20-10-2020
Moi les hommes, je les déteste,
de Pauline Harmange
Monstrograph, 96 p.
Uma francesa de 25
anos, chamada Pauline Harmange decidiu escrever um pequeno tratado em
que declara odiar os homens. Foi buscar o nome correcto desse ódio que é
“misandria”, em oposição à misoginia.
O pequeno volume, de 96 páginas, foi impresso em 450 exemplares e distribuído por uma pequena editora, a Monstrograph em Agosto último. Poderia ter ficado por aí, se um funcionário do Ministère de l'Égalité entre les femmes et les hommes não tivesse decidido pegar no assunto e querer proibir o livro. A coisa saiu-lhe mal e só serviu para divulgar a pequena obra. Uma nova edição foi entregue no corrente mês às Éditions du Soleil.
A divulgação progride e anunciam-se ainda para este ano edições em Inglaterra e nos USA (I Hate Men) e ainda uma tradução para alemão (Ich hasse Männer). Eu confesso que não conhecia a palavra “misandria”, mas tem toda a lógica, por oposição a misoginia. Tomo a liberdade de transcrever os títulos dos capítulos do livro: Misandrie, nom féminin Maquée avec un mec Misandres hystériques et mal-baisées Les hommes qui n’aimaient pas le femmes Que rugisse la colère des femmes Médiocre comme un homme Le piège de l’hétérosexualité Sœurs Éloge des réunions Tupperware, des soirées pyjama et de nos girls’clubs
A terminar, a autora recomenda às mulheres livros e outros documentos:
Livros Nous les filles de nulle part, de Amy Reed Sorcières, de Mona Chollet Dans la forêt, de Jean Hegland Ma vie sur la route, de Gloria Steinem
Podcast Ecoféminism, 2 volet : Retrouver la terre Féminism et fiction : se réinventer – Les trois points
Séries Sex Education Jane, the Virgin Glow
Filmes Portrait de la jeune fille en feu, de Céline Sciamma Beignets de tomates vertes, de Jon Avnet L’une chante, l’autre pas, de Agnès Varda Mad Max : Fury Road, de George Miller
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IPSILON
9-10-2020
Acção Paralela
António Guerreiro
Os homens detestáveis
Moi les hommes, je les déteste: foi com este título confessional que Pauline Harmange, uma francesa de 25 anos, se estreou este Verão como escritora. Pela imprensa, esse pequeno livro com pouco menos de cem páginas, que já é um best-seller, foi classificado como um “ensaio misândrico”, um “manifesto misândrico” ou ainda um “panfleto misândrico”. Pouco importa qual destes três géneros corresponde a uma classificação mais adequada da substância do objecto porque é o adjectivo “misândrico” que capta toda a nossa atenção. Que palavra é esta tão rara, de tão escassa ocorrência? “Misoginia”, sim, é uma palavra bem conhecida, sabemos do que se trata e até nem é fácil poupá-la a um uso frequente; mas “misandria” parece uma gratuita inclinação ao grego clássico sem grande utilidade.
Pauline Harmange pode não ter escrito um grande ensaio, mas provocou um acontecimento da maior importância no plano do discurso: tornou necessária a utilização de uma palavra raramente pronunciada, em torno da qual se cria uma problemática, um campo conceptual que quase nunca teve direito a existir (mesmo os discursos feministas mais radicais, para não prejudicarem a sua luta, sempre evitaram manifestar em relação aos homens a hostilidade patente na palavra “detestar”) e fez-nos perceber que há uma brutal assimetria entre quem detém as prerrogativas da misoginia e quem ousa afirmar publicamente a misandria. Pauline Harmange apresenta-se como heterossexual, vive com um homem, mas reclama o direito de dizer publicamente que detesta os homens, genericamente considerados, abrindo no entanto uma excepção para alguns (entre os quais aquele com quem vive).
É verdade que as subalternas, as mulheres que nunca tiveram direito a falar
no espaço público, muito conversaram sempre umas com as outras acerca dos
detestados maridos e dos homens em geral. Detestar os homens é o desporto mais
praticado pelas mulheres, por legítimas razões, nos meios mais tradicionais da
sociedade patriarcal. Mas essa mulheres não escrevem ensaios nem publicam
manifestos. Nem dizem, como faz Pauline Harmange, que querem compreender a
misandria e dar-lhe o direito a existir. A autora de
Moi les
hommes, je les déteste
não é propriamente uma continuadora de Valerie Solanas, a
autora do SCUM manifesto, de 1967, cujo programa era a eliminação pura e simples
dos homens e de todas as instituições económicas e do poder político criadas por
eles. Os homens, acusava Solanas, fazem o contrário do rei Midas: transformam em
merda tudo aquilo em que tocam. Mas, sem entrar num discurso político radical,
Pauline Harmange não é nada meiga e o seu “panfleto misândrico” fornece boas
razões para não acharmos que isso da “masculinidade tóxica” é uma coisa
ridícula. Desdenhar deste tipo de discurso e chamar à sua autora uma “feminista
histérica” ou algo parecido é um exercício que gente muito sensata e bem educada
não resiste imediatamente a fazer. Mas pensemos um pouco a partir de exemplos
extremos, que são aqueles em que a verdade se dá a ver com evidência: porque é
que existe um Trump e um Bolsonaro presidentes, mas não existe em nenhuma parte
do mundo nada que lhes corresponda no feminino? Porque é que não encontramos o
mesmo nível de boçalidade de um Berlusconi numa qualquer mulher que ocupe ou
tenha ocupado recentemente um posto político idêntico? Na verdade, presidentes
como Trump e Bolsonaro, enquanto dirigentes políticos de nações poderosas, são
espécimes tipicamente masculinos. O que os caracteriza primeiro que tudo é serem
homens de um determinado tipo e exibirem-no em permanência e sem pudor. Não
estou a cair numa definição essencialista do masculino, mas a observar
estereótipos patéticos do masculino com uma performance que é tanto discursiva
como corporal. O que eles têm de detestável — para utilizar a palavra-chave da
misandria de Pauline Harmange — coincide sempre com a tipologia masculina a que
pertencem ou se esforçam por mimetizar. Mas vê-los como excrescências do sistema
político e do contrato social é um erro: porque, na verdade, eles apenas têm os
contornos exagerados — mas nem por isso irreconhecíveis — do pensamento
straight
que, até
hoje, continua a manifestar uma profunda equivalência entre a andromania e os
rituais de afirmação do poder político.
madame FIGARO
"Moi les hommes, je les déteste" : qu'y a-t-il vraiment dans l'essai menacé de censure ?
Par Pascaline Potdevin
Le 14 octobre 2020
Alors que Moi les hommes, je les déteste, de Pauline Harmange, est l'un des succès littéraires de la rentrée, l'essai s'est vu menacé de censure. Comme son titre l'indique, l'auteure y revendique sa misandrie, mais surtout, un féminisme uni.
C’est un essai de 96 pages, paru le 19 août, initialement tiré à 450 exemplaires. Autant parler d'une goutte d’eau dans l’océan de la rentrée littéraire. Et pourtant, Moi les hommes, je les déteste, de Pauline Harmange, est aujourd’hui en rupture de stock. Après en avoir écoulé de 2500 exemplaires deux semaines après sa sortie, la petite maison d’édition Monstrograph a décidé d'en stopper les commandes. Et le livre est finalement reparu le 30 septembre, aux Éditions du Seuil.
Mais si Moi les hommes, je les déteste fait autant parler, c’est aussi parce que le mot «censure» y a été attaché. Dans un article publié par Mediapart le 31 août, on apprenait que Ralph Zurmély, chargé de mission au ministère délégué de l’égalité femmes-hommes, souhaitait faire interdire l’ouvrage, et aurait menacé les éditeurs Martin Page et Coline Pierré de poursuites pénales.
Dans un mail relayé par Mediapart, Ralph Zurmély estime que le livre est «de toute évidence, tant au regard du résumé (…) qu’à la lecture de son titre, une ode à la misandrie (haine des hommes, NDLR). Or, je me permets de vous rappeler que la provocation à la haine à raison du sexe est un délit pénal !» Il prévient, ensuite, qu’il envisage de porter l’affaire en justice : «Si l’éditeur persiste néanmoins à proposer ce livre à la vente, il se rend directement complice dudit délit et je me verrais alors obligé de transmettre au parquet pour poursuites judiciaires.» Le ministère a, selon L'Obs, précisé qu’il s’agissait d’une initiative personnelle de son chargé de mission.
Si elle n’a pas réagi au geste de Ralph Zurmély, la réponse de Pauline Harmange peut s'entendre, on l'imagine, dès les premières pages de son essai : «L’accusation de misandrie est un mécanisme de "silenciation" : une façon de faire taire la colère, parfois violente mais toujours légitime, des opprimé·es envers leurs oppresseurs. S’offusquer de la misandrie, en faire une forme de sexisme comme une autre et tout aussi condamnable (comme si le sexisme était condamné…), c’est balayer sous le tapis avec malveillance les mécanismes qui font de l’oppression sexiste un phénomène systémique appuyé par l’histoire, la culture et les autorités.»
Oui, Pauline Harmange, 25 ans, déteste les hommes. L'auteure, qui tient également le blog Un invicible été, l’affirme haut et fort, peut-être avec un brin de provocation, mais non sans humour. Surtout, elle décortique avec précision les concepts maniés dans son ouvrage que nous avons lu. Elle y donne, ainsi, sa définition de la misandrie : «Un sentiment négatif à l’égard de la gent masculine dans son ensemble (…), représenté sous la forme d’un spectre allant de la simple méfiance à l’hostilité, qui se manifeste la plupart du temps par une impatience envers les hommes et un rejet de leur présence dans les cercles féminins. Et quand je dis "à l’égard de la gent masculine", j’englobe dans ce terme tous les hommes cisgenres qui ont été socialisés comme tels, et qui jouissent de leurs privilèges masculins sans les remettre en question – ou trop peu.»
À ceux qui veulent y voir une tendance aussi néfaste que la misogynie, elle répond que «ces deux concepts ne sont pas égaux, que ce soit en termes de dangerosité pour leurs cibles ou de moyens utilisés pour s’exprimer. (On rappelle que les misogynes usent d’armes allant du harcèlement en ligne jusqu’à l’attentat, comme celui de l’École polytechnique de Montréal en 1994, dont il n’y a à ce jour pas d’équivalent misandre.)» Lors de ce féminicide de masse, un homme de 25 ans a ouvert le feu sur 28 personnes, tuant 14 femmes et en blessant 9 autres, déclarant qu'il haïssait le féminisme avant de se donner la mort.
Misogynie et misandrie ne sont pas égaux
PAULINE HARMANGE
De nombreuses statistiques concernant les violences faites aux femmes viennent étayer le propos de Pauline Harmange : «Si la misandrie a une cible, elle n’a pas de victimes dont on égraine le compte morbide, 40 chaque jour ou presque. On ne tue ni ne blesse personne, on n’empêche aucun homme d’avoir le métier et les passions qu’il veut, de s’habiller comme il veut, de marcher dans la rue à la nuit tombée, et de s’exprimer comme bon lui semble». L’argument «not all men» (pas tous les hommes) n’est, lui non plus, pas recevable à ses yeux : «Tous les hommes ne sont peut-être pas des violeurs, mais quasiment tous les violeurs sont des hommes et quasiment toutes les femmes ont subi ou subiront des violences de la part des hommes. Il est là, le problème. Elle est là, l’origine de notre détestation, de notre malaise, de notre méfiance».
Mais loin d’un appel à la haine, Moi les hommes, je les déteste se révèle surtout une porte ouverte sur d’autres sujets, idées et concepts qui remettent en question les relations femmes-hommes. Pauline Harmange ne s’en cache pas : bisexuelle, elle est aujourd'hui mariée à un homme, qu’elle «aime beaucoup». Mais le livre lui donne l’occasion de mettre en lumière le procédé de «déconstruction» auquel elle s’est livrée, avec son mari, sur la charge mentale ou le couple hétérosexuel.
Elle explique que les filles sont ainsi façonnées par des clichés qui les poussent, dès le plus jeune âge, à avoir un «amoureux», «depuis la princesse endormie qui attend le baiser d’un prince pour se mettre à vivre jusqu’à la méchante sorcière esseulée qui dévore les enfants des autres. Les garçons, eux, grandissent avec une vision plus nuancée, grâce à un imaginaire peuplé de héros solitaires qui accomplissent de grandes choses, qui ont même parfois des super pouvoirs.» Ces derniers seraient ainsi «encouragés à être acteurs de cette vie agitée, à se saisir à bras-le-corps de leurs rêves, à tout donner pour gravir des montagnes. Les petites filles, elles, attendent le prince charmant.»
Enfin (surtout ?), Moi, les hommes je les déteste est un appel puissant à «faire de la sororité sa boussole», enjoignant les femmes à s’unir, se soutenir et s’épauler. «Je crois que la détestation des hommes nous ouvre les portes de l’amour pour les femmes (et pour nous-mêmes) sous toutes les formes que cela peut prendre», écrit Pauline Harmange. Une construction, après la déconstruction.