2-11-2012

 

António Tavares da Costa (1674 – 1707), relaxado  – Pr. n.º 9112

 

 

Ele, seu pai (em estátua) e sua sogra no auto da fé de 6 de Novembro de 1707

 

 

 

Este processo é exemplar para explicar o funcionamento da Inquisição. António Tavares da Costa era um rapaz normal, filho único, já com 28 anos, pouco amigo de estudar e de trabalhar, mas, por ser cristão novo, viu-se enredado em 21 testemunhos contra ele. Só tinha uma maneira de escapar: era denunciar o maior número de pessoas possível. Foi o que fez, após o primeiro auto da fé, mas depois, descontente consigo mesmo, revogou todas as suas confissões e escreveu um texto em que, de modo convincente, garante que é tudo falso.

A sua condenação resultou também do facto de falar com os Inquisidores com maus modos. Era essencial mostrar-se humilde para ganhar o perdão, coisa que ele não fez.

No primeiro assento da Mesa, reprovam-lhe o não ter acusado formalmente a sogra, Margarida Correia. Só a denunciou também após o auto da fé. No papel que apresentou na Mesa em 28-2-1707, faz uma série de queixas contra a sogra. Diz que ela prometeu dar-lhe 4 000 cruzados, isto é, um conto e seiscentos mil réis,  se casasse com a filha, Jerónima Maurícia, mas depois nem um tostão lhe deu (fls. 69). Sentiu-se enganado, “vendo eu que indo para casa recebido com a dita minha mulher me não deram nada, antes para nos alimentarmos alguns dias foi necessário que a dita minha sogra D. Margarida Correia mandasse empenhar uma capinha de prata e 1400 réis para uma Mulher por nome Francisca, para havermos de comer…”

Tinha-lhe raiva e assim a acusou “e este falso juramento que por meus pecados dei como os mais todos em minha confissão, o dei só a fim de ver se podia pôr minha sogra D. Margarida Correia em uma fogueira e por isso a meti com seus filhos, por saber minha Mulher estar presa… “ (fls. 65). Porém, noutro lado, diz: “Digo falsamente que em casa de meu pai me declarei com Inês Mendes, Maria de Campos, Guiomar Chaves, estando minha sogra Margarida Correia presente, o que é mentira, que tal não há, que Margarida Correia é cristã em minha consciência, e deponho contra ela por me darem a entender João Álvares, guarda do Santo Ofício, que o fizesse.” (fls. 54) Onde se prova que o segredo do Santo Ofício também era flexível em certos casos.

 

 

fls. 1 img. 1 – Processo de António Tavares da Costa – Pr. n.º 9112

fls. 7 img. 13 – Mandado de prisão de 18-11-1702

fls. 9 img. 17 – Entrega na prisão em 19-11-1702 pelo familiar Conde de Tarouca

 

CULPAS:

fls. 13 img. 25 – Depoimento de 23-10-1702 de Gaspar de Sousa – Pr. n.º 4555, médico, natural de Cascais e morador em Lisboa

fls. 14 img. 27 – Dep. de 4-11-1702 – O mesmo Gaspar de Sousa

fls. 15 v img. 30 – Dep. de 10-11-1702 de Diogo Nunes – Pr. n.º 2361, médico, natural e morador em Lisboa

fls. 17 img. 33 – Dep. de 17-11-1702 de Gaspar de Sousa – Pr. n.º 4555

fls. 18 v img. 36 – Dep. 15-11-1702 de Catarina Maria – Pr. n.º 4543 – casada com o médico Gaspar de Sousa.

fls. 20 img. 39 – Dep. de 9-12-1702 de Maria de Campos – Pr. n.º 1945 – viúva de Luis de Sousa, boticário

fls. 22 img. 43 – Dep. de 20-12-1702 de Diogo Nunes – Pr. n.º 2361.

fls. 23 v img. 46 – Dep.de 12-6-1703 de Filipa Maria – Pr. n.º 4549, filha de Manuel da Costa, natural e residente em Lisboa

fls. 25 img. 49 – Dep. de 11-8-1703 de Ana Teresa – Pr n.º 156, solteira, filha de António Cardoso do Amaral.

fls. 26 v img. 52 – Dep. de 26-9-1703 de Gaspar Mendes Henriques – Pr. n.º 151, natural de Trancoso e residente em Lisboa

fls. 28 v img. 56 – Dep. de 7-10-1704, de José de Macedo Correia – Pr. n.º 2363, natural e residente em Lisboa

fls. 31 img. 61 – Dep. de 8-10-1704, de Guiomar Sanches da Rosa – Pr. n.º 2356, casada com José de Macedo Correia, natural e residente em Lisboa

fls. 33 v img. 66 – Dep. de 15-10-1704, de Miguel Lopes de Leão – Pr. n.º 2112, filho de Sebastião Dias da Silva, advogado, natural e residente em Lisboa.

fls. 36 v img. 72 – Dep. de 29-10-1704, de Francisco Correia de Araújo – Pr. n.º 9345, natural e morador em Lisboa

fls. 38 img. 75 – Dep. de 30-6-1705, de Manuel Franco – Pr. n.º 3406, natural e morador em Lisboa

fls. 40 img. 79 – Dep. de 21-6-1703, de Maria de Campos – Pr. n.º 1945.

 

fls. 42 img. 83 – Certidão de baptismo da testemunha Ana Teresa em 2-8-1684.

fls. 42 v img. 84 - Certidão de baptismo da testemunha  Filipa Maria em 28-10-1685

fls. 43 img. 85 - Certidão de baptismo da testemunha Guiomar Sanches da Rosa em 7-4-1679

 

Mais culpas:

fls. 45 img. 89 – Dep. de 13-9-1706, de sua mulher Jerónima Maurícia de Manganês – Pr. n.º 5378 e 5378-1, natural de Setúbal e residente em Lisboa.

fls. 46 img. 91 – Dep. de 20-12-1706, de Grácia Henriques – Pr. nº 7521, de Évora, casada com Martinho Rodrigues Pereira, natural de Lisboa e moradora em Beja.

fls. 47 img. 93 – Dep. de 18-11-1706, de Leonor Maria – Pr. n.º 5098 e 5098-1, filha de Duarte Mendes, natural e moradora em Lisboa

fls. 47 v img. 94 – Dep. de 3-1-1707, de António Lopes da Silva – Pr. n.º 9117, filho de Sebastião Dias da Silva, natural e morador em Lisboa.

fls. 48 v img. 96 – Dep. de 10-1-1707, de seu cunhado João Pinto Correia, de 15 anos – Pr. n.º 1388, filho de Tomás Pinto, natural de Setúbal e morador em Abrantes

fls. 49 v img. 98 – Dep. de 30-5-1707, de Guiomar Henriques – Pr. n.º 9114, solteira, filha de Sebastião Dias da Silva.

fls. 52 img. 103 – Dep. de 12-8-1706, de Violante Pereira – Pr. n.º 2973 e 2973-1, casada com João Lopes Castanho, advogado, natural de Fronteira e residente em Lisboa

fls. 54 img. 107 – Dep. de 23-9-1707, de Catarina Henriques – Pr. n.º 1389, solteira, filha de Sebastião Dias da Silva, natural e morador em Lisboa

fls. 56 img. 111 – Dep. de 24-9-1707 de Ana Maria Henriques – Pr. n.º 1706, solteira, filha de Sebastião Dias da Silva

fls. 60 img. 119 – Dep. de 24-10-1707, de João Lopes Castanho – Pr. n.º 1710 e 1710-1, advogado, natural de Moura e residente em Lisboa.

fls.62 img. 123 – “Papéis que escreveu o Réu António Tavares antes e depois da sua revogação, para cujo efeito veio à Mesa pedir papel e tudo o que neles se contém é só a fim de fazer boa a sua revogação, e depois que assentou, não pediu mais papel.”

São 17 páginas, entregues à Mesa em 28 de Fevereiro de 1707, data em que foi declarar que revogava todas as suas confissões.

fls. 73 img. 145 – 6-12-1702 – Inventário

Não tem bens de raiz. Os móveis de sua casa são de sua sogra Margarida Correia (Pr. n.º 8273 e 8273-1). Declarou alguns créditos que tem sobre diversas pessoas.

fls. 75 img. 149 – 2-12-1702 - GENEALOGIA

Chama-se António Tavares, tem 28 anos, é casado com Jerónima Maurícia de Manganês, é natural e morador em Lisboa

É filho de Francisco da Costa Pessoa (Pr. n.º 5386 e 5386-1), cristão novo, e de Crispina dos Santos, cristã velha, moradores em Lisboa. O Pai casou depois com Leonor Dias da Silva e a seguir com  Inês Mendes de Campos (5094 e 5094-1)

Avós paternos já defuntos: Gonçalo Guterres e Brites Pessoa (Pr. n.º 11057)

Tem um tio por parte de seu pai, Gonçalo (na realidade é Gaspar) Guterres, casado não sabe com quem, que tem uma filha da qual não sabe o nome.

Por parte de sua mãe tem duas tias, Soror Mariana de São Tiago, Religiosa no Convento de Santa Ana, nesta cidade e outra de que não sabe o nome que é Religiosa no Convento de Cós.

Não tem irmãos nem meios irmãos e não tem ainda filhos.

 

fls. 78 img. 155 – 23-12-1702 – Sessão in genere

Negou ter feito algum dia alguma cerimónia judaica, jejum, oração ou prática.

fls. 82 img. 163 – 30-1-1703 - Sessão in specie

Perguntado pelo factos constantes das denúncias, disse sempre que era tudo falso.

fls. 85 img 169 – 31-1-1703 – Admoestação antes do libelo. Libelo

Lido o libelo, disse que era tudo falso, que tinha defesa com que vir e queria estar com um Procurador. Foi-lhe nomeado Procurador o Dr. Francisco de Quintanilha.

fls. 89 img. 177 – 5-2-1703 – Termo de Procurador

fls. 90 img. 179 – 7-2-1703 – Estância com o Procurador

fls.91 img. 181 – Traslado do libelo, entregue ao Procurador e devolvido

fls. 93 img. 185 – Defesa – contestação por negação

O Procurador argui: a) Sempre foi bom cristão; b) frequentava os sacramentos: ia à missa nos dias de preceito, confessava-se e comungava amiudadas vezes; c) acompanhava o Santíssimo, pedia esmolas para as Confrarias , frequentando a Igreja regularmente; d) em sua casa comia de tudo, incluindo carne de porco, peixe de pele e coelho.

Indica testemunhas.

fls. 93 v img. 186 – 7-2-1703 – Os Inquisidores mandam ouvir as testemunhas.

Como é costume, esta defesa não tem qualquer importância, porque os Inquisidores não fazem qualquer caso dela, nunca a mencionam na decisão.

O Cura de S. Julião não se entusiasma muito a defendê-lo pois diz que nunca o viu confessar-se e comungar.

António Rodrigues Barros é mais assertivo a testemunhar ao actos de católico praticados pelo réu.

José Garcia diz também que o réu lhe parece bom católico, frequenta as Igrejas e os Sacramentos e servia na Confraria do Santíssimo de S.to Estêvão de Alfama.

fls. 100 img. 199 – 1-3-1703 – Termo de citação para formar interrogatórios

fls. 101 img. 201 – 1-3-1703 – Estância com Procurador.

fls. 103 img. 205 – O Procurador escreve uma série de perguntas para as testemunhas serem reperguntadas.

fls. 104 img. 207 – Reperguntadas as testemunhas Gaspar de Sousa, Diogo Nunes, Catarina Maria e Maria de Campos.

fls. 117 img. 233 – 25-4-1703 - Requerimento do promotor para publicação - Admoestação antes da publicação

Lida a prova da justiça, o réu disse ter contraditas com que vir, para o que esteve com o Procurador em 4-5-1703

Através do seu Procurador, alegou vários artigos de coarctadas e de contraditas, mas nem todos foram aceites.  Toda a defesa teve muito pouca importância no processo e o réu apenas conseguiu contraditar um pouco o depoimento de Miguel Lopes de Leão, alegando a sua inimizade e a de seu pai com o advogado, como veremos a seguir.

Uma testemunha disse que ele tinha inimizade com a sua madrasta Inês Mendes de Campos, e com as irmãs desta, Maria de Campos e Guiomar Sanches da Rosa. porque desaprovara o casamento de seu pai Francisco da Costa Pessoa com ela, sendo trinta anos mais nova.

fls. 170 img. 339 – 12-7-1703 – Termo de citação para mais prova

fls. 172 img. 343 – 13-7-1703 – Reperguntada a testemunha Filipa Maria

fls. 175 img. 349 – 13-7-1703 - Requerimento do promotor para publicação - Admoestação antes da publicação

fls. 177 img. 353 – Publicação da prova da justiça – Interrogado disse que tem defesa com que vir e que quer estar com o Procurador, o que aconteceu no mesmo dia.

fls. 179 v img. 358 – Na defesa, o Procurador elenca muitos mais inimigos do réu, com destaque para todas as cunhadas de seu pai.

fls. 181 img. 361 –7-8-1703 -  Nomeação de testemunhas

fls. 193 img. 385 – 11-8-1703 – Termo de citação para mais prova

fls. 195 img. 389 – 9-10-1703 – Citação de mais prova

fls. 198 img. 395 – 21-1-1704 – Reperguntados Ana Teresa, Gaspar Mendes Henriques

fls. 204 img. 407 – 4-2-1704 - - Requerimento do promotor para publicação - Admoestação antes da publicação

fls. 205 img. 409 – Publicação da prova da justiça – Disse que era tudo falso. Tem contraditas com que vir e quer estar com o Procurador, o que aconteceu em 4-2-1704.

fls. 207 v img. 414 – Defesa do Procurador, elencando mais inimigos: Manuel Correia (viúvo de sua irmã Brites), seu cunhado, João Lopes Castanho, advogado, João da Costa Vila Real, Pedro Álvares.

fls. 210 img. 419 – 19-9-1704 – O réu pediu para estar com o seu Procurador a fim de elaborar mais defesa de contraditas, isto é, indicar mais inimigos. Refere entre outros os advogados Miguel Lopes de Leão e João Lopes Castanho

fls. 212 img. 423 – 25-9-1704 – Nomeação de testemunhas às contraditas

fls. 215 img. 429 – 13-7-1706 – Interrogatório das testemunhas às 3.ªs contraditas.

fls. 236 img. 471 – 11-11-1704 - Citação demais prova

fls. 240 img. 479 – 12-11-1704 – Reperguntado Miguel Lopes de Leão

Ultimamente, não falava nem com o réu nem com o pai dele. Primeiro teve diferenças com o pai do réu, mas com este “ainda se corria de chapéu e de Guarde Deus Vossa Mercê”. A razão principal, foi o pai do réu ter casado com a mulher pertencente a uma família com quem ele testemunha se não dava. Depois ele negou-se a ser procurador do pai do réu nas causas dele. Quatro ou cinco meses mais tarde, o réu interpelou seu pai à frente dele testemunha pedindo-lhe alimentos e ele testemunha chamou-o “tolo” e por isso deixaram de se falar.

fls. 244 img. 487 – 12-11-1704 – Reperguntado José de Macedo Correia

Este disse que não era inimigo do réu.

fls. 248 img. 496 – 2-12-1704 – Reperguntada Guiomar Sanches da Rosa que disse também não ser inimiga do réu.

fls. 251 img. 501 – 16-12-1704 – Reperguntado Francisco Correia de Araújo

fls. 254 img. 507 – 16-3-1705 - Requerimento do promotor para publicação - Admoestação antes da publicação

fls. 255 img. 509 – Publicação da prova da justiça. Disse que era tudo falso. Tem contraditas com que vir e quer estar com o Procurador, o que aconteceu em 27-3-1705.

fls. 259 img. 517 – O Procurador alegou uma coarctada.

fls. 261 img. 521 – 15-7-1706 – Mais prova às contraditas

fls. 273 img. 545 – 30-6-1705 - Citação demais prova

fls. 273 v img. 546 – 8-7-1705 – Tem novo procurador, o Licenciado Manuel da Costa de Oliveira.

fls. 277 img. 553 – 11-7-1705 – Reperguntado Manuel Franco

fls. 280 img. 559 – 11-7-1705 - Requerimento do promotor para publicação - Admoestação antes da publicação

fls. 281 img. 561 – Publicação da prova da justiça. Disse que era tudo falso. Tem contraditas com que vir e quer estar com o Procurador, o que aconteceu no mesmo dia, 11-7-1705. O Procurador não alegou contraditas, apenas ofereceu os mesmos interrogatórios.

fls. 284 img. 567 – 20-7-1706 - Citação demais prova

fls. 288 img. 575 – 21-7-1706 – Reperguntada Maria de Campos. Disse que não é inimiga do réu

fls. 291 img. 581 – 21-7-1706 - Requerimento do promotor para publicação - Admoestação antes da publicação. Disse que era tudo falso. Tem contraditas com que vir e quer estar com o Procurador, o que aconteceu no mesmo dia.

fls. 296 img. 591 – 28-7-1706 – Assento da Mesa

O Inquisidor Paulo Afonso de Albuquerque redigiu um longo texto de letra miudinha, como era seu costume. Ele e o Deputado Fr. António Pacheco acham que o réu ainda não está convicto no crime de heresia. Vai elencando as razões que debilitam o crédito das testemunhas e conclui que ele seja posto a tormento onde sofra todo o que puder aguentar  a juízo do médico e do cirurgião e arbítrio do Inquisidores. O outro Inquisidor e os restantes Deputados acham que o réu está convicto no crime de heresia por “não haver o dito Réu provado em sua defesa, coarctadas  e contraditas, coisa que gravemente lhe debilitasse a prova que tem contra si, antes esta se acha mais corroborada, alegando-se e não se provando as tais contraditas, sem que se possa dar diminuição ainda que pouca a mais que a 10.ª testemunha, Miguel Lopes de Leão, assim por haver dito no tormento como por se achar bastantemente tocada na contradita…”. Por isso, entendem que deve ser relaxado à Justiça secular.

fls. 302 img. 603 – Assento do Conselho Geral

Seja relaxado à Justiça secular.

fls. 304 img. 607 – Citação de mais prova

fls. 308 img. 615 – 18-8-1706 - Reperguntada Violante Pereira Soares

fls. 311 img. 621 – 18-8-1706 - Requerimento do promotor para publicação - Admoestação antes da publicação. O Réu disse que era tudo falso, mas que não tinha contraditas e nem queria estar com o seu Procurador. Mas o Inquisidor mandou-o estar com o seu Procurador o que aconteceu no mesmo dia.

fls. 316 img. 631 – 18-8-1706 – Testemunhas às contraditas

fls. 318 img. 635 – 29-8-1706 – Auto de notificação aos quinze dias – É notificado de que está convicto no crime de heresia.

fls. 319 img. 637 – 10-9-1706 – Auto de notificação de mãos atadas, dois dias antes do auto da fé.

fls. 320 img. 639 – Sentença- Pediu mesa no cadafalso para fazer confissões.

fls. 323 img. 645 – 12-9-1706 – Confissão no auto. O réu tem medo de morrer e dispõe-se a confessar.

Denuncia seu pai, Francisco da Costa Pessoa, seu cunhado Manuel Correia, sua irmã falecida esposa deste, Brites da Costa e sua irmã Ângela,  sua madrasta Leonor Dias da Silva (há sete anos), sua mulher Jerónima Maurícia, Luis de Sousa de Sequeira, José de Macedo Correia, Maria de Campos, Guiomar Sanches e Inês Mendes (sua madrasta), Ursula Antónia (Pr. n.º 7730) , Antónia Correia de Faria (Pr. n.º 102), Manuel Pinhão (Pr. n.º 3678 e 3678-1), Pedro Alvares (Pr. n.º 2794), Branca Cardoso (Pr. n.º 9435) , Guiomar Sanches, Maria de Campos, Inês Mendes, e Jorge Álvares, Francisco de Morais Pereira (Pr. n.º 946), Gaspar de Sousa, Diogo Nunes, Catarina Maria, João da Costa (Pr. n.º 549), Alexandre da Costa (Pr. n.º 7701), Filipa Maria, Miguel Lopes de Leão (Pr. n.º 2112) e um irmão deste de que não sabe o nome, Gaspar Gomes Chacão, uma viúva chamada Helena, Beatriz Vaz, Rafael Sanches de Campos e Bento da Costa, ausentes, Francisco Xavier, que faz cabeleiras, de novo Guiomar Sanches, Maria de Campos com sua sogra Margarida Correia (Pr. n.º 8273 e 8273-1), Maria Soares Pereira (Pr. n.º 667 e 667-1), Violante Pereira  (2973 e 2973-1).

Estas foram umas confissões muito atabalhoadas e reduzidas ao mínimo: “Há X. anos, na cidade de L., se achou com F., S.,B., e estando todos Y., se declararam por crentes e observantes da Lei de Moisés”.  Por exemplo, denuncia sua irmã defunta Brites da Costa e também uma irmã de nome Ângela, quando a primeira tinha falecido ainda ele era miúdo e nessa altura, sua irmã Ângela ainda não tinha nascido (não se consegue ver do processo se esta irmã era viva ou já falecera). O medo que tinha da morte era tão grande que no final desta sessão declarou para o processo: “Disse que lhe dessem mil anos de galés e que lhe não tirassem a vida”.

fls. 328 img. 655 – 12-9-1706 – Crença

Diz que se apartou da Fé Católica há 19 anos e que depois disso viveu na Lei de Moisés. Não cria no mistério da Santíssima Trindade nem na divindade de Cristo. Não cria nos Sacramentos da Igreja. E que a crença lhe durara até ser preso.

fls. 331 img. 661 – 12-9-1706 – Assento da Mesa

“…e pareceu a todos os votos excepto ao Inquisidor D. João de Sousa, Deputados Fr. António Pacheco, D. Afonso Manuel de Menezes, D. Francisco de Sousa e D. João de Mendonça, que o Assento do Conselho Geral estava alterado e que o Réu devia ficar reservado (…) suposto confessar suas culpas com mostras e sinais de arrependimento, dizendo de seu pai, relapso ainda que ausente depois da sua prisão, e de sua mulher, irmãs, e assentando na crença de seus erros, visto que o réu pediu mesa antes de sair da porta dos cárceres e de ver sua mulher (…) e ao dito Inquisidor e deputados pareceu que o Assento não estava alterado, porque as confissões do Réu não eram de receber, em razão de não dizer da testemunha sua sogra em forma (…) e como confitente diminuto e impenitente, devia ser relaxado à Justiça secular (…)”

fls. 334 img. 667 – 12-9-1706 – Assento do Conselho Geral

Atendendo às confissões que fez no cadafalso, assentou-se que fique reservado.

fls. 336 img. 671 – 13-9-1706 - Mais confissão

Denuncia João Mendes da Cunha (Pr. n.º 4694), as tias de sua madrasta Inês Mendes de Campos, Ângela Maria Sanches e Eugénia de Campos, seu pai Francisco da Costa Pessoa com o médico Diogo Nunes Brandão, de novo a madrasta Inês Mendes, com suas irmãs, Maria de Campos, viúva, e Guiomar Sanches, com o marido desta, José de Macedo Correia, a esposa dele réu, Jerónima Maurícia de Manganês, e dois irmãos desta, chamados Filipa e João, a sogra, Margarida Correia, Úrsula Antónia, filha de Manuel Pinhão, Ana Maria com sua filha Teresa e D. João Ximenes de Aragão (Pr. n.º 2610, de Évora – mas este não era cristão novo, como ele diz), António Gomes, barbeiro, solteiro, D. Maria filha de Joana, casada com João Pereira, Maria de Campos, quando ainda vivia o marido Luis de Sousa, boticário, com as irmãs dela, Guiomar Sanches e marido José de Macedo Correia, Inês Mendes, sua madrasta, Leonor Maria da Rosa  (Pr. n.º 5098 e 5098-1), Micaela Arcângela (Pr. n.º 7511 e 7511-1), irmã de sua mulher e marido Manuel Ferreira (Pr. n.º 1955), Francisco de Chaves, médico, casado com Violante Pereira (Pr. n.º 10069), João Lopes Castanho, advogado  (Pr. n.º 1710 e 1710-1), Lourenço Formeiro e seu filho Manuel, sua mulher de novo com Violante Pereira (Pr. n.º 2973 e 2973-1)  e Maria Soares Pereira (Pr. n.º 2795) e uma enteada desta, filha de Manuel Franco, Helena Maria da Silva (Pr. n.º 3681), e ainda João Lopes Castanho, Nicolau Correia,  a irmã deste Antónia Correia (Pr. n.º 102), e uma filha Úrsula Antónia (Pr. n.º 7730) com Diogo Cardoso Coutinho (Pr. n.º 10168), seus cunhados Tomás Pinto (Pr. n.º 1004) e Manuel Pinto, seu tio, Gonçalo Guterres, e uma filha deste de quem não sabe o nome, Miguel Lopes de Leão (Pr. n.º 2112), João Gabriel de Sousa, irmão do anterior que vive em Leiria, com quatro irmãs deles, das quais só sabe o nome de uma que é Ana, e ainda dois irmãos chamados António Lopes da Silva e Manuel Cristóvão.

fls. 348 img. 695 – 23-9-1706 – Mais confissão

Denuncia sua madrasta, Inês Mendes de Campos, uma irmã do falecido boticário Luis de Sousa, viúva, que não sabe identificar, dois filhos desta a saber, uma filha casada com um ourives de ouro, e um filho que é mercador em Azeitão, a mãe do referido Luis de Sousa, Guiomar Sanches e um cunhado do mesmo Luis de Sousa que é ourives de ouro; seu tio Gonçalo Guterres e a filha, sua prima de quem não sabe o nome (!), com cerca de 18 anos, João da Costa (Pr. n.º 549) que agora está preso no Santo Ofício, sua madrasta de novo e duas irmãs desta, Maria de Campos e Guiomar Sanches, e três tias destas chamadas as “Leandras”, que não sabe identificar (o Inquisidor põe à margem “Ângela Maria Sanches, Eugénia Maria de Campos e outra”), Isabel Maria da Rosa, já defunta e o marido de quem não sabe o nome, e um filho destes, de quem não sabe o nome, Francisco da Mota e Veiga, advogado (Pr. n.º 3362), Pedro Gomes, contratador do tabaco, Duas tias de sua mulher de que não sabe o nome, e o pai delas, de que também não sabe o nome, e um irmão de sua mulher de que também não sabe o nome (!).

As “confissões” tornam-se cada vez mais confusas e vagas. Apesar de tudo, os “qualificadores” no final dizem que acham que ele fala verdade e merece crédito ordinário! E, no processo do Dr. Francisco da Mota e Veiga, lá aparece o depoimento de António Tavares da Costa para o condenar, embora apenas a abjuração de levi. Este advogado da Casa da Suplicação obteve depois licença do Santo Ofício para ir viver para Roma.

fls. 355 img. 709 – 28-9-1706 – Mais confissão

Denuncia António Carreira, mercador de mercearia na Chamusca, casado não sabe com quem, a mulher e um sobrinho deles, de quem não sabe o nome, de novo sua madrasta Inês Mendes de Campos, as irmãs desta, Maria de Campos e Guiomar Sanches, Manuel Lopes Ilhoa e mulher Isabel Josefa, e um filho destes, de que não sabe o nome, um sobrinho ou parente de João Lopes Castanho, advogado, de quem não sabe o nome.

fls. 359 img. 717 – 6-11-1706 – Mais confissão

À denúncia que fizera em 13 de Setembro das irmãs de sua madrasta, acrescenta Leonor Maria da Rosa (Pr. n.º 5098 e 5098-1), que tem… 13 anos (!).

fls. 361 img. 721 – 28-2-1707 - Termo de como este réu se quer revogar

Foi à Mesa dizer que sempre foi bom cristão e bom Católico e que as denúncias que tinha feito eram todas falsas, porque tinha todas as pessoas de que falara na conta de bons cristãos. Fizera as confissões apenas por medo da morte.

O Inquisidor disse-lhe que lhe parecia ser aquela atitude uma tentação do demónio, que lhe queria impedir o descargo da sua consciência.

Nesta data, entregou o réu na mesa as 17 páginas que aparecem a fls. 63 do processo, onde relata minuciosamente como todas as denúncias que fizera eram totalmente falsas, uma mentira pegada. Muitas das pessoas que denunciara, nunca as vira e muitas também, nunca falara com elas. Fora o medo da morte, ao ver-se de mãos atadas e condenado, que o impelira a fazer tais confissões.

fls. 363 img. 725 – 21-3-1707 – Revogação

Declara revogar todas as suas confissões que fez desde 12 de Setembro inclusive pois, se as fez, foi apenas para salvar a vida.

fls. 371 – img. 741 – 29-3-1707 – Exame sobre a revogação

Repetiu que todas as suas confissões haviam sido falsas. O Inquisidor mandou ler as confissões que ele fizera em 12, 13, 23 e 28 de Setembro e 6 de Novembro de 1706 e ele repetiu que era tudo falso. Disse que muitas pessoas das contra que depôs, conhecia, e tratava, e de outras muitas, com que não tinha trato, depusera, para que não o delatassem falsamente, como as de que se lhe publicaram os ditos.

Perguntado por que denunciara tanta gente, “Disse que a causa que tivera para depor contra as tais pessoas falsamente, fora por livrar a vida, e pensando que eram seus inimigos que haviam dado nele. ” Denunciara as pessoas que não conhecia por não lidar com elas, por lhe ouvir os nomes, mas exceptuou o médico de Azeitão (Gaspar de Sousa), a mulher e os cunhados e um filho do Dr. Samuda (Pedro Lopes Henriques), porque os nomes destes os soubera nos cárceres da Inquisição (!).  Disse ao Inquisidor que está bom do juízo, sabe o que faz.

Foi admoestado pelo Inquisidor e mandado para o cárcere.

fls. 376 img. 751 – 5-4-1707 – Assenta nas suas confissões

Pediu mesa dizendo que assenta nas suas confissões e deixa o caminho da sua revogação. Disse que se revogou por tentação do demónio e que as suas confissões foram verdadeiras. Desiste da revogação. O Inquisidor diz-lhe que tomou muito bom conselho!

Repete as denúncias principais que são descritas pormenorizadamente de novo no processo.

fls. 382 img. 763 – 27-4-1707 – Termo de como este Réu se quer revogar

Pediu audiência para dizer que se quer revogar de novo. Depusera falsamente apenas para conservar a vida.

fls. 383 img. 765 – 6-5-1707 – Segunda revogação

Persiste na revogação. Tinha assentado nas suas confissões falsamente.

Foi admoestado como de costume.

fls. 386 img. 771 – 10-5-1707 – Admoestação antes do libelo. Libelo

Ouvido o libelo, disse que tinha defesa com que vir e queria estar com o Procurador, o que aconteceu no dia seguinte, 11 de Maio. Porém disse ao Procurador que queria falar na Mesa, “e se não concluiu coisa alguma por ora quanto à sua defesa”, escreveu o Procurador.

fls. 395 img. 789 – 16-5-1707 – Termo de como o réu pediu 3 vezes audiência e em 2 delas, tempo para se deliberar, a respeito de assentar ou não em suas confissões, e 3.ª em que queria estar com o traslado do segundo libelo da Justiça e persistir em suas revogações.

fls. 396 img. 791 – 17-5-1707 – Estância com o Procurador. No final do traslado do libelo, o Procurador escreveu: “O Réu António Tavares assenta nas suas confissões e declara que as que fez nesta Mesa são verdadeiras. E está muito arrependido de as haver cometido. E delas pede perdão e misericórdia e suposto induzido pelo demónio se revogasse as ditas confissões, foi por o persuadir o mesmo demónio à sua imaginação que,  sem embargo das tais confissões, o condenariam à morte. E de se ter revogado pede perdão e que com ele se use de misericórdia. E espera da piedade de V. Senhorias lha conceda e o receba ao Grémio da Santa Madre Igreja.”

fls. 400 img. 799  - 18-5-1707 – Certidão do Notário Manuel Rodrigues Ramos

O Licenciado Francisco de Quintanilha pediu Mesa para dizer “que nesta mesma manhã havia estado numa das casas das audiências desta Inquisição com o Réu, António Tavares da Costa, com o traslado do libelo da Justiça, e suposto nele lhe formasse uma cota dizendo que o dito Réu assentava em suas confissões, contudo o dito Réu antecedentemente por três vezes lhe dissera que só queria estar por sua revogação, porque sempre havia de morrer, e o não acharia mui constante, até que ficou no que diz na dita cota, que lhe formou no traslado do dito libelo, de querer estar por suas confissões e, sendo o Réu António Tavares da Costa chamado à Mesa (…), e perguntando-lhe o mesmo Senhor Inquisidor se queria assentar na verdade de suas confissões, ou na revogação que havia feito das mesmas, o dito Réu respondeu que estava pelo que quisessem, depois do que tornou a dizer que estava pelas suas confissões, por serem verdadeiras e assim lho aconselhar seu Procurador, lhe era conveniente (…)”

fls. 401 img. 801 – 24-5-1707 – Certidão do Notário Fabião Fernandes

Certifica que, ouvido o Réu em Mesa nos dias 18 e 23 de Maio, perguntando-lhe o Inquisidor Paulo Afonso de Albuquerque se queria assentar em suas confissões ou persistir nas suas revogações, respondeu em ambas as ocasiões que ele era cristão e sempre o fora, e que assim queria persistir em suas revogações, para não levantar falso testemunho às pessoas contra quem havia deposto falsamente nesta Mesa, dizendo tinham crença na Lei de Moisés.  Foi mandado a seu cárcere. E no dia 24, vindo à Mesa, perguntando-lhe o Inquisidor o mesmo, respondeu que queria assentar em suas confissões porque o que nelas havia deposto era verdade, e assim o declarava para descargo da sua consciência e salvação da sua alma.

fls. 402 img. 803 – 24-5-1707 – Termo em como persiste e se ratifica em suas revogações

fls. 405 img. 809 – 25-5-1707 – Citação para mais prova

fls. 406 img. 811 – 25-5-1707 – Estância com o Procurador. Cópia das provas da Justiça. O Procurador pede que as testemunhas sejam reperguntadas pelos interrogatórios antes oferecidos.

fls. 409 img. 817 – 28-8-1707 – Comissão ao Algarve

fls. 410 img. 819 – Comissão a Évora para ser reperguntada Grácia Henriques

fls. 418 img. 835 -25-5-1707 – Certidão do Notário Fabião Fernandes

O réu pediu mesa para dizer que queria que lhe dessem um confessor. Disse que sempre fora bom cristão e disse a seguir que queria assentar nas suas confissões . Perguntando-lhe o Inquisidor se isso era verdade respondeu que “seria, será e finalmente que o era, mostrando em tudo suma variedade, sem que se pudesse fazer juízo certo no que assentava o dito réu; o que visto pelo Senhor Inquisidor, o mandou ao seu cárcere…”

fls. 419 img. 837 – 26-5-1707

Declara persistir na sua revogação.

fls. 421 img. 841 – 26-5-1707 – Reperguntas

fls. 433 img- 865 – 30-5-1707 – Assenta em suas confissões

O réu assenta em suas confissões e acrescenta algumas cerimónias aos delatos.

- Há 4 anos, na Ribeira de Alcântara, na quinta de Francisco Manuel, o Cabra: sua madrasta Inês Mendes, as irmãs desta, Maria de Campos e Guiomar Sanches, sua mulher, Jerónima Maurícia de Manganês, seus cunhados Filipe e João, sua sogra, Margarida Correia, Úrsula Antónia Catarina, e seu pai Francisco da Costa Pessoa, a irmã da madrasta Leonor Maria da Rosa.

- Há 4 anos, em Lisboa, em casa de seu pai: seus cunhados Filipe e João, Manuel Pinhão Fragoso, sua sogra Margarida Correia, sua madrasta Inês Mendes, irmãs desta, Maria de Campos e Guiomar Sanches, sua mulher Jerónima Maurícia de Manganês.

- Há 4 anos, pouco mais ou menos, em Lisboa, em casa dele confitente: sua sogra Margarida Correia, Violante Pereira, mulher de João Lopes Castanho, uma irmã desta chamada Maria Soares Pereira, mulher de Manuel Franco, duas filhas da Violante Pereira, sua mulher, Jerónima Maurício, e com D. Maria, viúva e duas filhas desta, a mulher de Francisco de Chaves, médico.

- Há 5 anos, em Lisboa, em casa de seu pai: Diogo Cardoso, e José de Macedo Correia, ambos estudantes em Coimbra, Inês Mendes, Maria de Campos, Guiomar Sanches.

- Há 4 anos, em Lisboa, em casa dele confitente: sua mulher, Jerónima Maurícia de Manganês, Francisco de Chaves, médico, casado com uma moça de Torres Novas de quem não sabe o nome, sua sogra D. Margarida Correia.

- Há 5 anos, em Lisboa em casa de seu pai: seu pai, Francisco da Costa Pessoa, João da Costa, soldado, filho de Manuel da Costa.

fls. 439 img. 877 – 7-6-1707 – Certidão do Notário Fabião Fernandes

Certifica que a 30 de Maio, o Réu pediu Mesa e disse “queria assentar em suas confissões por ser contra toda a verdade o haver-se revogado delas, e ao mesmo tempo e na mesma audiência disse que era bom cristão, e católico romano, e logo tornou a dizer que queria assentar em suas confissões e sendo advertido e admoestado que descarregasse a sua consciência e assentasse na verdade, disse ele que queria ir para seu cárcere cuidar e que de tarde viria; e vindo com efeito na tarde do mesmo dia à Mesa, se portou com a mesma variedade, e veio a assentar em que estava por suas confissões, o que se lhe tomou por termo, e em todas elas se houve com muito mau modo, mostrando que confessava mais por ver se podia escapar do castigo, do que por arrependimento da culpa e finalmente depois de se lhe acabar de tomar a dita sessão, disse que não estava por isso, porém logo tornou a dizer que assentava em tudo, mas sempre com muito mau modo, e por todo o sobredito passar na verdade, passei a presente de mandado dos Senhores Inquisidores…”

Esta certidão do Notário tem muito interesse sobretudo pelo “mau modo” que ele nota no réu. Na Inquisição, nenhum réu com maus modos era absolvido. Tinha de se mostrar humilhado, completamente amarfanhado no seu carácter e na sua personalidade.

fls. 440 img. 879 – 7-6-1707 – Persiste em sua revogação

Disse que persistia na sua revogação e sempre fora bom cristão e Católico romano.

fls. 442 img. 883 – 10-6-1707 - Citação para mais prova.

fls. 443 img. 885 – 10-6-1707 – Estância com Procurador. Este oferece os mesmos interrogatórios para reperguntar as testemunhas.

fls. 445 img. 889 – 10-6-1707 – Reperguntada Guiomar Henriques

fls. 449 img. 897 – 14-7-1707 -

O réu pedira Mesa para fazer algumas declarações de uns escrúpulos com que se achava.

Há seis anos, em Lisboa, em casa de seu compadre José Garcia se achou com João da Costa, soldado, Maria do Ó, esposa do José Garcia.

Há 5 anos, em Lisboa, em casa de seu pai: sua madrasta Inês Mendes, as irmãs desta Maria de Campos e Guiomar Sanches.

Narra umas histórias todas conducentes a comprovar as convicções judaicas das pessoas indicadas.

Aqui, os “qualificadores” não lhe deram nenhum crédito.

fls. 452 img. 903 – 27-7-1707 – Estância com Procurador

fls. 453 img. 905 – Idem.

Escreve o Procurador: “O Réu António Tavares da Costa não tem mais contraditas que fazer nem mais que requerer. E assim quer ser sentenciado pelo merecimento dos autos.”

fls. 455 img. 913 – 20-9-1707 - Requerimento do promotor para publicação - Admoestação antes da publicação

Lida a prova da justiça, o Réu disse que era tudo falso. Disse que não tinha contraditas com que vir e, ainda que as tivesse, não queria estar com o Procurador. Mas o Inquisidor mandou que estivesse com ele, o que aconteceu em 22 e 23 de Julho.

fls. 459 img. 921 – 23-9-1707 – O Procurador diz que o réu não quer formar mais contraditas. Mas, em face das suas confissões, espera ser absolvido.

fls. 460 img. 923 – 27-9-1707 – Termo de citação de mais prova

fls. 461 img. 925 – 27-9-1707 – Estância com Procurador

Não quer formar contraditas.

fls. 464 img. 931 – 1-10-1707 - Reperguntada Catarina Henriques.

fls. 467 img. 937 – 2-10-1707 - Reperguntada Ana Henriques

fls. 470 img. 943 – 3-10-1707 - Requerimento do promotor para publicação - Admoestação antes da publicação

O réu disse que era tudo falso. Não tinha contraditas com que vir, nem para que estar com seu Procurador.  Mas esteve com o Procurador no dia 6 de Outubro.  Este diz que o réu quer ser sentenciado pelo merecimento dos autos.

fls. 475 img. 953 – 5-10-1707 – Assento da Mesa

Pareceu a todos os votos que não estava alterado o Assento do Conselho Geral de 13-8-1706, em que o réu foi mandado relaxar à Justiça secular como convicto no crime de judaísmo, heresia, e apostasia. Na sua defesa, o réu não conseguiu debilitar a prova da justiça, a qual “era mais que suficiente e superabundante para o convencer no dito crime, principalmente não havendo o Réu alegado coisa com que justifique sua revogação, nem mostrando erro em suas confissões, antes que o são mui conformes com a prova da justiça, certas e verosímeis, conferindo e contestando ainda no essencial quase em tudo umas com a outra, devendo-se presumir o serem verdadeiras, assentado por haver assentado nelas, antes de as revogar, segunda e mais vezes, aprovando quase toda a prova da justiça, como também pela presunção de Direito que lhe assiste,  e que a dita revogação lhe não deve ser admitida, assentando sobre a dita prova, a fim de o poder livrar da pena ordinária e se poder usar com ele de misericórdia, de que se fez indigno pela sua impenitência, abusando tanto dela, quando só devia por meio do seu arrependimento, mostrar que a havia merecido, fazendo-se com uma grande demonstração dele, capaz de que se lhe pudesse continuar, e na mesma forma que esta Mesa costuma fazer com os mais réus que a buscam arrependidos e não persistir na sua obstinação, cego e pertinaz (…) e como herege e apóstata da nossa Santa Fé Católica, ficto, falso, simulado, confitente, variante e revogante, devia ser entregue à Justiça secular …”

fls. 477 img. 957 – 18-10-1707 – Assento do Conselho Geral

Confirma totalmente o Assento da Mesa: o réu será relaxado à Justiça secular.

fls. 479 img. 961 – 31-10-1707 – Citação de mais prova

fls. 479 v img. 962 – 31-10-1707 – Estância com Procurador. Este nada requer.

fls. 481 img. 965 – 31-10-1707 – Reperguntado João Lopes Castanho

fls. 484 img. 971 – 1-11-1707 - - Requerimento do promotor para publicação - Admoestação antes da publicação

O réu disse que era tudo falso. Não tinha contraditas com que vir, nem para que estar com seu Procurador.  Mas esteve com o Procurador no dia 2 de Novembro.  Este diz que o réu quer ser sentenciado pelo merecimento dos autos.

fls. 488 img. 979 – Sentença

fls. 494 v img. 992 – Anotação de a sentença ter sido publicada no auto da fé de 6-11-1707

fls. 496 img. 995 – Conta de custas: 39$376 réis

 

Transcreve-se a sentença da Relação, que transcreveu António Joaquim Moreira no 2.º volume, tomo 1.º, das Sentenças da Inquisição, pag. 137 do software:

 

Acordam em Relação, etc. Vista a sentença junta dos inquisidores, ordinário, e deputados da inquisição ser que se mostra o réu preso António Tavares da Costa ser herege apóstata da nossa Santa Fé Católica, convicto negativo no crime de judaísmo, e por tal relaxado à Justiça secular, vista a disposição de Direito em tal caso e Ordenação o condenam que com baraço e pregão por as ruas públicas, seja levado à Ribeira desta cidade e ali afogado de garrote, morra morte natural, e depois de morto será queimado e seu corpo feito por fogo em pó de maneira que nunca dele e de sua sepultura haja memória e o condenam outrossim em perdimento de seus bens para o fisco e Câmara Real, posto que ascendentes ou descendentes tenha, e a estes declaram por incapazes, inábeis, e infames, na forma de Direito e Ordenação, e pague as custas destes autos. Lisboa: e de Novembro 6, de 1707. Andrade // Moura // Baena // Noronha // D.or Carvalho // Campos

 

FRANCISCO DA COSTA PESSOA (Pr. n.º 5386 e 5386-1) – Terá nascido por volta de 1645. Sua mãe, Brites Pessoa esteve na Inquisição 1 ano e 9 meses, tendo sido presa em 13-8-1664. Na mesma altura, tinha ele 19 anos, apresentou-se na Inquisição e ficou por lá 15 dias, uma espécie de seguro para viver em paz. Era ainda solteiro. Depois casou com Branca Henriques ou Gonçalves; entretanto, com Crispina dos Santos, cristã velha,  teve António Tavares da Costa, que assim era filho bastardo.   Casou depois com Leonor Dias da Silva e finalmente por volta de 1700 com Inês Mendes de Campos que teria pouco mais de 20 anos. O casamento desagradou ao filho que se deu mal com a madrasta.  Esta foi presa juntamente com o filho dele no final de 1702. Ele deve ter tido algum palpite de que tinham dado nele e fugiu para França a tempo.

O filho denunciou-o no processo, tentando tranquilizar a consciência escrevendo que o pai já deveria ou poderia ter falecido, o que não era verdade.

Foram-se acumulando no processo as denúncias contra ele (as primeiras duas são anteriores à prisão da mulher e do filho):

Gaspar de Sousa, médico – Pr. n.º 4555

João da Costa – Pr. n.º 549

Mariana de Chaves – Pr. n.º 4554

Filipa Maria – Pr. n.º 4549

José Nunes Chaves – Pr. n.º 2382

Gaspar Mendes Henriques – Pr. n.º 151

Pedro Álvares – Pr. n.º 2794

Maria de Campos – Pr. n.º 1945

Guiomar Sanches – Pr. n.º 2356

Pedro Lopes Henriques – Pr. n.º 2792

José de Macedo Correia – Pr. n.º 2364

Branca Cardoso – Pr. n.º 9435

Miguel Lopes de Leão – Pr. n.º 2112

Manuel Franco – Pr. n.º 3406

Manuel Mendes Henriques – Pr. n.º 6784

Martinho Mascarenhas – Pr. n.º 8811

António Tavares da Costa – Pr. n.º 9112

Jerónima Maurícia Manganês – Pr. n.º 5378

António Lopes da Silva – Pr. n.º 9117

 

Foi condenado e relaxado em estátua à Justiça secular, no mesmo auto da fé de seu filho em 6 de Novembro de 1707.

Entretanto, sua esposa, Inês Mendes de Campos (Pr. n.º 5094 e 5094-1), fora libertada ao fim de dez meses, com a condenação habitual dos que confessavam: “Confisco de bens, abjuração em forma, cárcere e hábito perpétuo, penitências espirituais”. Mais tarde, a coitada quis ir ter com o marido a França, mas nem tentou pedir autorização ao Santo Ofício. Combinou com o marido que ele a viria esperar a Samora em Espanha, e partiu para Almeida, onde a Inquisição a prendeu em 6-10-1708, passando perto de dois anos na prisão, condenada por desobedecer às ordens do Santo Ofício.  Mais tarde, em 27-6-1710, conseguiu licença da Inquisição para ir ter com seu marido a França (Pr. 5094-1, última folha).

 

MARGARIDA CORREIA – Pr. n.º 8273 e 8273-1 – Terá nascido por volta de 1649. Foi presa em Maio de 1686 e ficou presa 2 anos e 2 meses, saindo com as penas habituais. Estava casada com Tomás Pinto, cristão velho, mercador e dele tinha 3 filhos e 2 filhas, a saber, José de 7 anos, Manuel de 6, Tomás, de 1 anos, Micaela Arcângela, de 1 ano e Jerónima Maurícia, de 3. Quando foi presa em Julho de 1705, já estava viúva, mas tinha tido mais dois filhos do marido, chamados Filipe, de 15 anos e João, de 14. No processo, estavam as denúncias de:

José de Macedo Correia – Pr. n.º 2363

Micaela Arcângela, sua filha – Pr. n.º 7511

Francisco Correia de Araújo – Pr. n.º 9345

António Tavares da Costa, seu genro – Pr. n.º 9112

João Pinto Correia, seu filho, de 15 anos (no tormento) – Pr. n.º 1388

 

A ré defendeu-se como pôde, mas as possibilidades eram muito poucas. No Assento da Mesa, em 15 de Outubro de 1707, o Inquisidor Paulo Afonso de Albuquerque concluiu que a prova não era suficiente para a ré ser condenada e que devia ficar reservada. Concordaram com ele todos os outros, menos o Deputado Afonso Manuel de Menezes, que foi de opinião que a ré devia ser relaxada à Justiça secular. O Inquisidor tinha toda a razão: os testemunhos não valem nada. O filho denunciante tinha 15 anos, confessara no tormento  e indicara a culpa à mãe cinco anos atrás, isto é, quando tinha 10 anos! O testemunho do genro António Tavares da Costa também nada vale, ele revogou tudo. O Inquisidor refere-se também ao Breve de Inocêncio XI, de 22-8-1681 e às determinações deste em matéria de prova.  Pois o Conselho Geral em 29 de Outubro de 1707, seguiu a opinião do Deputado minoritário e condenou a ré à morte! Este processo é de uma barbaridade estarrecedora!

É muito possível que por detrás da decisão, esteja também a existência de divergências entre a Mesa da Inquisição e o Conselho Geral. Nota-se o cuidado do Inquisidor Paulo Afonso de Albuquerque de justificar bem a sua opinião e dos confrades. Mas, naquela altura, a opinião reinante era também a de ignorar completamente o Breve do Papa e no Conselho Geral não devem ter gostado que se falasse em tal documento .

Morreu no mesmo auto da fé de 6 de Novembro de 1707.

Vários filhos dela passaram pela Inquisição, apanhados sobretudo pelas confissões malucas de António Tavares da Costa.

- Jerónima Maurícia (Pr. n.º 5378 e 5378-1), esteve presa dois anos no primeiro processo e foi presa de novo por ser considerada diminuta a confissão feita no primeiro

- Micaela Arcângela (Pr. n.º 7511 e 7511-1), a mesma coisa

- João Pinto Correia (Pr. n.º 1388), que denunciou a mãe.

- Tomás Pinto Correia (Pr. n.º 1004) que estava no Brasil, na Baía, onde a Inquisição o mandou prender e trazer para Lisboa

- Filipe Pinto Correia de Manganês (Pr. n.º 3189, de Coimbra), que foi preso em Coimbra onde estava a estudar filosofia.

 

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

Regimento do Santo Ofício da Inquisição de 1640

Online: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/7/20/p267

 

António Joaquim Moreira, Colecção das mais célebres sentenças das Inquisições de Lisboa, Évora, Coimbra e Goa.  COD. 861_1

Tomo 2.º - 1 - 1863, pag. 137 (software)

Online: http://purl.pt/15392/2/