18-8-2001
JOÃO SALGUEIRO ( N. 4-9-1934) |
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Há uma desorientação na política geral do país
ENTREVISTA COM JOÃO SALGUEIRO
PÚBLICO, Domingo, 27 de Maio de 2001
Os portugueses estão a preparar-se mal para o futuro e o país precisa de uma nova política que os coloque perante objectivos mais ambiciosos. Numa leitura extremamente crítica da realidade nacional, João Salgueiro denuncia um quadro de facilitismo e desorientação que afecta a dinâmica do país, considera a convergência real sugerida pelo governo como medíocre e insuficiente e, pela primeira vez, admite recuperar o projecto Sedes, do qual que foi um dos fundadores.
Por Cristina Ferreira (textos) e Daniel Rocha (fotografia).
PÚBLICO - Foi ministro do Estado e das Finanças e do Plano do VIII Governo Constitucional, entre 1981 e 1983. Nove anos depois da Revolução, quais eram as tarefas prioritárias?
João Salgueiro - Sempre foi clara para mim qual era a escala de prioridades. Antes de mais, era indispensável pôr termo às políticas de "stop and go" e assegurar uma estratégia realista que permitisse o progresso sustentado do País. Mas, para isso, era necessário levar a cabo a primeira revisão constitucional, de modo a facultar os avanços incontornáveis no domínio político e económico. Estávamos, então, na primeira Assembleia Constituinte após a Constituição de 1976, e era necessária a sua revisão, pois sem ela não seria possível caminhar para a Europa. Na altura, ainda o Conselho da Revolução tinha direito de veto sobre as decisões do Governo e da própria Assembleia da República. Independentemente do seu mérito, constituía um anacronismo que, oito anos depois da Revolução, o Conselho da Revolução tutelasse as decisões de órgãos de soberania escolhidos livremente por milhões de portugueses. A revisão constitucional era urgente e condicionava outros avanços.
Como é que o país reagiu ao choque petrolífero de 1979?
Portugal tinha um problema de gestão de fortes desequilíbrios, na medida em que a economia estava em contraciclo. Com o choque de 1979, para acomodar o desequilíbrio da balança exterior, deveria ter-se restringido a despesa interna, decisão que não foi tomada.
Pelo contrário, teve lugar, em contraciclo, a valorização do escudo. Embora fosse esta a situação conjuntural, pelo que atrás referi, ela não constituía a maior prioridade. Mas havia, de qualquer modo, que introduzir medidas de austeridade para que o país não entrasse em ruptura de pagamentos.
Em 1981, que acções foram desenvolvidas para preparar o caminho para a Europa?
O caminho para a Europa impunha não só a revisão das instituições políticas, mas também do quadro constitucional da actividade económica. E com o Conselho da Revolução a funcionar era difícil que estas duas iniciativas se concretizassem. A Constituição impedia que se alterassem os artigos considerados conquistas da revolução, como as nacionalizações, a reforma agrária, o "caminho para o socialismo", o papel do Plano. Realidades dificilmente articuláveis com a nossa presença na Europa. Seria, neste contexto, que a revisão da Constituição ganharia importância, em especial para configurar um modelo político europeu, nomeadamente no que dizia respeito aos poderes do Presidente da República.
Vinte anos depois, revela insatisfação pelo modo como a integração europeia tem sido conduzida desde 1996...
Portugal deu boa tradução a tudo o que estava previsto no acordo de adesão, para a adaptação às regras europeias. Refiro-me, em particular, à introdução do IVA, à evolução gradual para uma política de mercado, ou as políticas monetária, de defesa dos consumidores ou de protecção do ambiente. E, mais recentemente, as transformações que possibilitaram a adesão à Moeda Única. Não é de mais sublinhar a importância deste último desafio.
Quer concretizar melhor?
Quando o Governo decidiu pedir a adesão à moeda única, era duvidoso que viesse a ter sucesso. Apesar disso, assumiu a meta de forma clara, comunicando ao país que pretendia estar na primeira vaga dos que aderissem ao euro. Depois, foi capaz de a traduzir num programa coerente de reformas, desde a legislação financeira à política cambial e monetária. Esta estratégia foi, persistentemente, levada a cabo até conseguirmos, em 1988, um progresso melhor do que o da Itália, da Espanha ou da Alemanha - embora esta tivesse o problema da reunificação. Foi este método que levou a ter sucesso no projecto de convergência nominal.
Estudos recentes indicam que Portugal está afastado da média de desenvolvimento da UE cerca de 50 anos.
Nesta fase, Portugal precisa de ter um projecto ainda mais determinado do que o da convergência nominal. Mas, na verdade, nunca foi posto consistentemente perante um projecto de convergência real.
Adoptámos na prática um objectivo resignado, segundo o qual teríamos que recuperar gradualmente o atraso em relação à média comunitária para deixar de ser o último do pelotão e abandonar a cauda da Europa... Entendeu-se que, se recuperássemos um por cento do atraso ao ano, estava muito bem. Mas é um projecto viciado.
Porque a meta é insuficiente?
É ineficaz, medíocre e desmobilizadora. Mas o país aceitou-a. Nenhuma empresa de sucesso o teria feito.
Também nenhum empresário protestou...
O objectivo não foi sequer discutido com os empresários, nem com ninguém. E o assunto deveria ter sido posto com frontalidade.
O Governo é pouco ambicioso em matéria de desenvolvimento económico?
É, e em parte por falta de compreensão do que está em causa. Mas também provavelmente porque está a gerir apenas o curto prazo e os equilíbrios do poder. Não está a gerir os desafios do país, mas mais os do próprio Governo.
Os problemas do Governo não são os do país?
Não, não são necessariamente. Os problemas do país só têm assumido verdadeira urgência quando se traduzem em problemas imediatos do Governo. A regra parece ser que se deve responder eficazmente aos desafios que nos são impostos pela União Europeia, mas que se podem adiar sistematicamente as reformas que derivam apenas da situação dos portugueses.
O que é que o Governo deveria fazer em matéria de política económica?
O Governo deveria começar por dizer o que é necessário para alcançar a convergência real, ou seja, para, pelo menos, duplicar a produtividade. Para tal, terá que adoptar um programa exigente que permita não só duplicar os níveis de produção, mas duplicar, ao mesmo tempo, os salários dos portugueses, hoje abaixo dos da Grécia. O país precisa, e já precisava há muito, de ser posto claramente perante este desafio. Mas ainda não foi.
Os fundos estruturais não têm sido bem aproveitados?
Os fundos deveriam ter sido postos ao serviço de um objectivo consistente e participado de convergência real, mas acabaram por ser postos apenas ao serviço de programas parcelares. Sem uma visão de conjunto, é difícil dizer, por exemplo, se a "prioridade auto-estradas" é mais importante do que a "prioridade ensino técnico". Mas do que não há dúvida é que deveríamos ter avançado, há muito, para a reforma da administração pública, dos sistemas de educação, da saúde, da justiça, da investigação, da fiscalidade, que condicionam o nosso atraso. Havia também que ter alterado profundamente a lógica e o controlo das despesas públicas. Assim, o problema da convergência real e das exigências em diferentes planos continuam, na prática, a ser escamoteados, mas as suas consequências são incontornáveis.
Pode concretizar?
A situação é agora ainda mais dramática, porque as exigências após a plena adopção do euro assumem novas dimensões e os custos do imobilismo tornam-se incomportáveis.
Os portugueses ainda não relacionam causa-efeito.
Mas as suas expectativas têm vindo a tornar-se perceptivelmente piores. Por outro lado, são claros os novos desafios que se aproximam com o alargamento.
O Governo já começou a dizer que o actual modelo se esgotou.
Mas mal, porque não se pode ficar por aí. Quando Portugal entrou na UE, dispunha de um projecto vencedor. Porque tinha objectivos concretos assumidos com determinação. Como aconteceu ao desafio do euro, que teve o sucesso conhecido. Foi pena que não se tenha assumido um verdadeiro projecto de convergência real. Pelo contrário, como não se definiu e encorajou um novo perfil de especialização produtiva para o país, as verbas do Fundo Social Europeu e dos outros fundos estruturais não tiveram um verdadeiro nexo estratégico.
Há ignorância ou falta de vontade em não apresentar um novo modelo de desenvolvimento nacional?
Não sei se ao nível do Governo se ignora a dimensão estratégica das políticas. Ou se se evita a apresentação de um projecto de desenvolvimento que porventura exista, entendendo não o comunicar ao País, para não assumir em consequência um compromisso mais exigente.
Por que razão o PSD não consegue constituir-se como alternativa ao PS?
Essa não é a questão essencial. A maior parte dos portugueses tem vindo a evidenciar um sentimento de que a validade prática do actual Governo está esgotada. Se o Governo e o primeiro-ministro tiverem capacidade para uma profunda remodelação e para o que têm inteira legitimidade, essa será a resposta natural. Caso contrário, como sempre tem acontecido, o PSD será a alternativa credível para o governo seguinte, num prazo que cada vez será mais curto.
Em que é que se baseia para pensar assim?
As decomposições políticas tendem sempre a acelerar-se na fase final de cada situação histórica.
E acha que Durão Barroso é o homem certo no lugar certo?
O que eu acho é que se fulaniza de mais a actividade política, como noutros domínios. E não sou partidário de uma permanente discussão que só pode conduzir a um inevitável desgaste.
Nos últimos dias, Cavaco Silva e Sousa Franco vieram a público criticar a política seguida pelo Governo.
As suas vozes juntam-se outras que têm intervindo no mesmo sentido.
Para mim era evidente que o caminho que se seguia não era adequado. Uma grande parte das melhorias que se sentiram tinham por base o endividamento. Portanto, não é possível continuar a viver acima daquilo que se produz.
Tínhamos um patamar baixo de dívida, que com a descida da taxa de juro pôde aumentar, mas que não pode crescer indefinidamente.
Há dois anos, chamou a atenção para estas questões.
As pessoas que tinham sido convencidas de que o aumento do seu bem-estar era o resultado do progresso português percebem agora que estavam a viver para além dos seus meios, o que tem consequências. Uma, é que vamos entrar num período em que é preciso apertar o cinto, e as pessoas tinham esperança de que com a adesão à moeda única isso já não fosse necessário. Por outro lado, torna-se evidente que, para além dos maus indicadores de curto prazo, existe uma desorientação na política geral do país.
Que se reflecte quando Oliveira Martins, Jorge Coelho e Pina Moura surgem a contestar Cavaco Silva. António Guterres até se zanga...
O que é mesmo revelador é quando vários membros do Governo vêm dizer que não estão de acordo com as políticas que estão a seguir. Acho isso chocante. Um Governo no poder há cinco anos e que diz que a política que está a seguir é má é muito desorientador para as pessoas.
Há uma certa euforia criada pela entrada no curo, pela realização da Expo '98, pelo anúncio da construção da nova ponte sobre o Tejo, surge agora o TGV...
Os grandes projectos servem para entreter. Tomam-se posições a favor e contra, criam-se mitos que dispensam as pessoas de se preocupar com o que o que condiciona as suas vidas. O TGV que vai ligar Lisboa a Madrid permite fazer o percurso em duas horas e meia. A viagem de avião demora uma hora, O preço será provavelmente idêntico. Em paralelo, existe o inferno que são as entradas e as saídas de Lisboa ou do Porto, que custa mais de uma hora por dia a milhões de portugueses e não apenas a alguns. Focar a atenção em mitos permite que problemas inaceitáveis para o cidadão comum passem despercebidos.
O último congresso do PS justifica regresso da Sedes
Vinte cinco anos depois da Revolução, a chamada sociedade civil e as suas instituições continuam a ter uma expressão mínima em Portugal Tendo sido um dos fundadores da Sedes - associação cívica de debate político -, não acha que o projecto ganhou de novo actualidade?
Infelizmente, penso que tem razão. O projecto surgiu numa altura de bloqueamento político e desorientação face ao futuro. Entendeu-se, então, que era urgente reflectir sobre caminhos que ajudassem a construir um futuro diferente. E foi essencial ao projecto o seu carácter pluripartidário e a multidisciplinaridade de experiências profissionais que congregou. Em larga medida, também agora a situação é de quebra de expectativas e fraca orientação estratégica De algum modo penso que o ultimo congresso do PS confirma a oportunidade de um projecto com a natureza da Sedes, que transcenda as compartimentações partidárias. Apesar de tudo, hoje as condições de debate e de informação são bem diferentes.
Os cidadãos não são encorajados a moralizar a vida pública
PÚBLICO - Há cerca de dois anos disse que em Portugal existia "certamente pré-corrupção", mas que "ainda não se tinha chegado a Nápoles". Pela primeira vez, sondagens indicam que a corrupção é a terceira preocupação dos portugueses.
João Salgueiro - Um maior número de portugueses tomou, entretanto, consciência do problema. Uma das maneiras de não ter razão é ter antes do tempo.
Já chegámos a Nápoles?
Não sei. Acho estranho que as pessoas que chamaram a atenção para os problemas sejam as mais penalizadas e as entidades com obrigação de investigar autonomamente e por sua própria iniciativa fiquem dispensadas de o fazer. Quando um cidadão diz que há um problema e a grande preocupação é demonstrar que ele não tem provas, encontramos uma maneira de as entidades a quem a República paga ficarem sem trabalho.
Revela a ineficácia dos poderes públicos?
Não. Revela um problema de cultura de falta de rigor em que as pessoas, em vez de exercerem as suas funções, evitam os problemas.
A responsabilidade não deve ser repartida entre Governo e cidadãos?
O problema coloca-se sempre. Mas quem pode influir nas regras de jogo é quem tem mais responsabilidades.
Quando temos um sistema de investigação que leva anos a investigar; o estímulo e o desconforto que daí pode surgir desencoraja uma acção de colaboração com os poderes políticos e públicos. Os cidadãos não são encorajados a contribuir para moralizar a vida pública.
Por isso diz que falta apoio popular para defender o interesse público?
Os diferentes grupos cooperativos têm um interesse mais directo e substancial do que os cidadãos em geral E os portugueses ainda não perceberam que são sempre eles que pagam a conta.
Como explica a falta de dimensão estratégica dos últimos governos?
É difícil de entender. Tem vindo mesmo a agravar-se.
Havia muito mais esta noção na década de sessenta, com a adesão à EFTA. Sabia-se que o país tinha que vencer desafios económicos estratégicos, que se traduziram em vários programas de actuação. Com a adesão à CEE, assumiram-se de novo objectivos estratégicos. Mas, tragicamente, no domínio das transformações políticas, fez-se o possível para ignorar os desafios essenciais, com resultados ainda presentes.
Os governos actuais espelham, cada vez mais, lideranças fracas. É uma consequência das democracias?
Não a atribuo inevitavelmente às democracias. As democracias não precisam só de políticos. Embora possam passar sem verdadeiros estadistas a maior parte do tempo, não os podem dispensar em épocas em que há problemas graves para resolver.
O que entende por um "verdadeiro estadista"?
Alguém capaz de compreender a verdadeira dimensão dos problemas e de lhes procurar resposta efectiva mesmo pondo em risco o seu poder Em Portugal não existem? Falta certamente a actuação de estadistas em Portugal.
Devo dizer que os políticos fazem muitas vezes bem o seu papel, que é angariar compromissos. Mas, para se lançarem reformas de fundo, não se podem sempre procurar consensos. É preciso mais determinação. Quando Charles de Gaulle assumiu a descolonização em França, teve que romper com situações, para que não havia compromissos possíveis. Também em Portugal, quando se decidiu aderir à moeda única, não se tratou de um compromisso, mas de uma opção clarificadora. O mesmo não aconteceu em relação aos desafios internos, que não se resolvem sem dimensão estratégica.
"Por Este
Caminho, Acabará por Vingar a Lei do Mais Forte"
Por CRISTINA
FERREIRA
PÚBLICO, Segunda-feira, 28 de Maio de 2001
A UE não está a reorganizar-se institucionalmente com base num "trabalho conceptual desenvolvido com rigor e realismo", considera João Salgueiro. Pensa que em Portugal se tem "encorajado o nivelamento por baixo", e que o sistema de educação devia ser mais exigente.
O Tratado de Nice reflecte a ausência de um "quadro conceptual" quanto ao que deve ser a União Europeia na sequência do seu alargamento para leste, defende João Salgueiro, actual presidente da Associação Portuguesa de Bancos, e que foi subsecretário de Estado do Planeamento de Marcelo Caetano, ocupando a vice-presidência do Banco de Portugal quando se deu a Revolução de Abril. Economista e académico, Salgueiro receia que o resultado de Nice seja caminhar-se no sentido de um directório de grandes países europeus que controlem a UE.
Vê o percurso recente da Europa como uma maneira de se abrir o mercado europeu às multinacionais sem custos acrescidos para os países mais desenvolvidos quanto ao que deveria ser a solidariedade ao nível político e das instituições europeias. E diz que "um orçamento da UE de menos de dois por cento do PIB europeu é insuficiente para assegurar a coesão".
João Salgueiro pensa ainda que o país não tem contribuído suficientemente para preparar o quadro futuro de ideias e de propostas políticas na Europa, que deveríamos considerar "um espaço de maior afirmação portuguesa". Na primeira parte desta entrevista (ver PÚBLICO de ontem), falou da falta de estratégia do país, de política económica, de corrupção e da sua ideia de reanimar a Sede, uma associação cívica cuja reflexão contribui para o fim do Estado novo.
PÚBLICO - Como é que interpreta as conclusões saídas da Cimeira de Nice?
JOÃO SALGUEIRO - Surgem como um compromisso temporário. O Tratado de Nice é um episódio; um episódio inevitável por causa do alargamento, pois, para aceitar novos membros na UE, serão necessárias algumas reorganizações do quadro institucional. Mas o problema não está em Nice, está em não haver trabalho conceptual desenvolvido com rigor e realismo. Desde a queda do Muro de Berlim que se tem caminhado inevitavelmente para um novo quadro europeu. O grave é que isto está a acontecer sem reflexão consistente sobre o tipo de Europa que se pretende, nem sobre as novas regras que se devem adoptar.
P. - Pode concretizar?
R. - Não é possível ter uma organização adequada, com objectivos políticos, sem definir um quadro institucional. E foi o que nunca se quis fazer. O projecto inicial da integração europeia era o de uma comunidade de defesa e o de uma comunidade política, o que acabou inviabilizado pelo Parlamento francês. Foi como recurso que, com o Tratado de Roma, se caminhou para a CEE e depois para o Mercado Único, que tem vindo, gradualmente, a transformar-se numa União Política.
P. - Não se reconhece no percurso último da UE?
R. - É um quadro cheio de remendos e de hesitações, sem suficiente clarificação das regras de jogo sustentáveis entre os vários povos europeus: quais os poderes dos Estados nacionais, quais os poderes a conferir aos órgãos europeus; qual o grau de solidariedade a traduzir no orçamento comunitário. Na prática, pretende-se que o mercado europeu seja aberto às multinacionais sem custos acrescidos para os países mais desenvolvidos, sem que a solidariedade ao nível político e das instituições europeias se concretize. Um orçamento da UE de menos de dois por cento do PIB europeu é insuficiente para assegurar a coesão. E o mercado nunca ajudou a criar condições uniformes nas várias regiões europeias, nem, aliás, em qualquer outra experiência histórica de integração económica. Por outro lado, não há condições idênticas para todos os empresários europeus, seja ao nível dos sistemas de justiça, de ensino ou de transportes.
P. - Não existe uma tendência para a homogeneização dos Estados dentro da UE?
R. - Ninguém pode advogar um sistema federal que uniformize as legislações a cem por cento em todos os Estados. Não acontece nos EUA, na Alemanha ou na Suíça. Muito menos poderia ser na Europa, onde há tradições nacionais de independência com séculos, línguas diversas e culturas diferentes. Mesmo nos EUA, com práticas linguísticas, culturais e administrativas relativamente homogéneas, mantêm-se sensíveis diferenças entre os estados.
P. - O que há a fazer?
R. - O que se discute hoje nas cimeiras são expedientes de negociação, para resolver problemas de curto prazo. Isto trará inevitáveis custos, até porque a opinião pública não sente que seja um trabalho profissional e transparente. Começa a ser evidente que, por este caminho, acabará por vingar a lei do mais forte, com soluções baseadas em artifícios negociais do momento, o que não ajuda a consolidar um futuro comum.
P. - Como é que se ultrapassa o défice democrático europeu no quadro de uma estrutura supranacional?
R. - Ao avançar na liberalização dos mercados integrados, se se ignorar exigências de solidariedade, está-se na prática a deixar aberto o caminho aos interesses nacionais e à lei do mais forte. Devem criar-se regras que clarifiquem e assegurem a competência do poder local, do poder nacional, e das instituições europeias supranacionais. Devem limitar-se ainda os poderes da administração, em geral. É muito importante que se fomentem as iniciativas autónomas e a concorrência. Alguém imagina um sistema de educação público igual para todos os cidadãos europeus? Não faz sentido. Nem em relação a qualquer outro sistema social. O problema não é só político, está em causa também a conciliação entre a iniciativa privada, a liberdade das pessoas e o interesse colectivo. E isto deve traduzir-se nas realidades concretas da vida pública.
P. - Por que razão este debate não se faz?
R. - Francamente, acho que não há vontade de avançar com realismo na solidariedade europeia. Avança-se no alargamento em consequência de enormes interesses que o acesso a novos mercados representa. Desde a saída de Delors que a CEE reflecte uma enorme fragilidade. E mesmo Delors beneficiou de um período muito favorável, de retoma europeia, em que havia interesses objectivos em consolidar o mercado europeu. A Europa vivia ainda dividida pela cortina de ferro. O momento era outro. A economia da Europa estava também a atravessar uma fase de expansão, com menores custos, em que se sentia que criar um maior espaço integrado era útil. Com o alargamento, há contradições mais fortes.
P. - E verificam-se já tensões entre os poderes nacionais democráticos e o poder central emergente?
R. - Em muitos aspectos já existem. Mas nós estamos em Portugal, e antes de mais há que tentar partir dos problemas que hoje o povo português enfrenta, porque não nos cumpre resolver os problemas dos alemães ou italianos... E há que saber o que é que nós próprios queremos para o futuro. Depois, saber como é que podemos alcançar esses objectivos na Europa e fora da Europa. Existem questões potenciadoras do futuro que decorrem das reflexões em curso em vários centros académicos que ajudam a configurar a política económica e a política geral. A CE dispõe de contactos com vários centros universitários, que analisam e simulam soluções para o futuro. Portugal continua alheio a estes modelos nascentes. Por alguma razão tínhamos uma tradição histórica de dispor de uma presença permanente em Roma e nos Países Baixos, que constituíam dois focos de criação de ideias para o futuro. Os soberanos portugueses procuravam influir no quadro das coordenadas do futuro. Foi prática que se perdeu.
P. - Portugal aceita passivamente a sua condição de país periférico?
R. - Hoje vamos para as cimeiras com base numa agenda. Não pensamos a quatro ou cinco anos. Vivi alguns meses na Holanda e sei como os holandeses pensam com vários anos de avanço em relação à realidade. Por alguma razão os tratados de Amesterdão e de Maastricht foram assinados durante as presidências holandesas.
P. - Voltamos a uma questão recorrente: falta pensamento estratégico aos portugueses?
R. - Em particular aos governos, mas que quadra muito bem com a cultura portuguesa muito imediatista. Esta flexibilidade tem vantagens, para reagir bem ao imprevisto. Mas é um enorme desperdício, pois não prepara as melhores soluções. Ao nível da UE, duvido que Portugal tenha esgotado a capacidade de ajudar a criar correntes dentro da Europa, como era do seu interesse. Não temos contribuído suficientemente para preparar o quadro futuro de ideias e de propostas políticas.
P. - O que é que retira de Nice como embrião de uma nova Europa?
R. - Nice foi um adiamento para preparar decisões difíceis. Aparentemente, o que decorrerá de Nice é o caminho para um directório. Numa primeira fase, os Estados concordaram em que cada país mantivesse o seu comissário, mas com o alargamento tirar-se-ão consequências, subalternizando uma série de Estados. Quanto a mim, o que se deveria ter feito era ter precedido a Cimeira de um debate de natureza constitucional. Não tendo sido possível, deveria agora estar em plena força, comparando diversas opções de carácter supranacional e estudando as experiências de vários Estados federais e confederais, analisando as realidades originais europeias e propondo soluções alternativas para o tipo de pacto refundador que é desejável para as próximas décadas.
P. - Que modelo defende para a Europa?
R. - Face a um mercado mais livre, há que assegurar um maior orçamento supranacional, criando as condições mínimas para que todos os membros da UE tenham acesso equilibrado ao mesmo mercado. Estou, naturalmente, preocupado porque o princípio da Coesão tem vindo a ser subalternizado.
P. - Como é que o princípio da subsidiariedade é interpretado à luz de Nice?
R. - Em grande parte vai ser interpretado como melhor interessar em cada momento. Há épocas em que algumas multinacionais querem avançar e fazem prevalecer o direito comunitário. Noutras fases, querem defender os seus espaços próprios e fazem prevalecer o direito nacional. E vê-se já que há soluções não homogéneas. Repare no que se passa na energia, nas telecomunicações ou na indústria pesada, segundo modelos diferentes.
P. - Qual é o debate de natureza constitucional que falta fazer na Europa?
R. - A Europa deve responder a algumas questões essenciais. Para além do problema do federalismo fiscal, indispensável num mercado livre com fortes disparidades, a Europa tem que adoptar uma resposta transparente sobre o equilíbrio entre os poderes das nações e a dimensão supranacional. Em geral, mesmo nos Estados federais existem duas câmaras, uma em que cada Estado tem o mesmo peso e outra em função do peso eleitoral das respectivas populações. Não sendo assim, as soluções seriam impostas por três ou quatro estados.
P. - Não é para aí que caminha o directório de grandes países?
R. - Mas é um absurdo! Num espaço em que se diz que os Estados são soberanos, a solução permite menos independência real para os Estados do que acontece, por exemplo, num estado federal como os EUA. Alguém acredita que os EUA possam vir a ser governados por um directório de Nova Iorque, Texas e Califórnia? Nos EUA, os pequenos Estados têm na segunda câmara o mesmo peso que os grandes. Na Europa, está-se a extrapolar de uma legitimidade nacional para uma legitimidade federal, sem lógica teórica nem fundamento democrático.
P. - Como é que se cria um poder na Europa que não subalternize os poderes locais e nacionais?
R. - Não é muito difícil. As soluções estão testadas em vários modelos, desde o Suíço, onde os Estados têm dimensões muito diferentes, muito poder próprio, com sistemas jurídicos distintos em cada cantão, e onde até se têm criado cantões novos. E temos o modelo dos EUA, onde o grau de uniformidade é muito maior do que o Suíço, mas onde o peso dos Estados é enorme, tendo mesmo leis eleitorais diferentes. Paradoxalmente, a Europa tem embarcado no comboio de que tudo deve ser uniforme, o que naturalmente é do interesse de alguns, mas não de todos. A obrigação de Portugal é provocar um debate alargado sobre o futuro da Europa e ajudar à sua construção, como um espaço mais integrado de um conjunto de nações. Caso contrário, Portugal vai de cimeira em cimeira, participando em decisões que apresenta como vitórias e que são derrotas parcelares.
P. - Como é que Portugal pode minorar a perda de posição no espaço integrado europeu?
R. - A Holanda e Irlanda têm ganho peso, como a Finlândia ou a Catalunha. Porque é que havemos de perder? Essa visão está na base de uma atitude de mediocridade e de resignação, pois partimos do princípio de que temos de nos subalternizar. À partida já estamos de rastos. Devemos, pelo contrário, considerar a Europa como um espaço de maior afirmação portuguesa.
P. - A afirmação de Portugal no espaço lusófono não permitiria compensar a perda de soberania na UE?
R. - Não compensa nada. Uma estratégia bem sucedida nos PALOP não é possível sem reforçarmos a nossa presença na Europa. Se não alcançarmos rapidamente um quadro de condições como já referi - uma economia dinâmica, instituições exemplares, educação de vanguarda -, a nossa presença no mundo só pode perder. Porque é que outros países de menor dimensão suscitam apreço e atenção? Porque registam crescentes sucessos e dispõem de instituições que inspiram respeito. Assumem assim um peso desproporcionado relativamente à sua dimensão e à sua população, porque são mais eficazes, inovadores e organizados.
"Não
Temos Tempo Nenhum"
Por C.F.
PÚBLICO Segunda-feira, 28 de Maio de 2001
Em Portugal tem-se encorajado o nivelamento por baixo. Razão pela qual o sistema de educação deve ser mais exigente, preparando as gerações futuras para os desafios que se adivinham. Há que estimular a qualidade, a inovação e a disciplina para que o país possa competir num espaço integrado.
PÚBLICO - Do último congresso no PS surgiram sinais que apontam para uma mudança na actuação do Governo?
JOÃO SALGUEIRO - Não sei o que se está a passar ao nível do PS e do Governo. Mas o que transparece para a opinião pública é que o PS continua a não revelar capacidade para impulsionar as grandes mudanças de que o país necessita e que condicionam a vida da maioria da população. Para compensar, está apostado em provar que faz mini-reformas à esquerda.
P. - Isso dá votos a curto prazo?
R. - Pode ser que dê. Mas até tenho dúvidas. E com certeza que deixa o país em pior situação. As reformas de que Portugal hoje necessita não dão votos. Exigem é mais profissionalismo. Veja só a qualidade da Reforma Fiscal feita pela Alemanha, que levou quatro anos a preparar, e foi promulgada cinco meses antes de entrar em vigor. Compare com a nossa, que teve de ser feita à pressa, sem pôr o texto a debate, aparentemente para obter mais recursos para o Estado. E penalizou, em termos relativos, um conjunto de sectores essenciais para o progresso do país, que noutros países estão a ser beneficiados por reformas recentes.
P. - Não é melhor fazer alguma coisa do que não fazer nada?
R. - Não é assim. A reforma surge para se poder dizer que há mudança, doa a quem doer. É o oposto do que o país precisa neste momento. Vai no sentido contrário das recentes reformas de outros países. Veja também o conflito que se criou em matéria de ensino, onde era necessário que houvesse concorrência. Os recursos que se estão a gastar no ensino ou na saúde são mais do que suficientes. As próprias análises globais dos organismos internacionais apontam nesse sentido. E mesmo analisado o problema de fora, é fácil de perceber que estamos a gastar demasiado dinheiro para os resultados que temos, na saúde, na educação, ou mesmo nas obras públicas. Precisávamos de ter mais rigor e mais concorrência ao nível dos diferentes sectores.
P. - A falta de dinamismo empresarial não tem ajudado...
R. - Também é verdade. Há certamente falta de iniciativa empresarial. Mas tem-se feito o possível para que ela ainda se reduza, não se criando regras que estimulem e recompensem o mérito. Tem-se feito o necessário para estimular o ensino privado ou os serviços de saúde privados de qualidade? Certamente que não. Os serviços privados são tolerados. Parece que se considera mais meritório ter serviços públicos pagos por impostos.
P. - Defende que o Estado deve perder peso em certos domínios?
R. - O que acontece é o Estado a querer alargar o peso dos impostos, da carga fiscal em relação ao PIB, alargar a despesa pública e assegurar um serviço de má qualidade. Se o Estado se concentrasse nas questões fundamentais - ter uma justiça rápida, uma segurança eficaz, assegurar as prestações essenciais aos que não podem adquiri-las no mercado - prestava um grande serviço ao país.
P. - Como avalia a declaração do primeiro-ministro de que "os portugueses são pouco profissionais"?
R. - A frase é infeliz. Os portugueses são pouco profissionais, o Governo é pouco profissional. O primeiro-ministro não pode apresentar como descoberta o que é um lugar-comum. O diagnóstico tem décadas. Antes de mais, deveria ter tirado consequências ao nível do Governo. O Governo também é de portugueses. E é dos portugueses mais responsáveis. E alguns até têm mais responsabilidades do que outros.
P. - O mercado gere bem o curto prazo. E o futuro?
R. - Para nos apoiarmos mais nos estímulos do mercado, seria preciso que este funcionasse eficazmente. Ora as grandes reformas não foram efectuadas. E mesmo assim continuaria a ser precisa a melhoria do próprio Estado. O que acontece é que se fraquejou simultaneamente por falta de modernização do Estado e porque não foram dadas ao mercado as condições para que este funcionasse. O mercado é composto por milhões de agentes económicos e os estímulos, negativos, dados aos consumidores e aos empresários penalizaram uma estratégia de modernização económica.
P. - Pode concretizar melhor?
R. - Em Portugal falta capacidade empresarial. Mais do que em outros países precisamos, assim, de estímulos coerentes, que reforcem a capacidade empresarial. Mas isso passa por regras de concorrência que favoreçam os melhores e não os piores. Quando se aceitam incumprimentos no pagamento dos impostos, da segurança social, ou até de salários, e se criam esquemas de repescagem dos incumpridores está-se, implicitamente, a gratificar os que não cumprem, que pagam mais tarde sem custos. Quando se aumenta a burocracia em vez de a eliminar, ao mesmo tempo que não se lança no mercado mão-de-obra qualificada e investigação aplicada, está-se também a contribuir para que o mercado não funcione. Pior ainda nos sectores específicos que têm problemas agravados.
P. - Quer exemplificar?
R. - O caso da agricultura, em que é há muito flagrante a ausência de orientações de investigação e extensão agrícola: não se pode dizer que os nossos agricultores têm nível de escolaridade baixa, que são de idade avançada e que exploram propriedades de fraca dimensão média e, em simultâneo, exigir-lhes inovação de processos, introdução de novas culturas e aumento da qualidade dos produtos. Não é realista... Se a generalidade dos países evoluídos promovem activamente a modernização da sua agricultura, com eficazes serviços de extensão agrícola, porque é que Portugal o poderia dispensar? Aparentemente há mais funcionários no Ministério da Agricultura em Lisboa, do que em Madrid ou Paris. O nosso Ministério da Agricultura ainda está muito burocratizado, não é o melhor instrumento de apoio aos agricultores. O mesmo acontece em outros sectores-problema como a pesca ou o arrendamento imobiliário.
P. - Como é que se quebra este ciclo?
R. - Primeiro há que ter consciência do problema e do objectivo de mudança. Em segundo lugar, é preciso dizê-lo claramente ao país e assumir o ónus político de vencer, ou não vencer. Em terceiro lugar, é necessário ter um programa concreto para atingir os objectivos. Por último, é necessário levá-lo até ao final com consistência e transparência.
P. - Portugal tem hoje um problema de tempo. Temos pouco tempo até 2006...
R. - Não temos tempo nenhum! As pessoas falam como se tivéssemos uma "folga" até terminar o quadro comunitário de apoio. Mas é um disparate. O país vai ser posto perante problemas gravíssimos. Aliás, como aconteceu em 1974 com a descolonização. Há mudanças radicais que é preciso introduzir a tempo, e vão surgir as consequências do que não tem sido feito. Os sinais são evidentes do estilo do governo que estamos a ter, cujas decisões são insuficientes para vencermos os desafios. Agora, no euro, já não podemos corrigir as consequências da nossa falta de qualidade através de desvalorizações. Dentro de poucos anos, quando as consequências da nossa ineficácia levarem a rupturas, quando o número de empresas encerradas for maior, quando os salários forem determinados pela política monetária europeia e a nossa produtividade não permitir aumentos, quando surgirem os travões à despesa pública impostos de fora para dentro, os portugueses serão colocados perante a dureza dos desafios.
P. - Qual é a solução?
R. - Actuar em tempo. Sem perda de um dia. Por mim, mais do que deixar correr e sofrer as consequências, seria preferível trabalhar de modo a confirmar resultados positivos. Acredito que está ao nosso alcance, como em anteriores desafios, quando se encararam os problemas sem álibis ou adiamentos.
Regiões e Cidades Também Têm Projectos Próprios
PÚBLICO Segunda-feira, 28 de Maio de 2001
Fazer parte de um espaço alargado não implica deixar de ter um projecto nacional, na opinião de João Salgueiro. Educação, sistema de saúde, justiça e administração pública estão entre o que considera as prioridades para o país ser mais atractivo para a actividade económica.
PÚBLICO - Tem dito que os governos prescindiram de um projecto nacional. Quer concretizar?
JOÃO SALGUEIRO - Uma grande parte da classe política portuguesa entendeu que fazer parte de um espaço alargado é deixar de ter um projecto nacional. Mas não é assim. Países como a Irlanda, a Holanda ou a Dinamarca têm projectos nacionais. E mesmo nações que não são independentes, como a Catalunha, a Galiza ou a Escócia, também os têm, e consolidam-nos cada vez melhor. Paradoxalmente, em Portugal caiu-se num internacionalismo serôdio de pensar que a afirmação nacional não faz sentido. Em termos económicos, a afirmação nacional é uma afirmação regional, e não há possibilidade de criar dinamismo numa região sem capacidade própria para assegurar as condições necessárias.
P. - Tem manifestado preocupação em que os centros de decisão se mantenham em Portugal. Numa economia de mercado, como é que se garante esse objectivo?
R. - Depende das condições criadas ao nível das infra-estruturas, da educação, da saúde, da formação. Porque é que muitas empresas japonesas se fixaram na Catalunha? Porque foi lá que encontraram as melhores condições.
P. - E mão-de-obra qualificada?
R. - E porque é que nós não a temos? Porque é que o nosso sistema de formação profissional é pior do que o que existe na generalidade dos países europeus? Devíamos estar a alinhar pelo que há de melhor no mundo. Há uma mediocridade instalada na classe dirigente portuguesa, em especial na classe política, que a impede de adoptar as melhores soluções.
P. - Quais são as condições que refere?
R. - Condições que derivam do quadro - educacional, transportes, justiça, saúde - que se cria numa região. Há anos, podia-se ainda pensar que este era um debate teórico, ou simples matéria de diferenças de opinião. Hoje não é possível manter ilusões. Os factos demonstram realidades flagrantes. A incapacidade que Portugal revela para captar investimento estrangeiro e a tendência que os portugueses têm para investirem mais no estrangeiro torna-se já preocupante. E confirma o que dizíamos há uns anos: sem se criar um quadro favorável e uma estratégia de longo prazo perderíamos oportunidades no espaço europeu e mundial.
P. - Como se resolve essa questão?
R. - Na Europa até algumas cidades têm estratégias de afirmação no espaço integrado. No espaço económico europeu, para Portugal, periférico e com dez milhões de habitantes, economia relativamente atrasada, torna-se mais imperioso tirar partido das vantagens competitivas e eliminar as desvantagens competitivas. Exige incontornavelmente um esquema de médio prazo consistente, ou seja, garantir um sistema de educação de primeira linha, um sistema de saúde eficaz, justiça exemplar, administração pública motivada e motivadora, a necessidade de não aumentar a despesa pública e de melhorar a competitividade dos impostos.