O
caso do índio pataxó queimado em Brasília.
Acórdão do Superior Tribunal de Justiça
Acórdão em sede de Recurso Especial, decidindo pela classificação do crime do Caso Pataxó como homicídio, da competência do Tribunal do Júri, nos termos da denúncia e das razões recursais do Ministério Público.
RECURSO ESPECIAL Nº 192.049 - DF (98/76411-9)
RELATOR: O SR. MINISTRO FELIX FISCHER
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
RECORRIDOS: ERON CHAVES DE OLIVEIRA (preso)
TOMÁS OLIVEIRA DE ALMEIDA
ANTÔNIO NOVELLY CARDOSO DE VILANOVA (preso)
MAX ROGÉRIO ALVES (preso)
ADVOGADOS: RAUL LIVINO VENTIM DE AZEVEDO e outros
HERALDO MACHADO PAUPÉRIO
WALTER JOSÉ DE MEDEIROS
E M E N T A
PENAL E PROCESSUAL PENAL, RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. PREQUESTIONAMENTO SÚMULA Nº 400-STF. JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO E LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. PRONÚNCIA DESCLASSIFICAÇÃO. REVALORAÇÃO E REEXAME DO MATERIAL COGNITIVO
I - Embora o Ministério Público, na esfera criminal, não possua o benefício do prazo em dobro, a sua intimação, entretanto, é sempre pessoal, na pessoa do agente do Parquet com atribuições para recebê-la e não na de funcionário da Instituição (cfe. art. 41, inciso IV da Lei nº 8.625/93, art. 18, inciso II, alínea h da L.C. 75/93 e art 370 § 4º do C.P.P).
II - É de ser reconhecido o prequestionamento quando, no acórdão recorrido, a quaestio iuris está suficientemente ventilada juntamente, ainda, com dispositivos legais pertinentes.
III - A Súmula nº 400-STF não é óbice para o recurso especial e, in casu, concretamente, ela seria inaplicável.
IV - A decisão, na fase da pronúncia, aprecia a admissibilidade, ou não, da acusação, não se confundindo com o denominado iudicium causae.
V - A desclassificação, por ocasião do iudicium accusationis, só pode ocorrer quando o seu suporte fático for inquestionável e detectável de plano
VI - Na fase da pronúncia (iudicium accusationis), reconhecida a materialidade do delito, qualquer questionamento ou ambigüidade faz incidir a regra do brocardo in dubio pro societate.
VII - Detectada a dificuldade, em face do material cognitivo, na realização da distinção concreta entre dolo eventual e preterdolo, a acusação tem que ser considerada admissível.
Recurso reconhecido e provido.
RECURSO ESPECIAL Nº 192.049 - DF
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
RECORRIDOS: ERON CHAVES DE OLIVEIRA (preso)
TOMÁS OLIVEIRA DE ALMEIDA (preso)
ANTÔNIO NOVELLY CARDOSO DE VILANOVA (preso)
MAX ROGÉRIO ALVES (preso)
R E L A T Ó R I O
O SR.MINISTRO FELIX FISCHER: Os ora recorridos ERON CHAVES DE OLIVEIRA, TOMÁS OLIVEIRA DE ALMEIDA, ANTÔNIO NOVELLY CARDOSO DE VILANOVA e MAX ROGÉRIO ALVES, foram denunciados por infração ao disposto no art. 121, § 2º, I, III e IV, do Código Penal, art. 1º da Lei nº 2.252/54 e art. 1º da Lei nº 8.072/90 porque, na companhia do menor G. N.A. J. (Nota do Editor: nome omitido nesta página, embora conste do original), então com 16 (dezesseis) anos de idade, na madrugada de 20 de abril de 1997, teriam jogado substância inflamável e ateado fogo em GALDINO JESUS DOS SANTOS, índio PATAXÓ, causando-lhe a morte.
A MMª Juíza de Direito do Tribunal do Júri de Brasília, Distrito Federal, assim delineou a quaestio, às fls. 571/577, in verbis:
"Narra a inicial de acusação que, ao amanhecer, o grupo passou pela parada de ônibus onde dormia a vítima. Deliberaram atear-lhe fogo, para o que adquiriram dois litros de combustível em um posto de abastecimento. Retornaram ao local e enquanto Eron e Gutemberg despejavam líquido inflamável sobre a vítima, os demais atearam fogo, evadindo-se a seguir.
"Três qualificadoras foram descritas na denúncia: o motivo torpe porque os denunciados teriam agido para se divertir com a cena de um ser humano em chamas, o meio cruel, em virtude de ter sido a morte provocada por fogo e uso de recurso que impossibilitasse a defesa da vítima, que foi atacada enquanto dormia.
"A inicial, que foi recebida por despacho de 28 de abril de 1997, veio acompanhada do inquérito policial instaurado na 1ª Delegacia Policial. Do caderno informativo constam, de relevantes, o auto de prisão em flagrante de fls. 08/22, os boletins de vida pregressa de fls. 43 a 45 e o relatório final de fls. 131/134. Posteriormente vieram aos autos o laudo cadavérico de fls. 146 e seguintes, o laudo de exame de local e de veículo de fls. 172/185, o exame em substância combustível de fls. 186/191, o termo de restituição de fls. 247 e a continuação do laudo cadavérico, que está a fls. 509.
"O Ministério Público requereu a prisão preventiva dos indiciados. A prisão em flagrante foi relaxada, não configurada a hipótese de quase flagrância, por não ter havido perseguição, tendo sido os réus localizados em virtude de diligências policiais. Na mesma oportunidade, foi decretada a segregação preventiva dos acusados, com fundamento na necessidade de salvaguardar a ordem pública, evitar descrédito do Poder Judiciário, para que a liberdade não servisse de incentivo a práticas similares. Além da garantia da ordem pública a prisão foi decretada por conveniência da instrução criminal, para assegurar a integridade física dos réus e de seus familiares e para salvaguardar a aplicação da lei penal, porquanto tão logo praticado o crime os réus evadiram-se do local, demonstrando que pretendiam furtar-se a eventual condenação.
"O MM. Juiz Federal da 10ª Vara oficiou noticiando ter prolatado decisão firmando a respectiva competência para apreciar e julgar os autos da ação penal. Suscitado conflito de competência, o processo ficou paralisado. Julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, foi declarado competente o Juízo de Direito da Vara do Tribunal do Júri.
"O genitor da vítima foi admitido como assistente do Ministério Público, conforme despacho de fls. 286.
"Os réus foram interrogados. Max Rogério afirmou que, ao avistarem a vítima no ponto de ônibus, tiveram a idéia de "pregar um susto para ver a vítima correr". Adquiriram álcool combustível, que foi parcialmente despejado sobre a pessoa que dormia, sendo ateado fogo. Asseverou que ficaram assustados e saíram do local, tendo em vista a aproximação de um veículo, embora tivessem cogitado ajudar a vítima. Alegou ter consciência de que o álcool combustível é substância altamente inflamável mas que não esperavam que o fogo "tomasse a proporção que tomou". (fls. 292/294)
"Antônio Novelly Cardoso Vilanova argumentou que resolveram dar um susto na vítima, que a brincadeira seria com uso de álcool e fósforos. Mencionou a ida ao posto de abastecimento para aquisição do combustível, que não seria utilizado por inteiro, razão pela qual Eron despejou o conteúdo de um dos litros em um gramado próximo à parada de ônibus. Assevera que enquanto Eron deixava cair o combustível sobre a vítima, um dos autores riscou precipitadamente o fósforo, momento em que as labaredas subiram na direção de Eron que assustou-se e jogou o vasilhame no chão. Narrou que entre os acusados houve o comentário de que "a vítima pegou fogo demais". Mencionou ter consciência de ser o álcool combustível substância altamente inflamável mas alegou que sua intenção, como a dos demais, era somente derramar o líquido sobre a vítima, a fim de dar-lhe um susto para vê-la correr, sendo que em momento algum lhe passou pela cabeça que vítima poderia morrer, como também ficar lesionada. Assegurou que a intenção era só dar um susto na vítima.
"Tomás Oliveira de Almeida, interrogado em Juízo, também relatou que ao ser avistada a vítima surgiu a idéia de atear-lhe fogo para que esta corresse. Confirmou que adquiriram os dois litros de álcool combustível e que, após darem mais algumas voltas dirigiram-se ao local do crime onde decidiram esvaziar um dos vasilhames, pois entenderam que não haveria necessidade de utilização dos sois litros na vítima e que, ao riscarem os fósforos, a labareda foi em direção à garrafa que estava nas mãos de Eron, que a soltou, tendo todos saído do local. Afirmou também ter consciência de que o álcool combustível é substância altamente inflamável mas que em nenhum momento lhe passou pela cabeça que o fogo "pegasse com rapidez e queimasse toda a vítima".
"O acusado Eron, ao ser ouvido, informou que todos se assentiram na idéia de atear fogo à pessoa que estava no abrigo, para o que adquiriram álcool combustível. Alegou que todos imaginaram que a vítima fosse acordar e correr atrás do grupo para agredi-los. Argumentou ter derramado o conteúdo de um dos vasilhames no gramado e que estava jogando o líquido nos pés da vítima quando iniciou o fogo "que subiu de baixo para cima", vindo em direção às suas mãos. Asseverou ter largado o vasilhame, saindo do local às pressas.
"Todos os réus apresentaram as defesas prévias, que estão a fls. 337/379, requerendo a realização de diligências. Algumas delas foram deferidas, não o sendo a instauração de incidente de insanidade mental, além da oitiva de testemunha que não constava do rol apresentado com as alegações preliminares.
"Na fase instrutória foram ouvidas nove testemunhas arroladas pela acusação e trinta e uma pelas defesas, conforme assentadas e termos de audiência de fls. 390/409, 434/454 e 470/474.
"A fls. 485 está carta precatória expedida para depoimento de testemunha de defesa residente em Pau Brasil – Bahia.
"Na oportunidade do artigo 406 do Código de Processo Penal, o Ministério Público e as defesas apresentaram alegações finais. A Promotora de Justiça, por entender presentes os requisitos necessários à pronúncia, manifestou-se pelo julgamento do Egrégio Tribunal do Júri, mantidas as qualificadoras e a imputação de corrupção do menor. Asseverou que "se não tinham os agentes do crime manifesta intenção de causar a morte da vítima, no mínimo, assumiram o risco de provocar o resultado lamentavelmente advindo. A pretendida desclassificação, se fosse o caso, só poderia ser feita pelo Conselho de Sentença, após os debates em Plenário de Júri."(alegações de fls. 512 e seguintes - grifos no original)
"A assistência da acusação ratificou as razões finais do Ministério Público.
"A defesa de Eron e Tomás pugnou pela desclassificação do ilícito, argumentando que a prova produzida leva à inconteste conclusão de que os defendentes, ao realizarem as condutas, não previram o resultado morte e sim a lesão corporal, ocorrendo crime preterdoloso. Pretende o afastamento das qualificadoras, caso pronunciados os réus e a impronúncia em relação ao crime previsto no artigo 1º da Lei 2252/54.
"Na mesma linha, a defesa do réu Max Rogério. Nas alegações, que tecem comentários à personalidade do acusado, diante das informações obtidas quando da oitiva das testemunhas de defesa, pretende também a revogação da prisão preventiva.
"Nas alegações finais apresentadas, a defesa de Antônio Novely rechaça os argumentos do Ministério Público e argumenta que o dolo do agente, ainda que eventual, deve ser provado e não presumido. Pretende a desclassificação para o ilícito previsto no artigo 129, § 3º, do Código Penal ou no artigo 121, § 3º, do mesmo Codex e a impronúncia em relação ao crime descrito no artigo 1º da lei 2252/54."
Sentenciando, a MMª Juíza Presidente do Tribunal do Júri desclassificou a imputação de homicídio doloso para a de lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º , do Código Penal), declinando da competência para uma das Varas Criminais. Para tanto, asseverou: "Assim, analisada como um todo, a prova dos autos demonstra a ocorrência do crime preterintencional e não do homicídio. A ação inicial dos reús, sem qualquer dúvida, foi dolosa. Não há como afastar a conclusão de que, ao atearem fogo na vítima para assustá-la, sabiam que iriam feri-la. O resultado morte, entretanto, que lhes escapou à vontade, a eles só pode ser atribuído pela previsibilidade. Qualquer infante sabe dos perigos de mexer com fogo. E também sabe que o fogo queima, ainda mais álcool combustível, líquido altamente inflamável. Os réus também têm este conhecimento. Entretanto, mesmo sabendo perfeitamente das possíveis e até mesmo prováveis conseqüências do ato impensado, não está presente o dolo eventual. Uma frase constante do depoimento de Max, no auto de prisão em flagrante, sintetiza o que realmente ocorreu. Está a fls. 15: "pegou fogo demais, a gente não queria tanto." Como já infocado, assumir o risco não se confunde, em hipótese alguma, com previsibilidade do resultado. Assumir o risco é mais, é assentir no resultado, é querer aceitar a respectiva concretização. É necessário que o agente tenha a vontade e não apenas a consciência de correr o risco. E o "ter vontade" é elemento subjetivo que está totalmente afastado pela prova dos autos, que demonstrou à sociedade que os acusados pretendiam fazer uma brincadeira selvagem, ateando fogo naquele que presumiram ser um mendigo, mas nunca anuíram o resultado morte. Tem razão o Ministério Público quando afirma que "não se brinca com tamanha dor nem de um animal, quanto mais de um desprotegido ser humano." Acrescento que a reprovabilidade da conduta mais se avulta quando estreme de dúvidas que os acusados tiveram muitas e variadas oportunidades de desistir da selvagem diversão. Por outro lado, agiram de forma censurável pois, após avistarem a vítima no ponto de ônibus da EQS 703/704 Sul, deslocaram-se a um posto de abastecimento distante do local, nas quadras 400, para adquirir o combustível, dizendo que o faziam porque havia um carro parado por falta de combustível. O acusado Antônio Novely, no interrogatório, asseverou:
"...que o interrogado não se recorda de quem partiu a idéia de dar um susto na vítima, sabendo dizer que todos concordaram com a idéia; ... que em seguida alguém teve a idéia de que o susto seria aplicado com uso de álcool e fósforos, porém o interrogando não sabe dizer de quem partiu a idéia, mas todos concordaram com a mesma; que assim combinados, todos se dirigiram para um posto de gasolina, localizado na 405 Sul, salvo engano; que ali chegando todos desceram do veículo e se dirigiram ao frentista alegando que tinham um carro ali próximo sem combustível e precisavam de um vasilhame para levar até o carro; que o frentista sugeriu que todos olhassem em um latão de lixo próximo, a fim de procurarem um vasilhame vazio; que todos procuraram e o interrogando não se recorda quem achou os dois litros de óleo vazio, os quais encheram com álcool combustível; ... que não foram de imediato ao encontro da vítima, já que depois da compra do combustível ainda rodaram um certo tempo pelas ruas da cidade a fim de procurarem algo para fazer ... (fls. 296/297)
"Por mais ignóbil que tenha sido a conduta irresponsável dos acusados, não queriam eles, nem eventualmente, a morte de Galdino Jesus dos Santos. A emoção e indignação causadas pelo trágico resultado não podem afastar a razão. Assim, os réus devem ser julgados e punidos unicamente pelo crime cometido que, salvo entendimento diverso do MM. Juiz competente, é o de lesões corporais seguidas de morte. Inexiste o animus necandi (por não terem os acusados querido o trágico resultado ou assumido o risco de produzi-lo, repita-se), está afastada a competência do Tribunal do Júri, devendo os autos ser encaminhados a uma das Varas Criminais, a que couber por distribuição.
"Por último, cumpre examinar se deve ou não persistir custódia cautelar dos acusados, diante da desclassificação do ilícito.
"Em princípio, salvo entendimento diverso do MM. Juiz a quem couber o julgamento do feito, os réus deverão responder pelo crime previsto no artigo 129, § 3º do Código Penal, verbis:
"Art. 129 - (omissis)
"§ 3º. Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo.
"Pena - reclusão de quatro a doze anos.
"A nova capitulação que se delineia não é afiançável e, como sabido, o fato de os réus serem primários e de bons antecedentes não pode, por si só, desautorizar a prisão fundamentadamente decretada. Por outro lado, persistem ao menos parcialmente, os motivos que levaram à segregação cautelar. Acrescento que a 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça, por maioria, negou habeas corpus impetrado em favor de Max Rogério Alves. Assim, não vislumbrando qualquer maltrato a preceito constitucional que justifique antecipação da decisão que o juiz da causa venha a tomar, deixo de examinar o pedido de liberdade provisória para não subtrair do Juízo competente a direção do processo."
Irresignado, interpôs o Ministério Público recurso em sentido estrito, que restou desprovido, à unanimidade, pela Egrégia Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, tendo sido o v. acórdão ementado nos termos seguintes, in verbis (fls. 985):
"PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO HOMICÍDIO DOLOSO DESCLASSIFICAÇÃO. LESÕES CORPORAIS SEGUIDAS DE MORTE. PRETERDOLO
Se a intenção dos agentes foi a de provocar um susto na vítima, ao acordar com o pano que cobria suas pernas em chamas e não o de causar a sua morte, diante fazerem-se presentes uma conduta dolosa - atear fogo -, e outra culposa - a morte -, derivada da violação do dever de cuidado, resta configurado o crime preterdoloso que impõe se desclassifique a imputação de homicídio doloso para lesões corporais seguidas de morte."
Inconformado, interpôs o Parquet, concomitantemente, recurso extraordinário e recurso especial, este último com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Carta Magna, sob alegação de negativa de vigência aos arts. 74, § 1º, 408 e 410 do Código de processo Penal e contrariedade aos arts. 18, inciso I, 121, § 2º, incisos I, III, e IV, e 129, § 3º, do Código Penal, além do dissídio jurisprudencial com julgados do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná.
O Ministério Público, em suas razões recursais, sustenta a tese de "inadmissibilidade (...) de proceder o Presidente do Júri ou o Tribunal ad quem à desclassificação para a competência do juízo singular quando, conforme sucede na espécie e proclamaram às expressas a d. sentenciante e a E, 2ª Turma Criminal, os fatos da causa não permitem, à evidência, conclusão pacífica sobre o elemento subjetivo em ordem a afastar-se, de plano, a competência do Tribunal Popular."(fls. 1.018). (Grifos no original).
Adiante, às fls. 1.042/1.043, aduz, ainda, o Parquet que "O v. acórdão recorridos, muito embora, ressaltando, com todas as letras, em face dos elementos dos autos, que "o único ponto controvertido é o elemento subjetivo" (fls. 1001) e que "tarefa ainda mais árdua é a de pesquisar no caso concreto, o animus que conduziu os agentes ao crime" (fls.1002), mesmo reconhecendo "tênue" a "linha divisória" (fls. 1001) entre o dolo eventual e a culpa consciente, procedeu à valoração dos fatos e provas para superar a dúvida e chegar à conclusão de que os acusados não assentiram no resultado, não assumiram o risco de produzi-lo, afastando, às expressas, também, a aplicação do princípio in dubio pro societate na fase da pronúncia." (Grifos no original).
As contra-razões foram apresentadas às fls. 1.154/1.182; 1.184/1.199; e 1.201/1.249, nas quais se argüi, em preliminar, a intempestividade do apelo, a ausência do prequestionamento, a aplicação da Súmula nº 400-STF e a não realização do dissídio; no mérito, apontam para a Súmula 07-STJ, asseverando, por fim, a improcedência da peça recursal.
Admitidos ambos os recursos, extraordinário e especial, subiram os autos a esta Corte.
A douta Subprocuradoria-Geral da República se pronunciou pelo reconhecimento e provimento do recurso.
É o relatório.
E M E N T A
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. PREQUESTIONAMENTO SÚMULA Nº 400-STF. JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO E LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. PRONÚNCIA DESCLASSIFICAÇÃO. REVALORAÇÃO E REEXAME DO MATERIAL COGNITIVO
I - Embora o Ministério Público, na esfera criminal, não possua o benefício do prazo em dobro, a sua intimação, entretanto, é sempre pessoal, na pessoa do agente do Parquet com atribuições para recebê-la e não na de funcionário da Instituição (cfe. art. 41, inciso IV da Lei nº 8.625/93, art. 18, inciso II, alínea h da L.C. 75/93 e art. 370 § 4º do C.P.P).
II - É de ser reconhecido o prequestionamento quando, no acórdão recorrido, a quaestio iuris está suficientemente ventilada juntamente, ainda, com dispositivos legais pertinentes.
III - A Súmula nº 400-STF não é óbice para o recurso especial e, in casu, concretamente, ela seria inaplicável.
IV - A decisão, na fase da pronúncia, aprecia a admissibilidade, ou não, da acusação, não se confundindo com o denominado iudicium causae.
V - A desclassificação, por ocasião do iudicium accusationis, só pode ocorrer quando o seu suporte fático for inquestionável e detectável de plano.
VI - Na fase da pronúncia (iudicium accusationis), reconhecida a materialidade do delito, qualquer questionamento ou ambigüidade faz incidir a regra do brocardo in dubio pro societate.
VII - Detectada a dificuldade, em face do material cognitivo, na realização da distinção concreta entre dolo eventual e preterdolo, a acusação tem que ser considerada admissível.
Recurso reconhecido e provido.
V O T O
O SR. MINISTRO FELIX FISCHER (RELATOR): Quanto à preliminar de intempestividade levantada pela nobre defesa, é bem de ver que ela improcede in totum. Embora o Parquet, ao contrário do asseverado pelo recorrente, não possua na esfera criminal o prazo em dobro - o que é prerrogativa, por regra excepcional (cfe. Resp 92.690-DF, DJU de 14/4/97 e RMS 8.021-MG, DJU de 19/5/97), no cível - o inconformismo especial foi interposto no prazo (v. art. 26 da Lei nº 8.038/90). Isto porque o agente do Ministério Público foi cientificado do V. acórdão vergastado no dia 24/4/98 (sexta-feira), fls. 1013, e o recurso acabou sendo interposto no dia 11/05/98 (segunda-feira), fls. 1014. E, a intimação se caracteriza como sendo a ciência dada à parte, no processo, da prática de um ato. Portanto, ela deve ser realizada nos termos da lei. No caso do Ministério Público (v.g. art. 41, inciso IV da Lei nº 8.625/93, art. 18, inciso II, alínea h da L.C.75/93 e art. 370 § 4º do CPP com a redação dada pela Lei nº 9.271/96), bem assim, também no do Defensor Público (art. 5º § 5º da Lei nº 1.060/50), a intimação é pessoal. Sob pena de se tornar letra morta a prerrogativa, a assertiva genérica da intimação, sem indicação de quem foi intimado e sem o ciente, por óbvio, não pode ter valor. Suponhamos, ad argumentandum tantum, que o agente ministerial se recusasse a apor o ciente, o servidor do Poder Judiciário, incumbido de cientificá-lo, deveria atestar a esdrúxula situação. Assim, também, no caso de ciência inequívoca da decisão. Todavia, a certidão genérica, repetindo, carece de sentido, até porque a intimação tem que ser feita na pessoa do agente do Parquet com atribuições para recebê-la e não na de funcionário do M.P. Nesta linha, tem-se diversos precedentes, a saber: a) Embargos de Divergência no Resp 123.995-SP, 3ª Seção, de minha relatoria, julgado em 26/8/98, publicado no DJU de 5/10/98; b) Resp 172.040-RN, 6ª Turma, relator Ministro Vicente Leal, julgado em 26/8/98, publicado em 28/9/98; c) Resp 46.390/SP, 5ª Turma, relator Ministro Edson Vidigal, DJU de 13/4/98, p. 134; d) Resp 34.288-PR, 5ª Turma, relator Ministro Cid Flaquer Scartezzini, DJU de 27/9/93, p. 19826; e) hc 73422-MG, 2ª Turma STF, relator Ministro Maurício Corrêa, DJU de 19/12/96, p. 50161. In casu, a diferença entre o recebimento dos autos por funcionário e o ciente, pelo agente do Parquet, foi de apenas um dia. Além de inexistir indício de abuso, a intimação pessoal deveria ter sido levada a efeito por servidor do Poder Judiciário e não do Parquet.
Quanto à ausência de prequestionamento (Súmulas nº 282 2 356-STF), razão por igual, não assiste à douta defesa. A temática, inegavelmente, foi exaurida. A possibilidade, ou não, com os dados admitidos em segundo grau, da desclassificação restou exteriorizada de forma ampla. Já o prequestionamento explícito de dispositivos legais pertinentes à quaestio, este também ocorreu. No voto estão referidos os arts. 129 § 3º do C. P. (fls. 1000, 1006 e 1007) do CP e 410 do CPP (fls. 1001 e 1007). No voto vogal estão os arts. 74 § 1º (fls. 1009) e 408 do CPP.
A terceira questão erguida pela combativa defesa diz com a incidência da antiga Súmula nº 400 do Pretório Excelso. Ela, em verdade, na Carta Magna de 88, perdeu totalmente a sua razão de ser. O eminente Ministro Costa Leite, de forma impecável, já asseverou "De fato, a previsão de cabimento do recurso no caso de dissídio jurisprudencial, conduz ao raciocínio de que, a despeito de a lei comportar outras, deve ser definida uma única interpretação. Afirmar razoável a interpretação quando interposto o recurso pela alínea "a", que pode, no entanto, vir a ser infirmada quando em confronto com outra, não se ajusta bem à noção de estabilidade dos direitos de segurança nas relações jurídicas". (in "Estado de São Paulo", 26/9/89, p. 31). O nobre Ministro Moreira Alves (in "Poder Judiciário", na obra "Constituição Brasileira de 1988 - Interpretação", Rio, Forense, p. 200, 1988) também, entende que a razoabilidade não pode ser, para o STJ, óbice para conhecer de recurso especial. E, como precedente, tem-se: Resp 5936-PR, 4ª Turma, relator Ministro Sálvio de Figueiredo, DJU de 7/10/91, p.13971. Além do mais, como será adiante examinado, de forma alguma a referida Súmula poderia ser, in casu, aplicada.
Em sede de admissibilidade formal, a combativa defesa ainda indica a incorrência da configuração do dissídio pretoriano. Neste ponto, mesmo os paradigmas colhidos no Pretório Excelso e no Superior Tribunal de Justiça, na forma posta, não satisfaçam as exigências da divergência jurisprudencial, o v. julgado do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, publicado na RT 648/275-277 evidencia o preenchimento dos requisitos estabelecidos nos arts. 255 § 2º do RISTJ e 541, parágrafo único do CPC c/c o art. 3º do CPP. Os limites do decisum de pronúncia e os da desclassificação estão delineados e cotejados entre julgado recorrido e paradigma. Já os oriundos desta Corte, na parte comparativa, escapam do punctum saliens. E, os da Augusta Corte, data venia, foram arrolados via cópias não autenticadas (v. arts. 255 § 1º, alínea "a" do RISTJ). de qualquer modo, como está dito acima, a divergência restou caracterizada.
Superados estes aspectos, impõe-se a análise da pretensão recursal. E, aí, então, existem dois tópicos fulcrais, interligados, a saber: a) os limites do iudicium accusationis b) a extensão do exame, por ocasião da pronúncia, da diferença entre homicídio qualificado e lesão corporal seguida de morte.
A quaestio iuris, aqui, surgiu não por ocasião do iudicium causae (juízo de causa), normalmente, de competência, nos crimes dolosos contra a vida e no dos conexos, do Tribunal do Júri (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea d, da Carta Magna e art. 78, inciso I do CPP), mas, isto sim, no momento do iudicium accusationis.
Nunca é demais lembrar, então, que o julgador monocrático, ao final da primeira fase procedimental, analisando a imputação insculpida na proemial acusatória, tem, em tese, quatro opções fundamentais: a) pronúncia; b) impronúncia; c) absolvição sumária; d) desclassificação. Julga-se, em verdade, neste momento, a admissibilidade (e não a procedência) da acusação. A lei, portanto, usa sempre, em todas as quatro hipóteses, as expressões "se o juiz se convencer" ou "quando se convencer" é estabelecido no patamar do juízo de admissibilidade e não no do juízo da causa. Demonstrada a materialidade do delito e os indícios de autoria, a regra é a da pronúncia. Incorrendo o preenchimento destes requisitos, ocorre o juízo antagônico da impronúncia (passível, muitas vezes, de ensejar nova persecutio). Quando, in extremis, de forma incontestável, ocorrer uma justificativa ou uma excludente de culpabilidade, surge a absolvição sumária, decisão esta, sujeita ao reexame ex officio. Finalmente, quando a imputação por crime doloso é inadmissível como tal, pode, e deve, o julgador operar a desclassificação.
Todavia, cabe, aí, em sede de desclassificação, relembrar que, no processo de competência do Júri, podem, por igual, ocorrer duas hipóteses: a) a desclassificação por ocasião do iudicium accusationis (na fase da pronúncia); b) a desclassificação no momento do julgamento pelo Júri. Neste, a eventual dúvida favorece o réu. Naquele, prolatado pelo julgador monocrático, é de ser observado o velho brocardo in dubio pro societate. A desclassificação, nesta última situação, só pode ser feita se a acusação por crime doloso for manifestamente inadmissível. O suporte fático da desclassificação, ao final da primeira fase procedimental, deve ser detectável de plano e isento de polêmica relevante (cf. Aramis Nassif in "Júri. Instrumento da Soberanis Popular", p. 110, 1996, Livraria do Advogado; J. F. Mirabete in "Código de Processo Penal Interpretado", Atlas, p. 490, 4ª ed.; Damásio E. de Jesus in "Código de Processo Penal Anotado", 12ª ed., 1995, p.287, Saraiva; Guilherme de Souza Nucci in "Júri. Princípios Constitucionais", 1999, Ed. Juarez de Oliveira, p. 89 e Heráclito Antônio Mossin i "Júri. Crimes e Processo", 1999, Ed. Atlas S.A., p. 299). Se admissível a acusação, mesmo que haja dúvida ou ambigüidade, o réu deve ser pronunciado (cf. HC 75.433-3 -CE, 2ª Turma - STF, relator Ministro Marco Aurélio, DJU de 13/3/97, p. 272/277 e RT 648/275). O juízo de pronúncia é, no fundo, um juízo de fundada suspeita e não um juízo de certeza. Admissível a acusação, ela, com todos os eventuais questionamentos, deve ser submetida ao juiz natural da causa, em nosso sistema, o Tribunal do Júri. Tem mais. A simples afirmação de ausência de dúvida não desfigura a quaestio iuris. Sob pena de ser transmutado, na prática, o princípio do livre convencimento fundamentado (nos limites, aqui, obviamente, do iudicium accusationis) em princípio da convicção íntima, a exteriorização da certeza deve ser sempre calcada no material cognitivo. Ela não se confunde coma processualmente irrelevante certeza subjetiva do órgão julgador. Só é válida a certeza alcançada sub specie universalis (plenamente amparada e passível de impugnação).
Pois bem, mais de uma vez, no presente caso, o v. acórdão recorrido deixou claro, e o recorrente bem o demonstrou, que os limites da desclassificação, na etapa do iudicium accusationis, não foram respeitados. Raciocinou-se, precipitadamente, na forma de iudicium causae. Por exemplo, na desclassificação em primeiro grau, reconheceu-se, expressamente, que "o único ponto controvertido é o "elemento subjetivo". (Fls. 1001) e "tarefa mais árdua é a de pesquisar, no caso concreto, o animus que conduziu os agentes ao crime" (fls. 1002). Falou-se, a seguir, em "para obter a difícil resposta sobre o elemento subjetivo." (fls. 1002). Tudo isto, incorporado ao v. acórdão reprochado. Em segundo grau, fls. 1007, foi cometido outro lapso jurídico, ao ser dito, como valoração, "ademais, a desclassificação na primeira fase procedimental, não afeta a soberania do Júri e nem atinge o princípio in dubio pro societate, posto que ainda se faz presente a garantia constitucional da soberania dos veredictos, a qual só existe após decisão do Júri, desde que não seja teratológica". Ora, o princípio in dubio pro societate é aplicável, justamente, antes da decisão do Júri, nunca nesta. Já no iudicium causae, aí sim, o que se aplica é o in dubio pro reo.
Na mesma linha, pelo menos na etapa do iudicium accusationis (da pronúncia), foi cometido error de grau de valoração na distinção entre lesão corporal seguida de morte e homicídio qualificado, com nova precipitação ou indevida antecipação de aprofundada apreciação.
Na parte pertinente à distinção dolo eventual/culpa consciente, sabe-se, é comum o uso da teoria positiva do consentimento de Frank, pela qual há dolo eventual quando o agente, revelando indiferença quanto ao resultado, "diz" para si mesmo "seja assim ou de outra maneira, suceda isto ou aquilo, em qualquer caso, agirei". Alguns afirmam que o dolo direto é a vontade por causa do resultado e o eventual é a vontade apesar de resultado (cf. "Manual de Direito Penal", de Cezar Roberto Bitencourt, Parte Geral, p.237, 4ª edição, RT). Mas, o que é importante, por demais relevante, é que o resultado, no dolo eventual, não é aceito como tal mas, isto sim, a sua aceitação é como possível, provável. Caso contrário, haveria, aí, dolo direto (cf. E. R .Zaffaroni, in "Manual de Derecho Penal", Parte Geral, p.419, 1996, Ediar). E não é só! Tornou-se pacífico que, para o dolo eventual, mormente ex vi art. 18, inciso I do C. Penal, não é necessário consentimento explícito e nem consciência reflexiva em relação às circunstâncias, tudo isto, próprio do dolo direto. O dolo eventual não é, na verdade, extraído da mente do autor, mas sim, das circunstâncias.
Pois bem, esta distinção só poderia ter sido efetivada a nível de ser, ou não, a acusação admissível. Todavia, percebe-se, de pronto, que tal limitação, igualmente, não foi observada no v. decisório increpado.
A valoração dos dados admitidos, e suficientes, efetuou-se, tecnicamente, de forma equivocada. Por exemplo, dizer-se que fogo não mata porquanto existem muitas pessoas com cicatrizes de queimadura; data venia, não é argumento válido nem no iudiciem causae (v. fls. 1006). Todos, desde cedo, independentemente do grau de instrução, sabem que brincar com fogo é muito perigoso. O fogo pode matar. E, mata de forma - sabidamente - terrível, extremamente dolorosa. Basta, também, que se atente para as mortes (em princípio, homicídios qualificados) de mendigos que acontecem, em situações similares, pelo país afora. Além do mais, se fogo não mata, então o que dizer do tipo previsto no art. 121, § 2º, inciso III ("fogo") do C. Penal? Desnecessário responder!
A observação, por outro lado, considerada fundamental, de que os jovens acusados não agiram com dolo eventual porquanto, tendo dois litros de álcool, só jogaram, sobre a vítima, um deles, é totalmente incompatível com uma motivação adequada ao iudicium accusationis (v. fls. 1002). Uma, porque o litro, e não mero cálice, foi - em princípio, previsível - por demais suficiente para queimar totalmente a vítima; duas, isto seria o mesmo que negar - e provisoriamente - o dolo quando uma pessoa, tendo duas balas no revólver, e, jogando fora uma, alveja a vítima, com a outra, em ... região mortal.
A referência ao caráter dos acusados (fls. 587), na decisão de primeiro grau, denota outro error. A análise do caráter não pode ser relevante para efeito de tipificação. Tal é próprio do "Direito Penal de Autor", aonde o réu é acusado, ou não, pelo que é e não pelo que fez (E. R. Zaffaroni in ob. cit., ps. 72/73 e 518/519 e Claus Roxin in "Derecho Penal", Tomo I, ps. 176/177, Civitas, 1997). Em outras palavras, refoge ao Estado de Direito Democrático.
Portanto , a violação aos arts. 410 do Cpp e 129 § 3º do CP está caracterizada. Houve precipitação na desclassificação e reconheceu-se crime preterdoloso aonde, no iudicium accusationis, teria que ser, in casu (com os próprios dados indicados na prestação da tutela jurisdicional increpada), admitido o homicídio qualificado em concurso de agentes.
As qualificadoras (inciso I, III e IV) devem ser submetidas, a meu ver, ao Tribunal do Júri. Elas são, todas, admissíveis. O motivo torpe (a "brincadeira" de atear fogo a um ser humano), a crueldade do uso de fogo e o recurso que impossibilitou a defesa da vítima (aproveitaram, os envolvidos, o fato de estar a vítima dormindo) não podem ser descartados. O Conselho de Sentença, se a quesitação chegar a este ponto, é que dirá da procedência, ou não, das qualificadoras.
A co-autoria, em sentido amplo, deve ser mantida (art. 29 do C. Penal). Nunca é demais lembrar que concorrer engloba a convergência consciente, a cooperação, a ajuda, a instigação e o participar do empreendimento criminoso. De qualquer modo, até aqui, a co-autoria é admissível.
O delito de corrupção de menores (art. 1º da Lei nº 2.252/54), por ser conexo, deve ser levado a julgamento pelo Tribunal do Júri. O envolvimento do menor no caso indica, também, a sua admissibilidade (v. art. 78, inciso I do CPP).
Finalmente, recomendando prioridade e celeridade ao feito, mantenho, igualmente, a situação prisional dos acusados.
Isto posto, voto pelo provimento do recurso, com a pronúncia dos réus nos termos da denúncia.