16-2-2013
A Família Quintal, de Santarém, na Inquisição
No início do séc. XVII, a Inquisição prosseguia a sua tarefa de amarfanhar os cristãos novos, através do ciclo infernal das denúncias declaradas sem nome nem data, de que o acusado apenas se podia livrar com confissões a dobrar, na esperança de acertar em quem o tinha denunciado.
Continuo a referir-me apenas àquela actividade da Inquisição que consistia em perseguir os cristãos novos, deixando de lado as prisões dos cristãos velhos hereges, os acusados por sodomia e outros actos sexuais considerados desviantes, bruxaria e superstição, os padres solicitantes, os bígamos, os idólatras. Todos estes representavam menos de 20 % da actividade da Inquisição e nunca justificariam a sua existência. A Inquisição existiu por causa dos cristãos novos e tinha necessidade de os perseguir para justificar a sua existência. Também excluo das minhas considerações a actividade da Inquisição no séc. XVI, em que os cristãos novos estavam naturalmente menos integrados no meio católico.
De facto, entendo que a Inquisição deve ser estudada de modo diferente na sua acção contra os cristãos novos e contra os restantes réus, pois o condicionalismo é completamente diferente. Tratando da Inquisição globalmente, obtêm-se resultados falsos, até porque haverá tendência para sublinhar os sectores que melhor se conhecem.
Voltando aos cristãos novos, a Inquisição sentia a necessidade de obter elementos concretos nas confissões, ou seja, o que os Inquisidores chamavam “declarações de judaísmo em forma” e não apenas meras referências que não podiam servir de prova. Pelo menos teoricamente, não serviam como prova afirmações do género, “comporta-se como judeu”, “afirma-se judeu” ou “pensa como judeu” ou mesmo “ele crê na lei de Moisés”; era preciso dizer “ele disse-me em tal ocasião e lugar que cria na lei de Moisés”. É que, ao relaxar os réus à justiça secular, teoricamente deveriam os processos conter as palavras e acções que provavam a heresia e não apenas a suspeita da heresia. Daqui, a lógica das sessões da “Crença” (Regimento de 1640, Liv. II. tit. VII, n.º XI). Os réus eram entregues à justiça secular e, a Inquisição deveria provar a heresia com factos e acções, para que os réus fossem condenados pela Relação nos termos das Ordenações. O Tribunal público castigava os hereges pelas suas palavras e obras, que deviam provar a sua crença herética.
Aqui, entra o problema das definições. Diz-se muitas vezes que os cristãos novos eram judaizantes. Porque faziam o quê? Que quer dizer esse adjectivo? Que tinham consciência de ser descendentes de judeus? E judaísmo? Em que consistia o judaísmo dos cristãos novos?
A Inquisição estandardizou umas actividades que vêm ditas nas sentenças, muitas vezes sem qualquer prova no interior do processo: “guardava os sábados de trabalho, vestindo neles camisas lavadas, e às sextas feiras, consertava os candeeiros e varria as casas ao modo judaico, e jejuava em certos dias, sem comer, nem beber até à noite, em que ceava coisas que não eram de carne. E estando sã e bem disposta, comia carne nos dias proibidos pela santa Madre Igreja, e dessangrando a que vinha do açougue, a lançava em água e sal, e cozia com cebola e azeite frito, e se abstinha da de porco, lebre, coelho e peixe de pele, comunicando estas coisas com pessoas de sua nação e apartadas da fé e com elas se declarava por judia”. Assentou-se, pois, que estas ou algumas destas actividades, ou outras semelhantes significavam crença na lei de Moisés, de tal modo que eram as que deveriam constar das denúncias e confissões, se é que os réus queriam escapar à morte.
Foi praticamente este regime que permitiu à Inquisição subsistir desde o início do séc. XVII até que em 1773 o Marquês de Pombal acabou com a distinção entre cristãos velhos e cristãos novos.
Tem-se perguntado muitas vezes qual era o móbil da Inquisição, por que é que perseguia os cristãos novos. A resposta é: não havia móbil. A Inquisição perseguia os cristãos novos para subsistir, para ter uma missão a cumprir, para ter que fazer. Se não existissem cristãos novos, a Inquisição não existiria. Por isso, tinha de inventar razões para os perseguir, mesmo que não existissem.
Do que tenho visto em processos destes dois séculos (XVII e XVIII), são falsas todas as denúncias e todas as confissões. Eram um modo de escapar ao cadafalso, nada tinham de verdade. Não significa isto que fossem católicos fervorosos, ou que não tivessem preferência pela Lei de Moisés (que não conheciam) de preferência aos dogmas católicos. Mas as provas que foram usadas para os condenar e as confissões que fizeram para salvarem a vida eram todas falsas.
Admito, porém, uma excepção: os jejuns judaicos no cárcere. Isto é, reconheço que a pessoa que fazia jejuns judaicos na prisão mostrava com isso estar ainda presa à fé dos seus antepassados. E, de facto, a Inquisição dava a maior importância aos jejuns judaicos, pondo em marcha um processo muito pesado de os provar com dois familiares a vigiar em permanência o preso nas casas de vigia, como descrevo abaixo. Em geral, os vigias acrescentavam que os presos não faziam nenhum acto de cristãos, como seria benzerem-se ao levantar ou rezar às Ave-Marias ou colocar as mãos postas para rezar.
O Regimento de 1640 é muito cuidadoso em relação aos jejuns no cárcere, tanto assim que manda disfarçar o tempo em que foram feitos na acusação: “Havendo alguma testemunha deposto contra o réu, de culpa cometida no cárcere do Santo Oficio, se lhe fará publicação delia, tomando o tempo cinco ou seis meses atrás de sua prisão, dizendo-se que de tanto tempo a esta parte; e ter-se-á mui particular advertência, que na publicação se não declare circunstância alguma, por que o réu possa vir em conhecimento do lugar em que a culpa de que a testemunha depõe foi cometida”. (Liv. II, Tit. IX, n.º III).
Os processos a seguir resumidos são um exemplo da severidade com que eram encarados pela Inquisição os jejuns nos cárceres. Deste grupo, foram relaxados todos os réus que fizeram jejuns nos cárceres.
Esta família não tinha a má tradição de ser acossada pela Inquisição. Destacam-se nela os dois médicos, tio e sobrinho, com 20 anos de diferença de idades (nascidos aproximadamente, Diogo Rodrigues em 1578 e Henrique do Quintal em 1598). Na Visitação em Santarém feita por Fr. António de Sousa (autor dos Aphorismi Inquisitorum e pregador do sermão do Auto da Fé de 5 de Maio de 1624 em que foi morto o Doutor António Homem, de Coimbra-Pr. n.º 16255) foram acusados por muita gente, mas a Inquisição não lhes tocou. Apesar de apontados a dedo como cristãos novos, deveriam levar uma vida bastante discreta, assim como os familiares que lhes eram chegados. Porém, catorze anos mais tarde, acabou-se-lhes o sossego. O tio e as três sobrinhas fizeram jejuns nos cárcere e, apesar da dificuldade que teve a Inquisição para encontrar testemunhas que os acusassem, morreram no patíbulo.
GENEALOGIA
Fernão Álvares, médico, casou com Mécia Fernandes e tiveram:
A -Diogo Rodrigues de Oliveira (Pr. n.º11148), médico, de 60 anos à data da sua prisão, que casou com Leonor Pessoa, sem filhos – foi relaxado
B -Henrique Nunes, médico, que faleceu solteiro
C -Pedro Nunes, advogado, faleceu solteiro
D -Lopo Nunes, que faleceu solteiro
E -Leonor Rodrigues, que faleceu solteira da idade de 50 anos
F -Isabel Nunes, casada com Fernão Solis da Fonseca, que tiveram filhos, mas foram para a Índia e não se soube mais deles –há uma filha de nome Ana da Cruz
G -Pedralves de Moura, que faleceu solteiro e não deixou filhos
H -Lucrécia Rodrigues casada com o Dr. Lourenço Brandão de Lemos, advogado e tiveram 5 filhos:
- Fernão Alvares Brandão, advogado, solteiro, de 30 anos
- Maria Brandoa que vive em companhia de seu pai, viúva, do Licenciado João Rodrigues de Miranda, de quem tem um menino de 9 anos
- Henrique Brandão, solteiro, que vive com os pais
- Manuel Brandão, clérigo de missa, menor da Religião de Madrid
- Mécia de Lemos, solteira
- Diogo Brandão, que mataram, sendo solteiro
I -Branca Nunes que casou com Lopo do Quintal, médico, filho de Rafael do Quintal, advogado e de Ana Lopes, e tiveram:
- Fernando Álvares do Quintal, defunto, deixando viúva Genebra Nunes de Aguiar (Pr. n.º 5016) de 60 anos e os filhos seguintes:
- Mécia do Quintal (Pr. n.º 8698), solteira, de 21 anos
- Branca Nunes ou de Aguiar ( não aparece o processo), - auto da fé de 10-7-1644, n.º 16
- Lopo do Quintal, de 13 anos
- Mécia do Quintal (Pr. n.º 9898), de 50 anos, solteira – foi relaxada
- Juliana Vieira (Pr. n.º 8195), de 42 anos, casada em Alcobaça com Francisco Ribeiro de Aguiar (Pr. n.º 11367), sem filhos, vieram viver para Santarém – ela foi relaxada
- Beatriz ou Brites do Quintal (Pr. n.º 5889), de 30 anos, solteira, vive com a Juliana em Santarém - foi relaxada
- Henrique do Quintal (Pr. n.º 8845), de 42 anos, casado com Maria de Moura (Pr. n.º 6590), têm dois filhos, Henrique, de 4 anos e Lopo, de 22 meses –
- Rafael do Quintal, advogado, foi casado com Inês Soares, ambos falecidos e tiveram:
- Maria dos Serafins, religiosa professa em Almoster
- Lopo do Quintal, que estuda em Salamanca,
- Joana, de 10 anos.
- João, de 8 anos
- Brites que faleceu da idade de 12 anos
- António do Quintal, que faleceu solteiro, de 6 ou 7 anos
- Isabel do Quintal, que faleceu solteira, de 20 anos
- Ana do Quintal, que faleceu de pouca idade.
- Lucrécia Rodrigues que faleceu solteira
Resumo dos processos
Diogo Rodrigues ou Diogo Rodrigues de Oliveira (Pr. n.º 11148) foi preso em 1 de maio de 1638. No seu processo, a história começa muito mais cedo, no final de 1624, quando chegou a Santarém Fr. António de Sousa, religioso de S. Domingos para efectuar uma visitação por ordem do Inquisidor Geral D. Fernando Martins Mascarenhas a qual durou até quase ao final de 1625. Diogo Rodrigues era médico, assim como seu sobrinho Henrique do Quintal, filho de sua irmã, Brites Nunes. Ambos não escondiam a sua condição de cristãos novos, tanto assim que deles fizeram numerosas acusações, que lemos no Livro da Visitação de Santarém (PT/TT/TSO-IL/038/0809). Estranhamente, não foram presos logo no final da Visitação. Porquê? Talvez que a sua condição de médicos lhes desse alguma protecção, ou também porque as acusações não tinham uma importância de maior. Foi dito que tinha mandado assar um borrego em quinta-feira de Endoenças, dia de severa abstinência, assim como o dia seguinte; ou que chamara de “mártires” aos relaxados pela Inquisição. Porém, como veremos, não lhe faltavam inimigos em Santarém. Várias denúncias referiram-se a umas trovas que correram na cidade nos últimos meses de 1624, acusando-o- de ter matado (!) o Padre Guardião do Convento de S. Francisco, que era seu paciente. A poesia, transcrita em Anexo, figura no Livro da Visitação (fls. 526 e 527).
Quando foi preso, tinha já 60 anos. No processo, estão em primeiro lugar as transcrições das denúncias do Livro da Visitação de Santarém:
Denunciação de dr. António Feio Guerreiro em 15-12-1624 – fls. 3 v—img. 10
Idem de Manuel Fernandes em 19-12-1624 – fls. 24 –img. 52
Idem de Helena Lima, mulher de Domingos Fernandes em 28-12-1624 fls 81 v. – img. 168
Idem de Gregório Veloso em 5-1-1625 – fls. 137---- img. 279
Idem de Manuel Zuzarte de S.ta Maria em 17-1-1625 – fls. 212--- img. 429
Idem de António Fernandes Guerra em 19-1-1625 – fls. 224 --- img. 453
Idem de António Fernandes, que foi médico em 21-1-1625 – fls. 230---img. 463
Idem de Francisco Fernandes, alfaiate, em 27-1-1625 – fls. 240-----img.486
Idem de Maria Rodrigues, em 1-2-1625 – fls. 255----img. 515
Idem de Isabel Pereira, em 3-2-1625 – fls. 267--- img. 539
Seguem-se depois denúncias isoladas de:
Fr. João Correia em 26-9-1629, nos Estaus – tem 28 anos-Religioso de S. Domingos
Fr. João Carvalho, em 11-10-1629 – religioso de S. Domingos – de 37 anos
Jorge de Melo em 19-2-1638
Miguel de Quadros, morador em Enxobregas em 13-4-1638
Grácia de S. Domingos – Depoimento no seu processo n.º 3621 em 27-3-1638 – img. 86 e ss.
Fr. Fernando da Câmara, do Convento de N. Senhora de Jesus em 26-4-1638
P.e Cristóvão Pereira e Fr. António de Morais em 27-4-1638
Transcrição de um escrito de António de Gouveia Pimentel, escrivão, de 2-5-1630, que está no processo n.º 11087, de Francisco dos Santos, sacerdote, que foi preso e faleceu no cárcere 5-10-1633, sendo absolvido no auto da fé de 3 de Agosto de 1636
Segue-se o decreto de prisão da Mesa de 27 de Abril de 1638.
Prossegue a transcrição das culpas:
Denúncia manuscrita anónima de Maio de 1638
Depoimento de Isabel Baptista, filha de Gaspar Vaz no seu processo n.º 8469, em 9-8-1638 – img. 87
Depoimento de Esperança Rodrigues no seu Pr. n.º 5942 em 18-10-1638 – img. 117
A seguir, uma denúncia da maior importância: o réu estava a fazer jejuns judaicos no cárcere. Como habitualmente, foi o Alcaide dos cárceres, Agostinho de Goes quem denunciou em 25-2-1639 que o réu fizera um jejum judaico. Seguiu-se a rotina. O réu foi posto sozinho na casa de vigia; dois familiares da Inquisição vigiaram-no em permanência de dia e de noite e relataram separadamente ao pormenor os jejuns. Finda a série de jejuns, foram confirmar a identificação do réu, ficando escondidos atrás de uma cortina na sala para onde ele foi levado. Foram assim controlados sete jejuns judaicos efectuados pelo réu. Os Inquisidores consideravam este acto de carácter religioso como provando as convicções da fé judaica dos réus, que, depois disso, dificilmente escapariam ao cadafalso.
Ao mesmo tempo, os familiares dizem que o réu não fez no cárcere nenhumas acções de cristão, como, por exemplo, o sinal da cruz, ou as mãos postas; que rezou os salmos de David, mas sem Gloria Patri no final.
Diogo Rodrigues não confessou e assim foi condenado a ser relaxado à justiça secular e ir ao auto da fé de 11-3-1640. Já no cadafalso, pediu Mesa para fazer as suas confissões e por isso foi mandado recolher, ficando reservado. Porém, nas confissões que fez, não referiu os jejuns, pelo que foi sucessivamente condenado a ser relaxado na Mesa e no Conselho Geral. Mais tarde em confissões de 4 e 5 de Abril de 1642, confessou os jejuns, de tal modo que dois inquisidores e dois deputados já lhe queriam poupar a vida, em decisão da Mesa. Mas o Conselho Geral de 5 de Abril manteve a decisão de o relaxar. Fez mais confissões no auto da fé em 6 de Abril de 1642, mas a Mesa e o Conselho Geral mantiveram a condenação, apodando-o de “dogmatista”. Foi relaxado no auto da fé desse dia 6 de Abril de 1642.
Mécia do Quintal (Pr. n.º 9898), solteira, foi presa a 21 de Abril de 1639, quando já tinha mais de 50 anos. O elenco das culpas da ré começa com duas denúncias feitas aquando da Visitação pelo irmão dela, o médico Henrique do Quintal, então de 26 anos, em 27 de Janeiro de 1625 (fls. 239) e 10 de Fevereiro seguinte (fls. 281). São muito estranhas estas denúncias porque se referem a coisas sem importância: o apreço dos gentios por ídolos de ouro e prata, enquanto os cristãos apenas punham toalhas brancas nos altares, e o costume dos cristãos novos de cozer a carne com azeite. Possivelmente, o médico quis de certo modo compensar as muitas denúncias que tinham feito contra ele, com a sua iniciativa de denunciar pessoas da sua família. Segue-se o depoimento de Esperança Rodrigues (Pr. n.º 5942) em 8-4-1639. Depois o decreto de prisão pela Mesa, datado de 15-4-1639. A seguir, uma denúncia de seu tio, Diogo Rodrigues (Pr. n.º 11148), feita em 9 de Março de 1640, quando já estava condenado a ser relaxado. Outro depoimento de Brites Gomes Pais (Pr. n.º 4250), de 11-6-1640 e mais outro de Catarina Pacheca (Pr. n.º 2418), em 2-3-1641; estas duas são nitidamente denúncias motivadas pelo conhecimento de que a ré estava presa.
Em 6-9-1641, foi mandada vigiar pela forma habitual. Fez sete jejuns judaicos, que foram documentados no processo segundo o estilo da Inquisição. Em 25-2-1642, mais um testemunho contra ela, de Henrique de Moura (Pr. n.º 3014).
Segue-se o Inventário e a Genealogia, as sessões in genere e in specie. Foi-lhe lido o libelo e dado como Procurador o Licenciado Luis Craveiro. No libelo não são referidos os jejuns no cárcere. Contestou por negação, indicando testemunhas de defesa.
A 3 de Fevereiro de 1642, foi notificada da prova da justiça, incluindo-se aí os jejuns feitos no cárcere, sem nenhuma referência ao lugar e data em que foram feitos. Desta vez, a ré não veio com contraditas.
O Assento da Mesa de 19 de Junho de 1642, apesar de ter desvalorizado o testemunho de Catarina Pacheca, aceitando a contradita, “por ser mulher de mau viver e pouco crédito”, propôs que fosse relaxada à justiça secular, como herege negativa, convicta e pertinaz. O Assento do Conselho Geral de 25 de Fevereiro de 1642 confirmou esta pena. A publicação de mais um testemunho (o de Henrique de Moura), não alterou a decisão. Foi ao auto da fé de 6-4-1642 e quis confessar no auto. Denunciou sua tia Leonor Rodrigues, já falecida, suas irmãs, Juliana Vieira e Brites do Quintal, seu tio, Diogo Rodrigues, seu irmão Fernão Álvares do Quintal, já falecido e a mulher deste, Genebra Nunes de Aguiar, sua cunhada. Avaliando o crédito da ré, o Notário disse que “pelo modo com que diz de si e testemunha contra os cúmplices, me parece que falava verdade, mas não toda a verdade, quando era só a fim de evitar a morte, e o mesmo pareceu ao Sr. Inquisidor”. Mas os testemunhos foram fielmente transcritos para os processos de suas irmãs Juliana e Brites, apesar de se dizer que as confissões não eram de receber.
Foi mantida a decisão de a relaxar à justiça secular no mesmo auto de 6-4-1642, nos Assentos do mesmo dia da Mesa e do Conselho Geral.
Juliana Vieira (Pr. n.º 8195), casada com Francisco Ribeiro de Aguiar (Pr. n.º 11367), foi presa em 12 de Março de 1640,quando tinha 42 anos. A primeira culpa que lhe é imputada é ainda a denúncia feita por seu irmão Henrique em 27-1-1625 na Visitação, do que sua mãe dissera nove anos antes, em frente das filhas que os gentios adoravam os ídolos dando-lhes ouro e prata e não apenas toalhas brancas. Segue-se o depoimento de seu tio Diogo Rodrigues (Pr. n.º 11148) de 9-3-1640 e logo depois a certidão do decreto de prisão lavrado no mesmo dia 9 de Março, revelando a pressa da Inquisição. A seguir, o testemunho de Brites Gomes Pais (Pr. n.º 4250), de 11-6-1640; de Henrique de Moura (Pr. n.º 3014) em 25-2-1642; de Maria de Aldana (Pr. n.º 9314) em 14-4-1642; de sua irmã Mécia do Quintal (Pr. n.º 9898) em 6-4-1642, dia do auto da fé em que foi imolada; de D. Mécia de Macedo (Pr. n.º 9830) em 18-8-1642; de Iria da Silveira (Pr. n.º 8188) no tormento em 21-3-1644 e de sua sobrinha Mécia do Quintal (Pr. n.º 8698) em 1-7-1644.
Em 8-7-1642, veio o Alcaide dos cárceres, Agostinho de Goes denunciar que a ré estaria a fazer jejuns judaicos (em 30 de Junho fora colocada numa casa de vigia). Seguiu-se o longo processo já acima descrito, usado pela Inquisição para comprovar os jejuns e ficou provado que ela fizera pelo menos seis jejuns judaicos.
No processo, segue-se o Inventário feito em 27-1-1644, a Genealogia em 1-6-1640, sessão in genere em 25-6-1640, in specie em 10-7-1640, e o Libelo na mesma data, que, porém, não refere os jejuns no cárcere. Foi-lhe dado como defensor o Licenciado Luis Craveiro. Contestou por negação e alegou contraditas, mas como de costume, os Inquisidores não ligaram grande coisa a isso. No Visto da Mesa em 2-5-1644, disseram “visto (…) estar também provado fazer a Ré nos cárceres por seis vezes jejuns judaicos na forma que os judeus costumam e não provar em suas contraditas inimizades mais que com seu tio Diogo Rodrigues e ainda essas não capitais…” Foi considerada negativa, pertinaz e impenitente e proposto fosse relaxada à justiça secular. O Conselho Geral de 13-5-1644 confirmou a sentença. Processualmente, o processo está incorrecto, pois não lhe foram declaradas as culpas da prática dos jejuns.
Foi-lhe notificada a culpa dada por Iria da Silveira. Alegou contraditas que não foram recebidas. Os assentos da Mesa de 21 de Junho e do Conselho Geral do dia 28 seguinte disseram que as decisões anteriores não estavam alteradas.
Notificada ainda a culpa dada por sua sobrinha Mécia do Quintal. Alegou contraditas que não foram recebidas, porque não havia tempo para fazer a prova, estando muito próximo o dia do auto da fé. Por isso, não foram proferidos novos assentos.
Foi relaxada no auto da fé de 10 de Julho de 1644. É sintomático que os Inquisidores tinham consciência da incorrecção do processo, pois a sentença não menciona os jejuns judaicos.
Beatriz ou Brites do Quintal (Pr. n.º 5889), solteira, de mais de 30 anos, foi presa em 12 de Março de 1640. No processo estão transcritas as culpas dadas por seu tio Diogo Rodrigues (Pr. n.º 11148) em 9-3-1640, sendo lavrado logo nesse dia o decreto de prisão, apenas com base nesse testemunho. Seguem-se os depoimentos de Henrique de Moura (Pr. n.º 3014) em 25-2-1642, de Iria da Silveira (Pr. n.º 8188) em 3-4-1642 e em 21-3-1644 (no tormento), de Maria de Aldana (Pr. n.º 9314) em 14-4-1642 e em 15-7-1643, de sua irmã Mécia do Quintal (Pr. n.º 9898) no auto da fé de 6-4-1642, de D. Mécia de Macedo (Pr. n.º 9830) em 18-8-1642, de sua cunhada Genebra Nunes (Pr. n.º 5016) em 5-11-1642 e em 6-11-1642 e de sua sobrinha Mécia do Quintal (Pr. n.º 8698) em 1-7-1644.
Em 20-5-1642, veio o Alcaide comunicar que a ré estaria a fazer jejuns judaicos. Seguiu-se o longo processo de prova já descrito acima, tendo-se provado que a ré fizera pelo menos cinco jejuns judaicos.
No processo, estão o Inventário de 27-1-1644, a Genealogia de 4-6-1640, a sessão in genere de 26-6-1640, in specie de 3-10-1642, e o Libelo de 20-10-1642, que inclui os jejuns judaicos feitos no cárcere, mas sem dizer nem o tempo nem o lugar. Foi-lhe dado como defensor o Procurador Licenciado Luis Gomes de Basto. Contestou por negação e alegou contraditas a que os Inquisidores pouco ligaram dizendo ela “não provar em suas contraditas coisa de consideração”.
Nos Assentos da Mesa de 4-5-1644 e do Conselho de 13-5-1644, foi julgada como convicta, negativa e pertinaz e condenada a ser relaxada à justiça secular. Foi-lhe notificada a culpa dada por Iria da Silveira; alegou contraditas, mas não foram recebidas. Os Assentos da Mesa e do Conselho Geral, de 22 e 28 de Junho, respectivamente, disseram que a decisão não estava alterada. Foi ainda notificada da culpa dada por sua sobrinha Mécia do Quintal, mas os Inquisidores não se deram ao trabalho de proferir novos assentos. Foi relaxada no auto da fé de 10 de Julho de 1644.
Henrique do Quintal (Pr. n.º 8845), casado com Maria de Moura (Pr. n.º 6590), médico, de 42 anos, foi preso a 13 de Maio de 1640. No processo, estão em primeiro lugar as transcrições das denúncias transcritas do Livro da Visitação de Santarém:
Licenciado António Feio Guerreiro, em 15-12-1624 – fls. 6.
P.e Frei António de Almada, em 24-12-1624 – fls. 68
Diogo de Andrade, em 2-1-1625 – fls. 116
António Pereira, escudeiro de Diogo de Saldanha, em 3-1-1625 – fls. 122
Manuel de Florença de Abreu, em 3-1-1625 – fls. 123
Francisco Carvalho, em 5-1-1625 – fls. 132
Irmão Fr. Domingos Baptista, O.P., em 8-1-1625 - fls. 156 v.
Domingos Gonçalves, em 17-1-1625 – fls. 213 v.
Licenciado António Feio, em 21-1-1625 – fls. 230
A seguir, as denúncias constantes dos depoimentos de seu tio Diogo Rodrigues (Pr. n.º 11148) em 11-3-1640 e ainda o testemunho de Gregório Veloso na Visitação em 5-1-1625, a fls. 137. Vem logo a certidão do decreto da prisão lavrado em 11-3-1640. Depois os depoimentos de Brites Gomes Pais (Pr. n.º 4250) em 11-6-1640, de sua cunhada Genebra Nunes (Pr. n.º 5016) em 2-4-1643 e de sua sobrinha Mécia do Quintal (Pr. n.º 8698) em 9-7-1644.
O Inventário foi lavrado em 27-5-1640, a Genealogia em 30-5-1640, a sessão in genere de 19-6-1640, in specie de 17-4-1641, e o Libelo de 22-4-1641. Foi-lhe dado como Procurador o Licenciado Luis Craveiro. Contestou por negação e alegou contraditas que conseguiram afectar o depoimento de seu tio Diogo Rodrigues, como consta do Assento da Mesa.
Foi a visto da Mesa a 23 de Fevereiro de 1645 e ficou exarado no Assento:”…e pareceu a todos os votos, que ainda que o Réu tenha contra si testemunhas de várias cerimónias, e quatro de judaísmo, em que entram seu tio Diogo Rodrigues e sua cunhada Genebra Nunes e sua sobrinha, Mécia do Quintal e Brites Gomes Pais, não estava em termos de ser havido no crime de Heresia por que foi acusado, visto o número de testemunhas e o depoimento de Diogo Rodrigues estar debilitado pelo provado nos artigos das contraditas, do Réu e de suas irmãs, Juliana Vieira e Brites do Quintal, que andam por linha neste processo; mas pelos graves e urgentes indícios que ainda resultam de ele andar apartado de nossa santa Fé Católica, e ter crença na Lei de Moisés, devia ser posto a tormento…”
Foi posto a tormento em 15 de Maio de 1645, mas, apesar de compreender um tracto esperto e um corrido, não deve ter sido muito violento, porque ele assinou com boa letra os termos do processo depois lavrados.
Reza o Assento da Mesa de 15-5-1645: “… e pareceu a todos os votos que, sem embargo do que nele (no tormento) purgou, resultavam ainda graves indícios de andar apartado da fé e ter crença na lei de Moisés que ele vá ao auto público da fé na forma costumada e nele ouça sua sentença e faça abjuração de vehementi suspeito, e tenha instrução ordinária e penitências espirituais e pague as custas; e à maior parte dos votos que pague mais duzentos cruzados para as despesas do Santo Ofício, não excedendo a terceira parte de seus bens…”
Duzentos cruzados eram 80 000 réis e dez mil réis eram um bom ordenado anual de um padre de aldeia. Foi ao auto da fé de 25 de Junho de 1645, onde é referido como Henrique do Quental.
A fls. 5 e ss. do processo encontra-se uma comissão para o Desembargador de Santarém datada de 4-4-1640 para procurar em casa do réu um retrato do Dr. António Homem, que é descrito com algum pormenor. Pelos vistos, a Inquisição não deu sequência ao caso, atribuindo um qualquer significado à posse do quadro.
Custas: 14$342 réis.
Mécia do Quintal (Pr. n.º 8698), solteira, de 21 anos, filha de Fernão Álvares do Quintal, defunto e de Genebra Nunes de Aguiar (Pr. n.º 5016), foi presa a 26 de Fevereiro de 1642. Tinha sido denunciada por Henrique de Moura (Pr. n.º 3014), seu parente, em 11-7-1640, por Catarina Pacheca (Pr. n.º 2418) em 19-2-1642. Mais à frente no processo, aparece a certidão do decreto de prisão que foi exarado em 21-2-1642. Seguem-se os depoimentos contra ela de Maria de Aldana (Pr. n.º 9314) em 14-4-1642, de sua mãe Genebra Nunes (Pr. n.º 5016) em 7-1-1643 e de sua irmã Branca Nunes ou de Aguiar (não aparece o processo) em 11-3-1644.
Em 20-10-1642, foi nomeado seu curador por ser menor de 25 anos, o Alcaide dos cárceres, Agostinho de Goes; feito o Inventário no mesmo dia. Genealogia a 22-10-1642. A sessão in genere foi a 20 de Março de 1643, a in specie a 13 de Maio do mesmo ano, o libelo na mesma data. Foi-lhe dado como Procurador o Licenciado Luis Gomes de Basto.
Defendeu-se, contestando por negação e alegando contraditas, mas o assento da Mesa diz “…Visto (…) não provar em suas contraditas coisa alguma…”.
A 11-5-1644 é-lhe nomeado novo curador, Estêvão da Costa, também Alcaide dos cárceres. A 19-5-1644, a “1.ª sessão apertada por ser menor” a 1-6-1644 a “2.ª apertada” (Liv. II. Tit. XI, n.º II), destinadas a convencer a ré a confessar sob pena de ser relaxada. Não resultaram. Os Assentos da Mesa de 22-6-1644 e do Conselho de 28-6-1644 condenam-na a ser relaxada à justiça secular, isto é, à morte. Afinal, ainda não tinha confessado ainda nada!...
Os Inquisidores até estavam desorientados; tanto que aparece a 30-6-1644 um segundo termo de nomeação de novo curador, o mesmo Estêvão da Costa. Na mesma data, faz a primeira confissão, onde vai dizendo uns nomes, mas sem acertar em ninguém que a tinha denunciado. Sessão da crença em 1-7-1644, onde denuncia mais pessoas. A 3-7-1644, uma sessão in specie sobre as suas diminuições. A 4-7-1644, uma “Admoestação vigorosa”. Os Assentos da Mesa de 4 e do Conselho de 5 de Julho mantiveram a decisão de a relaxar: as confissões não coincidiam com as denúncias.
A 8-7-1644, “Diz mais” e finalmente menciona a mãe e a irmã, mas de um modo que até desagradou aos Inquisidores: “ E disse que cuidando em suas culpas, era de mais lembrada que haverá seis anos na vila de Santarém, fora ela confitente a casa de Maria de Aldana, cristã nova, viúva de Brás de Aguiar, o qual era tio dela confitente e, estando com ela e com Genebra Nunes, mãe dela confitente e com Branca de Aguiar, solteira, irmã dela confitente, estando ali todos quatro, por haverem de jantar naquela casa, disse a dita Maria de Aldana que tinha a coser carne de vaca com carne de porco, mas que não comessem da carne de porco, por guarda da lei de Moisés e que pela mesma razão, haviam de vestir camisas lavadas à sexta feira à tarde, e então ela confitente e a dita sua mãe e irmã ouviram aquilo e se calaram e que ali antes nem depois passaram mais sobre a matéria e crença da lei de Moisés.”
Logo na apreciação do crédito o Notário escreveu sobre a confissão da ré: “ pelo modo com que a fez e cautela de que nela usou maliciosamente a fim de encobrir sua mãe e irmã, parece ao Senhor Inquisidor que se lhe não devia dar muito crédito e a mim Notário pareceu o mesmo…”
O 3.º Assento da Mesa mantém a decisão de relaxar a ré dizendo: “…“E pareceu a todos os votos que o dito assento não estava alterado por não dizer a Ré de sua mãe e irmã em forma, antes pretender maliciosamente desculpá-las e encobri-las; além do mau modo de confessar…” O Assento do Conselho Geral confirmou.
Fez ainda outra confissão no mesmo dia descrita com o título “Confessa mais de mãos atadas”.
O 4.º Assento da Mesa da mesma data diz: “----(visto…) o que ultimamente confessou depois do assento do Conselho de hoje, e de estar de mãos atadas. E pareceu a todos os votos que visto não satisfazer em dizer em forma de sua mãe Genebra Nunes, nem de sua irmã Branca de Aguiar, que são as diminuições que tinha quando se tomou o dito assento, não estavam suas confissões em termos de serem recebidas, nem o dito assento alterado e que se devia dar à execução…” O Conselho Geral confirmou, achando bem julgado.
No dia 9-7-1644, “mais confissão de mãos atadas”, mas o 5.º Assento da Mesa no mesmo dia, diz: “ …e (visto) o que mais disse depois do assento do Conselho de ontem, pareceu a todos os votos que, visto não dizer em forma de Genebra Nunes e de Branca de Aguiar sua mãe e irmã, das quais tinha dito informemente antes do dito assento, não estava ele alterado, e que se devia dar à execução…” O Conselho Geral confirmou.
Nova confissão sem título no dia 10-7-1644, dia do auto, que já agradou aos Inquisidores, que, no 6.º Assento da Mesa do mesmo dia, exararam: “… visto dizer a esta hora de sua mãe Genebra Nunes de declaração de judaísmo em forma e cerimónias judaicas e ter com isto satisfeito a diminuição por que estava relaxada, estava alterado o assento do Conselho Geral de 9 deste mês, e que devia ser recebida no grémio e união da santa Madre Igreja, com cárcere e hábito penitencial perpétuo (…) e que seja degredada para o Brasil por tempo de 5 anos…” O Conselho Geral confirmou também esta sentença.
Em 19-8-1644, foi a ré entregue ao carcereiro da Cadeia da Cidade de Lisboa, para aguardar embarque para o Brasil, conforme certidão que anda no processo de Bárbara Dias (n.º 6155).
Antes, em 23-7-1644, a ré fizera uma petição solicitando a comutação da pena, por ser donzela, órfã e doente. O Inquisidor Geral despachou no início de Setembro, estabelecendo uma fiança de 200 cruzados para a soltarem do Limoeiro e a entregarem a sua mãe.
Certamente, Mécia do Quintal teria muita dificuldade em encontrar quem desse por ela uma tal fiança. Em 24-10-1644, há um despacho da Mesa que diz que se entregue a presa a “pessoa que dê caução ao menos juratória…”
A 24-11-1644, foi mandada buscar ao Limoeiro e apresentou-se na Mesa com um senhor de nome João Teixeira, que por ela se responsabilizou e a quem foi entregue com a obrigação de a voltar a entregar na Mesa quando se curasse da enfermidade de que sofria.
Um Despacho de 22-12-1644 do Inquisidor Geral D. Francisco de Castro comutou o degredo de 5 anos para o Brasil no mesmo tempo para Castro Marim.
Genebra Nunes ou Genebra Nunes de Aguiar (Pr. n.º 5016), de 60 anos, viúva de Fernão Álvares do Quintal, foi presa a 26 de Fevereiro de 1642. Foi posta a tormento em 11 de Maio de 1644 e foi ao auto de fé de 10 de Julho de 1644, juntamente com suas duas filhas, Mécia do Quintal (Pr. n.º 8698) e Branca Nunes ou de Aguiar (cujo processo não aparece). Foi condenada a cárcere e penitências espirituais.
Maria de Moura (Pr. n.º 6590), de 26 anos, casada com Henrique do Quintal (Pr. n.º 8845), foi presa em 16 de Março de 1640. Foi posta a tormento em 13 de Maio de 1645 e foi ao auto da fé de 25 de Junho de 1645, condenada a cárcere e penitências espirituais.
Francisco Ribeiro de Aguiar (Pr. n.º 11367), de 45 anos, casado com Juliana Vieira (Pr. n.º 8195), foi preso em 5 de Março de 1642- Foi posto a tormento em 31 de Maio de 1647 e foi ao auto da fé de 15 de Dezembro de 1647, condenado a cárcere e penitências espirituais.
Parabéns que a gente da nação Hebreia deu ao Licenciado Diogo Rodrigues, médico, pela morte do Guardião de São Francisco, de Santarém, em Setembro de 1624.
MOTE
Vivas, vivas, vivas, vivas
e vivas de sobre mão
Vivas, vivas, vivas, vivas
pois mataste o Guardião!
VOLTAS
Vivas que és filho de pais
que nunca viram igreja.
Se esta verdade sobeja
te dá cem mil adonais
guoais, guoais, guoais, guoais
tenhas e de sobre mão
Vivas, vivas, vivas, vivas
pois mataste, etc.
Já que ele quis ser sandeu
e se não amassou connosco
morra e fique sendo tosco
já que não quis ser judeu.
Tu sim que és o nossos Hebreu
e judeu de sobre mão
Vivas, vivas, etc.
Vivas, pois em ti se apura
a força que hoje nos falta
Nós te bendizemos por alta
e mais ditosa ventura,
Mete-os já na sepultura
de Datão e Abirão,
Vivas, vivas, etc.
Não se te dê do que dizem
pois já sabem que o mataste
espera que o tempo gaste
o que eles de ti não dizem
e em que se encolerizem
muito antes de antemão
Vivas, vivas, vivas, vivas
pois mataste, etc.
Morra, pois, nesta quaresma
de feição nos adoestou
que há judeu que rebeçou
mor vulto que uma aventesma
morra já pois a uma sesma
da afronta nos deu de mão.
Vivas, vivas, etc.
Trabalha quanto puderes
por lhe matar os letrados
pois nos tem tantos queimados
que pasmam nossas mulheres,
e já que nossos poderes
te temos postos na mão,
Vivas, vivas, etc.
Que, como estes foram mortos
e feitos em cinza e pó
ninguém haja de nós dó
pois lha ganhámos os portos
seus direitos serão tortos
pois segues nossa tenção
Vivas, vivas, etc.
Se nos matas Frei Luis
de Menezes fazes feito
tão honrado e tão perfeito
como tens esse nariz
tens de nós um almofariz
em que pises dia quilão
Vivas, vivas, etc.
O Guardião e o Escoto
ambos houveram de ir juntos
pois contra nossos defuntos
sempre tinham o papo roto,
pelo que o nosso voto
é que estes dois padres vão
Vivas, vivas, etc.
Se tu pudesses chegar
a esses que nos perseguem
em modo que se te entreguem
para os haver de curar
quem nos pudera igualar,
pois é nossa redenção.
Vivas, vivas, etc.
Enfim, pois não é possível
mata grandes e pequenos
fidalgos, frades, e o menos
seja dessa gente cível
faz-nos tudo aprazível
pois sabes nossa tenção
Vivas, vivas, etc.
Toma já tua praceira
com mui grandes alegrias
pois o santo Fernão Dias
queimara numa fogueira
ficou honrada a companheira
e tu da tribo de Dão.
Vivas, vivas, etc.
Temos dois santos letrados
António Homem e Fernão Dias,
tão honradas iguarias,
que foram ambos queimados,
tu és dos abalizados
judeus da nossa Nação.
Vivas, vivas, etc.
Concluimos com que vivas
muitos anos entre nós
já que és filho de avós
de quem descendem os escribas
e nestas lembranças vivas
que temos no coração.
Vivas, vivas, vivas, vivas,
pois mataste o Guardião.
Liv. 809, Livro da Visitação de Santarém, fls. 526 e 527