17-3-2007
Outras páginas sobre Campia neste site, aqui e aqui
Freguesia de Campia, concelho de Vouzela
Respostas ao questionário do Marquês de Pombal em 1758
(Torre do Tombo, Memórias paroquiais, vol. 8, nº 68, p. 445 a 454)
Um aviso de 18 de Janeiro de 1758 do Secretário de Estado dos Negócios do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, fazia remeter, através dos principais prelados, e para todos os párocos do reino, os interrogatórios sobre as paróquias e povoações pedindo as suas descrições geográficas, demográficas, históricas, económicas, e administrativas, para além da questão dos estragos provocados pelo terramoto de 1 de Novembro de 1755.
(Do site www.iantt.pt)
Este arquivo é hoje conhecido na Torre do Tombo por Memórias Paroquiais e encontra-se mesmo online.
Quando descobri isto, tive a satisfação de constatar que o Pároco de Campia (a terra onde nasci) em 1758, tinha muito boa letra e que as suas respostas ao questionário eram legíveis e interessantes. De vez em quando, chega a ser poético e, aqui e ali, insere no texto uma ponta de humor.
Aqui fica a transcrição. Actualizei a grafia, excepto, por curiosidade, num caso ou noutro (Sam por São, Alvitelhe por Albitelhe, etc.) em que mantive a original.
24-04-2008 – Só há dias soube que o Posto de Turismo de Vouzela tem à venda este livro “Campia: história e alma de uma aldeia beirã”, da autoria de Maria do Carmo Correia, editado pela Câmara Municipal em 2005 (€ 12,50 + portes). É um belo texto, bem apresentado e cheio de informação que inclusivamente transcreve vários trechos destas Memórias Paroquiais.
Capa
CAMPIA
Resposta aos Interrogatórios de Nossa Majestade Fidelíssima que Deus guarde.
Texto:
Resposta aos Interrogatórios de Nossa Majestade Fidelíssima que Deus guarde, e conserve por muitos anos.
Freguesia de Sam Miguel de Campia, Ducado e Termo de Lafões, da Comarca e Bispado de Viseu.
1. Fica esta predita freguesia em a Província da Beira, pertencente à Comarca e Bispado de Viseu, e é do Ducado de Lafões e termo da vila de Vouzela; e Paróquia de Sam Miguel de Campia.
2. É de Donatário? que é D. Pedro Henrique de Sousa Mascarenhas, Tavares da Sylva, Duque deste território de Lafões.
3. Tem esta Paróquia duzentos quarenta e nove vizinhos; oitocentas sessenta e nove pessoas maiores; e cento cinquenta e cinco menores.
4. Está situada em uma Serra que compreende em si alguns vales, Ribeiras, e montes, dos quais alguns se cultivam; e outros estão de baldio, de que os naturais usam para pastos dos gados e cultura das terras. Descobre-se desta Paróquia o lugar, e Igreja das Talhadas, do Bispado de Coimbra, que dista desta freguesia duas léguas. Descobre-se o lugar das Benfeitas, da freguesia de Destriz, que dista desta freguesia uma légua, que ambos os preditos lugares ficam para o Poente. Descobre-se também o lugar e Igreja de Reigoso, que dista também desta freguesia uma légua em direitura para o Norte. Finalmente se descobrem e ficam também para o Norte em distância desta Paróquia de meia légua, os lugares de Paredes de Gravo, Pereiras, Porto Ferreiro e Couço, e todos na mesma direitura. Descobre-se também o lugar de Antelas, que dista desta Paróquia uma légua para o Norte, e todos estes preditos cinco lugares, tem a freguesia de Pinheiro, que também é deste dito termo de Lafões.
5. É esta Paróquia a penúltima deste Território de Lafões em direitura a Poente a cujo Território está sujeita; e enquanto ao mais que se procura neste Interrogatório, se declara no imediato o seguinte:
6. Está esta Paróquia distante do lugar pouco mais de um tiro de espingarda. Tem esta freguesia onze lugares que se chamam Igreja, Campia, Cambarinho, Fiais, Cercosa, Rebordinho, Rebordinho de Além, Selores, Alvitelhe, Crasto, Seixa. Tem cinco póvoas que se chamam Póvoa de Fiais, Valverde, Lousa, Decide, Vales.
7. O Orago é Sam Miguel Arcanjo; tem quatro altares laterais, dois da parte da Epístola, um em que está Sam Miguel Arcanjo, e também o Santíssimo Sacramento; outro em que está Nossa Senhora do Rosário; outros dois da parte do Evangelho, o primeiro em que está Sam Sebastião; o segundo, em que está Santo António, e não tem naves; porém é o corpo de Igreja mais magnífico, que tem o Real Padroado neste Bispado, na qual há uma confraria do Santíssimo Sacramento, que tem também uns ornatos muito preciosos, que lhe deu por devoção um natural desta freguesia , que morou e morreu na Bahia de todos os Santos; e não tem ainda esta Igreja Capela maior, por cuja causa estão três dos preditos altares laterais e seus Santos com escandalosa irreverência, principalmente a imagem de Nossa Senhora do Rosário, que, sendo esta fabricada e estofada há menos de cinco anos, está quase desencarnada, e a banqueta do Altar de Sam Miguel, em que está por necessidade o Santíssimo Sacramento vai apodrecendo por causa dos impetuosos temporais que excessivamente rebatem a dita Igreja, por estar situada no lugar que tem a dita freguesia, mais desamparado, e pela parte donde há-de fazer a Capela Maior, lhe fazem os temporais maior dano, por estar o Arco Cruzeiro, e as calhans dos Altares Colaterais, tapados com pedra singela, esperando que o Comendador a mande fazer, o que somente fará por impulso da Majestade Divina ou humana.
8. O Pároco desta dita Igreja é um Vigário, apresentado por Nossa Majestade Fidelíssima, que Deus conserve por muitos anos, por ser a dita Igreja das de seu Real Padroado, que renderá, atendendo à Côngrua, de quarenta mil reis a setenta, e três alqueires de pão, que se dá à Comenda, e ao limitado passal, baptizados, alguma certidão, e algum bem de Alma, noventa mil réis, pouco mais ou menos.
9. Não tem esta predita Igreja mais beneficiados que o Vigário e um Coadjutor, a quem o Comendador anualmente paga dez mil réis, e é o tal Coadjutor apresentado pelo Vigário, que também apresenta a Igreja de Santa Maria de Destriz, por ser anexa desta Igreja de Sam Miguel de Campia.
10. Deste, e undécimo e duodécimo, nada tem.
13. Tem esta Paróquia cinco Ermidas, que são: A primeira e mais antiga de Nossa Senhora, chamada da Decide, por estar a dita Ermida edificada em uma Ribeira da Póvoa da Decide, e distante desta dois tiros de bala. A segunda, de Santa Ana, sita no lugar de Rebordinho. A terceira de São Tiago; esta ermida está edificada fora do lugar de Cercosa um tiro de espingarda; e pertencem todas estas ermidas a esta freguesia. Tem outra Ermida de Sam Domingos, que está edificada em o outeiro do lugar de Cambarinho, e distante deste um tiro de espingarda, cuja administração pertence a Manuel Lopes Dias, do cimo do mesmo lugar. Tem outra de Nossa Senhora das Neves, edificada imediata às casas do Alferes Domingos Marques do mesmo lugar de Cambarinho, da qual é administrador o mesmo Domingos Marques.
14. No dia quinze de Agosto se soleniza anualmente a festa de Nossa Senhora, chamada de Decide, em a sua Ermida, em a qual no dito dia concorrem muitas pessoas em romagem. No dia vinte e seis do mês de Julho, se celebra anualmente a festividade em a dita sua Ermida no lugar de Rebordinho, onde no mesmo dia se ajuntam algumas pessoas de romagem.
No dia vinte e cinco do mesmo mês de Julho, se soleniza também a festa de São Tiago em a sua Ermida, em a qual vão no mesmo dia algumas pessoas de romagem.
Em o dia quatro de Agosto, se canta uma missa em a Ermida de São Domingos, à qual concorre pouca gente, e o mesmo acontece na ermida de Nossa Senhora das Neves, do mesmo lugar.
15. Os frutos que costumam recolher os naturais desta Paróquia em maior abundância é milho grosso, centeio e milho miúdo menor quantidade recolhem, e de trigo muito menos, de feijões também pouca quantidade recolhem; e de vinho mediana quantidade, e verdíssimo.
16. Tem esta freguesia dois Juízes da vintena, um da parte do lugar de Cercosa; e outro da parte de Campia, que estão sujeitos ao governo da justiça da Vila de Vouzela.
17. Deste, e décimo oitavo e décimo nono, nada tem.
20. Serve-se esta Paróquia do Correio da Cidade de Viseu, a cuja cidade chega ordinariamente nas sextas-feiras, e parte nos Domingos pela meia noite, e dista desta freguesia cinco léguas.
21. Dista esta freguesia da Cidade de Viseu, Capital deste Bispado, cinco léguas, e da de Lisboa, capital do Reino, quarenta e cinco léguas.
22. Nada tem deste, nem do vigésimo terceiro, vigésimo quarto, vigésimo quinto, vigésimo sexto e vigésimo sétimo.
SERRA
Porque esta Paróquia está situada em uma Serra, não tenho que responder aos interrogatórios, pertencentes á Serra; porquanto esta Paróquia parte em direitura ao nascente com a freguesia de São Julião de Cambra; ao Poente, com a freguesia de Santa Maria de Destriz; ao Norte com a freguesia de São Lourenço de Reigoso; e ao Sul com a Paróquia de Santa Maria de Alcofra, e todas em distância quase proporcionada, ainda que entre estas Paróquias e esta, há alguns montes e outeiros; e assim me parece somente posso responder ao décimo e undécimo interrogatórios.
10. É esta Paróquia, pela informação que tomei e alcancei dos naturais dela muito quente do assento; porém dos ares frigidíssima, e esta segunda qualidade experimento infalível.
11. Os gados que nesta freguesia se criam são: cabras de bastante grandeza, e ovelhas menos, e pequenas; também bois em mediana quantidade, por falta de pastos. E enquanto à caça há poucos coelhos; e perdizes conforme a criação dos anos, que em uns há mais, e outros menos.
Rios que cortam e passam por esta freguesia de Sam Miguel de Campia
RIOS ALFUSQUEIRO E LOUSA
Nasce este Rio Alfusqueiro em as faldas da Serra do lugar de Covas, de uma fonte chamada Alfusqueiro, da qual tem este rio a etimologia, sita nas malhadas de Cambarinho, águas vertentes para a freguesia de São Julião de Cambra, e como na assentada da dita Serra nascem muitas fontes que ao dito Rio se ajuntam quando é ao sítio chamado a Fervença, já corre caudaloso e ao descer da Serra para a dita freguesia corre extraordinariamente despenhado por penhas tão altas, que se vê espumar a água em distância de quase três léguas, por cuja causa chamam os naturais a este poço o poço da Fervença, donde continua seu curso por entre os limites do lugar de Confulcos e Tourelhe, e junto à Igreja de Cambra, e Torre de Cambra debaixo, onde entra outro Rio muito mais pequeno, que vem do lugar e freguesia de Carvalhal de Vermilhas, anexa à dita Igreja de Cambra, e dali corre pelos limites do lugar de Cambra e Levides e Pés de Pontes, e junto ao lugar de Paredes, onde acaba a dita freguesia de Cambra. E daqui principia a cortar por esta freguesia de Campia, correndo com quieto curso até o sítio chamado Porto da Várzea, cujo sítio é limite dos lugares de Campia e Cercosa, desta dita freguesia e aqui repete o seu despenhado curso, correndo pelos montes e penhascos dos ditos dois lugares, até o sítio chamado a Foz, limite dos lugares de Rebordinho, desta freguesia, e Carregal, freguesia de Destriz e aqui se chama o Rio da Foz, de cujo sítio continua precipitado até o Poço, chamado das Mestras, onde se lhe ajunta outro Rio, que nasce na Serra do Ladário, e a maior parte na freguesia de Reigoso e Pinheiro; e daqui vai ao sítio chamado a Escripta; declaro que o dito Rio que principia na Serra do Ladário, enquanto corre dentro da freguesia de Reigoso, se chama Rio de Reigoso, e descendo despenhado para junto do lugar de Carregal, da freguesia de Destriz, até entrar no dito Alfusqueiro, se chama o Rio do Carregal; e este Rio nasce do Norte, correndo para o Sul até chegar ao dito Alfusqueiro que continuando seu arrebatado curso do dito poço das Mestras vai correndo até o Poço do Charquão, no sítio chamado o Escripta onde recebe em si o acima dito Rio Lousa.
RIO LOUSA
Nasce este Rio Lousa nas faldas da Serra do Guardão, em o lugar chamado Portela da Messe, águas vertentes para a freguesia de Alcofra, e como este rio toma o nome das terras por onde passa na dita freguesia, se chama o Rio de Alcofra, e nasce de várias fontes sitas na dita Portela da Messe, e águas que se vão juntando da dita freguesia de Alcofra, e vem correndo pelo lugar dos Casais, e daí vem ao lugar da Rua, e povo último da freguesia de Alcofra. Daqui vem ao lugar do Crasto, primeiro da freguesia de Campia, por onde principia uma corrente muito despenhada, pelo fundo das terras do dito lugar, e vai continuando com o mesmo ímpeto pelos montes de Rebordinho, e Póvoa da Lousa, e aqui toma o nome de Rio da Lousa, donde vai continuando sua corrente cada vez mais despenhada, por entre os montes dos ditos dois lugares até o lugar de Alvitelhe, e daqui vai ao sítio do Malhadouro, e logo abaixo deste sítio do Malhadouro, se lhe ajunta outro Rio, chamado Rio do Espírito Santo de Arca, e continuando no seu arrebatado e despenhado curso chega ao lugar de Selores, onde toma o nome de Rio de Selores, que conserva por pouco tempo, e continuando sua carreira já quieta, chega ao dito poço de Charquão, onde o Alfusqueiro por ser Rio incomparavelmente maior o recebe em si, aproveitando-o para com maior grandeza conservar seu nome , e continuar sua corrente até à Ponte de Almear, onde acaba no Rio Vouga. No dito Poço do Charquão, acaba a freguesia de Campia e também acabam de cortar os ditos dois Rios esta freguesia de Sam Miguel de Campia, com essa advertência que, nascendo estes dois Rios ao nascente cortam esta freguesia, o Alfusqueiro pela parte do Norte, e o Selores pela parte do Sul até acabar consigo no dito poço do Charquão, onde principia a freguesia de Destriz, pela qual vai com curso quieto entre os lugares de Destriz da Ribança e Destriz da Igreja, e logo em pouca distância torna a tomar o seu costumado e despenhado corrente até o poço do Redemoinho, junto ao lugar de Cortez, freguesia das Talhadas, em o qual lugar principia o Bispado de Coimbra, e o termo da vila de Préstimo e comarca de Esgueira. E do dito poço do Redemoinho continua sua mais despenhada corrente pelo limite do Vale de Égua e daí vai por junto ao lugar de Lourosela e desta vila do Préstimo e continuando sua corrente por junto à quinta de Serrascosa, chega à façanhosa ponte do Alfusqueiro; e daqui já correndo por entre os lugares de Cambra e Casal, onde acaba a freguesia de Préstimo. E daqui já correndo pelos montes da freguesia e concelho da Castanheira, termo do Infantado da terra da Feira; e daqui passa pelos limites de Bolfiar e Soural, onde entra no dito Alfusqueiro um Rio, chamado de S. João do Monte, por nascer na freguesia de S. João do Monte, e de sua anexa de Varzielas, junto à serra do Caramulo, da parte do Norte, e águas vertentes para as duas freguesias, e em o lugar da Redonda, freguesia da Castanheira, se mete outro Rio, que principia no lugar de Almofala da dita freguesia de S. João do Monte, e ambos juntos se metem no Alfusqueiro, às Poças, do dito lugar de Bolfiar; e daqui vai correndo até o grande lugar de Águeda, e daqui vai correndo até o lugar de Oronhe, já com curso largo e tão quieto, que já permite embarcações, e continuando pelo lugar e freguesia de Espinhel , vai continuando sua deliciosa corrente pelos lugares de Cabanões, Ois da Ribeira e continua até Requeixo, onde entra no dito Alfusqueiro outro Rio que vem de Barrô, da mesma freguesia de Requeixo, e daqui à chamada Ponte de Almear, onde se entrega ao Rio Vouga, que já muito grande vai correndo até o lugar e freguesia de S. João de Loure e daqui ao Porto de Angeja, e daí continua por entre o lugar da Murtosa, e Mataduços , e daí passa por perto da Ermida de Nossa Senhora das Areias, por baixo da vila de Aveiro e Esgueira, e muito quieto entra em o mar, onde perdeu a sua grandeza.
2. Não nasce logo caudaloso, mas com fontes que se ajuntam e Rios que nele se metem, se faz tão crescido que não seca em tempo algum, de sorte que todo o ano corre, ainda que de verão leva muito menos água, do que a que leva de Inverno, o mesmo Alfusqueiro de que se trata.
3. Os Rios que no dito Alfusqueiro entram são os seguintes, que são o Rio chamado de Carvalhal de Vermilhas, por nascer na freguesia do mesmo Carvalhal de Vermilhas da parte do Sul e é anexa à freguesia de Cambra e nesta freguesia se mete o dito Rio no Alfusqueiro, junto à Torre de Cambra debaixo da mesma freguesia de Cambra. No poço das Mestras, chamado por este nome, se mete outro Rio que vem da parte do Norte nascido na Serra do Ladário, e nas freguesias de Reigoso e Pinheiro. No Poço chamado de Charquão, se mete no dito Alfusqueiro outro Rio chamado da Lousa pela parte do Sul. E a este Rio chamado Lousa, se lhe ajunta outro Rio no sítio do Malhadouro, o qual Rio se chamado Espírito Santo de Arca, por nascer na freguesia do Espírito Santo de Arca, pela parte do Sul. E no lugar do Soural pela parte do Norte entra no dito Alfusqueiro outro Rio chamado de S. João do Monte, por nascer na mesma freguesia de S. João do Monte e de sua anexa de Varzielas, junto à Serra do Caramulo, águas vertentes para as ditas duas freguesias; e no lugar da Redonda, da freguesia de Castanheira, se mete neste dito Rio outro que principia no lugar de Almofala, da dita freguesia de S. João do Monte, e aí esse Rio, como o chamado de S. João do Monte, se metem ambos juntos no Alfusqueiro às poias do dito lugar de Bolfiar. Na ponte de Requeixo da mesma freguesia entra outro Rio, que vem do lugar de Barro, da dita freguesia de Requeixo, comarca de Esgueira.
4. Não admite navegações o dito Alfusqueiro até pouco acima da ponte de Águeda, por correr muito despenhado; porém à ponte do lugar de Águeda, vêm muitos barcos de Aveiro, e vão carregados de louça e víveres para vender.
5. Este Rio Alfusqueiro desde o limite, donde principia até o lugar de Bolfiar pouco mais ou menos, não tem remanço algum capaz de embarcações.
6. Corre este Alfusqueiro do Nascente ao poente, e os maiores que entram nele, cortam para ele do Sul para o Norte.
7. Alguns peixes cria, aí o Alfusqueiro, como o Rio Lousa que são, barbos, vogas, e algumas trutas, e de todos é mediana quantidade; porque como é Rio que a maior parte dele por ásperos penhascos, e montanhas corre, e tem a água sumamente fria, não produz muitos peixes; e por esta causa se fazem poucas pescarias, e, se se fazem algumas, é na maior força do Verão.
8. Somente em o Verão se fazem algumas pescarias, como está dito no interrogatório antecedente.
9. Não há notícia que se impeça o pescar em todo este Rio, e somente o mesmo rio na maior parte da sua corrente não dá lugar por causa do seu despenhado curso.
10. Os Rios Alfusqueiro e Lousa e todos os mais que a eles se ajuntam até o dito Poço do Charquão, onde acaba esta freguesia de Sam Miguel de Campia, têm nas suas margens muitas terras que se cultivam, e utilizam das águas dos ditos Rios, e quanto mais perto dos seus nascentes, tanto mais terras e melhores se agricultam, e não menos boas se poderiam agricultar, se os naturais quisessem com grande utilidade destas duas freguesias de Campia e Cambra, nas margens do mesmo Alfusqueiro, no sítio onde chamam Porto de Ovelhas, que, segundo meu parecer, é da freguesia de Cambra, e no limite de por cima do Porto da Várzea, que suponho ser desta freguesia de Campia, onde estão terras de paul, cheias unicamente de carvalhos, e se se cultivassem e utilizassem das águas do Alfusqueiro, seriam estas freguesias muito mais avantajadas em os frutos e pastos para os gados, e talvez nem padeceriam os povos vizinhos tanta necessidade; mas consta-me que não querem cultivá-las mas sim seguir a economia dos seus antepassados, que nenhuma razão teriam em as deixar incultas com afundamento das suas margens. Tem grande quantidade de árvores silvestres e entre estas produz o tal Alfusqueiro nas suas margens uma Planta chamada loendreiro, que é tão venenosa, que se algum bruto a come em grande quantidade, passa muito mal, no caso que não morrer e se escapa não a torna a comer ainda que ao depois chegue ao pé da dita planta, e também se criam algumas árvores de frutos nas ditas margens, que se cultivam; mas contudo sempre de fruto ou fruta muito bem rústica.
11. Até à ocasião presente, não tem descoberto a indústria humana virtude alguma nas suas águas, que são inaturáveis de frias.
12. O Rio Alfusqueiro, como dito fica, sempre conserva o seu nome de Alfusqueiro, e só o perde, metendo-se no Rio Vouga no sítio chamado de Porto de Almear, porém o Rio Lousa tem tantos nomes, quantos os lugares e póvoas por onde passa, como fica expresso no curso do dito Alfusqueiro, onde acaba o dito Rio Lousa, no Poço do Charquão, último termo desta freguesia de Campia, e não me consta que os ditos Rios e os mais que se metem neles, tivessem em tempo algum outros nomes.
13. Este Rio Alfusqueiro morre em o grande e bem nomeado RIO VOUGA e no sítio da descrita Ponte de Almear no termo da vila de Esgueira.
14. O ser este Rio Alfusqueiro demasiadamente despenhado e fragoso em a sua corrente é inavegável e somente principia a admitir navegação em o lugar de Bolfiar pouco mais ou menos.
15. As pontes que têm o Rio Alfusqueiro e Lousa conforme as informações que também tive são as seguintes: a primeira é uma Ponte de Pau, que tem o dito Rio Alfusqueiro, junto à Igreja de Cambra. Tem outra Ponte de Pau em o lugar de Pés de Pontes, que também é da mesma Igreja, a já acima dita freguesia de Cambra.
Tem outra Ponte de Pedra de Cantaria em o sítio do Porto da Várzea, que é limite do lugar de Cercosa e de Campia e dentro desta mesma freguesia de Campia e não tem mais pontes este Rio Alfusqueiro, desde este Ducado de Lafões , até o Concelho da vila de Préstimo, ainda que lhe era muito bem necessária outra em toda esta dita distância, principalmente em o lugar e freguesia de Destriz.
As pontes que tem o Rio Lousa são as seguintes: Tem este Rio Lousa uma Ponte de Pau em o sítio do lugar dos Casais. Tem outra Ponte de Pau em o lugar de Rua, e estes lugares ambos são dentro da freguesia de Alcofra. Tem outra Ponte de Pau no fundo do lugar do Crasto e neste principia esta freguesia de Campia. Tem outra Ponte de pedra de Cantaria no fundo da Póvoa da Lousa. Tem outra Ponte de pedra no sítio do Malhadouro, limite do lugar de Alvitelhe, e esta Ponte também é de cantaria, e todas estas três pontes de pedra, que são a do sítio da Lousa, a do Malhadouro, a de Porto da Várzea, que tudo são limites de dentro desta dita freguesia de Campia, mandou fazer à sua custa e por sua devoção um natural desta freguesia que foi para a Bahia de todos os Santos, onde morou e morreu; e tanto as mandou fazer por sua devoção e por serviço de Deus, que em a carta que escreveu sobre o mandar dinheiro dizia que mandava quatro mil cruzados para se mandarem fazer três pontes em os sobreditos sítios, para que os fregueses e párocos desta freguesia administrassem e recebessem , e livremente não faltassem aos sacramentos e divinos ofícios por causa das enchentes dos sobreditos Rios, as quais se fizeram haverá vinte anos, pouco mais ou menos.
Tem outra Ponte de Pau no fundo do lugar de Selores, que é onde acaba esta freguesia de Campia, junto ao Poço do Charquão. Tem outra Ponte de Pedra de Cantaria em o termo da vila e freguesia de Préstimo, comarca da Esgueira em o sítio chamado a Ponte do Alfusqueiro, está esta Ponte edificada entre o lugar de À dos Ferreiros e Quinta da Serrascosa, em o sítio mais horrendo que ainda pelo meio dia mete terror, e é a Ponte mais bem fabricada na sua fortaleza e altura de quantas se têm visto neste Reino. Tem outra Ponte de pedra em o famoso lugar de Águeda. Tem outra Ponte de pedra em o lugar e freguesia de Requeixo.
16. Assim o Alfusqueiro com os mais Rios que nele entram até distância de uma légua por cima do lugar de Águeda, pouco mais ou menos, tem muitos moinhos em grande quantidade, e também alguns pisões de buréis, porém não tem noras, nem lagares de azeite.
17. Somente ouvi dizer a uma pessoa, que ouvira dizer que antigamente, se achava algum ouro no Rio Alfusqueiro, porém não me lembra o sítio nem a quantidade que se achou, ou a parte em que se achou.
18. Não têm impedimento algum todos os povos que têm fazendas nas margens do Rio Alfusqueiro e nos mais que nele se ajuntam no distrito desta freguesia de Campia, nem do uso de suas águas pagam pensão alguma; e no caso que paguem pensões é dos frutos das terras, que a maior parte delas são foreiras à Universidade de Coimbra e Religiosos de Santa Cruz da mesma cidade, e muitos mais mosteiros e pessoas particulares.
19. Tem o Rio Lousa duas léguas e meia pouco mais ou menos de distância desde o seu nascimento até ao dito poço do Charquão, onde acaba e se mete no Alfusqueiro; e este Alfusqueiro tem desde o seu nascimento até à referida e chamada Ponte de Almear, onde acaba, metendo-se no grande Rio Vouga, dez léguas pouco mais ou menos. As povoações por onde passam estes dois Rios, Alfusqueiro e Lousa, desde o seu nascimento até o sítio onde acabam, vão declarados no primeiro Interrogatório deste presente Tratado.
Declaro que no Interrogatório quinto faltou por equivocação declarar os vizinhos que têm os povos e aldeias desta freguesia de Sam Miguel de Campia, cada um de per si; que o lugar da Igreja tem com o Pároco sete vizinhos. O lugar de Campia tem vinte e seis. O lugar de Cambarinho tem vinte e cinco. O lugar de Fiais tem treze. O lugar da Seixa tem quatro. O lugar de Cercosa tem sessenta e um. O lugar de Rebordinho tem vinte e cinco. O lugar de Rebordinho de Além tem outros vinte e cinco. O lugar de Selores tem onze. O lugar de Alvitelhe tem vinte e um. O lugar do Crasto tem treze. A Póvoa de Fiais tem três. A Póvoa de Valverde tem dois. A Póvoa das Vales tem cinco. A Póvoa da Decide tem cinco. A Póvoa da Lousa tem treze.
20. Não há coisa notável que se descubra e possa descobrir até o dia presente de vinte e nove de Maio do corrente ano de mil setecentos cinquenta e oito acerca da situação desta freguesia de Sam Miguel de Campia, e das circunstâncias dos dois Rios, que a cortam, cujas circunstâncias tenho declarado conforme as informações que alcancei e alguma experiência que tenho tido há trinta e dois meses que resido nesta mesma Paróquia de Sam Miguel de Campia, termo e Arciprestado de Lafões, Bispado e Comarca de Viseu, o que tudo ratifico na Verdade. Residência de Campia, vinte e nove de Maio de mil setecentos cinquenta e oito anos.
O vigário, a) José Correa de Lacerda de Vasconcellos, e Almeida.
INQUÉRITO
I - O que se procura saber desta terra é o seguinte:
Venha tudo escrito em letra legível e sem breves
1. Em que província fica, a que bispado, comarca, termo e freguesia pertence?
2. Se é d’el-Rei, ou de donatário, e quem o é ao presente?
3. Quantos vizinhos tem, e o número de pessoas?
4. Se está situada em campina, vale, ou monte e que povoações se descobrem dela, e quanto distam?
5. Se tem termo seu, que lugares, ou aldeias compreende, como se chamam, e quantos vizinhos tem?
6. Se a Paróquia está fora do lugar, ou entro dele, e quantos lugares, ou aldeias tem a freguesia, e todos pelos seus nomes?
7. Qual é o seu orago, quantos altares tem, e de que santos, quantas naves tem; se tem Irmandades, quantas e de que santos?
8. Se o Pároco é cura, vigário, ou reitor, ou prior, ou abade, e de que apresentação é, e que renda tem?
9. Se tem beneficiados, quantos, e que renda tem, e quem os apresenta?
10.Se tem conventos, e de que religiosos, ou religiosas, e quem são os seus padroeiros?
11.Se tem hospital, quem o administra e que renda tem?
12. Se tem casa de Misericórdia, e qual foi a sua origem, e que renda tem; e o que houver de notável em qualquer destas coisas?
13. Se tem algumas ermidas, e de que santos, e se estão dentro ou fora do lugar, e a quem pertencem?
14. Se acode a elas romagem, sempre, ou em alguns dias do ano, e quais são estes?
15. Quais são os frutos da terra que os moradores recolhem com maior abundância?
16. Se tem juiz ordinário, etc., câmara, ou se está sujeita ao governo das justiças de outra terra, e qual é esta?
17. Se é couto, cabeça de concelho, honra ou behetria?
18. Se há memória de que florescessem, ou dela saíssem, alguns homens insignes por virtudes, letras ou armas?
19. Se tem feira, e em que dias, e quanto dura, se é franca ou cativa?
20. Se tem correio, e em que dias da semana chega, e parte; e, se o não tem, de que correio se serve, e quanto dista a terra aonde ele chega?
21. Quanto dista da cidade capital do bispado, e quanto de Lisboa, capital do Reino?
22. Se tem algum privilégio, antiguidades, ou outras coisas dignas de memória?
23. Se há na terra, ou perto dela alguma fonte, ou lagoa célebre, e se as suas águas tem alguma especial virtude?
24. Se for porto de mar, descreva-se o sitio que tem por arte ou por natureza, as embarcações que o frequentam e que pode admitir?
25. Se a terra for murada, diga-se a qualidade dos seus muros; se for praça de armas, descreva-se a sua fortificação. Se há nela, ou no seu distrito algum castelo, ou torre antiga, e em que estado se acha ao presente?
26. Se padeceu alguma ruína no terramoto de 1755, e em quê, e se está reparada?
27. E tudo o mais que houver digno de memória, de que não faça menção o presente interrogatório.
II - O que se procura saber dessa serra é o seguinte:
1. Como se chama?
2. Quantas léguas tem de comprimento e quantas tem de largura, aonde principia e acaba?
3. Os nomes dos principais braços dela?
4. Que rios nascem dentro do seu sítio, e algumas propriedades mais notáveis deles; as partes para onde correm e onde fenecem?
5. Que vilas e lugares estão assim na Serra, como ao longo dela?
6. Se há no seu distrito algumas fontes de propriedades raras?
7. Se há na Serra minas de metais, ou canteiras de pedras, ou de outros materiais de estimação?
8. De que plantas ou ervas medicinais é a serra povoada, e se se cultiva em algumas partes, e de que géneros de frutos é mais abundante?
9. Se há na Serra alguns mosteiros, igrejas de romagem, ou imagens milagrosas?
10. A qualidade do seu temperamento?
11. Se há nela criações de gados, ou de outros animais ou caça?
12. Se tem alguma lagoa ou fojos notáveis?
13. E tudo o mais que houver digno de memória?
III- O que se procura saber do RIO dessa terra é o seguinte:
1. Como se chama assim, o rio, como o sitio onde nasce?
2. Se nasce logo caudaloso, e se corre todo o ano?
3. Que outros rios entram nele, e em que sitio?
4. Se é navegável, e de que embarcações é capaz?
5. Se é de curso arrebatado, ou quieto, em toda a sua distância, ou em alguma parte dela?
6. Se corre de norte a sul, se de sul a norte, se de poente a nascente, se de nascente a poente?
7. Se cria peixes, e de que espécie são os que traz em maior abundância?
8. Se há nela pescarias, e em que tempo do ano?
9. Se as pescarias são livres ou algum senhor particular, em todo o rio, ou em alguma parte dele?
10. Se se cultivam as suas margens, e se tem muito arvoredo de fruto, ou silvestre?
11. Se têm alguma virtude particular as suas águas?
12. Se conserva sempre o mesmo nome, ou começa a ter diferente em algumas partes, e como se chamam estas, ou se há memória que em outro tempo tivesse outro nome?
13. Se morre no mar, ou em outro rio, e como se chama este, e o sitio em que entra nele?
14. Se tem alguma cachoeira, represa, levada, ou açudes que lhe embaracem o ser navegável?
15. Se tem pontes de cantaria, ou de pau, quantas e em que sitio?
16. Se tem moinhos, lagares de azeite, pisões, noras ou algum outro engenho?
17. Se em algum tempo, ou no presente, se tirou ouro das suas areias?
18. Se os povos usam livremente as suas águas para a cultura dos campos, ou com alguma pensão?
19. Quantas léguas tem o rio, e as povoações por onde passa, desde o seu nascimento até onde acaba?
20. E qualquer coisa notável, que não vá neste interrogatório.