificou todas as suas anteriores declarações. Para além do Doutor Garcia Lopes e sua mulher Clara Lopes (desta, no entanto não encontrei processo), figuram no Anexo 1 os membros da família que ela denunciou e a quem foi instaurado processo.

Em 13 de Maio de 1570, foi proferida a sentença, em que ela foi admitida à reconciliação com a Santa Madre Igreja e mandada sair em Auto da Fé, com vela acesa, mas sem hábito penitencial, e com as penitências espirituais do costume. Este Auto da Fé teve lugar em 12 de Novembro de 1570.

A 2 de Junho de 1573, foi chamada de novo à Inquisição de Évora, para fazer uma deposição conta Francisco de Orta (Processo n.º 7901), marido de sua tia, Catarina Lopes.

Voltemos a Garcia Lopes. Sabendo já quais seriam as consequências das denúncias de sua prima, decidiu ele fugir, partindo logo em 3 de Agosto de 1569, uma quarta-feira, de manhãzinha, com um criado, indo por  Marvão e Valença de Alcântara; juntaram-se-lhe no caminho sua irmã Ana, um filho desta, um menino de dois anos e dois escravos negros.

Internaram-se em Espanha por Carbajo e Garrovillas, mas a três léguas desta última povoação, foram presos a pedido de um certo Cristóvão Machado, que levava um mandado do Bispo de Portalegre e a 22 de Agosto deram entrada na prisão de Llerena, à ordem da Inquisição de Évora.

Silva Carvalho reproduz o que conseguiu ler do depoimento feito em 13 de Agosto no Santo Ofício pelo criado de Garcia Lopes que o acompanhara, Gaspar de Figueiredo. A redacção é confusa, mas verifica-se que de 3 para 4, Garcia Lopes já dormiu em Espanha, no Mosteiro de Manjarretes (hoje um restaurante), junto da fronteira portuguesa, diante de Marvão. Foram ajudados no caminho por Bento Rodrigues e Manuel Rodrigues, de Castelo de Vide.

 Preso em Évora nos cárceres da Inquisição, Garcia Lopes fez o que faziam todos os cristãos novos que não queriam ser mártires: denunciou tudo e todos a quem conhecia: sua mulher, seus irmãos e irmãs, seus sobrinhos e até sua mãe. Acusou também seu cunhado, Rodrigo Aires de Santilhana, médico em Castelo de Vide, Diogo Rodrigues, boticário na mesma vila, que o tinha ajudado na fuga, Francisco Gomes, médico em Portalegre, o licenciado Manuel de Abreu, Henrique Luis, médico em Arronches e Mestre Gaspar, cirurgião em Castelo de Vide.

Parece que, em Abril de 1572, o Réu esteve para ser condenado “apenas” à confiscação dos seus bens e a cárcere e hábito perpétuos, mas, a partir de ser altura, começou a ter um comportamento que concitou os ódios dos Inquisidores. Não tendo podido ver o processo, limito-me a transcrever o que diz Silva Carvalho:

 

“Começou Garcia Lopes a persuadir os companheiros da prisão a que denunciassem falsamente grande número de cristãos novos e velhos, a fim de produzir uma confusão enorme, que, exigindo muitas testemunhas e dando lugar a não menos contraditas, prolongasse e enredasse os processos. Para coroar esta obra, Garcia Lopes veio repetidas vezes denunciar os companheiros de cárcere que ele induzia a estes aleives. Todo este abjecto procedimento foi facilmente posto a claro e o resultado foi o tribunal agravar a primeira pena, condenando o médico a ser queimado, o que se fez no auto de fé que se celebrou na praça de Évora em 14 de Dezembro de 1572”.

 

Onde se vê que as “culpas de judaísmo” não eram o que realmente interessava no desenrolar dos processos da Inquisição, eram apenas um pretexto para o confisco e o exercício do poder.

 

 ADENDA_1: Em 1731, o italiano Ippolito Francesco Albertini, na obra indicada na bibliografia (Pag. 382), cita Garcia Lopes a propósito de um método para estancar o sangue quando por engano foi cortada uma artéria em vez de uma veia. Esse artigo foi traduzido para inglês em 1972 pelo médico Saúl Jarcho (também citado abaixo), que diz (pag. 177, nota 51) não ter encontrado o caso no livro de Garcia Lopes. Nós também não. Resta a prova de que o médico português era conhecido do autor.

 

ADENDA_2:   28-09-2013 – Apareceu-me agora o processo n.º 171, do Dr. Garcia Lopes, digitalizado e on-line. Há, porém, muitas partes ilegíveis o que dificulta muito a consulta. Por isso, deixo aqui apenas extractos das decisões dos Inquisidores, primeiro a de reconciliação, e depois, a de relaxe.  

 

img. 123 - Acordam em que o Réu foi herege apóstata pelo que incorreu na sentença de excomunhão e nas mais penas em direito estabelecidas e que perdeu todos seus bens para o fisco real e havendo respeito a suas confissões, mandam que seja recebido à reconciliação com cárcere e hábito perpétuo em 19 de Abril de 1572. a) L.do Jerónimo de Sousa, Diogo Mendes de Vasconcelos, António de Castro, Marcos Teixeira, António de Melo, Pelágio Victor

img. 157 – Acórdão os Inquisidores, Ordinário e Deputados da Santa Inquisição que, vistos estes autos (…) Mostra-se outrossim que haverá agora quatro anos pouco mais ou menos, que o Réu se tornou a absentar destes Reinos, levando consigo uma sua irmã e indo fugindo, foi preso em Castela, donde foi remetido a este Santo Ofício e sendo admoestado nele por muitas vezes com muita caridade que quisesse confessar todas as suas culpas e descarregar inteiramente sua consciência (…) o Réu, depois de estar algum tempo negativo, pediu audiência e disse que, de vinte e dois anos a esta parte, por ler pelo testamento velho e novo, lhe pareceu que algumas coisas da Lei de Moisés duravam ainda como eram a guarda dos sábados e não comer coisa afogada, e jejuar a festa do Quipur, sem comer senão à noite, e confessou que jejuara alguns anos o jejum do Quipur com certas pessoas e que lhes vira guardar alguns sábados de trabalho e vestir-se neles dos melhores vestidos que tinham e em outras sessões disse de outras pessoas com que comunicara a mesma crença da Lei de Moisés, sem dizer quem lhe ensinara a dita crença, e deixando de confessar muitas circunstâncias das suas culpas, muito importantes, e dizer de algumas pessoas de que estava delato, e sendo seu processo visto na mesa do despacho deste Santo Ofício e examinadas as ditas confissões, posto que a esse tempo se pudera usar com o Réu do rigor do direito, foi recebido a reconciliação com cárcere e hábito perpétuo e estando nestes termos, sobrevieram ao Réu culpas de novo, assim de judaísmo, como de ter induzido [outros presos a dizer] falsamente [de] alguns cristãos novos e velhos, (…) não sabiam fazendo conjuração e conspirando com outros presos, para culparem muita gente e a fazerem prender sem causa, a fim de os infamarem e anexarem, persuadindo para esse efeito a muitos dos ditos presos para que concordassem uns com os outros acerca das ditas falsidades, pondo-lhes medos e dizendo-lhes que não tinham outro remédio senão dizer dos ajuntamentos em que estavam referidos, sabendo e tendo para si que eram falsos, pelas quais culpas, sendo o Réu perguntado depois de algumas vezes as negar e de vir o promotor fiscal deste Santo Ofício em libelo contra ele, acusando-o das ditas culpas de conspirador e induzidor assim de ficto e simulado confitente, o Réu pediu audiência e confessou que induzira e persuadira a alguns dos ditos presos que testemunhassem falsamente contra alguns cristãos velhos e novos, e por o Réu não satisfazer inteiramente as culpas que contra ele havia de novo, assim de induzidor como de seus heréticos errores, se ratificaram as testemunhas e lhe (…). O que [tudo visto] e o mais que dos autos consta, (…) ofende a Deus em tempo em que diz que se converte, não se lhe deve crer que está convertido e como se prova ser o Réu dogmatista e poder com a sua falsa doutrina corromper a muitos em grave dano e prejuízo da nossa santa e verdadeira fé católica, e como em todo o discurso de suas confissões, usou de muitas dilações e fingimentos, deixando sempre de dizer de si e dos cúmplices as coisas mais importantes e substanciais, Christi Jesu nomine invocato, declaram que o Réu foi e ao presente é herege apóstata da nossa santa fé católica e dogmatista e que incorreu em sentença de excomunhão maior e nas mais penas em direito contra os semelhantes estabelecidas e em confiscação de todos seus bens para o fisco e coroa real destes Reinos e como tal é ficto e simulado confitente e impenitente, de cuja conversão não há aí esperança alguma, o remetem e relaxam à justiça secular a quem pedem com muita instância que se ajam com ele piedosamente e não procedam a morte nem efusão de sangue.

img. 156 – Publicada a sentença no auto da fé que se realizou na Praça da cidade de Évora em 14 de Dezembro de 1572.

 

 

O LIVRO

  

Tem o título Garciae Lopii Commentarii de varia rei medicae lectione, Medicinæ Studiosis non parum utiles. Quorum Catalogum ab Epistola sequens pagella indicabit. ANTVERPIAE, Apud Viduam Martini Nutii, M D LX IIII, Cum Gratia et Privilegio.

 

O texto encontra-se online no Google, Archive, UCM – Universidad Complutense de Madrid e BSB – Bayerische Staatsbibliothek.

 

Garcia Lopes utiliza a sua correspondência (recebida ou expedida), como fonte para os capítulos do seu livro, que falam das mais diversas doenças e das curas que eram usadas à época. O artigo citado abaixo de Caria Mendes faz um comentário para cada um dos capítulos do livro de que extraí uma boa parte das referências que indico.

 

A latinista Maria Jesús Pérez Ibáñez releva no livro de Garcia Lopes concessões a um estilo elaborado, que não se encontram noutros autores formados em Salamanca. Acentua também o uso da primeira pessoa, correspondente em parte à forma epistolar de boa parte dos textos: "En primera persona transmite sus recuerdos, sentimientos, experiencia clinica, elogio de los amigos, opiniones sobre el estilo y el método de distintos autores, ... Es esta primera persona la que da unidad al conjunto variado de temas y formas expositivas que integran la miscelánea".

 

 

 

1.º - Sobre a gota, à época chamada também podagra, derivada da hiperuricémia. O texto é dedicado a Miguel Montano e toma a forma de resposta a uma carta que o médico Tiago Silva (Iacobus Siluius) escrevera ao Autor.

 

2.º - Faz uma ligação ao Capítulo 8.º, dedicado a Rodrigo Sanches, em que estuda os cálculos renais. O texto é ainda uma resposta ao médico Tiago Silva, para discordar dele, afirmando o Autor os méritos do uso do sangue do bode no tratamento dos cálculos.

 

3.º - É a resposta a uma consulta, real ou imaginária, de D. André de Noronha, neto do Marquês de Vila Real, que pretendia saber se uma criança de 7 anos podia sem risco da saúde, ser transferida para sítio diferente daquele onde tinha nascido. A criança era o Rei D. Sebastião, que se pretendia fosse de Lisboa para Santarém, eventualmente para fugir da peste. Diz ele que pode ir e até pode montar a cavalo.

D. André de Noronha foi Reitor da Universidade, segundo Silva Carvalho e em 1560 tomou posse como segundo Bispo de Portalegre. Era formado em cânones pela Universidade de Coimbra. Foi partidário de Filipe II como Rei de Portugal, tanto assim que ele o nomeou Bispo de Plasencia, diocese de elevados rendimentos, cargo em que faleceu logo em 1581.

 

4.º Diz o autor que o texto é a tradução de castelhano para latim de uma carta escrita a D. João de Vargas sobre as propriedades e o uso terapêutico da romã, chamada também granada (em latim malum punicum) . Cita, a propósito do fruto, Amato Lusitano.

 

 

5.º - Comentários sobre as varíolas ou exantemas, isto é, lesões cutâneas. A varíola ou exantema maligno era das doenças mais mortíferas da época, até à chegada da vacina, séculos depois.

 

6.º Contra a opinião de Aristóteles, defende que a cavidade cardíaca esquerda está mais quente que a cavidade direita.

 

7.º Sobre a importância da carne de perdiz no tratamento de doenças.

 

8.º- Sobre o tratamento dos cálculos renais. Texto dedicado a Rodrigo Sanches. Caria Mendes pensa que este seria um humanista médico e judeu. Não. Era padre e bacharel por Salamanca onde estudou de 1528 a 1533. Veio de Espanha para Capelão da Rainha D. Catarina, esposa de D. João III. Possivelmente Garcia Lopes teria ouvido falar nele quando, pouco depois dele, estudou em Salamanca. Ver  100808.html . Aliás, Garcia Lopes trata-o por venerande pater (pag. 28).

Silva Carvalho identifica-o como sendo Rodrigo Lameiras, o que também não tem razão de ser.

 

9.º - Sobre as características e o uso da salsaparilha. Recomenda-a para o tratamento das dores de cabeça. Refere-se também à sua utilização para o tratamento da sífilis e compara-a  com o uso do guaiaco (pau-santo) e da quina, a qual, na época, começava a ser utilizada para tratamento das febres palúdicas.

 

10.º - Discorre sobre o calor do sangue e da bílis.

 

11.º - Recomenda que se comam maçãs, e cita mais uma vez a descoberta das virtudes terapêuticas do pau-santo (guaiaco), da raiz da quina e da salsaparrilha.

 

12.º - Se o clister deve ser dado antes ou depois da sangria.

 

13.º - Tinha-lhe escrito Jerónimo Serrano, que ele em tempos conhecera em Salamanca, pedindo que lhe indicasse um remédio para as lombrigas, de que sofria seu único filho. O miúdo tinha há 23 dias, febre contínua que o atormentava. Cita Cristóvão da Veiga. Recomenda alimentos amargos e os clisteres.

 

14.º - Se o vinho bebido em jejum é benéfico para o estômago. Responde a uma consulta de um Jerónimo Baleia, homem muito douto seu conhecido.

 

15.º  Garcia Lopes comenta um livro de Johann Lange (1485-1565) denominado Lembergius, isto é, de Heidelberg, Reitor da Universidade de Leipzig, Joh. epistolarum volumen tripartitum, recognitum, et dimidia auctum, Francofurti, apud heredes Andreae Wecheli, Claudium Marnium & Ioann. Aubrium, auctum 1589. (online aqui)

 

16.º - Sobre as propriedades do vinho branco que todos dizem, tem a propriedade de secar, o que não é verdade.

 

17.º - Contra a opinião de um certo médico de Salamanca e de outros, Garcia Lopes opõe-se ao uso da sangria para a supressão dos ciclos menstruais, que devem ser aceites como naturais. Cita de novo Amato Lusitano.

 

18.º - Garcia Lopes dirigia-se para Paris quando, na estalagem onde jantou, na companhia de outro colega médico, quando a criada que os servia se lhes dirigiu pedindo um remédio para um furúnculo que tinha no braço. O seu colega recomendou o uso por sete dias do soro de leite colocado ao ar livre, o que Garcia Lopes reprova. Cita o seu professor em Salamanca Lorenzo Alderete, que muito elogia.

 

19.º - Acerca do uso da jujuba. Recomenda para a tosse um xarope de mel com raiz e casca de jujuba (planta que existe no Brasil).

 

20.º - Devem ser dados ovos aos doentes com febre, contra a opinião de Jerónimo Cardano, médico de Milão.

 

21.º - Sobre a natureza e as propriedades do alho. Lembra o seu mestre em Salamanca, o português Agostinho Lopes. Discorre sobre as opiniões contraditórias de Hipócrates e de Galeno acerca do alho.

 

22.º - Este texto e o seguinte são dedicados ao médico Nicolaus Biesius, decano da Universidade de Lovaina, que tinha sido distinguido pelo rei Filipe II, Rei de Espanha e da Flandres. Expõe os méritos dos peixes que nascem e crescem nas rochas que são saborosos e fáceis de digerir, sendo um alimento salutar para o corpo humano. Constata-se que “saxatiles pisces” não são peixes do alto mar, como refere Caria Mendes, mas sim, peixes que vivem nas rochas.

 

23.º - Reflexão sobre o aforismo de Hipócrates “Nihil temere committendum, nihil etiam negligendum”. Nada fazer inconscientemente, nada deve ser negligenciado.

 

24.º - Sobre o emprego em Medicina das rosas de Alexandria. Dedica o texto a outro amigo de Salamanca, António Serrano.

 

25.º - Sobre os erros normalmente cometidos na definição dos apostemas (abcessos).

 

26.º - Expõe e critica os aforismos de Hipócrates sobre a causa do aborto. No texto elogia o Doutor Ambrósio Nunes (1529-1611), filho de Leonardo Nunes e que foi professor em Salamanca por mais de 20 anos. Elogia também o Doutor Mitina, Lente de Prima, também mestre prestigiado de Salamanca.

 

27.º - Texto dedicado a Tomás Rodrigues da Veiga (1513-1579), Professor da Universidade de Coimbra. Recomenda jogar com uma bola pequena, porque é um exercício saudável.

Por lapso, Barbosa Machado considera este último texto uma publicação à parte.

 

  

TEXTOS CONSULTADOS

 

 

J. Caria Mendes, O Livro Commentarii de Varia Rei Medicæ (Antuérpia, 1564), de Garcia Lopes, in A Universidade e os Descobrimentos, Colóquio promovido pela Universidade de Lisboa, 1993, C.N.C.D.P., INCM, 1993, pags. 267 – 290.

 

Maria Jesús Pérez Ibáñez, El humanismo médico del siglo XVI en la Universidad de Salamanca, Universidad de Vallalolid, Seretariado de Publicaciones e Intercambio Cientifico, 1997, 228 p., ISBN 84-7762-796-7

 

Joaquim Veríssimo Serrão, Portugueses no estudo de Salamanca, 1250 – 1550, Lisboa – Coimbra, 1962.

 

Ineditos Goesianos, coligidos e anotados por Guilherme J.C. Henriques (1846-1911), Typ. de Vicente da Silva, Lisboa, 2 vols., 1896, 1898

 

Maximiano de Lemos, A Universidade de Salamanca e os Médicos Portugueses do Sec. XVI, in Estudos de História da Medicina Peninsular, Porto, Tip. a Vapor da Enciclopédia Portuguesa, 47, Rua de Cândido dos Reis, 1916, pags. 1 – 40.

 

Augusto da Silva Carvalho (1861-1957), Notícia sobre alguns médicos judeus do Alentejo, Lisboa, Tip. do Comércio, 1930. Sep. Jornal da Sociedade de Sciências Médicas de Lisboa, 20 pags.

 

Dr. José Lopes Dias, Garcia Lopes (1520 – 1572) , in Médicos Portugueses da Renascença, vizinhos da Estremadura Espanhola, Comunicação apresentada nas “Jornadas de la Historia de la Medicina Regional Hispano Lusa de Guadalupe”, Edição da revista “Estudos de Castelo Branco, Revista de historia e cultura”, Abril de 1973.

 

Ippolito Francesco Albertini, Animadversiones super quibusdam difficilis respirationis vitiis a læsa cordis, et præcordiorum structura pendentibus, in  De Bononiensi Scientiarum et Artium instituto atque academia commentarii, Bononiæ, M DCC XXX I, Ex Typographia Laellii a Vulpe, apud Metropolitanam, pags. 382 - 404.

Online: http://diglib.cib.unibo.it/diglib.php?inv=1&int_ptnum=1&term_ptnum=407&format=jpg&comment=0&zoom

 

Saúl Jarcho, Observations on certain diseases causing respiratory difficulty dependent on damaged structure of the heart and precordia, by Hippolytus Franciscus Albertini, in  Proceedings, American Philosophical Society, vol. 116, No. 2, 1972, pags. 167-181

http://www.google.com

 

Ligia Bellini, Notes on medical scholarship and the broad intellectual milieu in sixteenth-century Portugal (analysis of Dialogo da perfeycam e partes que sam necessarias ao bom medico ), in  Portuguese Studies, 1999

Online: http://www.thefreelibrary.com/Notes+on+medical+scholarship+and+the+broad+intellectual+milieu+in...-a0122875118

 

Garcia Lopes in Historia bibliográfica de la Medicina Española, coordenação de Antonio Hernández Morejón, Madrid, 1852, vol. III, pag. 109.

Online: http://books.google.com

 

Medicina na Beira Interior. Da Pré-História ao Sec. XX – Cadernos de Cultura, n.º 2 – 1990

http://www.historiadamedicina.ubi.pt/cadernos_medicina/vol15.pdf

 

Medicina na Beira Interior. Da Pré-História ao Sec. XX – Cadernos de Cultura, N.º 15 - Novembro de 2001 –

http://www.historiadamedicina.ubi.pt/cadernos_medicina/vol15.pdf

    

 

Anexo 1 Familiares de Garcia Lopes com processos na Inquisição

 

 

MÃE

 

Violante Gomes, Mãe de Garcia Lopes, filha de Garcia Lopes e de Isabel Nunes --  Pr. n.º 9760-E (em mau estado) — início: 19-8-1569. Em 15-9-1570 foi ao tormento e faleceu no cárcere. Os restos mortais foram ao auto de fé.

 

IRMÃOS e CUNHADOS

 

Seu cunhado Jorge Gonçalves – casado com Ana Gomes sua irmã – Pr n.º 9829-E – início: 21/09/1578 - O réu tinha já falecido quando se averiguou ter sido herege. Foram extraídas culpas do processo de sua mulher. Tanto ela como o seu filho Jorge Gomes foram citados para defender a memória do réu. Como ninguém compareceu, em 1578-09-21, foram sentenciados os seus ossos a relaxo à justiça secular (da ficha da base de dados TTonline)

 

Seu cunhado Rodrigo Aires de Santilhena ou Santilhana, filho de Manuel Rodrigues e de Brites de Santilhena, casado com sua irmã Violante Mendes Pr. n.º 13056 – Lisboa  - online , iniciado em 21-11-1569

 

Sua irmã Isabel Gomes, casada com Francisco Dias – Pr n.º 8337 A-E – início: 13-8-1569 (bom estado)

Seu cunhado Francisco Dias, filho de Tristão Dias, Licenciado em Leis, casado com a anterior – Pr. n.º 6119 –E – (bom estado) – início: 13-8-1569

 

Seu irmão, Diogo Gomes, casado com Leonor Gomes – Pr. n.º 3279 de Lisboa  - online – início:  16-8-1570

 

SOBRINHO

 

Seu sobrinho Jorge Lopes : Pr. n.º 11 255-E (em mau estado)– filho de Jorge Gonçalves e de sua irmã Ana Gomes – início: 23-9-1569

 

TIO e suas filhas (PRIMAS)

 

Luis Lopes, pai das primas a seguir indicadas, viúvo de Leonor Gomes (Mendes), tio materno de Garcia Lopes  – Pr. n.º 8226-E (em bom estado). – Preso em 26-01-1570, faleceu nos cárceres da inquisição em 17-11-1571; era filho de Garcia Lopes e de Isabel Nunes – auto da fé em Évora com os ossos em 14-11-1574

 

Inês Lopes – Pr. n.º 11422-E, (em mau estado), solteira, 25 anos,

 

Violante Gomes – Pr. n.º 10458-E, (em muito mau estado) casada com Gregório Fernandes – início:13-12-1570

 

Maria Lopes – 11059-E, (em muito mau estado) solteira, presa em 20-10-1570

 

Isabel Nunes – 9146-E, (em mau estado) solteira, presa em 14-12-1572

 

Lucrécia Gomes – 6050-E, (em bom estado), solteira, início: 26-1-1570

 

Brites Lopes  (ou Briatriz Mendes) casada com Gaspar Rodrigues. Pr. n.º 9709 - E–(em muito mau estado). Início: 7-11-1570

 

Outros dois irmãos destes, Francisco Lopes e Ana Nunes casada com Francisco Rodrigues, não têm processos, aparentemente.

 

Francisco Gomes, médico em Portalegre, de 70 anos, casado com Maria Lopes - : Pr. n.º 10 243-E (em muito mau estado) – início:19-01-1571

 

 

Outros processos relacionados com a família, sobretudo pelas denúncias cruzadas:

 

Pr. n.º 11575 – E (bom estado) - Catarina Dias, com cerca de 70 anos, viúva de Diogo de Abreu, Foi denunciada por Inês Lopes. Teve uma filha chamada Brianda de Abreu e um filho Luis de Abreu. Há muitas referências no processo dela a Garcia Lopes.

 

Pr. n.º 10750 – E - Luis de Abreu, filho da anterior. Início: 20-10-1570

 

Pr. n.º 11346 – E – Leonor Mendes Talhoa, viúva de Diogo Gonçalves. Inicio: 7-4-1570

 

Pr. n.º 5175 – E – Isabel Mendes Talhoa, filha da anterior. Início: 7-3-1570

 

 

 

GARCIA LOPES natural da Cidade de Portalegre, e insigne professor da Medicina, que ouvio em Salamanca do nosso Agostinho Lopes, e a practicou com feliz methodo em Portugal, Castela, e Flandres. Foy muito perito nas linguas Grega, e Latina sendo muito louvado por Jorge Abraham Mercklin.Lind. Renovat.Zacut. Ind. AA. in princip.Hist. Med. Princip.Joan. Soar. de BritoTheatr. Lusit. Litter.lit. G. n. 7. Nicol. Ant.Bib. Hisp.Tom. 1. pag. 394. col. 2.

 

Compoz.

 

            De varia rei medicae lectione Antuerpiae apud Viduam Martini .Nutij   1564. 8.

 

            Commentarium in Libellum Galleni de parvae pilae exercitio.Dedicado ao Doutor Thomaz Rodrigues da Veyga, Lente primario de Medecina em a Universidade de Coimbra, e delle faz menção no cap. 26. da obra precedente.

 

 

 

Da: Bibliotheca lusitana historica, critica, e cronologica: na qual se comprehende a noticia dos authores portuguezes, e das obras, que compuserão desde o tempo da promulgação da Ley da Graça até ao tempo presente, por Diogo Barbosa Machado (1682-1772), 4 vols., 1741.

 

  

NOTA: Na elaboração desta página, tive a ajuda do Prof. Doutor António Manuel Andrade, da Universidade de Aveiro. No entanto, as opiniões expressas e o texto final são da minha inteira responsabilidade.