20-12-2006

 

Henrique Jorge Henriques

(1545? - 1622)

 

 

Henrique Jorge Henriques nasceu na Guarda alguns anos antes dos meados do sec. XVI. Em Coimbra, estudou Humanidades e depois Medicina, tendo sido aluno do prestigiado Tomás Rodrigues da Veiga. Findo o curso, foi para Salamanca, onde se doutorou, tendo ficado Professor de Artes na mesma Universidade. Mais tarde regressou a Coimbra, onde, segundo indica no rosto dos seus livros, foi primeiro lente substituto da cadeira de Avicena e depois Professor da cadeira de Medicina Prática. Foi médico de câmara do duque de Alba, D. António Alvarez de Toledo.

Teófilo Braga conclui que ele não ensinou em Coimbra pelo facto de não aparecer no Catálogo dos Lentes da Universidade, de Francisco Carneiro de Figueiroa, apesar de ter sido proposto para o lugar. Assim consta da proposta feita ao Rei pela Universidade em 6 de Outubro de 1589:

"Pede a Universidade que haja nella uma Conduta pera lição de pratica de medicina por ser muito necessaria aos medicos. E pareçeo se lhe deve conceder, não per modo de cadeira, senão de conduta pera este effeito de ensinar a pratica; e que o que a ler sendo doutor possa padrinhar como cada hum dos lentes, e tem-se enformação que hum Anrique Jorge da Guarda he para isto sufficiente, e por toda a faculdade he pedido".

O facto de a 2.ª edição do "Retrato del perfecto medico" (1603) omitir no rosto a indicação de ter sido professor de medicina prática parece confirmar a opinião de Teófilo Braga.

Barbosa Machado faz alguma confusão com a figura deste médico, pois indica-o duas vezes, uma como Henrique Jorge Henriques e outra como Jorge Henriques, apenas.

Foram impressas as duas obras indicadas a seguir, Retrato del perfecto medico, sobre deontologia médica e De regimine cibi atque potus, sobre higiene alimentar. As restantes obras que lhe são atribuídas, se existirem, ficaram manuscritas. São elas o Compendium dialecticum, para cuja impressão já tinha obtido o privilégio do Rei (De regimine cibi, pag. 2 v. e Retrato, pag. 200); Carta ao tocador de viola Jorge Ruyz de Acosta sobre os méritos da música na terapia e a necessidade de os médicos treem conhecimentos musicais (Retrato, pag. 267 a 270); Discurso em latim no Claustro dos Médicos sobre a formação dos médicos (Retrato, pag. 110).

 O Retrato del perfecto medico apresenta-se sob a forma de cinco diálogos entre o próprio autor (Enriquez Medico) e um Teólogo Arcediano, o Doutor Palomares, Arquidiácono de Coria, durante o Bispado de Pedro García de Galarça (1579-1604).

Transcreve-se o sumário que do livro faz o Dr. Maximiano de Lemos:

“Começa Henriques por mostrar a utilidade e antiguidade da medicina, e logo reclama do médico perfeito que seja humilde, e não vaidoso e soberbo; caritativo para com os pobres, manso, benigno, afável e de modo algum vingativo; discreto e não murmurador, lisonjeiro ou invejoso; prudente, temperado e não ousado em demasia; que seja continente e honesto; inclinado às letras e curioso; trabalhador na sua arte e de modo algum dado à ociosidade; erudito, mas sem afectação e por maioria de razão sem charlatanismo. Incidentemente, trata dos danos causados por aqueles que, sem terem dela conhecimento perfeito, se ocupam de medicina e atribui ao pouco zelo no seu castigo o desenvolvimento deste mal.

No segundo diálogo, requer-se que o médico perfeito tenha tido bons professores, e haja estudado com método e largo tempo, fora da sua pátria. Exige-se que possua experiência, mas sem chegar a idade provecta; que tenha boa memória e bom julgamento e que conheça bem a retórica; e ventila-se qual deve ser a sua estatura, a sua fisionomia e ainda qual a sua linhagem, visto que certos povos têm uma tendência especial para a cultura desta ciência.

Recomenda-se novamente no terceiro diálogo  a humildade ao médico, e mais se lhe pede que use de vestuário decente, elogiando-se os reis de Portugal por haverem tomado disposições relativas a trajes e vestidos; que seja limpo, tenha bom hálito, fuja do vinho e da ociosidade, seja temperado no comer e honesto, evitando a luxúria que prejudica as operações do entendimento, que zele a sua honra, conheça bem as línguas latina, grega e árabe, e finalmente que seja bom astrólogo, visto como de todos é conhecida a influência que os astros exercem sobre o corpo humano.

Requer-se no quarto diálogo que o médico perfeito seja cauteloso e exacto no prognóstico, visto que assim conquistará a confiança dos enfermos; que seja desinteressado no exercício da profissão, filho de gente honrada e pacífico, e conhecedor da anatomia que então se ia vulgarizando na Península.

No quinto e último diálogo, recomenda-se que o médico faça com que os doentes recebam os sacramentos da Igreja, repreendendo-se a negligência  que alguns tinham a este respeito. Admite-se que o médico tenha recreio honesto, fugindo dos jogos de cartas, mas permitindo-se-lhe, como em harmonia com a gravidade da profissão, o jogo do xadrez. Requer-se que o médico fuja da mentira, bisque as viagens, se dê ao estudo da cosmografia, tenha conhecimento da música e da poesia, seja bom fisionomista; e possua as matemáticas, a dialéctica, a filosofia moral e a metafísica. Termina o livro com algumas palavras relativas aos salários dos médicos, às superstições introduzidas na prática da medicina, à natureza dos venenos e ainda à conveniência que o médico tem em ausentar-se da pátria, que rara vez deixa de ser madrasta dos bons engenhos.”

 

Henrique Jorge Henriques seria “converso”, isto é, cristão novo. Isto, apesar de não manifestar convicções judaicas, como se vê do quinto diálogo, quando recomenda que o médico faça com que os doentes recebam os sacramentos da Igreja e, em geral de todo o Retrato, onde diz que um requisito para ser bom médico é ser cristão católico romano.

Era pessoa culta e revoltava-se com os falsos médicos que proliferavam pelo País: “Bien nos pone delante los ojos el diviníssimo Galeno, quanto importa tenerse cuenta com este negocio, y dize, que considere el Medico, que quando cura el hombre, no tracta com las piedras, ladrillos, palos, cueros, como los otros artífices, e com todo veo los Illustres señores Protomedicos dar muy facilmente licencia a dos mil idiotas que ay en este Reyno para curar, y tractar cosas tocantes a esta arte tan excellente.”

A sua vida não foi fácil. Constata-se que os seus dois livros que hoje temos impressos foram redigidos muito antes de ser publicados: a carta dedicatória do De regimine tem a data de 1584, dez anos antes, e a redacção do Retrato terminou em 1582 (pag- 323). Era certamente o velho ódio aos cristãos-novos que imperava na península ibérica.

Os autores portugueses não indicam a data do óbito, mas Jon Arrizabalaga indica o ano de 1622. Os seus familiares foram parar à Inquisição, pelo facto de lhe terem feito um funeral segundo os costumes judaicos (Kamen, pag. 168). Ficaram dois anos presos até serem libertados por falta de provas. 

 

LIVROS PUBLICADOS

 

Retrato del perfecto medico, dedicado a Don Antonio Alvarez de Toledo Beaumont, Duque de Alva, y de Huescar, Marquês de Coria, Alferez mayor, y Condestable de Navarra, Conde de Lerin, y de Salvatierra, Señor de Val de Corneja, & c., compuesto por el Licenciado Henrico Jeorge Anriquez Lusitano, Medico de su Câmara, Lector ordinário de Artes que fue en la Universidad de Salamanca, y en la de Coimbra substituto de la Cathedra de Avicena. Y despues primero electo para la Cathedra de practica de Medicina en la dicha Universidad.

En Salamanca en casa de Juan y Andrés Renaut Impressores. 1595

Online : http://alfama.sim.ucm.es/dioscorides/consulta_libro.asp?ref=X533265966&idioma=0

 

Edição moderna:

Enrique Jorge Enriquez, Retrato del perfecto medico . - Salamanca : Real Academia de Medicina : Inst. Hist. Med. Esp., 1981. - 323 p.; 26 cm. - (Textos medicos españoles ; 4). - Facsimile da edição de Salamanca: en casa de Iuan Y Andres Renault hermanos, 1595. - ISBN 84-600-2142-4

 

De regimine cibi atque potus, et de cœterum rerum naturalium usu nova enarratio. Autore Henrico Georgio Anriquez, Lusitano Guardiensi, Olim Salamanticæ publico Philosopho. Cum privilegio. Salamanticæ, Excudebat Michael Serranus de Vargas. Anno 1594.

Online: http://alfama.sim.ucm.es/dioscorides/consulta_libro.asp?ref=X533341182&idioma=0

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

Bibliotheca lusitana historica, critica, e cronologica : na qual se comprehende a noticia dos authores portuguezes, e das obras, que compuserão desde o tempo da promulgação da Ley da Graça até ao tempo presente, por Diogo Barbosa Machado (1682-1772), 4 vols., 1741. Transcrito aqui.

 

Nicolau António, Bibliotheca Hispana noua : sive Hispanorum scriptorum qui ab anno MD ad MDCLXXXIV floruere notitia / auctore D. Nicolao Antonio; tomus secundus, Madrid, Apud Joachimi de Ibarra., 1788. Online aqui (págs. 599 do software).

  

Maximiano de Lemos, História da Medicina em Portugal, pref. Maria Olívia Ruber de Menezes, Lisboa, D. Quixote e Ordem dos Médicos, 2.ª edição, 2 vols. 1991

 

Luis de Pina, Um ilustre beirão quinhentista na história da deontologia médica portuguesa - Dr. Henrique Jorge Henriques (resumo da comunicação feita ao X Congresso Beirão), in Arquivo Coimbrão, Volumes XXI-XXII, Tomo I, Coimbra, 1967, págs. 365-366

 

Henry Kamen - Inquisition and Society in Spain in the sixteenth and seventeenth centuries, Indiana University Press, Bloomington, 1985, ISBN 0-253-22775-5.

 

Jon Arrizabalaga - The ideal medical practitioner in counter-reformation Castile: the perception of the Converso physician Henrique Jorge Henriques (c. 1555-1622), in Medicine and medical ethics in Medieval and early modern Spain : an intercultural approach,  edited by Samuel S. Kottek and Luis Garcia-Ballester. -- Jerusalem: Magnes Press, 1996. 291 p. pgs. 61-91 – ISBN 9652239305

 

Romero M.B. Gandra, A Iatroética e o “Retrato del perfecto Medico”, de Henrique Jorge Henriques no âmbito médico-social renascentista, Medicina na Beira Interior. Da Pré-História ao Sec. XX –  Cadernos de Cultura, n.º 2, Junho de 1990, Pgs. 21-27

Online: http://www.historiadamedicina.ubi.pt/cadernos_medicina/vol02.pdf   

 

BRAGA, Teophilo - História da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrucção publica portugueza, Porto, Chardron, 1904

 

 

 

 

 

HENRIQUE JORGE HENRIQUES, irmão de Gaspar Fernandes insigne Jurisconsulto naceo em a Cidade da Guarda em a Provincia da Beira onde instruido nos primeiros rudimentos se aplicou ao estudo da Medecina sendo seu Mestre o grande Thomaz Rodriguez da Veyga, Cathedratico de Prima em a Universidade de Coimbra de cuja disciplina sahio tão perito, que foy Lente de Artes em a Universidade de Salamanca, e substituto da Cadeira de Avicena em a de Coimbra, e depois eleito na mesma Academia para Lente de Prima de Practica de Medecina em o anno de  1595. Foy Medico do Duque de Alva D. Antonio Alvares de Toledo. 

  

De Regimine cibi, ac potus, et de caeterarum rerum non naturalium usu nova ennaratio, Salmanticae apud Michaelem Serranum de Vargas  1594

 

Tratado del perfeto Medico dividido en sinco Dialogos  Salamanca  por João, Andre Renaut 1595

 

Compendium Dialecticae.Desta obra faz menção a pag. 200. do  Tratado del perfecto Medico.

 

Dous livros de Censuras.  Nelles falla no Tratado del perf. Med. fol. 203. e no de   Regim. citei potus, fol. 187.

 

Espelho da Vida Humana.  Delle se lembra no de Regim. cibi & pot. fol. 25        

 

Livro do Amor sobre o Capitulo de Avicena em que trata dos Amantes. Faz delle memoria no Trat. del perf. Med.  fol. 179. 184. e 186.

 

Apologia Medica     Della se lembra no referido Tratado. fol. 203. e 287.

 

Poemata Varia                    

 

Delle fazem memoria Hallevord Bib. Curios.  pag. 414. col. 1. Abrah. Mercklin. Lind. Renov,  Nicol. Ant. Bib. Hisp. Tom. 1. pag. 431. col. 1. e Morery   Diccion. Historique.