26-4-2006
Beato Frei Gil de Vouzela
(1185 ou 1190 - 1265)
Gil Rodrigues de Valladares nasceu em Vouzela em 1185 ou 1190, filho de D. Maria Gil ou D. Teresa Gil e de D. Rui (ou Rodrigo) Pais de Valladares, que desempenhou elevados cargos junto do Rei em Coimbra (cidade que era então a capital do Reino). Fez os primeiros estudos em Coimbra, provavelmente de Medicina. Prosseguiu depois os estudos de Medicina em Paris, onde tomou conhecimento da recém-criada Ordem de S. Domingos, ou Ordem dos Pregadores. Por volta de 1224, entrou no noviciado, onde foi companheiro de cela do Beato Humberto de Romans , mais tarde Geral da Ordem. Estudou Teologia durante alguns anos em Paris e regressou depois a Portugal para ser professor. Falecido o Prior Provincial de Hispânia (englobando Portugal e Espanha), Fr. Soeiro Gomes, Frei Gil foi eleito Provincial em 1234, cargo que terá desempenhado durante um número incerto de anos.
Diz-se que, em 1245, terá tido intervenção na deposição pelo Papa Inocêncio IV, de D. Sancho II, notificando-lhe a Bula Grandi non immerito (transcrita na Monarchia Lusitana, 4.ª parte, ver aqui, págs. 564 -566 do software).
Segundo alguns autores, foi eleito de novo Provincial em 1257, mas exerceu o cargo por muito poucos anos.
Faleceu com fama de santidade em 14 de Maio de 1265 e foi sepultado em Santarém. O seu culto foi confirmado pelo Papa Bento XIV em 9 de Maio de 1748, para as dioceses de Lisboa e Viseu e para o interior da Ordem dos Dominicanos.
Não tem, pois, o título de santo que lhe é atribuído comummente, Frei Gil de Vouzela ou Frei Gil de Santarém, como ficou conhecido no estrangeiro – Aegidius Scallabitanus, em Latim, Gilles de Santarem, em Francês.
Muito se escreveu ao longo dos séculos sobre Frei Gil. Para isso, deverá ter contribuído o costume reinante na Ordem dos Pregadores desde a sua fundação, de escrever e publicar a vida dos seus membros. A Vida de S. Domingos * (1170-1121) foi escrita logo em 1235, e, ainda Frei Gil era vivo, já Fr. Gerald de Frachet tinha escrito o livro Vitae Fratrum (1258), por mandado do Geral Fr. Humberto de Romans e contando com a colaboração de Frei Gil. Frei Gil é referido no texto como Frater Egidius de Portugallia (4.5.6) e duas vezes como Frater Egidius Hyspanus (4.24.5 e 5.3.6). Também colaborou certamente na redacção, conforme se constata no que se segue e em outros passos do livro:
5.3.6. Frei Gil espanhol, com fama de santo, homem com autoridade e de veracidade indiscutível enviou estes escritos que se seguem a Frei Humberto, Mestre da Ordem, de quem foi companheiro caríssimo no noviciado em Paris: (tradução de Carlos Lino de Seabra). Seguem-se oito histórias descrevendo os últimos momentos da vida de outros tantos frades.
Está provado que, logo no sec. XIII ou no princípio do sec. XIV, um frade dominicano de Santarém escreveu uma biografia de Frei Gil que se perdeu. Mas, antes, tal biografia serviu de base às biografias (melhor dizendo, hagiografias) escritas por Frei Baltazar de S. João em 1537 (que na altura ficou em manuscrito) e por André de Resende (1498-1573).
Outras bio- e hagiografias foram depois escritas, baseadas nestas, nomeadamente a incluída por Frei Luis de Sousa (1555-1632) na monumental História de S. Domingos.
A mais importante é sem dúvida a de André de Resende em forma de diálogo, que antes de ser impressa em 1586, em Paris, foi editada por António de Sena (1520? -1585) e Estêvão de Sampaio (1543-1603). Chama-se Conuersio miranda D. Aegidii Lusitani, Doctoris Parisiensis, ordinis Praedicatorum, e dela foi feita a edição crítica, anotação e tradução na muito interessante tese de doutoramento da Prof. Virgínia Soares Pereira.
A vida e a legenda do Beato Frei Gil foi retomada e romantizada por muitos dos nossos literatos, nomeadamente António Feliciano de Castilho, Camilo Castelo Branco, Almeida Garrett, António Sardinha, Eça de Queirós, Teófilo Braga e A. Correia de Oliveira.
Como se disse acima, o Beato Frei Gil foi sepultado no Convento de S. Domingos, em Santarém, tendo aí mudado de lugar em 1610, aquando de grandes obras que se realizaram no Convento. Em 1834, foram extintas as Ordens Religiosas e e os restos mortais de Frei Gil foram levados em procissão para o Convento das freiras de S. Domingos-das-Donas. A tampa da arca tumular veio para Lisboa, para o Museu Arqueológico do Carmo, onde ainda se encontra, partida ao meio e com falta do bordão de peregrino.
Os restos mortais foram confiados pelas freiras ao Marquês de Penalva que os teve primeiro na capela de sua casa, em Lisboa e depois na Capela da Quinta das Lapas, em Torres Vedras. Foram depois para a Igreja da Pena, em Lisboa e daí para a Sé de Santarém em 1991-1992.
Relíquias do corpo estarão na Capela de S. Frei Gil, em Vouzela e na Igreja de S. Domingos dos Irlandeses, em Murtal – Estoril.
(*) Na Biblioteca Nacional existe um manuscrito de Alcobaça com a Vita Sancti Dominici escrita por Pedro Ferrando, datado provavelmente de 1240, pois contém trechos censurados no Capítulo Geral de 1242 (Simon Tugwell OP, Petrus Hispanus: Comments on Some Proposed Modifications, in Vivarium, 37,2 (1999), págs. 103-113.)
Cap. I
De eius patria, genere et primis documentis
Beatus igitur pater Aegidius natus est ano ciciter MCXC ad confluentes Vagi et Zelae fluminum, in oppidum Vaozela, quod ab utroque flumine conflatum habere nomen uidetur, quasi Vagoselam quis dicat. Est autem in oppidum in Visaeensi dioecesi, iuxta thermas Alaphoenses. Parentes eius iuxta saeculi dignitatem et genere nobilissimi et moribus religiosissimi fuere et fortunae amplitudine inter primos clari. Nam pater, domnus Rodericus Pelagius Valladaris nomine, domni Sueri Pelagii Valladaris filius, de primoribus fuit aulae regis Sancii maioris et illi a consiliis, ad haec, regiae, maiordomus. Quae dignitas, a Francorum regibus orta istoc nomine, quantum haberet potentiae Paulus Diaconus in Gestis Langobardorum commemorat. Fuit etiam arcis et urbis Conimbrigensis praefectus, non autem praetor, ut male barbarus iste liber continet. Praetor enim iuri dicundo est, praefectus autem militare uocabulum. Id ita esse ostendit inscriptio canonicorum S. Crucis detecta est. Ea autem huiusmodi est:
HIC SITVS EST DOMNVS RVDERICVS, PATER FRATRIS AEGIDII SANCTIRENENSIS, MAIOR PRAEFECTUS ARCUS ET VRBIS CONIMBRIGENSIS.
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Capítulo I
Da sua terra natal, família e primeiros estudos
Pois bem: O bem-aventurado padre Gil nasceu, cerca do ano de 1190, junto à confluência dos rios Vouga e Zela, na povoação de Vouzela, nome este que parece resultar da fusão do nome dos dois rios, como se se dissesse “Vagosela”. Essa povoação fica na diocese de Viseu, junto às termas de Alafões. Os seus pais foram, de acordo com os padrões de prestígio social de então, da maior nobreza de nascimento e dos mais respeitados costumes e, pela sua enorme riqueza, sobressaíram entre os primeiros. De facto, o pai, D. Rui Pais de Valadares de nome, filho de D. Soeiro Pais de Valadares, foi um dos grandes da corte do rei D. Sancho I e fez parte do seu conselho, sendo, além disso, mordomo da corte. Desta dignidade, que com esse mesmo nome surgiu com os reis de França, bem como do poder que lhe correspondia, fala Paulo Diácono na obra Dos feitos dos Lombardos. Foi ainda alcaide (praefectus) da cidadela e da cidade de Coimbra e não pretor (praetor) como vem escrito, e mal, nesse bárbaro livro, pois “pretor” é um termo da área do direito, ao passo que “alcaide” é um vocábulo da linguagem militar. Que assim é prova-o a inscrição do sarcófago que foi descoberta, era eu menino, no mosteiro dos Cónegos de Santa Cruz. A inscrição é deste teor:
AQUI JAZ DOM RVI, PAI DE FREI GIL DE SANTARÉM, ALCAIDE-MOR DA CIDADELA E DA CIDADE DE COIMBRA.
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Hoc enim sonat uocabulum Punicum alcaide, quod erat in inscriptione, quo etiam nunc in ea administratione Lusitani utimur. Mater uero illius domna Therasia Gillia siue Aegidia uocabatur. Habuit et germanos duos, Pelagium Rodericium, qui patris nomen inuersum habuit, et Ioannem Rodericium natu maiores. Ipsi uero de matris cognomine inditum nomen est, patris autem nomen in cognomen transiit. Nam Gillius siue Aegidius Rodericius fuit appellatus.
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É este, de facto, o termo (praefectus) que corresponde ao vocábulo árabe alcaide, que figura na inscrição, designação que ainda hoje nós, Portugueses, usamos para este cargo. Quanto à sua mãe, chamava-se Teresa Gil (ou Egídia). Teve também dois irmãos: Paio Rodrigues, que ficou com o nome do pai, mas ao contrário, e João Rodrigues, ambos mais velhos. Quanto a Gil, o nome que lhe deram veio do cognome da mãe. transitando o nome do pai para o lugar de cognome, pois que se chamou Gil (ou Egídio) Rodrigues.
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Tradução provinda de Aegidius Scallabitanus, Um diálogo sobre Fr. Gil de Santarém, tese de doutoramento da Prof. Virgínia Soares Pereira, cuja autorização para a sua reprodução nesta página se agradece. |
BIBLIOGRAFIA - (textos consultados)
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Jorge Cardoso (1606-1669), António Caetano de Sousa (1674-1759), Agiológio Lusitano (1666), com estudo e índices de Maria de Lurdes Correia Fernandes, 5 vols. Edição fac-similada, Faculdade de Letras da Univ. do Porto, 2002, ISBN 972-9350-66-3
Antonius Senensis (O.P.), Chronicon Fratrum Ordinis Praedicatorum : in quo tum res notabiles, tum personae doctrina, religione & sanctitate conspicuae, ab exordio ordinis ad haec vsque nostra tempora, complectuntur / authore ... Antonio Senensi ... apud Nicolaum Niuellium, 1585 Parisiis (ver págs. 139 a 141 do software)
Antonius Senensis (O.P.), Bibliotheca Ordinis Fratrum Praedicatorum : virorum inter illos doctrina insignium nomina & eorum quae scripto mandaruntopusculorum titulos & argumenta complectens / authore ... Antonio Senensi, eiusdem dominico ... apud Nicolaum Niuellium, 1585 Parisiis (ver págs. 34 a 40 do software).
Quarta Parte da Monarchia Lusitana que contem a Historia de Portugal desdo tempo delRey Dom Sancho Primeiro ate todo o reinado delRey D. Afonso III, impressa em Lisboa no Mosteiro de S. Bernardo por Pedro Craesbeeck, 1632 (ver págs. 462 - 465 do software)
1979 – Américo da Costa Ramalho, A conversão maravilhosa do português D. Gil: um diálogo latino quase ignorado, da autoria de André de Resende, sep. da Rev. da Universidade de Coimbra, vol. XXVII, pp. 239-262.
André de Resende, Aegidius Scallabitanus, Um diálogo sobre Fr. Gil de Santarém, Estudo introdutório, edição crítica, tradução e notas de Virgínia Soares Pereira. Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas, Fundação C. Gulbenkian, F.C.T., Ministério da Ciência e da Tecnologia, 762 pgs., ISBN 972-31-0895-X
S. Frei Gil de Santarém e a sua época: catálogo, org. do Museu Municipal de Santarém, Câmara Municipal, 1997, ISBN 972-97066-6-2
1992 – Virgínia Soares Pereira, A autoria de uma vida de Fr. Gil de Santarém atribuída a Pedro Pais, in Miscelânea de Estudos em honra do Prof. A. da Costa Ramalho, INIC, Coimbra, 1992, ISBN 972-667-292-9
Virgínia Soares Pereira, Garrett, Fr. Luís de Sousa e Fr. Gil de Santarém, in Diacrítica n.º 15, 2000. Universidade do Minho , pag. 213 a 233
Online:http://ceh.ilch.uminho.pt/publicacoes/diacritica15.pdf
João de Oliveira: Frei Gil de Portugal: médico, teólogo, taumaturgo, 1991.
Manuel Cadafaz de Matos, S. Frei Gil, do Scriptorium Universitário de Coimbra e de Paris ao renomado túmulo scalabitano, in Colóquio Comemorativo de S. Frei Gil de Santarém: actas /org. Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 1990.
Carlos Lino de Seabra, São Frei Gil de Vouzela: um escritor medieval português, Câmara Municipal de Vouzela, 1996, 67 pgs.
Fr. Gerardo de Frachet, As vidas dos irmãos, trad. de Frei Alberto Maria Vieira, O.P., Sec- Prov. dos Dominicanos, Fátima, 1990, 352 pgs.
Vitae fratrum, tradução inglesa de Joseph Kenny, O.P.
Online: http://www.diafrica.org/nigeriaop/kenny/VitaeFratrum.htm
Frei Luis de Sousa (1555-1632) O.P., História de S. Domingos, 2 vols., introdução e revisão de M. Lopes de Almeida, 1977, Lello & Irmão Editores- Porto, Livro segundo, Capítulos XIII a XXXV, págs. 175 -249.
António de S. Domingos (1531-1596) O.P., Compendio dos religiosos insignes da ordem dos Preegadores (Coimbra: per Ioam de Barreyra. & Ioã Aluarez, 1552), págs. 109-117.
Hernando del Castillo (1529-1595) O.P., Primera parte de la historia general de Sancto Domingo, y de su orden de Predicadores, Madrid, en casa de Francisco Sanchez, 1584, Libro segundo, capítulos 72 a 77, págs. 343-356.
Iona McCleery. Opportunities for Teaching and Studying Medicine in Medieval Portugal before the Foundation of the University of Lisbon (1290). Dynamis, 2000, 20, 305-320, Universidad de Granada
Iona McCleery - The Virgin and the Devil: the Role of the Virgin Mary in the Theophilus Legend and its Spanish and Portuguese Variants, pgs. 147-156, in
The Church and Mary, Edited by R. N. Swanson – Papers read at the 2001 Summer Meeting and the 2002 Summer Meeting of the Ecclesiastical History Society - Published for the Ecclesiastical History Society by The Boydell Press, 2004
Iona McCleery - Multos ex medicinae arte curaverat, multos verbo et oratione: curing in medieval Portuguese saints' lives, pgs. 192-202, in
Signs, wonders, miracles : representations of divine power in the life of the church : papers read at the 2003 Summer Meeting and the 2004 Winter Meeting, edited by Kate Cooper and Jeremy Gregory - Published for the Ecclesiastical History Society by The Boydell Press, 2005
LINKS:
Maria Estela Guedes - S. Frei Gil, um santo carbonário
Maria Estela Guedes - S. Frei Gil em cinema
História dos Dominicanos na Península Ibérica
S. Fr. GIL chamado no seculo Gil Rodrigues de Valladares, filho de Ruy Pires de Valladares do Conselho delRey D. Sancho I. de Portugal seu Mordomo mór, e Alcayde mór do Castello, e Cidade de Coimbra, e de Thereza Gil filha do Senhor da Quinta da Cavallaria nasceu em o ano de 1185 em a Villa de Vouzella, Cabeça do Concelho de Lafoens em o Bispado de Viseu. Teve por palestra dos seus estudos a famosa Cidade de Coimbra onde aprendendo a lingua Latina, Filosofia, e Medecina (faculdade em que naquelles tempos estudavão pessoas de conhecida nobreza) em o Real Convento de Santa Cruz de Coimbra como testefica D. Nicol. de Santa MariaChron. dos Coneg. Reg. liv.07. cap. 15. n. 4. saiu pela viveza do engenho tão egregiamente instruido, que nenhum dos seus condiscipulos lhe disputava a primazia. A fama que corria das suas letras lhe adquiriu multiplicadas dignidades sendo ao mesmo tempo Conego das Cathedraes de Braga, Coimbra, e Guarda, Arcediago da terceira Cadeira em a de Lisboa, e Prior das Igrejas de Santa Iria em Santarem, e Santa Maria de Coruche. O verdor dos anos, e a opulencia de tantas rendas Ecclesiasticas lhe infundirão em o animo tão vãogloriosos pensamentos, que se resolveo a frequentar a Universidade de Pariz celebre emporio de todas as sciencias formando delas os degraos por onde subisse à eminencia dos mayores lugares, que na sua idea maquinava. Tanto que chegou a esta celebre Academia continuou o estudo da Medecina, e nella fez tão agigantados progressos, que por voto de todos os Cathedraticos foy laureado com as insignias doutoraes. Observando com madura reflexão que alguns dos seus condiscipulos tão claros em o sangue, como na Sabedoria preferião a pobreza Evangelica à opulencia mundana determinou seguir tão heroicos vestigios para cujo efeito deixando o seculo se recolheo ao claustro do reformado Convento de S. Jacobo de Pariz da Ordem dos Pregadores em o ano de 1225. quando contava quarenta anos de idade. Em o Noviciado onde teve por companheiro a Humberto, que depois foy Mestre Geral da Ordem, castigava com a parsimonia do sustento, e aspereza do vestido os regalos, e delicias com que fora educado na caza de seus illustres Pays, e para abater a memoria da sua nobreza se exercitava em os mais vis ministerios da cozinha, e enfermaria. Feita a profissão solemne se aplicou ao estudo da Sagrada Theologia em que recebeo o grao de Mestre em a Universidade de Pariz donde partiu para Hespanha a dictar tão sublime Faculdade. Do Magisterio foy assumpto em o ano de1233. ao Provincialado de toda Espanha, que vagara por morte da V. Fr. Soeyro Gomes, em cujo lugar uzou de afabilidade, e prudencia, e posto, que estava summamente atenuado com achaques, e penitencias não deixou de visitar a p tão dilatada Provincia, que se extendia pelo vasto espaço de trezentas legoas. Tendo assistido em Bolonha à celebração do Capitulo Geral em que sahio eleito no ano de1238 por Mestre Geral da Ordem S. Raymundo de Penafort voltando a Portugal, foy absolto do lugar de Provincial, que estimou excessivamente para com mayor socego se dedicar à contemplação dos divinos atributos. A culpavel inercia com que ElRey D. Sancho II. de Portugal permitio ser dominado pelos seus Vassalos com injuria da Soberania, e abatimento da Magestade impelio aos zelozos da patria para que clamassem a Inocencio IV. o depuzesse do trono. Esta comissão, que era a todos formidavel, a executou o Santo Fr. Gil com apostolica liberdade posto, que padeceo graves afrontas, e infinitas molestias. Segunda vez foy eleito Provincial, e como atendia mais pela observancia religiosa, que pelo proprio descanço aceitou tão laborioso ministerio em que encheo as obrigaçoens de vigilante Prelado. Acometido da ultima infermidade recebeo com summa ternura os Sacramentos, e pronunciando as palavras in manus tuas Domine commendo Spiritum meum partio a lograr o premio das suas virtuosas obras a 14 de Mayo de1265 quando contava 80 anos de idade ficando com tão agradavel aspecto, que parecia se entregara a hum placido sono. Passados seis anos foy transferido o seu corpo, que se achou incorrupto para hum Mausoleo, que lhe edificara sua Prima D. Joanna Dias Senhora da Attouguia mulher de D. Fernando Fernandes Cogominho senhor de Chaves, e Alcayde mór de Coimbra, o qual está collocado em huma Capella do Cruzeiro do Convento de S. Domingos da Villa de Santarem da parte da Epistola concorrendo continuamente innumeravel povo a venerar o Santo Cadaver. Os assombrosos milagres, que em beneficio de innumeraveis pessoas obrou a sua heroica virtude assim vivo como morto; os admiraveis extasis com que repetidas vezes foy visto suspenso nos ares parecendo mais habitador do Ceo, que da terra; as rigorosas penitencias com que macerou o corpo reduzindo o às Leys do espirito; e as gloriosas vitorias, que alcançou do Principe das trevas se podem ler difusamente em Resende. Conv. mirand. D. Aegid. Lusit. lib. 4. Souza Hist. de S. Domingos da Prov. de Portug. Part. 1. liv. 2. cap. 13. at 35 . Illustrissimo Cunha Hist. Eccles. de Brag. Part. 2. cap. 34. e Hist. Eccles. de Lisboa. Part. 2. cap. 64. Bzou. Annal. Eccles. Tom. 13. ad an.1230 . Mariet. Hist. de los Sant. de Espan. lib. 12. cap. 25. Tamayo Martyrol. Hisp. Tom. 3. ad 16. Maij. Brandão Mon. Lusit. Part. 4. liv. 15. cap. 32. Nunes Descripc. de Portugal. cap. 47. Vasconcel. Descript. Portugal. p. 553. n. 11. Balinghen Kalend. Virg. p. 228. Delrio Disq. Mag. lib. 46. cap. 2. sect. 3. quaest. 3. Joan. Soar. de Brit. Theatr. Lusit. Litter. lit. G. n. 49. Magna Biblioth. Eccles. Tom. 1. pag. 125. col. 1. Cardoso Agiol. Lusit. Tom. 3. pag. 239. e no Coment. de 14. de Mayo letr. C. e pag. 816. e no Coment. de 25. Julho. letr. D. Nicol. Ant. Bib. Hisp. Vet. lib. 8. cap. 4. §. 117. Monteiro Claustr. Domin. Tom. 3. pag. 227. Echard. Script. Ord. Praed. Tom. 1. pag. 241. onde refuta com resoens concludentes tudo o quanto escreverão alguns authores da Conversão do Santo Fr. Gil, mostrando evidentemente ser apóocryfa aquella historia. Compoz alem de outras obras, que desaparecerão grande parte do livro atribuido a Fr. Humberto Mestre Geral da Ordem dos Pregadores intitulado:
Vitae Fratrum. Lovanii apud Servatium Sassenium 1575. 8. no qual in lib. 4. Tit.de Virtute Orationisse lêem estas palavras.Haec Fr. Aegidius de Portugallia scripsit vir simplex, et rectus, & timens Deum magnus in artibus, & Physica, & Theologia.E na impressão de Duaco 1619.Haec Fr. Aegydius de Portugalia scripsit vir totius Sanctitatis.No mesmo lib. 4. Tit.de diversis Visionibus Fr. Aegidius Hispanus, qui fuit in saeculo magnus, in Artibus, & in Physica & in Ordine Sacrae Paginae lector, qui Prior fuit bis in Hispania, vir religiosus, pius, & verax socio suo Fr. Humberto Magistro Ordinis scripta misit &c. Destas Relaçõens, que remeteo a Fr. Humberto faz repetida memoria Fr. Luiz de Souza Hist. de S. Doming. Part. 1. liv. 2. cap. 8. 9. e 11. principalmente da Vida de Fr. Fernando Pires, e Fr. Fernando de JESUS Religiosos Dominicos no Convento de Santarem escreve Jorge CardosoAgiol. Lusit.Tom. 2. pag. 223. no Coment. de 18. de Março letr. B. fora seu Chronista o Santo Fr. Gil.
Bibliotheca lusitana historica, critica, e cronologica : na qual se comprehende a noticia dos authores portuguezes, e das obras, que compuserão desde o tempo da promulgação da Ley da Graça até ao tempo presente, por Diogo Barbosa Machado (1682-1772), 4 vols., 1741.