FADO, UM MODO DE SER PORTUGUÊS
Trabalho elaborado por: Maria Ana Bobone
UNIVERSIDADE CATÓLICA
PORTUGUESA
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
Cadeira: Cultura Portuguesa II
Docente: Dr. Vitor Amaral de Oliveira
É certo que nos consideramos um povo saudosista, um povo que vê prazer na dor de sentir. Certo é também que esta nossa característica é, pelo menos para nós, única e exclusivamente nossa. Talvez assim não seja, mas o que é certo é que que a saudade é algo de intraductível e extremamente português. O fado está ligado a ela assim como está ligado a muitas outras emoções. É sobretudo de emoções que o fado trata. Como qualquer outro género musical, transmite modos de sentir pela música, pelos poemas que se escolhem e pela entoação que se lhe dá a cantar e tocar. No entanto, contém em si uma série de características próprias que o destinguem dos outros géneros musicais e que fazem dele o que realmente é.
Mais que um género musical o fado pode considerar-se um modo de vida, uma prespectiva perante o mundo. O facto de se visitarem certas casas de fado implica, excepto para visitantes ocasionais, um estado de espírito muito próprio; é um presenciar de algo emocionante e forte que é quase como participar de um ritual sagrado. Mas tudo isto faz parte de uma época restrita e hoje está a perder-se. Resta esperar que o modo de ser Português não se perca com ele.
Era dito que as canções do povo português eram lamentosas; "(...)o canto monótono, gritador e arrastado(...)". Mas o que é certo é que só por volta de 1839/40 começou o fado a ouvir-se em terra e lentamente a tornar-se a canção primordial entre os cantares lisboetas.
Fado tem como origem a palavra "Factum" significando destino e destino engloba todas as contingências do nosso viver. É ao destino que canta o fado. Deste modo, o fado retrata melhor que qualquer outro cantar o temperamento aventureiro e sonhador da nossa raça meridional e latina.
Sob o ponto de vista musical o modelo primitivo do fado é um periodo de oito compassos de 2/4, dividido em dois membros iguais e simetricos de dois desenhos cada um. Há um uso mais frequente do menor, que melhor exprime o tom melancólico. Caracteriza-se ainda pelo acompanhamento da guitarra portuguesa cujo papel é variar sobre uma mesma melodia, improvisando, embora nunca esquecendo o apoio que deve dar à voz. Existe porém o fado rigoroso que não admite quaisquer variações.
Do ponto de vista literário, o fado teve já uma evolução. Os poemas iniciais retratavam cenas quotidianas comuns nas classes mais baixas. Era essencialmente um lamento, uma queixa.
As suas origens são um tema polémico. Pinto de Carvalho, na sua obra História do Fado põe de parte a hipótese do fado porvir das canções arábicas, alegando que tal justificaria a sua divulgação por todo o país, o que não acontece. Alega também que tal condição significaria que o fado deveria existir também no sul de Espanha, uma vez que os árabes aí persistiram até fins do século XV.
Esta é uma teoria com a qual, respeitosamente, discordo embora não na totalidade. É certo que o fado terá tido influências árabes assim como de outros povos que connosco se cruzaram. Concordo, porém, que tenham sido apenas influências que contribuiram para que o fado se tornasse numa das expressões primordiais do modo de ser português.
É pelas canções populares que um país traduz mais lidimamente o seu carácter e os seus costumes. A música e a necessidade de expressão do homem através do canto são uma questão de posicionamento geográfico; "Quanto mais para sul, mais se ouve cantar".
Em Portugal, as condições climáticas são uma das influências que nos levam à expansão da música. Desde o século XVII que as canções populares são detentoras de um carácter extremamente sensual e de certo modo excêntrico. Tais eram a fofa, o oitavo, o fandango, as cheganças às três andanças, o batuque, a comporta e o ludum.
As cheganças foram proibidas no tempo de el-rei D. José devido ao seu conteúdo obsceno. O ludum era uma dança obscena dos negros congoleses, importada do Brazil e em Portugal, era uma dança em que se manifestava uma vibração forte e desenfreada. Ultimamente o ludum reviveu na dança do ventre.
As modinhas aparecem em finais do século XVIII e inícios do século XIX. Umas de procedência brazileira, outras eram pequenas paródias das áreas de Passiello, Mozart, Beethoven e Limarosa. Algumas modinhas produziram furor e foram anunciadas na Gazeta, outras eram anunciadas no Jornal das Modinhas que saía quinzenalmente com modas novas. O assunto predominante nas modinhas era o amor incomensurável do próprio século XIII.
Segundo Pinto de Carvalho o fado tem uma origem marítima "Origem que se lhe vislumbra no seu ritmo onduloso como os movimentos cadenciados da vaga, balanceante como o jogar de bombordo a estibordo nos navios sobre a toalha líquida florida ou como o vaivém das ondas batendo no costado"(p.42). Exprimia assim a indefinida nostalgia da pátria ausente. Isto explica bem a origem de um género como o fado, uma vez que o homem do mar é eminentemente imaginativo e contemplativo devido à sua vida precária impregnada se ideologismo e de saudade.Um exemplo de uma cantiga ao desafio;
Larga âncora, arria a amarra,
Volta, abita, soca o nó,
Mete-lhe o leme do ló,
A ficar de proa à barra,
Portaló com portaló,
Quando não o ferro garra.
Até 1840 os cantares abundavam em Lisboa embora raramente acompanhados pela guitarra portuguesa. Guitarreavam-se as modinhas em ocasiões e lugares típicos como o eram a Gertrudes da Perna de Pau, o Zé Gordo (que ficava na calçada de D. Sebastião da Pedreira) entre outros.
Uma das ocasiões típicas em que se fadejava era as esperas de toiros, no Campo Pequeno onde por volta de 1847/8 cantava a Severa. Nesta altura o fado sofre uma aristocratização e começam a ouvir-se nomes como o Conde de Vimioso, o Marquês de Castelo Melhor, entre muitos outros verdadeiros amadores do divertimento. Ouvia-se fado em ocasiões de pândega e de bebedeira.
Será talvez próprio mencionar agora o aparecimento da guitarra que teve a ver com a conhecida lenda de Godoy. Antes da introdução do piano a guitarra era o instrumento querido nas salas. O som das cordas metálicas era ouvido nas salas das casas nobres e também nos bairros populares como o Bairro Alto e Alfama. Tal como o cravo era um instrumento de estudo das damas.
A partir do século XVIII publicaram-se compêndios de estudo da arte de tocar viola ou guitarra como por exemplo A Arte da Viola, de Manuel da Paixão Ribeiro. Simultâneamente à introdução da guitarra nas salas, foram introduzidos também mais dois instrumentos de corda; a harpa e a viola francesa.
Diz-se que Maria Luisa, mulher de Carlos de Espanha, tocava guitarra na perfeição e tivera por mestre Frei Miguel Garcia, mais conhecido por Padre Basílio, organista de um convento cisterciense. Conta Camilo Castelo Branco, que esta rainha, princesa de Parma, se apaixonara por Manuel Godoy, pela perfeição com que cantava e tocava guitarra. Carlos III ordenou que este saísse de Madrid, mas após a morte do rei o guitarrista voltou à capital onde tomou o título de Príncepe da Paz e o cargo de primeiro ministro.
Vai ser a partir do século XIX, tempo em que a guitarra estava em plena voga, que surge um rival; o piano. Este instrumento passa a ser um dos mais requeridos em toda a Europa, mas apesar de tudo a guitarra subsistiu pelo seu dom especial de fazer reviver em cada homem o passado e de despertar tristezas e amores.
O Cancioneiro de Músicas Populares regista vários fados típcos do século XIX. Regista o fado anfiguri que se cantava em Lisboa desde 1849. De 1864 regista-se um fado que alude à guerra da America que motivou um conflito diplomático entre Portugal e os Estados Unidos da América, em consequência da Torre de Belém ter disparado sobre a fragata Niagara que pretendia saír do Tejo;
Portugal está obrigado
A pagar perdas e danos,
Que a Torre de Belém causou
Aos barcos americanos
De meados do século XIX aparece-nos o fado dos cegos e o fado da Persiganga assim como o fado Anadia e fado do Paixão (1862), fado da Custódia (1864), fado dos Tancos (1866),fado das Salas ou fado Elegante (1868),fado campestre e fado Lisbonense (1870), fado Carmona (1872,dedicado ao matador António Carmona - el gordito)
Estes são apenas alguns exemplos dos muitos fados registados no Cancioneiro de músicas populares e exemplificativos dos temas que em geral eram abordados.
Fado e Tango -Tese de Francisco R. Bello
Um escritor argentino, Domingo F. Casavall, num livro que escreveu pelo ano de 1951, segundo creio, ao falar da maneira como se foram criando os bairros suburbanos de Buenos Aires, aponta para além da presença do homem que procedia no meio rural ou semi-rural argentino, a presença do elemento estrangeiro, "sobretudo o lusitano", conforme diz. E essa influência do elemento lusitano na formação social, popular, Argentina, não era somente o resultado de um simples e momentâneo problema migratório. A influência dos portugueses no Plata foi notado na época colonial. Bouganville, a quem Luis XV de França encarregara de uma viagem de circum- navegação da Terra, ao passar por Buenos Aires em 1767, afirmou que a influência da colónia portuguesa de Sacramento na margem oriental do rio Uruguai, havia convertido Buenos Aires em pouco menos que numa feitoria lusitana. Daí que o historiador argentino Lafuente Machain, escrevesse com referência à gravitação do sangue português no primeiro século do descobrimento e fundação de Buenos Aires, que "são raras as famílias cuja origem remonte ao século XVII, que não tenham os portugueses como antepassados".
E quando o Visconde de São Janário realiza em nome do Rei de Portugal a sua missão diplomática a diverssos países da América Meridional, entre 1878 e 1879, considera que "em nenhum país da América do Sul tem sido recebido o português com mais generosa hospitalidade", que na Argentina.
Essa marca da civilização portuguesa na sociedade argentina fazia-se sentir não só no desenvolvimento e prosperidade do país mas também na sua cultura. Na cultura popular e na cultura não popular.
Na cultura popular, o «idioma dos argentinos» acumulava palavras de origem portuguesa que logo seriam incorporadas na fala familiar e nas letras dos tangos. Assim:«buraco, mina, pálpito, farineira, calote, marosca, gavión, baruque, patutero, facón, mango, gayola, otario, bacana, viola, descangallado, tamango, cafúa, pichincha, piro, casimba» e não sei quantas mais. E quem sabe se o tango, cuja origem não está ainda claramente estabelecida, não recebeu também a sua influência do «fado» de Lisboa, não do corrido nem do de Coimbra, mas do lento, do saudoso, do triste, que creio que se chama «rigoroso», cuja música e cujo conteúdo emocional e cuja história é demasiado parecida á do tango, para que se possa pensar que estamos diante de uma símples coincidência.
O fado foi primeiramente um baile a que somente vários anos depois se pôs letra; começou a bailar-se, a «bater-se», nos lugares «não santos» e nos subúrbios; quando se lhe agregaram letras para cantar, essas letras não eram muito adequadas para algumas esferas sociais e falavam de amores desgraçados; logo depois a Severa o dançava ou o cantava na casa do Conde de Vimioso, aí por meados do século passado e então adquire a carta de nacionalidade portuguesa, de nacionalidade total, porque todo o povo o aprende, não apenas o dos subúrbios.
Quarenta anos mais tarde, o mesmo fenómeno musical e sociológico se produz na Argentina com o tango. Um embaixador do México em portugal dizia-me que a diferença entre o fado e o tango consiste em que no fado é o homem que abandona a mulher e no tango é a mulher que abandona o homem. Por isso na Argentina o tango se chama Carlos Gardel e, em Portugal, o fado se chama Amália Rodrigues.
Afirma o compositor português Frederico de Freitas que o fado influenciou a habanera e o musicólogo venezuelano Luis Felipe Ramón y Riviera diz, por sua vez, que a habanera influenciou o tango, o velho tango argentino.
Para além do mais, o fado procede, segundo está estabelecido, do lundun africano, importado no Brasil primeiramente, daí tendo partido para Lisboa e aí se convertendo no fado. Essa influência do lundun também chegou ao tango, pelo Brasil e Uruguai, através dos negro que, então, constituiam quase cinquenta por cento da população de Buenos Aires.
Claro que o tema se presta a um amplo desenvolvimento, porque existem muitas semelhanças e demasiadas coincidências entre duas músicas, entre as respectivas letras e entre seus intérpretes. Em 1867, Eça de Queiroz perguntava: - "Lisboa, que criou? O fado...Tem uma orquestra de guitarras e uma iluminação de cigarros. A cena final transcorre no hospital ou na rua e o telão de fundo é a mortalha...".
Quem criou Buenos Aires? O Tango com o mesmo cenário e a mesma música e a mesma letra. E ninguém de envergonhe do tango, como os «vencidos da vida» de Lisboa se envergonham do fado, porque sem tango, acaso continuaríamos a ser o que sempre temos sido?
É sabido, desde há muito, que o fado é uma canção essencialmente profana, assim como a maioria dos cantares que nos surgem nos séculos XVIII e XIX. A música popular, em geral nunca se desliga dos poemas (se é que assim podemos dizer) ou dos versos, que neste tempo eram ousados e pouco próprios. Outra das razões pela qual o fado sempre foi considerado profano é a utilização do tom maior que era proibido nas igrejas sendo que as músicas religiosas eram quase todas tradicionalmente modais ou em tom menor. Mas ultimamente tudo de tem tornado mais permeável e hoje já podemos ouvir fados como a Avé Maria Fadista, Nossa Senhora da Saúde e até orações como a Prece de Fernando Pessoa cantadas em fados tradicionais. Mas esta é já uma novidade do século XX, uma vez que, como já foi dito, os conteúdos dos fados que se cantavam no século passado não eram muito próprios. Um poema que retrata bem e de forma bela este problema é o Passeio à Mouraria de Maria Manuel Cid;
O fadista conhece-se por ser amador da pândega, e da boémia, e pode dizer-se que no século XIX assim o era. A taberna era a arena dos combates e dos cantares ao desfio. Já Eça de Queiroz criticava no folhetim da Gazeta de Portugal (Outubro de 1867), escrevendo "Atenas produziu a escultura, Roma fez o direito, Paris inventou a revolução, a Alemanha achou a misticismo. Lisboa que criou? o Fado... Fatum era um Deus do Olimpo; nestes bairros é uma comédia. (...)A cena fina é no hospital e na enxovia."
Mas o fado não se ficou só pelas classes mais baixas. A sua aristocratização acarretou nomes nobres tais como o Conde de Anadia, o Conde de Vimioso e também nomes sonantes como Manoel Gonçalves Tormenta. Esta maneira de ser fadista chegou até ao norte à cidade do Porto. Camilo Castelo Branco escreve em Eusébio Macário, "...o botequim do Pepino em Cima do Mouro, onde o fado batido deitava à madrugada, com entreactos de facadas e muito banzé."
Com a sua aparência matreira, o seu ar empoleirado, o fadista era essencialmente um bonitote de hábitos pouco saudáveis e cuja mentalidade resistia teimosamente aos ventos da civilização.
Fadistas e Guitarristas Actuais
ENTREVISTAS
Na casa de Fado A Taverna do Embuçado tivemos ocasião de entrevistar alguns dos mais conhecidos fadistas actuais, nomeadamente, Teresa Siqueira, Miguel Sanches e João Braga. Pudemos também entrevistar uma figura bastante importante no mundo das guitarras; Professor José Fontes Rocha, que ao longo da sua vida acompanhou a tão conhecida Amália Rodrigues em quase todas as suas actuações. Passemos então à entrevista.
Perguntámos ao prof. Fontes Rocha com que idade e porque começou a tocar guitarra portuguesa.
F.R- Aos treze anos de idade começei a tocar violino, mas tive que deixar por motivos pessoais. O meu pai tocava guitarra e isso incentivou-me a experimentar outro instrumento. De ouvido e sem ninguem me ensinar comecei a tocar.
A pergunta seguinte incidia sobre a importância da educação musical para quem toca guitarra portuguesa.
F.R.- Saber música é sempre útil apesar de por vezes se improvisar. Acho agradável conhecer técnicamente aquilo que estou a ouvir, mas não é condição necessária para se poder acompanhar bem o fado. No fado não é necessário cumprir regras de melodia, especialmente no fado tradicional em que a música não é muito importante. Além disso a guitarra portuguesa é essencialmente um instrumento de improviso.
De seguida perguntámos se nunca se sentia em segundo plano pelo facto de ser o cantor quem "brilha".
F.R- Não. Quando toco para alguém que canta sinto-me como seu acompanhador tentando desenhar linhas melódicas simples, tentando ajudá-lo. O papel dos guitarristas é o de acompanhar tentando perceber a intenção do cantor.
A música e o poema. Qual o mais importante?
F.R.- Ambos são muito importantes. Mas a questão é a de que a música tem que estar de acordo com as palávras que se dizem. Há poetas cujos versos não podem ser cantados em música tradicional como é o caso de Mário de Sá Carneiro.
O panorama do fado actualmente é um tema muito descutido. Fontes Rocha dá-nos a sua visão.
F.R.- O fado faz parte do património e sempre fará parte da cidade de Lisboa. Faz parte da nossa cultura. Existe o fado clássico, que não tem uma melodia própria mas sim um tipo de acompanhamento para o qual o cantor improvisa uma melodia, e o fado tradicional com melodias elaboradas, estudadas e pré-estabelecidas para se cantar. O panorama do fado não me preocupa mas espero que se continue escrevendo e inovando adaptando o fado aos problemas da sociedade actual.
Qual principal diferença entre o fado antes e depois de Amália Rodrigues.
F.R.-Amália trouxe de novo a maneira de cantar, o bom gosto de escolher poemas. Admiro o facto de ela ter levado esta nossa tradição musical para fora de Portugal. Acompanhei-a durante vinte anos e considero que ela tem uma cor na voz fora de série.
Por fim pedimos ao prof. Fontes Rocha que nos contásse um episódio curioso da sua vida.
F.R.- Uma vez em França numa actuação com Amália Rodrigues tocámos num concerto onde predominava a música rock e onde o fado se enquadrava bastante mal. Decidimos, com grande hesitação, ir em frente e actuar. Os instrumentos anteriores nada tinham a ver com o fado, daí o nosso receio. A própria Amália teve um certo receio, mas inesperadamente tudo correu bem. Ao entrar em palco, Amália foi acolhida com um silêncio sepulcral. Cantou. O público no final aplaudiu-a de pé. Foi para nós uma surpresa uma vez que nem percebiam o que ela dizia.
Quanto à história da guitarra Portuguesa demonstrou-nos uma tese sua de como a guitarra provem da cítara Inglesa, uma vez que esta tem os mesmos intervalos de afinação, estando todas as notas afinadas um tom abaixo.
Miguel Sanches começou a cantar o fado com desassete anos de idade concretizando um sonho que já tinha desde a infância. Durante a adolescência veio a desenvolver um gosto especial pelo fado. Naquela altura, (1968) os rapazes e raparigas tinham alguma dificuldade em saír de casa principalmente se estivessem determinados a seguir uma carreira artística. Miguel Sanches tinha uma verdadeira adoração pelo fado e, não resistindo ao «chamamento», escapava-se pela janela em direcção à mouraria, o verdadeiro coração do fado em Lisboa. Mais tarde desistiu dos estudos para se dedicar plenamente ao fado.
Quanto à educação musical, considera-a indispensável para quem toca, embora, «sem saber uma nota de música», Miguel Sanches tocava piano e cantarolava em casas de fado. Para conseguir evoluir-se na música é necessário conhecê-la tecnicamente, embora o fado não exija um conhecimento aprofundado da estrutura musical que o compõe, até porque a sua estrutura é bastante simples. Considera que não se pode aprender a cantar o fado. Nasce-se com ele na voz. Só os portugueses têm a característica vocal que transforma o fado naquilo que ele é realmente. O mesmo acontece com o sentimento «Saudade», tão presente na tradição portuguesa.
Para Miguel Sanches, o poema é tão importante como a música. Há músicas para fado que são de uma simplicidade extrema e em que a letra tem a função de dar o encanto àquilo que se canta. O mesmo acontece com a música que, por vezes, pela sua beleza confere graça a uma letra sem contúdo especial.
O fado de há quarenta anos era sem dúvida diferente do actual. Hoje há, nas guitarras e violas um acompanhamento mais rico em termos de adornos e floreados, enquanto que no fado antigo era a voz do fadista que fazia o espectáculo e as guitarras limitavam-se a fazer o mínimo indispensável. Considera que houve uma evolução dentro do próprio fado no sentido de o melhorar. Esta evolução não implica que o fado perca as suas características fundamentais e, é por essa razão que, Miguel Sanches acredita no fado como património português de uma forma intemporal.
Amália foi sem dúvida um marco na história do fado, pela sua voz única mas também por ter divulgado de forma extraordinária alguns dos fados mais antigos. Considera que os média possibilitam uma divulgação maior dos novos fadistas que possam surgir, coisa que seria impensável há quarenta anos em que a divulgação era escassa. Disse-nos que tal como a Amália havia outras cantoras com qualidade que não tiveram oportunidade de mostrar o que valiam. A super divulgação actual tem também o seu lado negativo uma vez que, havendo muitos cantores ao mesmo tempo, o melhor pode não vir ao de cima. Na sua opinião o fado tem futuro porque já há compositores a fazer novas músicas dentro do espírito tradicional do fado antigo.
A propósito da sua carreira, Miguel Sanches contou-nos uma história engraçada. Por volta de 1970, na altura de José Pracana e Carlos Gonçalves, tocava a viola um rapaz chamado António Salsa. O Salsa (como lhe chamavam) bebia muito e tinha o hábito de fazer directas «umas atrás das outras». Uma vez enquanto se cantava ouviu-se um ronco estrondoso! O Salsa, com o cigarro pendurado no braço da viola, dormia na paz dos anjos enquanto tocava mecânicamente o acompanhamento do fado. A gargalhada foi geral.
A nossa entrevista seguinte foi dirigida a Teresa Siqueira, mais uma voz do fado actual.
Começou desde pequena a cantar o fado incentivada pela a avó, que desde sempre a considerou um jovem talento.
Considera que é útil saber música apesar de nunca ter aprendido. Quanto ao panorama actual do fado, acha que o fado está na moda mais uma vez e que portanto o seu futuro está assegurado pelos jovens continuadores da antiga tradição.
Apesar de ser mulher de poucas palavras, Teresa Siqueira considera-as mais importantes que a música e revelou-nos ser uma incondicional de Fernando Pessoa, cujos poemas gostaria que fossem aproveitados para o fado. A principal diferença dos fados antigos para os actuais é, segundo ela, o tema. Antigamente as letras eram dedicadas a alguém e hoje em dia são mais dedicadas a coisas materiais.
A história curiosa que nos contou passou-se quando esta tinha catorze anos, na sua primeira actuação em público. Não tendo ensaiado praticamente nada, os nervos dominavam a fadistinha e o receio crescia ao aproximar-se a sua vez. Uma vez em palco começou a cantar. Tudo começou bem até chegar a uma «maldita quadra» em que se esqueceu da letra. Vendo-se atrapalhada com esta nova situação, Teresa Siqueira deu um salto para a plateia e fugiu, deixando os guitarristas e toda a audiência boquiabertos!
Seguidamente a nossa entrevista foi dirigida a João Braga.
Começou a cantar o fado com dezoito anos de idade. Considera que, para cantar o fado, é importante sentir o poema e para sentir o peoma é preciso viver. Por esta razão acha que começou na altura certa.
Vivia no Estoril e não gostava de fado. Considerava que a música era rudimentar e que os versos eram de má qualidade. No Estoril abriu uma casa de fado espontâneo chamada o Galito onde João Braga levava as suas amigas estrangeiras por ser um lugar «typical». Ouvia os outros cantar mal e resolveu tentar mudar isso. Alguem lhe deu a melodia do famoso fado embuçado que cantou no dia seguinte. Foi anunciado com grande ênfaze e, depois de cantar, foi aplaudido de pé. Após uma zanga com alguém do Galito, João Braga resolveu abrir, ele mesmo, uma casa de fado no Estribo Club em que cantava com Alfredo Marceneiro e Beatriz da Conceição.
Nunca estudou música. Considera que, para quem canta não é necessário, mas para quem toca é muito importante, principalmete para a viola.
Quanto ao fado actual, João Braga acha graça a três ou quatro nomes. Observa com satisfação a renovação que o fado está a passar, embora considere que não há tanta gente como seria de esperar, a inovar na composição.
Considera que a característica principal do fado é o toque da guitarra portuguesa e o trinado da voz. Diz-se por vezes que antigamente se inovava mais de cada vez que se cantava o fado. Mas João Braga esplica o fenómeno de forma muito simples; era estabelecido um tom único para um determinado fado, razão pela qual a melodia pré-estabelecida ficava muito baixa para as mulheres e muito alta para os homens. Por esta razão os cantores tinham de adaptá-la ao seu registo vocal através de variações na melodia, alterando-a constantemente. Este aspecto era valorizado pelos puristas. Hoje em dia, graças à educação musical de alguns guitarristas, é possível mudar o tom consoante a voz de cada cantor e por isso canta-se melhor mas está-se sujeito a comparações.
Quanto aos marcos fundamentais na história do fado não deve falar-se apenas de Amália, mas também de Maria Teresa de Noronha que emprestou uma dignidade ao fado que este, até então nunca tinha tido. O fado antigo é anterior às duas grandes senhoras e era desse fado que João Braga não gostava. Em relação às suas origens assegura-nos que já Camões falava no fado enquanto cantiga e não só enquanto destino. Defenia a saudade como a gosto pela tristeza e é cantando o fado que se mostra essa tristeza. No início do século o fado era cantado por ciganos, chulos e prostitutas, gente de mau porte e má vida. Era e é considerado uma canção profana por ser cantado em tom maior.
A história que nos contou foi sobre Amália, sua grande amiga, e passou-se há três ou quatro anos num jantar em casa de João Braga. Contou-nos esta história por aínda não ter sido divulgada em público e por ser especialmente reveladora da mentalidade e maneira de pensar de Amália Rodrigues. Discutia-se que o fado podia ser qualquer música estrangeira. Juan Pardo, um dos cantores mais populares de espanha compôs «Amália» dedicado a ela e Amália não podendo cantá-lo (Uma vez que a letra dizia bem dela) pediu a João Braga que a aprendesse e cantásse num dos seus espectáculos. Ansioso, João Braga sempre que encontrava Amália perguntáva-lhe quando ela lhe levaria o disco e Amália desconversava sistemáticamente. João Braga veio, mais tarde a descobrir porquê;
Disse-lhe Amália, « Eu queria que tu cantásses esta música no meu enterro. Se eu não te der a letra tu não a aprendes. Se não a aprendes não a podes cantar no meu enterro. Se não a podes cantar no meu enterro eu não posso morrer.»
"Tudo isto é Fado", como diria Amália
Numa lista sistematisarei as casas de fado que existem actualmente ordenando-as por zonas.
BAIRRO ALTO
a) A Severa
b) O Faia
c) Lisboa à noite
d) A Viela ( reabriu agora na rua das taipas.)
e) O Café Luso ( era uma casa de grande tradição mas decaíu vertiginosamente nos últimos anos).
f) O Forcado
g) A Adega Machado (Há quem diga que foi aqui que amália começou a cantar)
h) O Solar da Ermínia
ALFAMA
a) A Taverna d´ El Rei (relativamente mal frequentada)
b) A Taverna do Embuçado ( cantam João Braga, Teresa Siqueira, Rodrigo Costa Félix, Miguel Sanches, Altino de Carvalho e Maria do Val)
c) A Parreirinha de Alfama (canta Argentina Santos)
MADRAGOA
a) Solar da Madragoa
b) O Sr. Vinho
ALCÂNTARA
a) O Timpanas
b) O pátio de Alcântara
LAPA
a) S. Caetano (onde era o antigo Pátio das Cantigas)
CAMPO DE SANTANA
a) O Velho Pátio de Santana (onde canta Gonçalo da Câmara Pereira e alguns dos seus familiares)
NAS IMEDIAÇÕES DE LISBOA
a) O Forte D. Rodrigo ( onde canta o fadista Rodrigo)
Além destas há outras casas onde se canta o fado esporadicamente. Alguns chamam-lhes casas de fado.
O FADO ANTIGO ( sec. XIX)
O fado canta aquilo que diz respeito ao fadista, aquilo que lhe toca directamente. O fado é uma lamento mas, em certos casos, também pode ser uma sátira. Os fados que canta descrevem-no na vida, na morte, no prazer, no azar, enfim, em todos os seus aspectos. A conjugação de todos estes ajuda-nos a compreender a vida do fadista.
Ex: Chame-se embora imoral
A vidinha do fadista,
Das boas vidas na lista
Não se conhece outra igual
Trabalho não lhe faz mal,
O andar não lhe cansa a perna
Tem ao lado a amante terna
Cheia de doçe carinho,
E tem sempre muito vinho
O fadista na taverna.
Um bom exemplo também nos é dado no livro de Alberto Pimentel acerca da concepção de morte:
Vou despedir-me da vida,
Ao som da banza sonora;
P´r´a derradeira cantiga
Dá-me, ó musa, um quarto d´hora
A guitarra é também um tema focado no fado antigo, pois é ela que confere ao fado toda a sua originalidade e é também ela que orienta melodicamente a voz do fadista. O fadista considera o fado um hino nacional mas de um mundo só seu; o mundo dos bairros mal frequentados, das espeluncas e casas de mulheres de má vida. A propósito de fado antigo pode também falar-se em fado infernal que, habitualmente se refere a amores adúlteros, altamente condnáveis na época. A mulher é talvez o mais importante tema cantado por homens; como objecto do seu amor ou como víctima do destino. O amor que é tema do fado não é apenas o platónico, mas também o sensual. São focados também os grandes desastres marítimos, a morte de personagens célebres, as cidades, os bairros, aspectos da vida popular como as hortas, os pregões, a noite de Santo António, entre muitos outros. Os próprios saloios compunham fados descrevendo a sua situação social.
Tendo-se desenvolvido nas zonas mais pobres de Lisboa o fado surgiu como uma forma de expressão popular, contestando, lamentando ou louvando os vários momentos da vida pobre da cidade. É por esta razão que a estrutura inicial do fado era de uma simplicidade extrema. Não tendo a ambição de ser apreciado, o fado exprime a opinião e a vida das classes populares através da música.
PANORAMA ACTUAL (sec. XX)
O fado, tal como todos os outros géneros musicais, sofreu uma evolução, adaptando-se aos novos tempos. Assim como se modificou a sua estrutura musical, também mudaram os assuntos. Mas não se pode falar aínda de um fado dedicado a electrodomésticos, televisores, automóveis, telefones e fax! O fado moderno é um fado nostálgico e sentimental. Compõem-se fados dedicados a reis e rainhas a amores e aos velhos tempos da mouraria. Os assuntos deixam de ser os episódios comezinhos da vida quotidiana mas temas mais gerais abrangendo tudo, inclusivamente o tema -O Fado.
ex: Perguntaste-me outro dia
Se eu sabia o que era o fado,
Eu disse que não sabia
Tu ficaste admirado
Sem saber o que dizia,
Eu menti naquela hora
E disse que não sabia,
Mas vou-te dizer agora;
Almas vencidas, noites perdidas, sombras bizarras
Na mouraria, canta o rufia, choram guitarras,
Amor, ciume, cinzas e lume, dor e pecado,
Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado.
Este exemplo adapta-se ao chamado fado depois de Amália que não é exactamente actual, mas é o que se canta actualmente. Pelo que se pode saber através das opiniões de fadistas actuais, há relativamente pouca gente que escreva bem para fado, razão pela qual, se continua a cantar o fado introduzido e divulgado pelos fadistas do princípio do século.
A guitarra tem um papel muito importante na vida do homem do sul e para acentuar a posição deste instrumento, na nossa sociedade, torna-se importante fazer uma breve referência à lenda de Godoy. Diz-se que Maria Luisa, mulher de Carlos IV de Espanha, tocava guitarra na perfeição, e tivera por mestre Frei Miguel Garcia, mais conhecido por o padre Basílio, organista de um convento cistercience. Conta Camilo Castelo Branco que esta rainha, princesa de Parma, se apaixonara por Manuel Godoy, pela perfeição com que tocava guitarra e cantava. Carlos III mandou-o saír de Madrid, mas após a morte do rei, o guitarrista voltou à capital espanhola onde tomou o título de Príncepe da Paz e Primeiro Ministro.
Vai ser a partir do século XIX, quando a guitarra estava em plena voga, que surge um rival; o piano. Este instrumento passa a ser um dos mais requeridos em toda a Europa , mas apesar do seu aparecimento a guitarra subsistiu.
A guitarra tem um dom especial, ela faz reviver em cada homem o passado e desperta tristezas e amores.
O fado, a navalha e a guitarra constituem uma trindade adorada pelo lisboeta.
O fado- factum- é uma forma de exprimir os sentimentos.Ele conta as tristezas , as ironias do destino , os desgostos de amor, a saudade.Não existe, segundo Pinto de Carvalho, uma canção que exprime tão bem a raça latina do povo português.O fado corre no sangue de cada um dos portugueses.
O fado tem a sua filosofia. Segundo Ernesto Vieira , o fado do ponto de vista musical tem como modelo um periodo de oito compassos de dois tempos , dividido em membros iguais e simétricos . O fado é caracterizado ainda pelo facto de ser acompanhado pela guitarra portuguesa . A guitarra tem uma afinação especial , tem o dom de fantasiar muitas variações sobre a mesma melodia ; chama-se o fado corrido . O fado rigoroso não admite qualquer tipo de variações .
Quanto às origens do fado ele não provém das «lenga-
-lengas arábicas». Primeiro o fado deve ter-se espalhado pelo Algarve e no Sul de Espanha e devem ter-se encontrado citações e manuscritos a respeito do fado até ao século XIX . Existem os tomos do século XVII , as modinhas e as cantigas do século XVIII , mas não há qualquer conhecimento de livros ou manuscritos sobre o fado .
Segundo Pinto de Carvalho , o fado tem origem marítima . O homem do mar , imaginativo e idealista improvisa as canções a bordo e o fado foi uma das suas formas de expressão .
O fado só apareceu em Lisboa a partir de 1840 . Até lá era cantado nos barcos , nos cais e denominava-se pelo fado do marinheiro . Foi o fado do marinheiro o único que serviu de modelo aos primeiros fados que se cantaram e tocaram em terra . Na passagem do mar para terra o fado foi-se hierarquizando e só aí se popularizou . Ele passou das tabernas para as grandes salas .
A partir de 1846 a guitarra começou a acompanhar o fado . Na Horta das Tripas , no Ezequiel do Dafundo , no Campo Pequeno , no Arco do Cego e na Madre Deus o fado começou a ser cantado regularmente . O Campo Pequeno era um dos locais mais famosos , pois em 1847 ou 1848 a Severa já lá cantava o seu reportório impuro e obsceno . Dentro da praça de toiros instalava-se um grupo de jovens que ouviam e cantavam também o fado até amanhecer . A Rosa dos Camarões, a Beatriz e a Maria José loira , a Maria Pia eram as mais famosas da época .
Ao falar-se de fado antigo, torna-se indispensável falar-se na Severa ou na lenda da Severa.
Maria Severa nasceu na Madragoa. Ao contrário do que diz a lenda não era cigana. Sua mãe era mais conhecida pela Barbuda (porque a sua barba era tão densa que a obrigava a usar um lenço) e era dona de uma taberna. Maria Severa morou por pouco tempo no Bairro Alto, mudando-se mais tarde para a Mouraria. Barbuda, sua mãe, era «mulher de faca na liga», uma fadistona de meter medo a qualquer outra que resolvesse fazer-lhe frente. Mas a Severa era bonita, graciosa e bem apresentada. Cantava como ninguém e fumava (o que lhe dava uma fama suspeitosa).
Durante o tempo que morou na Mouraria, mais precisamente na Rua da Amendoeira, viveu num primeiro andar que lhe alugou o Conde de Vimioso, pelo qual esta nunca pagou renda. A Severa evidenciava-se pelo seu impudor e fanfarronice, mas tal como ela havia outras. São curiosos os seus nomes; Maria Romana, Umbelina Cega, a Gertrudes Preta (mais conhecida como a preta da pala) , a Bayona, entre outras.
Antes do seu romance lendário com o Conde de Vimioso, a Severa teve um «namorico» com um rapaz a quem chamavam o Chico do 10. Passado pouco tempo trocou-o por outro que raivoso Chico do 10 assassinou às navalhadas. O pobre Chico do 10 morreu em África enquanto cumpria a sua pena.
Logo depois do acidente Severa conheceu o Conde de Vimioso que se sentiu atraído pelo seu doce canto. A Severa cantava na taberna da Rosária dos óculos que ficava num largo a que popularmente chamavam o alto da caganita. Era aí, numa atmosfera pesada, de fumo, bebedeira e música arrastada, que o Conde de Vimioso ia buscar a Severa levando-a consigo. Enquanto durou o romance, Severa andava sempre bem vestida, com lenços de seda, destroçando muitos corações pelo facto de se manter fiel ao Conde. Diz-se que a Severa não foi apenas um capricho do Conde, mas uma verdadeira paixão. Motivado por este sentimento, o Conde de Vimioso chegou a levar a Severa a toiradas em casas de amigos e diz-se que chegou a levá-la ao palácio do Campo Grande onde esta cantou o fado.
Diz a lenda que Maria Severa morreu de indigestão pelo facto de beber muito mas, segundo alguns autores, confirma-se que a sua morte foi causada pela prostituição. Em 1850 já tinha morrido a Severa. Nessa teria a sua mãe 56 ou 58 anos, e mudou-se definitivamente da Rua da Amendoeira.
A propósito da morte da Severa, achámos apropriado citar algumas estrofes a ela dedicadas:
Morreu, já faz hoje um anno,
Das fadistas a rainha.
Com ella o Fado perdeu
O gosto que o Fado tinha.
Chorae, fadistas, Chorae,
Que a Severa se finou.
O gosto que tinha o Fado,
Tudo com ella acabou.
O Conde de Vimioso
Terrivel golpe soffreu,
quando lhe fôram dizer:
«A Severa já morreu».
Na casinha onde habitava
A mundana tão famosa,
A turba silenciosa
Seu cadáver contemplava.
Ali tudo só passava
Em que o seu rosto formoso
Não par`cia angustioso;
E a companhia que estava
Dizia que só faltava
O Conde de Vimioso.
BELLO, Francisco R. ; Tese sobre o Fado e o Tango
CARVALHO, José Pinto de, (Tinop), História do Fado Publicações Dom Quixote, Lisboa , 1984, (1ª edição, 1982)
COSTA, António Firmino da, Maria das Dores Guerreiro; O Trágico e o Contraste, Colecção: Portugal de Perto, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1984.
PIMENTEL, Alberto; A Triste Canção do Sul, Livraria Central, Lisboa, 1904.