18-3-2008
George Buchanan
(1506 - 1582)
George Buchanan foi um humanista escocês, que viveu no sec. XVI e ganhou uma elevada reputação na Europa como poeta novilatino. No entanto, ficou célebre também como professor, historiador, e foram muitas as actividades a que, durante a sua vida, se dedicou. De tal modo foi multifacetada a sua vida, que um biógrafo do início do sec. XX, Donald Macmillan, dividiu a história da vida que dele escreveu, nos capítulos seguintes:
1. The scholar 2. The student 3. The soldier 4. The regent 5. The satirist 6. The dramatist 7. The wanderer 8. The poet 9. The courtier 10. The churchman 11. The educationist 12. The polemic 13. The tutor 14. The politician 15. The historian 16. The friend
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Clique para aumentar Primeira e última páginas da defesa no processo da Inquisição
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Estes títulos dão já uma ideia de quão movimentada foi a sua vida que se passou entre a Escócia, França, Portugal, Inglaterra e Itália. De facto, ele teve uma ligação a Portugal, por aqui ter estado entre o 1.º semestre de 1547 e o mês de Abril ou Maio de 1552, tendo sido preso e condenado pela Inquisição, como referiremos a seguir.
Quando, em Portugal, se tem falado e escrito sobre Buchanan, não se vai muito além da sua estadia em Portugal, o que é uma injustiça, pois o homem teve mais valor que o de uma simples vítima da Inquisição. É verdade que, ao partir de entre nós, ele disse cobras e lagartos do País e do seu Rei, mas tem de se lhe desculpar isso, pois ninguém gosta de estar preso.
O mérito mais evidente de Buchanan foi saber latim tão bem ou melhor do que qualquer língua viva da altura. A sua defesa no processo da inquisição de Lisboa n.º 6469, ocupa 24 páginas de escrita densa, com boa caligrafia, e foi redigida sem rascunho entre 18 e 23 de Agosto de 1550, data em que entregou o escrito aos inquisidores.
Faltam-me conhecimentos para averiguar da sua valia como poeta latino, mas os autores são unânimes em reconhecer o seu valor. Apenas se hesita em o considerar um grande poeta ou um grande poeta escocês.
Quais as principais características do carácter de George Buchanan? Veremos que ele não era propriamente um santo. Era um homem extremamente culto que fazia amizades com facilidade. Porém, era algo intolerante para com os defeitos dos seus semelhantes, como o provam algumas das suas sátiras mais acutilantes. Mas manteve amizades até ao fim da sua vida com colegas distintos como Elie Vinet (1509-1587), Julius Caesar Scaliger (1484–1558) e o filho deste Joseph Justus Scaliger (1540-1609), Michel de Montaigne (1533-1592), etc.
Era um homem muito orgulhoso, muito cioso da sua importância, como se pode constatar da curta autobiografia que ele mesmo escreveu.
Possivelmente exagerava no gosto pela comida e pela bebida, do que foi acusado por pasquins publicados no seu tempo, e isso também pode ser sugerido pelas crises de gota de que padeceu ao longo da sua vida.
Nasceu em ambiente católico, mas mais tarde foi membro proeminente da Igreja Reformadora Escocesa. Quanto às suas posições de crítica à Igreja Católica da altura, não são de admirar, porque a necessidade de reformas profundas era opinião comum e evidente na altura. Disso são prova não apenas o reformismo de Calvino e Lutero, mas também a Contra-Reforma empreendida pela Igreja Católica no Concílio de Trento (1545-1563).
Nunca casou nem consta que alguma vez tenha posto tal hipótese; isso pode ter contribuído para acentuar a aspereza do seu trato nos anos da velhice.
Não é fácil ler ou mesmo consultar hoje a obra de Buchanan. As duas edições completas da sua obra são do início do sec. XVIII e deverão ser muito difíceis de encontrar. A Biblioteca Nacional de Lisboa tem apenas a edição dos Elzevier, em Leiden, de 1628 – Poemata quæ extant – difícil de manusear (dimensões: 12 x 6,5 x 2,5); porém, a edição de 1725 das Opera Omnia existe na Biblioteca da Ajuda. Suponho que passou o centenário da morte dele em 1982, sem que se surgisse uma edição completa da sua obra.
Acontece também que são cada vez menos os que conhecem alguma coisa de latim, tornando necessário que a sua obra seja publicada em edições bilingues.
Acho, porém, que é uma personalidade que interessa conhecer, mesmo para além da sua curta e triste estadia em Portugal.
George Buchanan nasceu em Killearn , da comuna de Stirling, na Escócia, no início de Fevereiro de 1506. O seu pai chamava-se Thomas e era de família antiga e prestigiada, mas arruinada, sua mãe chamava-se Agnes Heriot. George foi o terceiro filho de uma família composta por três irmãs e quatro irmãos. O pai morreu era ele ainda menino. George deverá ter frequentado uma “Grammar School” da proximidade da sua terra natal. Quando tinha 14 anos e demonstrava inteligência aguda, seu tio materno James Heriot mandou-o ir estudar na Universidade de Paris, possivelmente no Colégio Escocês, fundado em 1325. Ali estudou durante dois anos, sobretudo Latim e especialmente a métrica latina. Diz ele que começou a fazer poesia latina “por necessidade”, já que era isso que dele exigiam os professores. Ao fim de dois anos, faleceu o seu tio e o rapaz, que também se encontrava doente, teve de regressar à Escócia.
Após um período de convalescença de quase um ano, decidiu ir ser militar, nas tropas do Duque de Albany, Regente do Reino da Escócia. Ao fim de alguns meses adoeceu e abandonou o exército. Por volta de 1524, matriculou-se juntamente com seu irmão mais velho Patrick na Universidade de St. Andrew (St. Mary’s College). Ali frequentou as aulas de Dialéctica de John Mair ou Major, por quem ele não guardou grande consideração, embora provavelmente lhe devesse favores. Diz ele que mais do que Dialéctica, o professor, já de avançada idade (in extrema senectute) ensinava Sofismas (aut verius sophisticen).
A pouca consideração é evidente no epigrama que lhe dedicou:
In Joannem solo cognomento Majorem, ut ipse in fronte libri sui scripsit
Cum scateat nugis solo cognomine Major, Nec sit in immenso pagina sana libro Non mirum titulis, quod se veracibus ornat: Nec semper mendax fingere Creta solet.
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On John Major
Although he abounds in trifles, “Major” in name only, and there is not one sound page in his huge book, it’s no marvel that he adorns himself with true titles: Even lying Crete isn’t always accustomed to make things up.
Tradução de Reading Holinshed's Chronicles, de Annabel M. Patterson |
Em 3 de Outubro de 1525, obteve o grau de Bachelor e pouco depois, foi para Paris onde se juntou ainda a Major, tendo-se matriculado no Colégio Escocês. Ali obteve também o grau de Bachelor em 10 de Outubro de 1527 e o de Master em Março seguinte.
Os alunos da Universidade de Paris eram divididos em nações, sendo os escoceses agregados à nação Alemã. No ano de 1529, Buchanan concorreu ao lugar de Procurador da Nação Alemã, mas foi derrotado na eleição por Robert Wauchope, mais tarde Bispo de Armagh, que participou no Concílio de Trento. No ano seguinte, em Junho, Buchanan teve mais sorte e conseguiu ser eleito.
Na época, estavam ao rubro na Universidade de Paris as discussões sobre as matérias religiosas. Inácio de Loiola frequentou a Universidade de Paris de 1528 a 1535, enquanto Lutero conquistava muitos adeptos entre os estudantes. Também George Buchanan manifestou na altura simpatia pelas ideias luteranas.
Durante dois anos, Buchanan terá passado necessidades, mas em 1529 foi nomeado professor no Colégio de Santa Bárbara, onde durante três anos ensinou Gramática. A remuneração e as condições materiais não deveriam ser brilhantes, pois ele queixa-se amargamente no primeiro poema do Elegiarum Liber, com o sugestivo título de Quam misera sit conditio docentium literas humaniores Lutetiæ: descreve ele as dificuldades de ter uma noite bem dormida no meio da barulheira de Paris (vss. 31-34), a aborrecida rotina das aulas e as dificuldades de manter a ordem (vss. 39-44), a desatenção dos estudantes (49-53), o aborrecimentos dos pais dos alunos que julgam ter génios em casa (75-78), a pobreza, companheira constante do professor (81-88), a constatação de que o avançar dos anos não melhora as coisas (99-102). Os últimos dois versos (105-106) indicam que o poema foi escrito no final do período de três anos do seu serviço em Santa Bárbara. O poema foi na altura traduzido e adaptado para francês pelo poeta Joachim du Bellay (1525-1560), com o título "L'Adieu aux Muses", tradução que pode ser lida aqui.
Foi no Colégio de Santa Bárbara que Buchanan teve os primeiros contactos com portugueses que, em grande número, frequentavam naquela altura o Colégio. Os Reis de Portugal, D. João II, D. Manuel e D. João III, apoiaram financeiramente o Colégio e para lá enviaram dezenas de alunos à custa do erário régio. Chegou-se mesmo a tentar comprar o Colégio, o que não se concretizou.
Dos portugueses, destacaram-se em Santa Bárbara, Diogo de Gouveia que foi Principal do Colégio entre 1520 e 1548 e os numerosos sobrinhos dele, os irmãos Marcial, Diogo, André e António de Gouveia, outro Diogo de Gouveia, e ainda Diogo de Teive, Manuel de Teive, António Leitão, Belchior Beliago, António Pinho, João Ribeiro, Inácio de Morais, Simão Rodrigues (co-fundador da Companhia de Jesus) e seu irmão, Sebastião Rodrigues de Azevedo.
Ainda Buchanan estava no Colégio, quando conheceu Gilbert Kennedy (1515-1558), 3.º conde de Cassilis desde 1527, que morava ali perto e lhe pediu para ser seu preceptor. Neste cargo se manteve durante cinco anos, certamente com agrado, estando perto do poder e do dinheiro. Publicou em 1533 a sua primeira obra: a tradução para Latim dos rudimentos de gramática latina de Thomas Linacre. Esta edição pode ser vista aqui.
Em 1534, regressou à Escócia, na companhia do jovem Conde. Foi nesta altura que Buchanan compôs o poema denominado Somnium, uma adaptação de outro poema em linguagem vulgar de William Dunbar (1460-1520) How Dunbar was desyrit to be ane Freir e duas palinódias, representando ataques violentos à ordem dos Franciscanos. Na Escócia mandava ainda a Igreja Católica e aquelas poesias valeram-lhe o ódio do Cardeal Beaton (1494-1546), que nunca lhe perdoou.
Quis Buchanan regressar então a França, mas o Rei James V reteve-o e nomeou-o preceptor de um dos seus filhos ilegítimos, James Stewart, não o que depois foi Regente do Reino, mas outro com o mesmo nome, filho de Elizabeth Shaw (faleceu este em 1548).
Os Franciscanos apresentaram ao Rei os seus agravos contra Buchanan. Mas ele, em vez de o reprovar, pediu-lhe para escrever sobre o mesmo assunto outro poema mais longo, atacando os frades. Escreveu ele então o poema denominado Franciscanus, uma violenta paródia, bastante longa (936 versos), de que transcrevo esta amostra:
…Cum tibi crediderit virgo, quod credere matri, 329 Quod socius socio, quod nolit nupta marito, Tum pete securus quiduis, tum vincula captis Iniice, tunc humeris quemuis superingere fascem. Nam semel arcanæ tibi qui penetralia mentis Nudavit, penitusque alto sub corde repostos Detexit sensus animi, timet, horret et odit, Quamuis dissimulet: sed mens male conscia pallet, Ne commissa tegas male vino liber, et ira Commotus, magnoque satis non munere cultus. Hoc ubi fertilior præda est deprensa capistro, Posce, iube, rape, stringe, omnem dum spongia succum Egerat; exhaustumque penum in tua congere claustra.
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Franciscanus
LA CONFESSION …Quand la vierge t’aura confié ce qu’elle cache à sa propre mère, l’ami à son ami, l’épouse à son mari, alors, demande hardiment ce que tu veux, ligote solidement ta victime, impose-lui toutes tes exigences, car le pécheur qui t’a une fois révélé les replis secrets de ton âme, qui a dévoilé les pensées enfouies tout au fond de son cœur, celui-là désormais a peur, il te redoute et te voue une sourde haine : la conscience coupable, il tremble que tu divulgues ses secrets sous l’effet du vin, ou de la colère, ou de la déception causée par des présents trop modestes. Quand tu auras ainsi piégé une riche proie, exige, ordonne, plume, écorche, fais rendre à l’éponge toute son eau, vide son garde-manger afin de garnir le tien.
Tradução de Musæ Reduces |
…Eximia quidam pietate probatus 482 Frater erat, quo non quæstus studiosior alter, Nex magis edoctus laqueo implicuisse tenaci Pinguiculas viduas, stupidoque imponere vulgo, Hic ubi iam multos prædator callidos annos Santonicos lustrasset agros, et utrunque Garumnæ Littus, et antiquæ felicia rura Tholosæ : Tandem Burdegalam fatis urgentibus intrat Cum consorte viæ, novies cui turgida pleno Orbe diem admorat partus Lucina propinqui. Illa, rudis miles, tumidi dum crimina celat Iam matura uteri, colluctaturque dolori, Audet iter longosque viæ perferre labores, Nec timet irato sese committere ponto : Tantus amor sacræ penitus se addicere sectæ. Ecce autem pronum dum findet puppe Garumnam, Fluctuat et tumidis pinus vexata procellis, Heu! Bene celati patefecit damna pudoris, Dum timor introrsus gemitusque et verba retentat, Dum labor in veras cogit prorumpere voces, Editus in mediis infans evagiit undis. Pars facti novitate stupet, quodque audiit ipsa Vix audisse putat : petulantior altera risu Personat : ast alius tumida succensus ab ira, In mare præcipitem monachum, et cum prole parentem Proturbare iubet, lethoque abolere nefandum Dedecus, et monstro miseram relevare carinam: Hinc tumidos fluctus, pontoque furente procellas, Ventorumque minas, et apertam Numinis iram. Si quis adest animi pius, et moderatior iræ, Occultare cupit facinus, parcitque benignus Errori, humanos prudens expendere lapsus, … Agnoscitque suas alieno in crimine vires. Ergo dum trepidant discordia pectora vulgi, Nautarumque fremit per littora rauca tumultus, Infelix frater turbæ sese insunuans clam Tramitibus cæcis elabitur, oraque velans Vertice demisso peregrinas exul ad urbes Mœstus abit, pœnasque domi, famamque sinistram Formidans, miseramque gemens cum prole puellam. Quam dolam atque agram nuda liquisset in acta, Inter inhumani risum et ludibria vulgi. |
Franciscanus
Il y avait un moine renommé pour sa piété exemplaire, âpre au gain comme pas un, n’ayant pas son pareil pour embobiner les veuves bien nanties et pour éblouir la foule stupide. Il avait pendant de longues années ratissé consciencieusement la Saintonge, les deux rives de la Garonne et les riches campagnes de l’antique Toulouse, quand son destin l’amena à Bordeaux. Il y arrive avec sa compagne dont l’accouchement était imminent car elle touchai au terme des neufs lunaisons. Toute novice qu’elle était, et bien qu’il lui fallût cacher sa faute et son ventre gonflé et qu’elle luttât déjà avec la douleur, elle n’hésite pas à s’exposer aux fureurs de la mer : si grand, si profond était son attachement à notre sainte confrérie. Mais voilà qu’au moment où le bateau fend les flots de la Garonne, où il commence à tanguer sous l’effet de la houle, hélas ! se découvre sa faute jusqu’alors si bien cachée. Car si la crainte lui fait retenir les gémissements et les cris dans un moment où le travail arrache aux femmes des plaintes irrépressibles, l’enfant né au milieu des eaux se met à vagir. Une partir des passagers s’ébahit d’un fait si rare et n’en croit pas ses oreilles ; d’autres, meilleurs compagnons, éclatent de rire. Un autre entre dans une grande indignation, exigeant qu’on jette à la mer moine, mère et enfant : si la mort ne vient laver pareil crime et purifier le navire d’une telle monstruosité, on peut s’attendre à une mer démontée, à une tempête furieuse, au déchaînement des vents, bref, à la colère du ciel. Il est cependant des âmes pieuses et moins promptes à céder à la colère pour conseiller de cacher le crime, plus enclines qu’elles sont à pardonner l’erreur, à traiter avec indulgences les faiblesses humaines, à reconnaitre dans la faute d’autrui leur propre nature pécheresse. Ainsi, profitant du désordre créé par l’affrontement des opinions diverses, tandis que se répercutent sur le rivage les cris de l’équipage, notre malheureux frère se glisse parmi la foule et trouve une secrète issue : se cachant le visage, tête baissée, il s’enfuit tristement et cherche refuge dans des cités étrangères, redoutant des représailles, craignant pour sa réputation et regrettant la malheureuse fille et son enfant.
Tradução de Musæ Reduces
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Apesar da protecção do Rei, não tardou que Buchanan se sentisse em perigo. Acabou por ser preso no início de 1539, tendo decidido fugir na primeira possibilidade. Foi para Londres, onde teve a protecção de Sir John Rainsford, mas, não se sentindo em segurança, preferiu prosseguir a sua fuga para Paris. Com surpresa, encontrou ali o Cardeal Beaton como Embaixador da Escócia, o que o deixou estarrecido. Por isso, quando o seu amigo e colega de estudos, André de Gouveia, o convidou para ir ensinar em Bordeus no Colégio de Guyenne, em que ele era Principal, não hesitou e aceitou o convite. Ali estava antes do fim de 1539, pois quando o Imperador Carlos V entrou solenemente em Bordeus a 1 de Dezembro daquele ano, Buchanan apresentou um poema em nome do Colégio.
A cadeira a seu cargo era o ensino do Latim e ele dedicou bastante ardor à sua tarefa. Durante os três anos em que ali esteve, escreveu quatro tragédias, duas originais (Baptistes sive Calumnia e Jephtes sive Votum) e duas traduzidas de Eurípides, do grego (Medea e Alcestis) . Ele mesmo orientou a sua representação. Entre os seus alunos em Bordeus, Michel de Montaigne (1533-1592).
Mesmo em Bordeus, foi perseguido pelo Cardeal Beaton que escreveu ao Arcebispo da cidade, pedindo a sua prisão. Felizmente para ele, a carta foi interceptada por amigos.
Por razões que se ignoram, abandonou Bordeus por volta de 1543. Em 1544, foi nomeado regente no Colégio do Cardeal Lemoine, em Paris, cargo que, aparentemente, manteve até 1547. Durante este período, foi muito atormentado pela gota.
Entretanto, desde que escrevera Franciscanus (ainda não publicado, na altura) não deixara de escrever poesia, em geral, epigramas ou poemas curtos. Eram ataques para um lado e para o outro, a quem lhe desagradava, nomeadamente à hierarquia da Igreja Católica. Eis alguns exemplos:
IN AMICUM QUENDAM
Unus eras, memini, quondam de plebe, nec alter Te minus in tota turgidus urbe fuit. Nunc te alium credis, veteremque haud noscis amicum, Splendidus in Tyria quod spatiere toga. Falleris: hanc et ovis, qua tu nunc veste superbis, Ante tulit, nec adhuc est aliud, nisi ovis.
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A un certain ami
Tu étais, je m’en souviens, un homme du commun, il n’y avait pas plus modeste dans toute la ville. A présent que tu te pavanes dans un manteau de pourpre, tu te crois un autre homme, tu ne reconnais plus tes amis. Tu t’illusionnes : cette laine, dans laquelle tu fais le beau, une bête l’a portée avant toi ; une bête la porte encore.
Tradução de Musæ Reduces
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Fratres extra mundum
Pene, manu, lingua, fratres munda omnia fœdant. In mundo merito sese habitare negant. |
Os frades fora do mundo
Com a caneta, com a mão e com a língua, os frades conspurcam todos os mundos. Mas negam que habitem no mundo propriamente dito. |
In Romam
Hi colles, ubi nunc vides ruinas, Et tantum veteris cadaver urbis. Quondam cæca Lupis fuere lustra, Donec per freta vectus Arcas exul, Pani, pellerat ut Lupos, Lycæo Lupercalia festa dedicavit: Nudos currere jussit et Lupercos, Sacrum et collibus addidit Lupercal. Sed vis insita, contumaxque flecti Pervicit genius laborem et artem, Et per secula longa ne perirent Istis semina collibus Lupina, Tristis progenuit solum Lupinos, Lætos progenuit Lupos salictum, Et coniux Lupa Faustulo tyranni Albani pecoris fuit magistro : Et qui mœnia prima condidere, Nutrivit Lupa Romulum Remumque, Et Floralia festa sunt Luparum, Et quondam in media fuit Suburra Vico urbis celeberrimo, Lupanar : Et quos Fabricios graves putabis, Observa, invenies Lupos voraces : Et quas Sulpitias reare castas, Observa, invenies Lupas salaces. Et ne posse Deos Lupis carere Credamus, sacer est Lupus Gradivo, Et Lupos mare laneos et amnis Sub cryptam mediæ vomit Suburræ : Nec putris soboles araneorum Non cognomine nobilis Luporum est : Totam denique quantacumque Roma est Nascentem, vegetam excute, et ruentem, Nihil comperies nisi lupercos, Lupercale, lupos, lupas, lupanar.
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IN ZOÏLUM
Frustra ego te laudo, frustra me, Zoïle, lædis: Nemo mihi credit, Zoïle, nemo tibi.
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CONTRE ZOÏLE
Sans cesse je fais ton éloge, toi mon procès : peine perdue ! Je ne convaincs personne, Zoïle, … ni toi non plus !
Tradução de Musæ Reduces |
IN PIUM (V) PONTIFICEM
Vendidit ære polum, terras in morte relinquit: Styx superest Papæ, quam colat, una Pio.
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CONTRE LE PAPE PIE (V)
Le ciel, il l’a bradé ; la terre, il l’a quittée en mourant ; reste l’enfer, seul endroit où le pape Pie puisse se reloger !
Tradução de Musæ Reduces
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IN PAULUM PONTIFICEM
Paulus ab Hebræo scis quantum distet Juda? Hic cœli Dominum vendidit, ille domum.
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CONTRE LE PAPE PAUL
Paul, Judas: de l’un à l’autre, quelle différence ? L’un a vendu le Seigneur, l’autre la maison du Seigneur !
Tradução de Musæ Reduces
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In Julium II Pontificem
Genua cui patrem, genitricem Græcia, partum pontus et unda dedit, num bonus esse potes? fallaces Ligures, et mendax Græcia, ponto nulla fides, in te singula solus habes. |
Contra o Papa Júlio II
O teu pai é Genovês, a tua mãe Grega, e nas ondas do mar foi teu nascimento. Como poderias tu ser bom? Os Italianos são falsos, os Gregos mentirosos, e ninguém se pode sentir seguro no mar. E tu sozinho, tens em ti todos estes predicados. |
In Iulium
Stare diu haud poterant, mundusque et Iulius una, Omnia perdendi tam ferus ardor erat, Ergo ne ante diem mundi structura periret, Ad Styga discessit Iulius ante diem. |
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Ad Pasquillum
Præsule de Paulo, præsule doctissime vatum. Pasquille, dic quid sentias? Nec melius Paulo quidquam est, antistite Paulo, Et pejus est Paulo, nihil.
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In Pontifices
Pædicat Paulus*, contemnit fœdera Clemens**, sacrilega tractat Iulius*** arma manu. Et quisquam sceleris nomen formidat inane, Auctores scelerum qui videt esse Deos?
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Fratres fraterrimi
Cum Monachi fratres sint, quos vel candida vestis Vel nigra, vel gemino mista, colore tegit : Quanta tamen miseros agitat discordia fratres, Quam non fraternæ fœdera pacis amant ! Non ita germanum reducem trux oderat Atreus, Atrea visceribus non satur ille suis. Mitius Oedipodæ soboles exarsit in iras, Mitior indomitas incitat ira feras. Eventu o simili cesset fraterna simultas Et dirimat calvos exitus iste patres. Dentibus et gladiis in mutua funera currant, Ira nec extremi cesset in igne rogi.
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Os frades continuaram a ser um alvo preferido de Buchanan. Para além do anterior (Fratres fraterrimi), veja-se o poema de Monachis S. Antonii, escrito em Bordeus. Aos Irmãos de Santo António, era-lhes permitido criar porcos, sem ter que pagar uma taxa por cada animal; tirando disso vantagem, encheram eles o mosteiro com porcos, enviando-os para o mercado a preços baixos. Como era de esperar, o mosteiro ficou cada vez a cheirar pior, até que se tornou uma ameaça para a saúde da cidade. Os magistrados decidiram acabar com essa situação e Buchanan deu-lhes uma ajuda com estes versos:
De Monachis S. Antonii
Diceris, Antoni, porcos pavisse subulcus vivus, adhuc monachos lumine cassus alis: par stupor ingenii est, ventrisque abdomen utrisque, sorde pari gaudent, ingluvieque pari. Nec minus hoc mutum pecus est brutumque suillo, nec minus insipidum, nec minus illepidum. Cetera conveniunt, sed non levis error in uno est: debuit et monachis glans cibus esse tuis.
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When living, thou St, Anthony As swine-herd kept thy swine, Now dead, thou keep’st, St, Anthony, This herd of monks of thine.
The monks as stupid are as they, As fond of dirt and prog; In dumbness, torpor, ugliness, Each Monk is like each hog.
So much agrees ‘tween herd and herd, One point would make all good; If, but thy monks, St, Anthony, Had acorns for their food.
Tradução de MacMillan, D., George Buchanan, A Biography |
Como seria de esperar, uma vez por outra, Buchanan passou das marcas e entrou na obscenidade. Esse facto é comprovado por poesias que não chegaram a ser publicadas e se encontram ainda em manuscritos, como a que se segue:
Cum monachus monacham premeret gemibunda, ‘Mihi’ inquit ‘Væ miseræ hæc ludrica perdo animam.’' Quam pius antistes verbis solatur amicis, Inguinaque inguinibus, osculaque ora tegens, ‘Hos aditus ego præcludam, tu, ne exeat’ inquit, ‘Quicquam animæ porta posteriore, cave’.
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As a monk was lying on top of a nun, she groaned out: “Alas I’m losing my soul in this sporting!’ The pious priest consoles her with loving words, covering her loins with his loins, her mouth with his lips. ‘I’ll close off these exits,’ he said, ‘you make sure that no part of your soul gets out by the back door.’
Tradução de P.J. Ford (1982) |
É também desta época um célebre poema Pro Lena Apologia, a Elegia n.º 3, neste livro, (222 versos) em que ele defende uma bastante relaxada moral sexual, defendendo a prostituição, embora de modo irónico. Mas, aqui como noutros poemas, mais do que defender uma ideologia, Buchanan trata de imitar os poetas latinos, neste caso, Virgílio, Juvenal, Catulo e Ovídio.
Convém notar, porém, que, nesta altura, nenhum dos poemas de Buchanan tinha sido já publicado.
Entretanto, em Portugal, D. João III, que em 1536, transferira a Universidade de Lisboa para Coimbra, quis elevar o ensino ali ministrado e, para isso, decidiu fundar o Colégio Real. Convidou para o dirigir a André de Gouveia, encarregando-o de trazer de França docentes sabedores e prestigiados. Para Portugal e para o mesmo Colégio, tinham já vindo professores de Paris: Mestre Pedro Henriques, Belchior Beliago, Mestre Gonçalo, Manuel Thomás, Mestre João Fernandes e Inácio de Morais.
André de Gouveia e os professores convidados encetaram a viagem para Portugal na Quaresma de 1547; a circunstância foi mais tarde motivo de acusação, por terem comido carne nas estalagens em que pernoitavam. Dividiram-se em dois grupos, um formado pelos irmãos George e Patrick Buchanan acompanhados pelos franceses Nicolas de Grouchy, Guillaume Guérente e Arnould Fabrice; o outro por Diogo de Teive, João da Costa, António Mendes e Elie Vinet.
A diferente origem dos professores depressa azedou as relações pessoais, ficando divididos em dois grupos: os parisienses e os bordaleses. Mário Brandão explanou em dois grossos volumes as tricas da vida académica de Coimbra, com as lutas entre estes dois grupos.
Há que anotar também a raiva que o convite feito por D. João III a André de Gouveia despertou em seu tio, o velho Diogo de Gouveia, que entretanto tinha sido afastado da direcção do Colégio de Santa Bárbara, em Paris.
Embora não conheçamos os números, não há dúvida que os professores estrangeiros teriam de ser muito bem pagos, apesar da exiguidade das finanças públicas do País. Esta poderá ter sido mais uma razão para não serem bem aceites no meio.
Era uma equipa de professores muito prestigiada a que dirigia André de Gouveia; mas, quatro meses depois da instalação do Colégio, falecia ele em Coimbra. Buchanan dedicou-lhe este epigrama:
Andreæ Goveano
Alite non fausta genti dum rursus Iberæ Restituis Musas, hic, Goveane, jaces. Cura tui Musis fuerit si mutua, nulla Incolet Elysium clarior umbra nemus.
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A André de Gouveia
Quando, em hora infausta, restituías as musas à gente da Ibéria, eis-te, ó Gouveia, aqui jazendo por terra. Se as musas te souberem corresponder, no cuidado que lhes consagrastes, pelo sagrado bosque do Elísio não habitará sombra mais gloriosa que a tua!.
Tradução de D. Maurício G. Santos
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A morte de André de Gouveia estragou o precário equilíbrio que se verificava no Real Colégio. Os rumores de acusações de luteranismo, de incumprimento dos preceitos religiosos como o jejum e a abstinência e a confissão anual, começaram a correr. Arnould Fabrice, Patrick Buchanan, Guillaume Guérente e Elie Vinet prepararam-se para regressarem a França, o que fizeram em 1549. Nicolas Grouchy ficou até 1551.
Entretanto, George Buchanan continuou a compor versos latinos, da mais variada natureza. Entre os alvos das suas sátiras, o colega de ensino Belchior Beliago, que descuidava as aulas para se dedicar aos negócios mais variados; entre estes, a edição de livros de colegas, que depois vendia arrecadando os proveitos. Buchanan exagera nas tintas com que o descreve. Mas devemos lembrar que estes versos não foram publicados na altura e por isso não deviam fazer grande mossa, além de umas gargalhadas entre colegas. Já a sua publicação, mais tarde, poderá estar integrada na campanha de vingança contra Portugal desencadeada por Buchanan. Temos de notar ainda, ao contrário do que já se escreveu, que Buchanan não chama “judeu” a Beliago; pelo contrário, ele diz ironicamente que ele não tem sequer dignidade para ser judeu.
IN BELEAGONEM
Judæum, Beleago, quod negas te, Et vis testibus id probare magnis, Erras, testibus ista non probatur Res (ut scis, puto), mentula probatur.
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Jewish, Beleago, that’s what you say you’re not. And you wish to prove that by great testimonies (“testis”, a pun on “testes”); You’re wrong, the matter is not proved (as I think you know) by testimonies (“testes”) but by the prick.
Tradução de M. Mulsow |
In Beleagonem
Beleago, fomes et parens mendacii, Ab ore cuius pavida veritas fugit. Mali susurrat nescio quid clanculum: At fama de illo non susurrat, sed palam Hoc universus populus affirmat, quod est Beleago, fomes et parens mendacii. Ab ore cuius pavida veritas fugit. Hoc igitur æquus æstimator iudicet, An mentiatur populus universus, an Beleago, fomes et parens mendacii, Ab ore cuius pavida veritas fugit.
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Beleago, rastilho e pai de mentira, De cuja boca a verdade foge espavorida. Anda para aí a cochichar, às escondidas, não sei quê. Mas a fama não resmunga dele; diz às escâncaras, E todo o povo confirma, que ele, Beleago, é rastilho e pai de mentira, De cuja boca a verdade foge espavorida. Julgue, pois, isto um juiz imparcial E diga, se é todo o povo que mente Ou se Beleago é que é rastilho e pai da mentira De cuja boca a verdade foge espavorida.
Tradução de D. Maurício G. Santos |
In eundem
Beleago, ut ipse testis est, si quid tamen
Res contrahendum conspicit semper domi.
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Beleago, como ele próprio testemunha Se é que merece crédito, em qualquer testemunho, Nenhum estigma contraiu da raça judaica, Mas ele vende e revende sebentas, leitos e panos, Tamboretes, bancos, cobertores e tapetes. Até roupa de adelo tira da lama, E vende à mistura. Açambarca leite, ovos, frangos, alhos e abóboras Melões, pepinos, couves e alfaces, Mediante espias postados em todas as aldeias, Para em sua casa revender tudo mais caro. É o árbitro exclusivo da feira do gado; É o árbitro exclusivo do mercado do peixe; É o árbitro exclusivo da praça da hortaliça; É o árbitro exclusivo das lojas de comestíveis, Verdadeira feira aberta ao público mais que as casas de jogo.
É a negociata pegada que ele tem sempre à vista em casa. Não há pescador, hortelão, magarefe, passarinheiro Ou cozinheiro que, sem ele, possa fazer negócio. Nem mula revelha, nem macho coxo, Nem burro lazarento, nem rocim estafado, Que se logre vender, sem ele o regatear. Tudo aquilo de que se pode fazer dinheiro, Ele vende, revende, apreça; e, sempre com lucro. Nem há artista, comprador ou vendedor, Mercancia, ofício, ou negócio que cheire, Embora levemente, a ganho, que ele, esperto, Não fareje, e que, antecipando-se, não apanhe e devore; E, se o não consegue, não deixa de roer, A sua ponta de migalha, como único negociante por grosso E ferro-velho exclusivo das redondezas, Se há, entre nascidos deste mundo, quem, enfrascado sozinho, Em modos de vida tão sórdidos, não seja judeu, Então, Beleago, também eu digo que tu, metido Nestes porcos modos de vida, não és da raça judaica.
Tradução de D. Maurício G. Santos
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In Beleagonem
Gens duplex, Beleago, tuo de stemmate certat, Nititur et causam quæque probare suam Nulla tuis dictis quod sit constantia, Maurus
Indicium Libyci sanguinis esse putat.
Quodque tibi est lucri tam furiosus amor. Nec tamen hoc aliter, te nisi teste, probas, O utinam indiciis, aliove id teste probares: Aut te certa foret testificante fides. Sed mihi si credas, testis potes esse tibi ipsi. Utilis: hac una sed ratione potes:
Quæ tibi pro fictis vis credi, ficta negato:
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Ad Rectorem Scholæ Conimbricæ Mursam
O Domine Rector, Rex Scholæ Conimbricæ, Miramur omnes hic tuam potentiam: Beleago regni quantula est bellua tui, Ut nil sub eius subditum non sit pedes? Nil ille manibus non avaris inquinet? Capros et hircos, suculas, oves, boves, Et universa pecora mactat, venditat: Volucresque cœli vendit, et pisces maris Quicunque ponti semitas perambulant: Pepones, cucumeres, pruna, porros et nuces, Cosellianos quæ per hortos germinant, Coriandra, cepas, allium, nasturtium, Samarcianos quæ per hortos pullulant. O Domine Rector, Rex Scholæ Conimbricæ, Desiseramus hic tuam prudentiam.
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Ó Senhor Reitor, rei dos Gerais de Coimbra, todos pasmamos, aqui, do teu poder. Como é possível, esta pequenina fera de Beleago, em teu reino? Nada há que lhe escape, debaixo dos pés. Nada que não manche com suas mãos avarentas. Mata e mercadeja cabras, bodes, bácoros, ovelhas, bois e toda a sorte de gado. Vende aves do céu, peixes do mar e tudo o que se mexe nas águas; pepinos, melões, abrunhos, alhos porros e nozes, que abrolham nas hortas de Coselhas; coentros, cebolas, alhos e agriões que arrebentam pelos quintais de São Marcos. Ó Senhor Reitor, rei dos Gerais de Coimbra, atenção, que se fazem mister medidas de prudência!
Tradução de D. Maurício G. Santos
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I N
B E L E A G O N E M
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In eundem
Et
inter artes sordidas monopolium
Picasque caveæ mortuas in carcere
Dein ceu solutum sit probe impudentia,
Nec peccet imprudentia,
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A estadia em Coimbra inspirou ainda a Buchanan uma série de poemas da área do erotismo, embora não tão eróticos como isso. Sugerem eles que ele conheceu e eventualmente frequentou os lupanares de Coimbra.
Estão neste grupo os poema dedicados a Leonor ou Leonor Fernanda e a sua mãe Peiris. Leonora, segundo parece, é filha de uma prostituta que se tornou alcoviteira (Peiris) e esteve casada até que a sua insaciável fome de dinheiro obrigou o seu marido a ir para as colónias portuguesas da Índia. Tem uma filha, que afirma ser de um Franciscano e que gere o negócio familiar. Outrora, Leonor tivera uma associação com os Franciscanos, mas desde então desenvolveu uma inclinação para cozinheiros. Ela usa um excesso de maquilhagem que simboliza a sua falsidade; é descrita como sendo velha e desagradável; este facto depressa a privará de homens que a satisfaçam.
Estes temas são habituais na poesia grega e romana; no entanto, são vivificados pelo fundo da vida de Coimbra, que os torna mais reais.
In Leonoram
Miniata labra, sordidæ creta genæ
Crassoque venter extumens abdominæ, |
On Leonora
Lips covered with red paint, cheeks filthy with chalk, the shameless cleft of your mouth with its dog-like grin, rotting teeth, breasts like a she-goat's udders, the ugliness of your double chins, and the wrinkles in your fat flanks, and your belly swelling in a fat paunch, did I love you? did I caress and caress you again in my arms, and tire your alluring lips with my kisses? Could I bear to call you 'my love', you bordello prostituted to the dirty rabble. Oh deceit and love, insanity of a disturbed mind, and raging impulse, where did you take me? Avenging Furies, for what crime was I flogged before your judgment seat? For I did not smart from the wound of Cupid's arrow, but I was burnt with your torch, burnt with your frenzy I was mad. So, freed from my shameful bonds and restored as my own master, I give and gladly dedicate to sacred Health, my saviour, these iron chains, the monuments of my harsh slavery, and this plaque which indicates the return of my sanity thanks to her, and the pledges of my grateful heart.
Tradução de P.J. Ford (1982) |
In Leonoram
Cum faciem nimbo madidam, Leonora, viderem et cerussatas arte nitere genas, pingere credideram solum te scire: probavi ex facie doctam terque quaterque manum. at simul aurato mihi fulserat anulus ære quæque nitet digitis vitrea gemma tuis, non animo tantum didici te fingere, verum certant cum vafris æmula signa dolis. fictum animum pictamque cutem fraudesque latentes æs breve tarn certis exprimit indiciis ut te non melius potuisset pingere Apelles, fingere vel fuso doctius ære Myron.
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On Leonora
When I saw your face, Leonora, dripping with perfume and the shine on your cheeks, artfully coloured with white-lead, I only thought that you knew how to paint. I approved your thrice and four times skilful hand on looking at your face. But as soon as your ring had gleamed at me with its gilded copper, and the glass gem that shines on your fingers, I learnt that it is not only in your mind that you are deceitful, but external signs vie in rivalry with cunning guiles. A little copper expresses a deceitful mind, painted skin, and hidden deceit with such reliable indications that Apelles would have been unable to paint better than you, or Myron to work more skilfully in melted bronze.
Tradução de P.J. Ford (1982)
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Ad Peiridam lenam
Lena tibi est genitrix, tu matris filia pælex, Et tua suscipiet filia matris onus. cumque tibi fratrem prudens natura negasset, in monachis fratrum tu quoque nomen amas. quam bene quod primis pater est tibi mortuus annis, ne natæ iam plus quam pater ille foret exulat extremos tibi vir depulsus ad Indos, proque viro lixas diligis atque coquos. consobrina suos tecum partitur amores, et tibi crissanti est Æthiopissa tribas. nescio quid monstri celas, Leonora, reclusi, quando tibi solum monstra pudenda placent. impietas odisse suos est maxima, verum impietas sic est maior amare suos.
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To the bawd Peiris
Your mother is a bawd, you are the promiscuous daughter of your mother, and your daughter will take on her mother's job. And although Nature wisely denied you a brother, you love even the name of brother amongst the monks. It's a good thing your father died in your early youth so that he should not now be more than a father to his daughter. Your husband is an exile, driven to the furthest corner of India, and in place of your husband you love sutlers and cooks. A female cousin shares her love with you, and you are brought to orgasm by a black lesbian. You are hiding some sort of unleashed monster, Leonora, since you only like shameful monsters. It is the height of sinfulness to hate one's relatives, but it is more sinful to love them thus.
Tradução de P.J. Ford (1982)
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In Leonoram
Sicine de nostra numquam egrediere culina, pinguibus et fies semper amica coquis? utque coquum coquus expellit, fit protinus heres successorque tuo fit nova præda toro. iamque etiam hesternas deglubere cœptat ofellas, crescit et in mores filia parva tuos; lingit et algentes concreto iure patellas nudaque ieiunæ præripit ossa cani. sic tener et firmis nondum satis unguibus ursus magnanimo lambit vulnera facta patri. munus obire potest, Leonora, decentius istud longæva senior cana parens Hecuba, efferat annosos rabies cui spumea rictus, et latrat, patulo dum cupit ore loqui; et stipis exiguæ si spes accessit, adulat, nec quicquam in dura fronte pudoris habet. . illa analecta legat, dentes illi ossa fatigent, cum canibus certet de dape pæne canis: tu iuvenum potius validis obnitere nervis, et facie atque annis concipe digna tuis. filia parva aviam spectet matremque et utrimque spem capiat vitæ consiliumque suæ.
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On Leonora
Tradução de P.J. Ford (1982)
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Ad eandem
Vive male, monachique tui lixæque coquique, mater edax, illex filia, nigra tribas. ne tamen interea vestri immemor arguar esse, vos penes hoc nostri pignus amoris erit.
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On the same
Fare you ill, along with your monks and sutlers and cooks, voracious mother, seductress daughter, and black lesbian. But in case, meanwhile, I am accused of being forgetful of you, this token of our love will be in your possession.
Tradução de P.J. Ford (1982)
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In Leonoram
Mendicis ætas monachis tibi prima dicata est, iam tibi maturæ sola culina placet. divinare licet, sed non libet, et pudet, ævo excipies quales deteriore viros.
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On Leonora
Your youth was devoted to the mendicant friars, and now that you are mature, only the kitchen pleases you. One can foresee, although it isn’t pleasant or decent, what sort of men you will welcome in your declining years.
Tradução de P.J. Ford (1982)
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In eandem
Vindemiales feriæ claudunt Scholas, Juvenes penates patrios Repetunt: per urbem solitudo: in ædibus : Mœstum silentium: fores Rarus cucullus obsidet tuas: sonat Stridore raro janua. Quid ages misella? sævientis inguinis Pruriginem quis leniet ? Frustra angiportus, viculos, forum gravis Lenone calatho dexteram Perambulabis: clausa frustra ad ostia Spectans trahes suspiria. Cum fervor imis æstuabit artubus, Libidinosum cum jecur Vis ulcerabit acris, impatiens moræ, Cum flamma viva concitam Aget per urbem: qualis altis montibus Matres equorum agit furor Per saxa, et aspris invium rubis nemus, Et imbre fluctus turgidos: Qualis per Idam mugientem adulterum Secuta Solis filia : Cum te furoris vis, pudore fortior, Leonora, sic raptaverit, Tunc ego vicissim lætus adspiciam tuam Securus animi insaniam, Duræque Amori vindici superbiæ Nemesique solvam victimam.
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Sobre Leonor
As férias das vindimas fecham as escolas. Os jovens aos pátrios Penates regressam. Pela cidade a solidão. Nas casas um triste silêncio. Saídas tuas raro capuz as espia: soa com ranger raro a tua porta. ...
Tradução de A.C.Ramalho (1988b)
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Deverão ter sido também escritos em Coimbra, ou, pelo menos, começados, os poemas dedicados a Neera, uma amada provavelmente imaginária (P.J.Ford). Aqui já não há obscenidades, o tom é mais elevado:
In Neæram
Cum pulchram roseus dies Neæram ostendit mthi, sic miser furore inquietus agor trahor peruror ut rursus tacitas amem tenebras, ceu mali medicina sint tenebræ. at cum nox tenebris opaca cæcis iam solis iubar aureum fugavit, et solis iubare aureo refulgens iubar splendidiusque puriusque, formosam mihi sustulit Neæram, iam rursus tenebras malas perosus, pulchram cernere quæ negant Neæram, noctem deprecor et diem reposco, quæ pulchram mihi referat Neæram, ceu mali mihi causa sint tenebræ. quis vitæ manet ordo me modusque? cui vota ut tribuant dei faventes, cum votis neque dii dabunt faventes ne miserrimus esse perseverem. hoc Venus probat, et probat Cupido diis votisque potentior secundis.
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On Neaera
When rosy day reveals fair Neaera to me, restless with frenzy, poor creature, I am so driven and dragged and consumed with fire that I love again silent darkness, as if darkness were a remedy for my ill. But when shady night with its gloomy darkness has now put to flight the golden splendour of the sun, and has removed from me beautiful Neaera, a splendour shining more brilliantly and clearly than the golden splendour of the sun, loathing once more the evil darkness which prevents my seeing fair Neaera, I curse the night, and ask again for the daylight to restore fair Neaera to me, as if darkness were the cause of my ill. What system or method of living is in store for me? Even though the favouring gods may grant me my prayers, not even the favouring gods will grant me, together with my prayers, the boon of not continuing to be utterly wretched. Venus approves of this, as does Cupid, who is more powerful than favourable gods and prayers.
Tradução de P.J. Ford (1982) |
AD NEÆRAM
Qualiter ad solem foliis morientibus arent Candida virginea lilia secta manu, Paulatim lento sic maceror igne, Neæra, Ut primum radii me tetigere tui. At mihi dum roseis tractim das oscula labris, Sentit et attactus debilis umbra tuos, Mens redit, et vigor ignescit, velut herba resurgit, Cum levis arentem recreat imber humum. Ergo quando oculis pereuntem me oscula sanant, Et mea in arbitrio vitaque morsque tuo est, Perde, neca, ut visum est; sed dum pereo, oscula iunge: Sæpe ut sic vivam, sic volo sæpe mori.
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À NÉÈRE
Comme au soleil, feuilles moribondes, sèchent les lys blancs qu’une main virginale a coupés ; moi-même, à petit feu, Néère, je me consume, depuis que les rayons de tes yeux m’ont blessé. Mais quand, de tes lèvres de rose, tu me donnes un long baiser, que mon âme alanguie perçoit cette caresse, la conscience me revient, ma vigueur renaît, tut ainsi que se redresse l’herbe quand une pluie légère rend la vie à la terre desséchée. Puisqu’un baiser de toi guérit la blessure mortelle de tes yeux et que tu disposes souverainement de ma vie et de ma mort, tue-moi, achève-moi, maîtresse, à ta guise ; mais rappelle-moi de la mort par un baiser. Ah ! Pour ainsi souvent revivre, je veux ainsi souvent mourir !
Tradução de Musæ Reduces |
DE NEÆRA
Illa mihi semper præsenti dura Neæra, Me quoties absum, semper abesse dolet. Non desiderio nostri, non mœret amore, Sed se non nostro posse dolore frui.
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À PROPOS DE NÉÈRE
Suis-je près d’elle ? Néère n’a que rigueurs pour moi. M’éloigné-je ? Elle s’afflige de mon absence. Ce n’est pas le regret qui la tourmente, ni le désir : seulement le dépit de ne pouvoir jouir de ma douleur.
Tradução de Musæ Reduces
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De Neæra
Illa mihi semper præsenti dura Neæra, Me, quotes absum, semper abesse dolet; Non desiderio nostri, non mœret amore, Sed se non nostro posse dolore frui.
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About Neæra
Neæra is harsh at our every greeting, Whene’er I am absent, she wants me again; ‘Tis not that she loves me or cares for our meeting, She misses the pleasure of seeing my pain.
Tradução de James Hannay em MacMillan, D., George Buchanan, A Biography
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In Neæram
Quum primum mihi candidæ Neæræ Illos sideribus pares ocellos Ostendistis, ocelluli miselli, Illa principium fuit malorum, Illa lux animi ruina nostri. Sic primis radiis repente tactus Totus intremui cohorruique,
Ut leves
nemorum comæ virentum -
Adhuc
involucres volandi inani Vos ad pectoris excubare portas Insomni statione iussit. At vos Sive blanditiis, dolisve capti, Seu somno superante, sive sponte Consensistis, herumque prodidistis, Fugit corque animusque, me relicto Excorde, exanimo. Quod ergo fletu Nunc satisfacere arbitremini vos, Nil est; quem lacrymis movere vultis, Non adest animusve corve: ad illam Ite: orateque et impetrate ab illa. Ni exoraritis, impetraritisque, Faxo illam aspiciatis usque et usque, Donec vos ita luce reddat orbos Ut me corde animoque fecit orbum.
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On Neæra
My wreck of mind, and all my woes, And all my ills, that day arose, When on the fair Neaera's eyes, Like stars that shine. At first, with hapless fond surprise I gazed with mine. When my glance met her searching glance, A shivering o'er my body burst. As light leaves in the green woods dance When western breeze stir them first ;
My heart
forth from my breast to go,
Tradução de Robert Chambers, Thomas Thomson, in A biographical dictionary of eminent Scotsmen, Blackie, 1853 |
Ad eandem
Risus, blanditiæ, procacitates, Lusus, nequitiæ, facetiæque Ioci, deliciæque et illecebræ Et suspiria, et oscula, et susurri, Et quicquid malesana corda amantum Blandis ebria fascinat venenis, Hinc facessite: Iam vale Neæra. At tu mens bona, sanitas, salusque, Continentia, castitas, pudorque, Et modestia, veritasque simplex, Fraudes acribus intuens ocellis, Et quisquis malesana corda amantum Funestis Deus eximis venenis, Adsis: adsere me mihi, impotentis Vix tandem dominæ iugo solutum. Frustra blanditiæ appulistis ad me, Frustra nequitiæ venistis ad me, Frustra deliciæ obsidebitis me: Frustra me illecebræ, et procacitates, Et suspiria, et oscula, et susurri, Et quicquid malesana corda amantum Blandis ebria fascinat venenis, Frustra iam aggrediemini dehinc me. Quid me mollibus implicas lacertis? Quid procacibus intuere ocellis ? Quid fallacibus osculis inescas ? Ne labris labra inepta, pectorive Pectus consere : machinis nec istis Ullus iam superest locus, nec arti : Non sum stultus ut ante. Iam Neæra Vale, dum bona, dum pudica, nobis Charis charior æstimata ocellis. At postquam es mala et impudica, nobis Vili vilior æstimata cœno. Eheu me miserum! statim voluta Unda lucida per genas sinusque Insultat tremulo fugax rotatu, Et per turgidulas fluens papillas Sensim gemmeus intumescit imber, Molles agglomerans decenter orbes. Ergo hæc possum ergo saxeusque Corrumpi male tam bonos ocellos? Hæc si possum ego lentus intueri, Possum et ferreus esse saxeusque. Quin vos mens bona, sanitas, salusque, Continentia, castitas, pudorque, Et modestia, veritasque simplex Fraudes acribus intuens ocellis, Et quisquis malesana corda amantum Funestis Deus eximis venenis, Hinc facessite, vos adeste rursus Risus, blanditiæ, procacitates, Lusus, nequitiæ, facetiæque Ioci, deliciæque et illecebræ Et suspiria, et oscula, et susurri, Et quicquid malesana corda amantum Blandis ebria fascinat venenis : Sic me vivere, sic mori suave est.
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