12-1-2009

 

Observações sobre a viagem da costa d'Angola à costa de Moçambique - 1788

Relatório da viagem feita ao Rio dos Elefantes - 1854

 

 

Em 1787, o naturalista José Maria de Lacerda integrou a expedição destinada ao reconhecimento do curso do Rio Cunene, chefiada pelo Capitão António José da Costa, que não teve êxito, pois não chegou ao destino. Ele mesmo o diz neste texto endereçado ao Ministro da Marinha e do Ultramar, Rodrigo de Sousa Coutinho, que a seguir se reproduz e em que salienta mais uma vez a necessidade de empreender a comunicação por terra entre Angola e Moçambique. O Ministro não queria outra coisa, até porque esse fora o sonho de seu pai, Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, que fora Governador-Geral de Angola, de 1764 a 1772.  Por ordem do mesmo Ministro, a expedição foi iniciada a partir de Moçambique em Dezembro de 1797, sob a direcção do Dr. Francisco José de Lacerda e Almeida, Governador em Moçambique dos Rios da Sena, que veio a falecer de paludismo a 17 ou 18 de Outubro de 1798, no Cazembe. O diário dessa viagem está publicado nos Annaes Marítimos e Coloniaes, série n.º 4, pags. 286-300, 303-314, 334-343, 377-381, 397-408,e na Série n.º 5, pags. 29-26, 63-77, 108-120; depois reproduzido em livro editado pela Imprensa Nacional em 1889, com o título “Diário da viagem de Mossambique para os Rios da Sena feita pelo governador dos mesmos rios o D.or Francisco José de Lacerda e Almeida". A expedição prosseguiu e foi nessa parte narrada pelo Capelão P.e Francisco João Pinto, figurando nos mesmos Annaes na Série n.º 5,  pags. 149-164, 199-208, 264-278, 321-337, 364-372, 428-437, 468-481.

Ao entregar o texto da Memória de José Maria de Lacerda aos Annaes para publicação, o Visconde de Sá da Bandeira acrescentou-lhe cinco notas a final, datadas de 2 de Junho de 1844, que têm grande interesse.

Entretanto, José Maria de Lacerda faleceu em Malange, em 1797.

Quanto à foz do Cunene, foi objecto de uma expedição organizada em Novembro de 1854 por Fernando da Costa Leal, Governador do distrito de Moçâmedes de 1854 a 1859 e de 1862 a 1866, cujo relato também aqui se reproduz.

 

 

 

Observações sobre a viagem da costa d' Angola à costa de Moçambique, por José Maria de Lacerda

 

Documento oferecido à Associação Marítima pelo seu ex-Presidente, o Ex.mo Sr. Visconde de Sá da Bandeira

 

Ill.mo e Ex.mo Senhor,

 

A glória de um descobridor, que não se poupa a fadigas em promover a felicidade dos seus semelhantes, leva certamente manifesta primazia sobre a fama de um conquistador, que mais parece, destinado para flagelo da humanidade: uma vista de olhos sobre a moderna e antiga história, nos desengana convincentemente da verdade deste acerto. E na geral estimação mais gloriosa e mais venerável a memória dos Henriques traçando em Silves as primeiras linhas, e lançando as raízes dos apetecidos descobrimentos da Ásia, que lhes mereceram o delicioso timbre de Talent de bien faire, do que a dos Filipes e Alexandres que forjam em Macedónia, e deitam depois a Grécia os pesados grilhões da escravidão, e finalmente por intrigas, e pelo único direito de mais fortes se arrogam o soberbo título de domadores da mesma Ásia. O espírito, Senhor Excelentíssimo, o espírito que anima a um e outro, é quem pode decidir bem claramente a qual dos dois se devem erigir estátuas no templo da memória, e conservar seu nome nos fautos da imortalidade. Ah! Senhor, e quanto é abominável, quanto horrorosa aos olhos de uma sã filosofia a memória de um homem que, arrebatado por uma desmedida ambição de dominar, busca pretextos especiosos para despojar os seus semelhantes dos sagrados direitos com que a Providencia os criou livres, para os fazer servir aos seus ambiciosos desígnios, e gemer constrangidos debaixo do jugo do um injusto cativeiro! Pelo contrário quanto é amável, quanto preciosa a vista do universo e quanto digna das suas aclamações abençoadas, aquela alma generosa que, não satisfeita com as luzes de que se observa enriquecida, procura difundi-las a maneira do sol benigno que, sem avareza, comunica seus raios criadores a um e a outro hemisfério, procura, digo, difundi-las sobre as trevas da ignorância dos outros seus semelhantes, que trabalha por descobrir; promovendo pela comunicação os interesses das nações desconhecidas e mais remotas, as utilidades do comércio pela importação e exportação dos géneros, a cultura dos povos e terrenos incultos, a polícia da barbaridade, os grandes cómodos da vida social e mais que tudo, se as circunstâncias o permitem, o conhecimento da verdadeira religião e da única e suprema Divindade! Oh este sim, este é quem merece com maior justiça, como Tito, ser aclamado por delícias do universo!

Estas reflexões, Senhor Excelentíssimo, que há muito se revolviam no meu acanhado espírito, agora se avivaram com a noticia, para mim agradável e gostosa, de que Vossa Excelência, animado de um verdadeiro patriotismo, projectara o descobrimento do resto do grande sertão e do país desconhecido de Benguela, e a comunicação por terra das duas costas oriental e ocidental dos vastíssimos domínios do reino de Angola [Veja-se no fim a nota —A—]. Exultei pois dentro de mim mesmo ao lembrar-me das grandes vantagens deste descobrimento, que eu conheço praticamente pela dilatada experiência de largos anos em que habitei e corri estes países. Eu sei que esta empresa já tem sido intentada por diferentes Generais e Governadores, sendo o primeiro a formar este plano e projecto interessante o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, de saudosa memória, cujo governo, pelos seus acertos, prudência, suavidade e inteireza, vive na perpétua lembrança dos Angolistas, que de pais a filhos conservam em gostosa tradição dos perenes monumentos de beneficência com eles tantas vezes praticados, e que servirá sempre de modelo aos que procurarem governar aqueles e outros povos com justiça. E que glória não resulta a Vossa Excelência se executar com felicidade um projecto que mereceu justamente as considerações do seu Ilustríssimo e Excelentíssimo progenitor, e que na verdade se faz digno das sérias atenções de um Ministro que tanto promove e zela o bem da pátria, a glória da nação e os interesses do seu Príncipe? Aqui fala tão somente o coração, nem a vil adulação teve entrada no meu peito, quando a minha pena arrebatada, e movida pela sã verdade, correu ligeira e formou gostosa expressões sinceras que ainda mal indicam os grandes sentimentos da minha alma. Além do que: eu conheço que falo a um Ministro amante da verdade, e que estranhavelmente detesta e abomina os sim agradáveis, mas envenenados perfumes da lisonja.

O bem pois da minha pátria, a glória da minha nação e os interesses do meu Príncipe, eis aqui, Senhor Excelentíssimo, os únicos e poderosos estímulos que também me obrigaram a fazer, e conduzir à presença respeitável de Vossa Excelência algumas reflexões que a experiência e conhecimento do país me tem ministrado, sem mais outro algum intento, ou pretensão que não seja a gostosa complacência de concorrer por este modo, quanto está nas minhas forças, para o feliz e desejado êxito desta empresa. Como verdadeiro patriota dar-me-ei por bem pago e satisfeito se ela chegar a conseguir-se. É por tanto necessário dar uma breve descrição geográfica do sertão, e uma geral noção dos seus habitadores, dos seus costumes, do seu carácter, do seu governo, e dos sentimentos de que se acham animados geralmente a respeito dos brancos, de quem sempre desconfiam; dizer alguma coisa das suas copiosas e excelentes produções, da sua religião, das notáveis consequências e vantagens para o comércio e para a coroa deste descobrimento e ultimamente dos meios práticos e fáceis de ele poder efectuar-se.

Confina o vasto e fértil sertão de Benguela pelo norte com de Angola, e é dividido pelo rio Aço perto do presídio das Pedras de Ponguadongo, e pelo sul limita no país dos Hotentotes muito além do cabo negro. Para leste ele se estende até ao de Moçambique e Rio de Sena, com perto de quinhentas léguas, havendo numa e noutra costa boa porção de terreno conhecido e tratável, de que depois hei-de falar. É imensa a sua povoação, repartida em muitos governos de diferente extensão e autoridade que se vê exercitada por uns certos potentados a que dão o nome de Sovas, e a outros de Sovetas por prestarem aos primeiros uma espécie de vassalagem, e terem deles alguma dependência. São negros fortes e pela maior parte agigantados, o que faz que eles na América sejam mais estimados e de mais valor, que os de Angola. São destros no manejo das armas de fogo, de que fazem na guerra um pronto uso, que nós mesmos lhes temos ensinado: têm delas abundância, e à excepção dos canos, tudo o mais eles consertam e fazem de novo com limpeza e perfeição; e teriam zombado das nossas expedições militares, se não fossem as peças de amiudar, de que têm um grande medo. São aleivosos e muito atraiçoados: a sua amizade para com os brancos é só fundada no interesse pela importação dos géneros, que estes levam, e de que eles já não podem dispensar-se. Nunca perdem ocasião de perpetrarem os mais horrorosos crimes de roubos e homicídio contra os brancos; mas como receiam incorrer nas iras e indignação dos que governam, têm a prevenção de irem cometê-los noutras terras mais distantes, para não serem descobertos; e posto que maquinem enganos e traições, eles contudo se disfarçam muito bem no exterior, e fingem a mais rendida submissão, pronunciando com respeito e humildade a palavra Maneputo, que corresponde à de rei dos brancos. São todos antropófagos, e nas guerras que suscitam continuamente entre si por pretextos os mais frívolos, comem os mortos: barbaridade em que especialmente se distinguem os Ganguelas. Para os comer matam os velhos, que já para eles não têm preço, préstimo, nem valor; e guardam desveladamente os moços para os vender: motivo ordinário das guerras e contendas, por ser o meio de haverem escravos e da sua venda tirarem os interesses desejados.

Todo este vastíssimo país é, como disse, muito povoado destes bárbaros e não se anda mais de uma légua sem se encontrar alguma libata ou povoação maior ou mais pequena. O clima do sertão, dez léguas distantes das praias, é tão benigno e saudável, como o de Portugal; e é tão fértil, que apesar do desprezo e negligência com que o cultivam, chega a dar cento por um. Produz com abundância, e pode também dizer-se com demasia, o milho grosso, milho menor, a que chamam Maçambala, milho-miúdo, a que dão o nome de Luco, e outro quase milho-miúdo, mas compridinho, que é conhecido com o nome de Moçango; e de todos estes milhos fazem eles uma farinha excelente e saborosa. Produz também toda a casta de feijões e em tanta quantidade, que dão doze Guindas (medida que corresponde a dois alqueires nossos) por uma braça de pano zuarte, ervilhas, grãos, lentilhas e excelente trigo, mas somente cultivado por alguns dos sertanejos (são os brancos ou mulatos estabelecidos com casa de negócio no sertão), abóboras de diferentes qualidades e grandeza, melancias, melões, batatas, mandioca, goiabas, laranjas, limões e grandes canas-de-açúcar.

É finalmente o seu terreno susceptível de todas as sementes e capaz de produzir os mais belos frutos se houver agricultura. Sabem extrair o ferro das pedras do país, que todas encerram, e faz pasmar como eles, sem o devido e necessário aparelho de ferramentas proporcionadas, fabricam os ferros das suas zagaias, cadeias e outras obras. Tem igualmente minas de enxofre, que eu mesmo observei, e mais de cobre, de que eles fazem os seus ornatos. Há muitas e diversas madeiras, excelentes para toda a construção, seu comércio consiste principalmente nos escravos, no marfim e na cera imensa, de que abundam, apesar do modo bem destruidor com que os enxames são crestados, porque de ordinário lançam-lhes fogo para extraírem os seus favos.

Estes bárbaros e cegos povos não reconhecem divindade, nem se lhes observam vestígios alguns de religião. Supersticiosos por extremo, apenas se divisa neles um tal ou qual culto, ou veneração, a que pode mal e só dar-se o nome de civil, para com algum dos seus antigos Sovas, que por tradição, ou foram guerreiros eminentes, ou fizeram no seu governo reinar a abundância, o sossego e a justiça, ou se assinalaram em acções extraordinárias. Contudo, alguns são baptizados, mas como se o não foram; porque é inteira a ignorância dos Mistérios e consumado o desprezo dos preceitos. Sim, procuram e fazem diligências pelo Baptismo; porem só a fim de conseguirem a estimação dos brancos, inculcarem-se para com eles como cristãos, e insinuarem-se nos seus ânimos desprevenidos, quando assim fazem a bem dos seus interesses, ficando aliás no mesmo deplorável estado de irreligião, de poligamia, de superstição e de barbaridade.

É tempo de fixarmos as nossas atenções nas grandes vantagens que desta expedição resultam certamente à Coroa, ao comércio e aos mesmos povos. Por este meio estendemos as nossas conquistas e adquirimos novos conhecimentos de povos e terrenos nunca dantes praticados. Abre-se a correspondência de uma e de outra costa, e pode então com facilidade auxiliar-se uma à outra e os habitantes têm assim um refúgio, bem seguro, no caso de alguma delas ser acometida ou debelada. Já os navios da Ásia poderão descarregar em Moçambique e as fazendas serem transportadas a Benguela e outras terras do sertão, sem ser preciso dobrar-se o cabo e haver a grande demora e risco da viagem. Cresce desta sorte a actividade do comércio, produto e rendimento das alfândegas, a indústria dos brancos e dos negros, que para estes transportes, de que tiram grandes lucros, hão-de cuidar na propagação dos camelos [Veja-se no fim a nota — B —], que não têm dificuldade em amansar; os bois-cavalos, de que já fazem bastante uso até para montar e as zebras, que são inumeráveis e que pela semelhança quase inteira com as mulas, à excepção da pinta, são muito acomodadas, ao que parece, para este ministério, se houverem de tentar e procurar a sua mansidão, do mesmo modo que lá fazem aos ditos bois-cavalos. Além de que, enquanto não houver outra providência, milhares de negros se hão-de empregar de boa mente neste serviço por seu lucro, e um negro carrega às costas para levar a muitas léguas um fardo de fazenda importante em cento e vinte mil reis, e o faz por pouco preço. Eis aqui aumentado o comércio da escravatura, do marfim, da cera e de outros géneros até aqui desconhecidos, que vão talvez por este meio a descobrir-se.

Não é para desprezar e parece bem digna das atenções do Ministério a vizinhança dos novos possuidores de Tafelbay [Table-Bay. É junto a esta baía que está a cidade do Cabo, Cape Town, fundada pelos Holandeses em 1650, tomada pelos Ingleses em 1795, a quem se refere o autor; restituída aos Holandeses em 1803 e retomada pelos Ingleses em 1806 que ficaram pela paz geral na posse desta excelente colónia.]. Quem nos pode segurar de que vendo eles o abandono e o desprezo com que tratamos esta importante aquisição, não hajam de alongar as suas conquistas para o norte, com gravíssimo dano de nossos interesses? E quem há-de embaraçar essa conquista e obviar a que pelo tempo adiante se vão vender os escravos do nosso sertão do sul (como vão agora os do norte) aos Ambres e aos outros portos que ficam ao norte de Angola, onde os compram as nações estrangeiras, com diminuição visível do nosso comércio, que ao menos pela terça parte se acha descaído? [Veja-se no fim a nota –C-]

E não é outra a causa deste abatimento: porque os negros não têm dificuldade em andar mais cinquenta léguas para irem vender os seus escravos a quem lhes dá mais e melhor fazenda, o que não podem fazer os nossos negociantes; porque as vendas e os lucros dos escravos em a nossa América não correspondem à quantidade e qualidade da fazenda que os outros dão por eles. Vai portanto este descobrimento opor uma barreira a todas as tentativas que os Ingleses possam idear, para estender a sua nova colónia e aumentar o seu comércio com ruína quase inteira dos nossos interesses, o que certamente lhe não esquece; porque eu sei que eles já têm proposto avultados prémios, a quem descobrir e fizer comunicável este sertão.

Fica também por este meio o Pais todo mais seguro e mais sujeito, vendo-se como entalado: porque conhecendo os povos auxílio, que as armas de Moçambique e do Sena podem prestar às de Angola e de Benguela, e estas àquelas, é muito para esperar que se abstenham dos roubos e maus tratamentos, que fazem muitas vezes aos desamparados Sertanejos, ficando assim o comércio livre e seguras as vidas e as fazendas, que até se podem apoiar ainda melhor com mais alguns presídios, que se hajam de erigir. É inegável que estas fortalezas espalhadas pelo sertão, servem de freio, que reprime os excessos, insultos, e ousadias destes bárbaros, e os fazem conter nos seus deveres.

O ferro, de que eu já disse abundava este sertão, é um artigo não pouco interessante.

A efectuar-se a comunicação das duas costas, será este um ramo de comércio o mais capaz não só de promover as utilidades do Estado e aumento da Fazenda, mas também de fomentar a indústria desses povos, que já o forjam e se servem dele com muita destreza e prontidão. Ele, na bondade e qualidade, não cede ao Sueco e Biscainho, e os negros fabricam várias obras que vendem por preços moderados. Um Libambo, ou corrente que segura e prende doze escravos, se compra por dois panos, que correspondem a mil e duzentos réis; em atenção à sua abundância e qualidade, é que o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho fez judiciosamente construir uma fábrica para o extrair e preparar; mas desgraçadamente não teve o efeito desejado, ou fosse por intriga, ou mais depressa pelo indesculpável capricho, com que quase todos os Generais procuram abater, frustrar e desfazer tudo o que os seus antecessores começaram, por mais útil que pareça, atropelando a verdade, a consciência e os interesses do Estado. Procedimento ordinário, certamente repreensível, e pelo nosso Tito Lívio nas suas Décadas há tanto lamentado! Como o ferro é um dos géneros que os nossos navios carregam para a Ásia, é evidente que extraído e preparado no sertão e conduzido pelo Cunene (a descobrir-se a desembocadura deste rio, e fazer-se navegável, de que logo hei-de tratar) apresenta o ferro, como disse, um ramo de comércio muito atendível e importante: e até os mesmos navios da Ásia, na volta da viagem, bem poderão carregar muitas barras dele, pelos vácuos que não admitem corpos volumosos: e desta sorte vem a sua exportação a ser pronta igualmente para todas as quatro partes do Mundo. Pois se o ferro é tão digno das atenções do Ministério, não menos o deve ser o excelente cobre, de que há minas já descobertas. Os negros o fabricam e fazem dele uso para os seus ornatos e enfeites, como colares, manilhas e as chamadas vergas, com que rodeiam as pernas. Há igualmente enxofre em grande cópia, e eu mesmo vi uma larga mina dele no Dombe da Guinzamba, cinco léguas de Benguela para o Sul e légua e meia da Baía Farta, à beira do mar. As madeiras deste sertão, tem-se visto e experimentado serem as mesmas que as do sertão da Baía, igualmente boas para a construção e demais obras. E haverá ainda quem repute desprezível um manancial tão fecundo de riquezas, que nos pode constituir cada vez mais independentes dos outros povos e Nações, e fazer o nosso comércio muito mais activo?

Devo expor agora aqui a V. Ex.ª uma lembrança que há muito me ocorre, e que a verificar-se, são incalculáveis as vantagens que resultam desta empresa. É bem conhecido o rio Sena pela sua grandeza, pela soberba das suas correntes e pela opulência das suas auríferas areias; mas a sua origem ainda não esta certamente descoberta, e dele apenas sabemos, que descendo do Monomotapa, lá vai desembocar com arrogância na costa de Moçambique onde temos a nossa Quelimane.

É pois agora de saber: que o maior rio e o mais poderoso que se conhece, desde o Zaire até ao Cabo da Boa Esperança, é sem duvida um a que os naturais chamam Cunene, que quer dizer grande na língua do pais. Nasce este rio em Candimbo perto de Caconda Nova, corre para o Sul e, depois de ter engrossado suas correntes com os rios Cobango e Cutado, atravessa os domínios dos Sovas de Lebando e de Luceque, trinta léguas da sua origem; mas já então assaz poderoso, que não dá passagem aos viajantes; e o Sova de Luceque tira bom interesse dos fretes das canoas que aí tem, para os transportes de uma a outra margem; continua a correr, dirigindo-se para Leste e, tendo recebido vários rios, chega ao Humbe ou Monomotapa (cinquenta léguas da sua nascente) já tão arrogante e enriquecido, que tem aí seiscentas toesas de largura; e depois lá prossegue a sua corrente para Leste; e nada mais pode dizer-se com certeza deste famoso e grande rio [A distância de 250 a 300 léguas entre as terras designadas com o nome de Humbe grande e as do Monomotapa, não é favorável à hipótese de que elas são um mesmo país ou estado, como parece que o autor acreditou].

E acaso será ele o mesmo Sena [Veja-se no fim a nota –D-]? Duas razões mo persuadem. Primeiramente, examinados os mapas mais exactos que nos oferecem toda a costa d’África desde o Adamastor para o Norte ate Benguela, e corrido o sertão, como eu fiz para indagar as particularidades deste rio, não se encontra algum outro com foz de tal grandeza, qual promete o rio Cunene que, a cinquenta léguas da sua nascente, se acha com seiscentas toesas de largura. Em segundo lugar, o rio Sena se enobrece com as suas auríferas areias; pois o Cunene certamente lhe não cede nesta áurea prerrogativa: eu mesmo o vi e observei, quando em oitenta e sete fui mandado acompanhar a expedição que ao sertão foi enviada com instruções para se descobrir este mesmo rio até à sua foz, o que infelizmente se não efectuou: uma negra que se apanhou nas terras de Acabona (três léguas distante do Cunene) que limitam com o Monomotapa, trazia na cabeça umas folhetas de oiro do tamanho das lantejoulas ordinárias; estavam furadas; e entrando por elas pequena quantidade de cabelos encrespados, em cima davam nós, que seguravam as tais folhetas. Perguntou-se-lhe, aonde iam tirar aquelas coisas? Respondeu, que a um rio muito grande que estava daí perto; e que disto levava muita quantidade, principalmente quando chovia, mas que ninguém o procurava, porque não tinha estimação.

E qual outro podia ser este rio senão o Cunene? E como ele se encaminha desde o Humbe para a costa de Moçambique, onde se sabe que desemboca o Sena é, quanto a mim, Cunene o mesmo Sena com um nome diferente. E se não falha esta minha conjectura, que riquezas se não devem esperar para Portugal a fazer-se navegável este rio, e a poderem-se conduzir por ele a Benguela todas as fazendas descarregadas em Moçambique pelos navios da Ásia! Ficam certamente Benguela e Moçambique dois Empórios da Ásia, bem capazes de competir e disputar grandezas com as maiores povoações do mundo. Aberta pois que seja a comunicação das duas costas, fica fácil o descobrimento perfeito deste rio; porque se adquirem conhecimentos, que hoje ainda não temos, e amizade do país e do sertão; e deste modo podemos alcançar notícias certas dele, que pela sua grandeza não pode deixar de ter entre aqueles povos boa nomeada. Eles mesmos nos darão guias, e o regresso poderá então fazer-se pelas suas margens sem perigo algum de descaminho. São muitas outras as vantagens que resultam deste descobrimento, e que certamente não escapam à vivacidade e perspicácia de V. Ex.ª. Eu as deixo à sua grave ponderação; e passo, para evitar prolixidade, a tratar do modo e meios de se efectuar tão importante diligência.

Como o fim desta empresa é a comunicação das duas costas, e facilitar por terra o comércio de Benguela e sertão ocidental, com Moçambique e sertão oriental, evitando-se por este meio os perigos e as delongas indispensáveis das marítimas viagens, parecia conveniente e acertado pôr diante dos olhos o terreno conhecido, a fim de se perceber com evidência o que resta para o descobrimento projectado.

Em todo o Nano, que vem a ser todo o país compreendido entre Caconda-Nova para o Norte até ao rio Aço, os Sovas principais são: os de Balundo, de Ambo, de Quiaca, de Quitala e o de Galangue, além de uma infinidade de Sovetas seus subordinados. No sertão inferior e para o Sul, estão os poderosos Sovas de Quilengues, de Quipungo, de Gambos e de Avila, ou o formidável Canina que estende os seus domínios pelo vasto continente dos Cobaes, Mocoanhocas, e Mocorocas,  habitantes do Cabo Negro, até aos Hotentotes, que já foram seus vassalos, e que por negligência dos seus Ambas (ou Sovas) sacudiram o jugo do Canina; muitos outros Sovetas e potentados há também neste sertão, sujeitos aos quatro mencionados. De Benguela para o Norte, pelo caminho de Quissangue, atravessando Balundo ate ao rio Aço, contamos oitenta léguas, pouco mais ou menos, de sertão conhecido e vassalo da Coroa Portuguesa. De Benguela para o Sul, pelo caminho de Quilomata, Lombimbe, Quilengues, Bemby, Quipungo e Gambos até ao Humbe, dividido pelo grande Cunene, temos cem léguas seguras, e também Vassalas. De Benguela, atravessando pelo meio destes dois sertões, e andando para Leste pelo caminho de Sápa Janjala, Caconda Nova, Monhembas, Galangue e Obié, país regado todo pelo útil e bem conhecido rio Quanza, temos cem léguas, e deste rio até ao Sova de Levar [Veja-se no fim a nota –E-] há-de haver oitenta léguas de país pacifico e bem trilhado por alguns dos Sertanejos, a quem os habitantes tratam bem e com os quais fazem comércio interessante. É moderna esta descoberta, e devida inteiramente à diligência e ambição dos moradores do sertão, que tiveram talvez adiantado o seu comércio e seu descobrimento, se tivessem sido auxiliados. Temos pois de Benguela para dentro, ou caminhando para Leste, boas cento e oitenta léguas de sertão trilhado e conhecido, e da parte de Moçambique e da costa oriental se acham descobertas cinquenta léguas com pouca diferença; e sendo quinhentas o total, restará apenas duzentas e setenta a descobrir.

É portanto mais fácil, do que talvez se julga, este descobrimento, não só pelo que pertence ao sertão desconhecido, mas também pelo que respeita às despesas e aprestos necessários. Porque alguns instrumentos matemáticos e quem saiba usar deles, para se tomarem as dimensões e alturas da derrota, quatrocentos homens (e talvez menos) resolutos, valentes, sujeitos e bem armados, e duas peças de campanha com as devidas munições de guerra, é quanto basta para se obstar a qualquer intentado insulto. Porque deve ser máxima inalterável destes gloriosos campeões, que o ramo da oliveira é só quem há-de aparecer na sua frente, sem jamais fazerem luzir a espada senão no último extremo e depois de exauridos todos os meios de mansidão, de bom modo, de prudência, de generosidade, de dissimulação e de paciência, em algum encontro menos atencioso ou descortês. A experiência me ensinou, que se lucra mais com estes bárbaros, fazendo-se-lhes alguns presentes, ou mimos diminutos (de que a seu tempo tratarei), sofrendo e disfarçando ao princípio alguns insultos leves, com as mais reiteradas protestações de amizade da parte do Augusto Soberano, que lá os manda a este fim e que bem pudera castigar qualquer atrevimento, do que vindo logo às do cabo, como dizem, rompendo com eles e frustrando assim decerto a empresa começada, e pondo o sertão em desconfiança de conquista e cativeiro; e por conseguinte todo em armas; instruções indispensáveis para quem houver de comandar esta gloriosa expedição.

As mencionadas forças militares com facilidade se podem ajuntar e pôr-se prontas sem dispêndio maior da Real Fazenda e do Estado. É sabido que nos sertões conhecidos de uma e de outra costa há brancos e mulatos com casas de negócio mais ou menos opulentas. E estes, como práticos e endurecidos no país, podem ser convidados para acompanhar a expedição, dando-se-lhes patentes honoríficas e para eles estimáveis de títulos diferentes, como de empacaceiros, atalaias, aventureiros e guerra preta; determinando-se a patente de Capitão de alguns daqueles títulos ao que acompanhar com vinte armas seguras e capazes, e outros tantos homens; a de Sargento-mor ao que aprontar trinta; e assim, à proporção das forças que ajuntarem, se lhes deve dar maior patente. Estes homens, chamados Sertanejos como disse, prezam-se muito destes títulos, e o Estado só despende palavras quando lhos concede. Estes pois com alguns Soldados que se puderem ajuntar e escolher, cheios de honra, e amantes da Pátria e da glória, e que completem o número indicado, e força suficiente.

Deve-se de todo dar de mão aos negros, que em multidão costumam juntar-se às expedições com o sentido só nas presas; e feitas elas desamparam logo o campo e postos. São remissos em atacar e prontíssimos em fugir; ao primeiro tiro viram costas para nunca mais aparecerem; porque o seu único estímulo é o vil interesse das rapinas. Muitas vezes são eles mesmos os que instigam as rebeliões e fomentam as desordens, e quando se procede a procurá-los, apenas se acha o lugar onde estiveram; porque à maneira de relâmpagos desaparecem num instante: além de que diminuiriam grandemente os provimentos necessários para a subsistência da outra gente. São portanto não só inúteis, mas nocivos nesta empresa, à excepção de alguns poucos indispensáveis para a guarda e condução das munições e matalotagem: e eu mesmo na guerra de oitenta e sete no sertão fui testemunha ocular do que assevero; porque dezassete homens, que se tinham adiantado com uma peça de amiudar, derrotaram e puseram em fugida o Sova de Quiaca, que vinha acompanhado de doze mil negros, deixando em nosso poder os escravos, o gado e mais presas, que aos Cobaes haviam ido apreender.

Ainda que porém se devam rejeitar os negros vis, sempre contudo parecia conveniente convidarem-se os Sovas mais vizinhos ao rio Sena, que forem amigos, a fim de que por sua intervenção se possa alcançar conhecimento, amizade e consentimento dos outros Sovas mais remotos, cuidando-se primeiro em presentear a uns e outros; porque os negros imitam nisto os mouros, dos quais para se obter alguma coisa, é preciso antes de tudo brindá-los e atraí-los com alguns mimos. E pode acontecer que, usando-se de meiguice e destreza, algum dos ditos Sovas acompanhe a expedição, ou pelo menos forneça guias, línguas e provimentos que facilitem a mesma diligência.

Para os mimos e presentes, que se houverem de fazer aos Sovas e aos seus macotas ou conselheiros por quem eles se governam, e que são muito interesseiros, basta levar algumas ancoretas de aguardente de cana, alguns fardos pequenos de fazenda própria e da estimação dos negros, e sobretudo coral falso, roncalha, velórios e outras missangas. Levar-se-ão também alguns capotes de pano ordinário agaloados de ouro falso, chapéus grossos, pela mesma forma agaloados, e alguns bastões, ou bengalas com seus castões de cobre dourado: porque um capote destes, um chapéu, uma bengala, duas ancoretas de aguardente e algumas missangas, foi sempre o mimo da maior estimação do Sova mais poderoso destes países.

Para a subsistência desta expedição poder-se-á comprar uma boa porção de gado, de que abundam aquelas terras; e dado que acabe, nunca se pode temer a fome; porque, havendo pólvora, chumbo e bala, há-de haver certamente que comer, por ser o sertão todo muito povoado de imensa e varia caça, como elefantes, rinocerontes, empacaças, zebras, palancas, gamos e veados de diferente grandeza e qualidade. Toda esta carne é excelente; e enquanto a houver, não se padece. Eu me lembro de que na guerra, que desde setenta e quatro até setenta e nove, se fez no rio grande de são Pedro aos Espanhóis e a que eu assisti, em muitos tempos não comeu o Exército outra coisa senão carne, e sempre esteve pronto, nutrido e mui contente.

O tempo próprio para esta expedição é o que vai de Maio até Setembro; tempo em que, podendo ser, ela deve acabar inteiramente, ou pelo menos suspender-se com tal cautela e providência, que os quartéis de inverno, que desde então é muito rigoroso, possam estabelecer-se em sítio tal, onde o exército não fique exposto aos seus rigores, e lhe seja fácil haver as provisões para a sua subsistência. Aquele tempo a que lá chamam o cacimbo, e que corresponde ao nosso verão, é o mais temperado e mais benigno; porque se as chuvas, que naqueles sertões são muito copiosas e muito continuadas, apanham o exército desprevenido, terá ele de invernar aí mesmo onde elas o encontrarem. E que incómodo então, que prejuízo e que destroço não há que recear de semelhante acampamento? É logo da mais séria consideração, importância e consequência, tomarem-se as medidas com tal circunspecção, que esta empresa seja começada e concluída dentro daquele tempo declarado e com as prevenções e cautelas mencionadas.

Parecia também conveniente que esta diligência tivesse o seu princípio antes pelo rio Sena e Moçambique do que por Angola, ou por Benguela. O sertão que vai a descobrir-se está mais chegado à costa oriental, e por conseguinte mais próximo àquele rio e àquela povoação e capital; os negros dessa parte são indubitavelmente mais disciplinados, mais bravos e mais valentes; e havendo algum obstáculo que romper, convém que a gente esteja fresca e vigorosa para resistir e aplanar qualquer dificuldade que da parte deles possa oferecer-se; que não se conseguiria, se a expedição fosse começada pela costa ocidental ou de Benguela. Porque quando chegasse à contra costa, vinha a esse tempo a gente já estropiada, cansada, provavelmente desbastada e bem diminuída, e como tal incapaz de resistir e vencer os embaraços que os negros dessa costa suscitassem.

Passo finalmente a tratar do que me parece mais dificultoso e ao mesmo tempo da maior importância e consequência; de um homem, digo, ou antes de um herói (que por tal deve ser avaliado) no qual concorram as qualidades indispensáveis, que requer o comando e a direcção de uma empresa tão séria e melindrosa, que a não se conseguir a primeira vez que se intentar, ficam certamente impossibilitadas quaisquer outras tentativas que depois se hajam de fazer: porque ficaria o sertão todo prevenido, de má fé e desconfiado; o que junto ao desgosto em que se acha por alguns enganos e violentas usurpações executadas por alguns dos sertanejos e outros brancos, tornaria não só impraticável, mas impossível qualquer outra diligência. Deve pois o comandante ser um homem cheio de probidade, de paciência, de fortaleza e de prudência, saudável e vigoroso, costeado no país e bem instruído nas máximas e costumes destes povos, sóbrio, modesto, sisudo e continente. Porque além da boa fé, da verdade e do pronto pagamento de tudo o que se lhe comprar, é precisa suma vigilância a respeito das mulheres, de que esses bárbaros são zelosos por extremo, e certamente se malograra a expedição se uma só fosse atacada com violência, ou ainda mesmo aliciada; e faz-se muito necessário que o comandante, dando nesta matéria o mais público, notório e constante exemplo, proíba debaixo das penas mais graves e castigue prontamente sem excepção e sem demora, a qualquer que nisto delinquir: para o que se faz preciso que ele seja revestido de grande poder e autoridade para impor e fazer executar as penas graves, que as circunstâncias exigirem. Só assim pode seu lugar fazer-se respeitável como convém, e ele ser prontamente obedecido. E se for circunspecto e prudente, como deve, saberá temperar esta autoridade com os doces atractivos da benevolência, da humanidade e da brandura. Seria bom e conveniente que não tivesse nesta diligência subordinação a governador algum, nem general, e que a estes fossem as mais apertadas e decisivas ordens, para prestarem todo o auxílio que lhes fosse requerido; mas por desgraça, eles sempre encontrarão motivos especiosos para, ou de todo desvanecer, ou pelo menos retardar estas diligências, quando não vão por eles dirigidas.

As primeiras impressões são as que decidem geralmente a respeito do partido que devemos tomar, e os homens de ordinário, se governam e determinam por aqueles objectos que lhes ferem os sentidos exteriores. Pelo que observando aqueles bárbaros povos a boa conduta, a mansidão, a verdade, a candura e moderado comportamento não só do comandante, mas também dos companheiros, inferem logo daqui as boas e pacificas intenções de quem os manda e pela experiência que tenho de tratar com esta gente, posso assegurar por muito fácil, desejado e feliz sucesso desta diligência. Além disto deve ser animado de um verdadeiro patriotismo independente, abastado e que só de glória seja ambicioso. É muito e muito de notar e averiguar esta qualidade: porque é notório e infelizmente experimentado, que o sórdido interesse dos comandantes, é quem de ordinário malogra as melhores expedições d'África. O seu mau exemplo atrai imitadores e tudo se transtorna; porque não é capaz de conter os outros, quem a si mesmo se não pode reprimir. Desta forma, ou por este motivo, se atropelam as instituições mais judiciosas e prudentes, tornam odioso o respeitável nome do Soberano que os envia, conculcam os mais sagrados direitos do decoro, da justiça e da verdade; e por cúmulo da desgraça, sempre acham subterfúgios com que evadir os castigos merecidos.

Como se não trata de ostentação nesta diligência, convém muito, ou antes é preciso diminuir o mais que puder ser, toda a bagagem aparatória e não se admitirem os costumados baús, arcas, mesas, camas, loiças e fardos de fazenda que possam embaraçar uma pronta e seguida marcha. O trem do comandante, se ele for, como deve, soldado verdadeiro, bastará que seja tal que um negro sem estorvo possa conduzi-lo. E se também nisto der exemplo, será imitado e obedecido sem constrangimento, nem violência; porque os súbditos, se observam que o seu maior ou superior se não distingue, nem se forra aos incómodos e contratempos, sofrem também à sua imitação, sujeitam-se calados, não têm ocasião de murmurar e tudo corre como deve, como se deseja e se pretende.

Para prevenir qualquer desastre que possa levar o comandante da presença dos viventes, ou que o impossibilite no exercício do seu emprego, faz-se indispensável a nomeação e companhia de um seu tenente ou vice-comandante, que seja igualmente revestido, e dotado das mesmas qualidades que ele tem de ostentar na falta, ou no impedimento do primeiro.

Estas, Senhor Excelentíssimo, são as reflexões que tenho feito sobre o descobrimento do sertão desconhecido do amplíssimo reino de Angola; e sobre a comunicação por terra das duas costas oriental e ocidental. A experiência e a prática do país as tem suscitado e feito nascer no meu espírito e o zelo do bem da minha pátria, como disse, da glória da minha nação e do interesse do meu príncipe, me obriga a apresentá-las o Vossa Excelência, que, pesando-as na balança fiel da sua perspicaz inteligência e aumentando, diminuindo e mudando o que julgar conveniente, só nos pode dar esperanças de se ver efectuada uma tão importante e gloriosa diligência. Estes os meus votos e os meus únicos desejos, sem mais outro algum intento que não seja a gostosa complacência de haver para ela concorrido, podendo seguramente asseverar como o nosso Horácio na dedicatória dos seus versos:

 

«Eu desta glória só fico contente

Que a minha terra amei e a minha gente. »

 

                                              José Maria de Lacerda.

 

NOTAS

Pelo Excelentíssimo Senhor Visconde de Sá da Bandeira

 

—A—

Esta memória de José Maria de Lacerda, dirigida ao Ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho, pode ser considerada como um preliminar à relação da viagem feita pelo Dr. Lacerda e Almeida, de Moçambique ao Cazembe, pois que o autor aconselhava nela ao Ministro, que a expedição que fosse destinada a atravessar a África duma a outra costa, começasse a sua viagem de Rios de Sena, dirigindo-se dali a Angola; e aquele Ministro assim o ordenou; e assim se empreendeu em 1797, sem contudo se obter completo resultado; ainda que o parcial conseguido adiantou mui consideravelmente os conhecimentos sobre o interior d'África austral. Na livraria do Sr. Conde de Linhares existe o original, sem data, desta memória.

O autor diz que acompanhara a expedição que, em 1787, fora enviada com instruções para descobrir o curso do rio Cunene até à sua foz; o que não se efectuou. Seria útil para o estudo geográfico, procurar que fosse conhecido o diário, ou uma notícia circunstanciada desta expedição.

 

— B—

O autor considera a introdução e propagação dos camelos em Angola, como um meio de aumentar o comércio. Foi precisamente com este fim que o governo da metrópole, em 1838, fez para lá transportar alguns destes animais, levados das ilhas Canárias: mas segundo notícias recentes, parece que têm sido tratados com negligência.

Como a navegação dos rios de Angola é muito limitada, será somente por meio de animais de carga ou de carros, que o comércio no interior da província e nos sertões, poderá ser levado a um grau considerável de prosperidade. Por exemplo, se de Cambambe, lugar até onde o Quanza é navegável, se abrisse uma estrada carreteira, que passasse por Pungo-Andongo e terminasse na fronteira dos territórios Portugueses, então com vantagem poderia estabelecer-se uma comunicação por vapor entre Luanda e Cambambe; e daqui em carros ou bestas, se fariam as conduções até à fronteira, havendo também nesta via depósitos ou feiras, em lugares apropriados e seguros, e poderia esperar-se um desenvolvimento muito rápido no comércio do marfim, cera, café e outros géneros lícitos. Não se poderá porém esperar em Angola, nem a criação de animais próprios para carga, nem a abertura de estradas, nem que os transportes se façam em carros, enquanto se não acabar efectivamente com um abuso atroz que existe exclusivamente nesta colónia, porque em nenhuma outra possessão Portuguesa, nem mesmo em Benguela, ele se encontra: este abuso consiste em serem forçados os negros livres a caminharem centenares de léguas carregados com fazendas de negociantes particulares, que as fazem transportar para o sertão já destinadas em geral para o tráfico da escravatura: estes carregadores marcham muitas vezes presos uns aos outros, com correntes de ferro nos pescoços, ou em libambo, como lá dizem, para que não fujam; e além disto são maltratados com pancadas e por outros meios; e quase que não recebem pelo seu trabalho pagamento algum, porque tal se não pode considerar alguns centos de reis pagos no fim de eles haverem marchado muitos centos de léguas. Este abuso terrível tem despovoado Angola, fazendo fugir famílias inteiras em grande número, para as terras dos vizinhos potentados independentes; e consequentemente tem diminuído a cultura e as rendas do estado provenientes dos dízimos.

O Governador D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho proibiu este abuso; sendo porém renovado no tempo do seu sucessor. Um dos subsequentes governadores deu providências, em 1791, para diminuir as barbaridades que os negociantes praticavam com os pretos carregadores, especialmente na feira de Cassange. O Conde de Porto Santo, que foi governador de Angola, propôs ao governo a sua imediata abolição. É também notável que nas instruções dadas em 3 de Abril de 1796, pelo governo, ao Governador de Benguela, se determina que ele não consinta que os negociantes tirem por força aos Sovas os pretos carregadores, mas que somente os possam haver por convenção no preço das cargas. Enfim por Portaria de 31 de Janeiro de 1839, determinou o governo que ficasse abolida imediatamente aquela prática opressiva e ilegal, declarando-se que os pretos livres têm tanto direito como os brancos, de disporem à sua vontade do seu trabalho pessoal. Mas as autoridades de Angola, interessadas com os negociantes na continuação deste género de opressão, tiveram arte para o fazer continuar ate hoje. Ao negociante é mais económico carregar em pretos, do que em bestas, porque para viagens de centenares de léguas, paga por cada carregador, apenas 4, 5 ou 6.000 reis, segundo as ocasiões, quantia que para si recebe o comandante ou regente do distrito, o qual por este e outros modos, para se enriquecer, se torna o opressor, em vez de protector dos povos que governa, quando pelo aluguer de uma besta para igual distância, teria a pagar o mesmo negociante, muitas vezes a quantia que lhe custa um homem carregador. É pois evidente que, enquanto este abuso existir, não se cuidará em Angola, da criação de animais próprios para carregar; o abuso não acabará, se o governo, apoiado na lei, não empregar rigor e perseverança para o fazer cessar.

 

—C—

 O autor refere que no seu tempo, grande parte do comércio dos sertões Portugueses, era feito em proveito dos estrangeiros que frequentavam os portos da costa do norte de Angola. Esta queixa já se fazia muito tempo antes de escrita pelo autor, como se lê em uma memória de J. M. Garcia de Castro Barbosa, redigida em algum dos anos que decorrem de 1772 a 1779, e que existe em manuscrito, na qual ele atribui o aumento da concorrência de estrangeiros àqueles portos, ao desleixo dos Governadores de Angola, que haviam abandonado as feitorias que Portugal possuía em Loango, Cabinda, Sonho e Ambriz, etc. Feitorias por meio das quais dominava desde o cabo de Lopo Gonçalves, para o sul, toda a costa e lodos os rios, entre os quais o Zaire e de imensa importância.

Foi para embaraçar o comércio destes estrangeiros, que no século passado foram levantados os fortes de Encoge, no interior, e na costa o de Novo Redondo, o de Cabinda e o do rio Loge ou Ambriz, o qual pouco depois se abandonou. O de Cabinda, construído em 1783, foi destruído em 1784, por uma força naval Francesa, com motivo de que embaraçava o tráfico da escravatura aos negociantes franceses. Deste facto resultou a convenção de 1786, entre Portugal e a França, pela qual esta potência concordou em que os Franceses não fariam o comércio nos portos ao sul do Cabo do Padrão, que forma a ponta meridional da foz do Zaire: comércio que era então exclusivo dos Portugueses. Pelo tratado entre Portugal e a Grã-Bretanha, de 28 de Julho de 1817, reconheceu esta potência que a coroa de Portugal possui nesta costa o território compreendido entre 8 e 18 graus de latitude sul; isto é, até perto de Cabo Frio; e reconhecendo também que a mesma coroa se reservava os seus direitos sobre os territórios de Molembo e de Cabinda, desde 5 graus e 12 minutos, até 8 graus: reserva em que se compreende a foz do Zaire. A Carta Constitucional também conta estes últimos territórios como formando parte da monarquia. Angola acha-se hoje em um estado semelhante àquele em que estava quando se tratou de levantar aqueles fortes. Muitos navios vão descarregar longe do porto de Luanda, para deixarem de pagar direitos, o que faz diminuir o rendimento da alfândega daquela cidade. Depois de se ter feito o mencionado forte no rio Loge, o Marquês de Mussul e outros potentados daquele país, foram a Luanda reconhecer-se vassalos da coroa Portuguesa; submissão que fez aumentar o rendimento da alfândega. Com o fim de se conseguir este objecto e para se concorrer ao mesmo tempo para a supressão do tráfico da escravatura, ordenou o governo Português, em 1838, ao Governador-geral de Angola, que fundasse um presídio em Mossâmedes; o que se fez, e este estabelecimento vai prosperando. Ordenou também que sucessivamente outros se fundassem nos portos de Ambriz, no Zaire, em Cabinda e em Molembo, nos quais portos porem deverá continuar a admitir-se o comércio estrangeiro com mui moderados direitos.

Esta segunda parte das instruções não foi levada a efeito ainda que seria de grande proveito para Angola, tanto para o comércio lícito, como para embaraçar o tráfico da escravatura; também seria de muita utilidade para os estrangeiros que ali vão tratar, os quais encontrariam segurança comercial que hoje não têm, por muitas vezes se acharem sujeitos aos caprichos dos Chefes negros que dominam no porto.

É útil, e necessário, para a consolidação do domínio Português nos territórios que se acham reconhecidos pertencerem a Portugal, e que existem ao longo de toda a costa desde Loango até Cabo Frio, fortes em que tremule a bandeira Portuguesa e que sirvam de protecção ao comércio nacional e ao estrangeiro, onde este for permitido.

A conservação de tais fortes afastara também a possibilidade de contestações com potências estrangeiras, como as que têm ocorrido nos últimos 20 anos, entre Portugal e a Grã-Bretanha, relativamente à baía de Lourenço Marques e à ilha de Bolama; e entre Portugal e a França relativamente à fundação da feitoria de Sego, na margem do rio Casamansa. Não deve também esquecer que, nos últimos anos, os Franceses tomaram posse de uma das ilhas de Comoro e de mais outra no canal de Moçambique, fundaram duas novas feitorias na costa da Mina e uma outra no rio Gabão, que está a menos de 2 graus ao norte de cabo Lopo, rio este com o qual comerciam as ilhas de S. Tomé e Príncipe, o que deve ser mais um motivo para que os Portugueses não se exponham por incúria, a perder aquilo a que têm direito.

 

 

—D—

A opinião emitida pelo autor, de que o rio Cunene, chamado também rio Trombas [O Capitão General de Angola nomeou, em 31 de Março de 1794, um Capitão ou cabo das passagens do rio Cunene ou Trombas, para evitar contrabandos; sujeito ao Capitão Mor de Caconda], é o mesmo que o Zambeze ou Cuama, ao qual ele chama rio Sena, não pode sustentar-se em presença das considerações seguintes:

O Cunene, segundo diz seu autor, tem, a 50 léguas das suas nascentes, uma largura de 600 toesas, isto é, de 540 braças. Ora o Zambeze tem apenas 450 a 500 braças a pouca distância abaixo de Tete, segundo afirma o Dr. Lacerda que em Janeiro de 1798 mediu esta largura; e ele também achou que ainda mais abaixo, na garganta enfragada por onde atravessa a serra de Lupata, ela era em ocasião de cheia de 180 a 200 braças; e acontecendo, durante a sua viagem pelo rio, abaixarem as águas quatro palmos, foi-lhe preciso fazer descarregar os barcos em que ia e que o seguiam, para estes poderem navegar.

Se o Cunene fosse o mesmo que o Zambeze, o seu curso desde as suas nascentes até Tete seria de 300 a 400 léguas de extensão; e em espaço tão longo deveria engrossar de modo que, nos territórios de rios de Sena, a massa das suas águas havia de ser muito superior àquela que tem a 50 léguas das suas fontes: entretanto achou-se que no passo de Lupata, tendo menos de 200 braças de largo, não tinha, em certo tempo do ano, água suficiente para permitir a navegação de barcos carregados. É portanto inadmissível a hipótese de que o Cunene corre para o canal de Moçambique, onde não desemboca rio algum de maior volume d'águas do que o Zambeze: e seria absurdo pretender que a sua foz fosse ao Norte ou ao Sul deste canal.

A opinião de que o Cunene despeja as suas águas no mar atlântico, é mais plausível. O Governador de Benguela, Barreto de Vasconcelos, em 1799, escrevia que: o Cunene se vai meter no mar em Cabo Negro, e que antes da sua barra forma três ilhas, e que lança muitas trombas.

Este cabo está em 15° 48' de latitude Sul; e mais para o Sul, em 17° 15', achou um Navio Inglês, em 1824, a foz de um rio considerável, a que deu o nome de rio Nourze: mas no ano seguinte de 1825 o Capitão Owen, que então se achava empregado no reconhecimento das costas africanas, não pôde achar sinais do rio indicado, nem mesmo nas 30 milhas ao Norte e nas 30 milhas ao Sul do ponto marcado da sua foz. Esta circunstância foi explicada com o facto conhecido de que na estação das secas muitos dos rios que se dirigem a esta costa, perdem-se em areais antes de chegarem ao mar, tal é por exemplo o rio dos Mortos que corre para a baía de Mossâmedes.

Ainda que pareça provável que o Cunene despeje no atlântico, há uma terceira hipótese que merece ser discutida: ela é de que este rio desemboca em um grande lago situado muito no interior do continente, à semelhança d'alguns dos grandes rios da Ásia que desaguam no mar Cáspio e nos lagos Aral e Baikal, e de outros da África que se perdem no lago Tihad, e no que existe ao Norte de rios de Sena, chamado lago Maravi em muitas cartas geográficas, e lagoa Zachaf pelo padre Manuel Godinho que diz correrem dela dois rios para o Zambeze, e por esta lagoa julga o mesmo padre que seria fácil a comunicação de Moçambique com Angola. Entretanto o Sr. Capitão Gamito no seu interessantíssimo diário da expedição Portuguesa que, em 1831, foi de rios de Sena ao Cazembe, o que esperamos não tardará a ser impresso, diz que os geógrafos chamam erradamente lago Maravi ao rio que tem o nome de Nhanja Grande, o qual desagua no mar na proximidade da ilha de Zanzibar.

Em apoio da opinião de que o Cunene despeja em um lago, há as considerações seguintes: no ano de 1801, dois Commissários holandeses, chamados Fruter e Someville, partiram da Cidade do Cabo para o interior, a fim de comprarem gado; e tendo passado para o Norte do rio Orange, entraram no país dos Batlapis, que nunca havia sido visitado pelos Brancos,

Os Comissários foram informados, por meio dos seus intérpretes, que todos os povos que viviam para o Norte e Noroeste, falavam, como aqueles, a língua Sichuana, ainda que com variados dialectos, e que todos eram Bechuanas (o que quer dizer que eram semelhantes a eles Batlapis): que o país era todo de vastíssimas planícies secas, e que para o lado do Noroeste havia um grande lago; o qual, segundo o juízo dos mesmos Comissários, deve estar situado nos confins dos territórios de Benguela. Agora, considerando que o autor J. M. de Lacerda, diz que o Cunene corre para Leste, não é impossível que se dirija para o lago referido.

A decisão deste interessante ponto de geografia não pode tardar muito: porque, desde alguns anos, acham-se estabelecidas no país dos Bechuanas várias missões protestantes e de irmãos morávios, e por meio delas um número considerável de indígenas tem aprendido a ler e escrever, e mais outros princípios de civilização. Além disto, diferentes negociantes do cabo têm avançado a distância de 300 e 400 léguas da fronteira daquela colónia, pelo interior do país, no que têm facilidade: 1.° pela boa recepção que lhes fazem os habitantes; 2.° por ser Sichuana a língua destes, da qual há gramáticas em holandês e em inglês, língua que talvez tenha relação com a bunda falada no sertão de Angola; 3.º por poderem os Sertanejos viajar nos grandes carros usados no cabo, puxados por numerosas juntas de bois.

Outra razão para que por muito tempo não fique por explorar aquela parte d'África onde se julga existir o mencionado lago, consiste no facto de que, desde 1836, têm emigrado para fora das fronteiras da colónia do cabo mais de 30:000 indivíduos de origem holandesa, que têm pretendido subtrair-se ao domínio Britânico. Esta extraordinária emigração de famílias inteiras, levando consigo os seus rebanhos e todos os seus haveres transportáveis, que faz recordar a saída do Egipto do povo israelita, tem-se dirigido para a costa oriental, e parte dela fixou-se na terra do Natal, donde alguns dos emigrados têm avançado até à baía de Lourenço Marques e a Inhambane. Consta porém, por notícias recentes, que uma parte da emigração se achava, em 1844, no interior do país sem se haver fixado definitivamente. Pode pois acontecer que alguns dos emigrados se dirijam para o Noroeste, e que venham visitar as fronteiras das Possessões portuguesas d'África ocidental, e reconhecer a foz do Cunene, como outros o têm feito às de África oriental.

A glória da exploração de todo o curso do Cunene e do país que ele banha, deve ser adquirida pelos portugueses. Nenhum outro povo tem tantos meios de a obter, e a nenhum poderia resultar maior conveniência da descoberta; porque senhores, como estamos, da costa ocidental, se aquele rio for navegável, como o faz presumir a largura de mais de 500 braças, mencionada pelo autor, poderíamos desde o mar assegurar, por meio de presídios levantados em lugares próprios, uma via importantíssima de comunicação comerciai.

O porto de Mossâmedes parece o mais conveniente para ser o da partida da expedição que, seguindo a direcção da Huíla, iria deste ponto às margens do Cunene, e por elas caminharia até à sua foz.

Se o Governo português se determinasse a empreender esta bela descoberta, não faltariam certamente, na Armada e no Exército, oficiais moços desejosos de adquirirem glória, que para ela se oferecessem: nem o Governo deixaria em tal caso de recompensar com adiantamentos nas suas respectivas carreiras, aqueles que cumprissem as comissões de que se encarregassem.

Os conselhos do autor desta memória, sobre o modo de empreender a expedição, e  sobre a escolha das pessoas para a mesma, são ditados pela experiência e pelo bom senso, e devem seguir-se: mas hoje exige-se dos descobridores, pagos pelos Governos, mais do que naquele tempo se requeria; bem que deva haver toda a atenção em formular as instruções dadas ao chefe e empregados numa expedição de descoberta, de modo que se lhes não imponham obrigações que não possam cumprir com facilidade.

Supondo a expedição dirigida e composta de Oficiais militares de terra, e de mar, compreendendo um facultativo médico ou cirurgião, deveriam para ela ser preferidos aqueles que tiverem mais soma de conhecimentos; aqueles, por exemplo, que houvessem completado o curso da escola politécnica: alguns deles deveriam possuir facilidade na prática dos instrumentos astronómicos para a determinação das latitudes e longitudes, e estas especialmente por meio dos eclipses dos satélites de Júpiter, de que o Doutor Lacerda fez sempre uso na sua expedição. A determinação das alturas por meio do barómetro; observações termométricas, barométricas, magnéticas, etc., seriam feitas regularmente. Um naturalista prático, nacional ou estrangeiro, indagaria as produções do país, e faria as colecções que pudesse; e um hábil desenhador completaria o pessoal da expedição. Os itinerários deveriam ser redigidos com a maior atenção, e sem demora seriam postos em forma de mapa, no qual se notariam todas as notícias geográficas interessantes do país percorrido.

Uma memória minuciosa compreenderia a descrição do país, dos povos, vocabulários, etc.

Antes da partida da expedição seria muito conveniente que cada um dos encarregados das observações científicas praticasse por tempo suficiente com os instrumentos de que havia de fazer uso.

 

—E—

O país a que o autor chama Levar, é o mesmo a que Botelho de Vasconcelos dá o nome de Loval. Segundo ambos, o caminho de Benguela para ele passa pelos seguintes lugares — Balundo — Bihé—e rio Quanza: diferem porém muito quanto às distâncias. J. M. Lacerda conta de Benguela ao Quanza 100 léguas, deste rio a Levar 80, soma 180: Botelho diz que há de Benguela ao Quanza 148, deste rio a Quinhama, residência do Sova do Loval, 191, soma 339. Adicionando estas duas contas e dividindo por dois, seria a distância média de Benguela ao Quanza 124, deste rio a Loval 135, total 260. Este país, que Botelho diz estar situado ao Sul dos Moluas, parece dever achar-se a Sudoeste do Cazembe.

Junho 2 de 1844.

                                                     Sá da Bandeira.

 

(Transcrito dos Annaes Marítimos e Coloniaes (Parte não Oficial), Série n.º 4 (5), 1844, pags. 188-214). Actualizou-se a ortografia, mas manteve-se a pontuação.

 

 

 

RELATÓRIO DA VIAGEM FEITA АО RIO DOS ELEFANTES EM NOVEMBRO DE 1854

 

«Desde muito tempo que se falava no rio Cunene, na fertilidade de suas margens, e na sua riqueza mineral; porém estas notícias, apenas colhidas de indivíduos que feiravam pelo sertão, nada diziam respeito à sua foz, havendo por isso incerteza se era ou não navegável em toda a sua extensão. Resolvido pois a prestar algum serviço ao meu país, tomei a deliberação de ir pessoalmente à foz daquele rio, a fim de conhecer de que grau de importância se tornaria para o comércio de África aquele rio, que desagua na costa ocidental, e não na contra-costa, como erradamente vem marcado no mapa que faz parte dos ensaios de Lopes Lima sobre a estatística das nossas possessões ultramarinas; digo que vem marcado erradamente, porque tendo a sua origem no país chamado Nano, nome gentílico, e que significa terras altas, divide Molembo, Rombe e Camba, que ficam na margem direita do Canhamo, que fica na margem esquerda, descrevendo uma curva até ao litoral do distrito de Mossâmedes, em latitude de 17° 15', o que se conclui da descrição que os feirantes do mato fazem do seu curso, bem como do que dizem os moimbas e mossimbas, povos que habitam na margem esquerda, e que entretêm algumas relações com o povo de Craque, povoação ao sul de Mossâmedes, a dia e meio de viagem. Finalmente em abono desta opinião vem a planta junta n.º 1, copiada de um atlas geográfico em inglês (Bowles's new one sheet map of Africa) no qual se vê a direcção que o rio leva da origem à sua foz, e que pouco difere da que os feirantes ou fonantes descrevem.

«Na firme tenção de dar uma notícia exacta da sua foz, e ver até que ponto era navegável, em 3 de Novembro, depois de lavrado, assinado e arquivado o competente auto na secretaria do governo (copia n.º 1), embarquei na escuna Conselho, bem como os srs. Bernardino F. F. Abreu e Castro, director dos colonos, Antonio Acácio de Oliveira Carvalho, capitão do brigue Aurora, José Duarte Franco, piloto do mesmo navio, e o colono Antonio Romano Franco, os quais mostraram vivos desejos de me acompanhar nesta digressão, e a que gostosamente não pude deixar de anuir. Pelas onze da noite saímos da baía de Mossâmedes, seguindo o rumo do sul, e ao segundo dia de viagem levantou-se por SO um vento rijo que nos obrigou a ir de capa seguida por algumas horas. No terceiro dia abonançou mais o tempo e prosseguimos na nossa derrota; até que finalmente no dia 8 chegámos à latitude da ponta do norte da grande baía dos Peixes (planta n.º 2), onde entrámos nesse mesmo dia. Esta vasta baía, que tem de largura 6 milhas e meia, e 18 de comprimento, é limitada a leste por grandes dunas de areia, e ao oeste por uma península também de areia, cuja máxima altura acima do nível do mar será de 8 a 9 palmos, e oferece um bom abrigo às embarcações de qualquer lote. A baía é muito abundante de peixe, sobretudo de baleias, como tivemos ocasião de observar. Se porventura ali se estabelecessem feitorias de pesca, estou certo que os lucros seriam avultados para quem se dedicasse a este ramo de indústria; e posto que o país que a circunda não ofereça sinal de vegetação, a não ser algum pequeno arbusto da família dos cactos, contudo tem muito próximo água doce; e na costa que segue ao sul da baía, na extensão do 80 milhas, muitos troncos de árvores que logo supusemos, como depois se verificou, serem oriundos das margens do rio Cunene, os quais, sendo lançados ao mar na ocasião das cheias pela sua grande e forte corrente, são depostos pelas marés no litoral ao norte da boca do rio. Pela ocasião de nos aproximarmos do fundo da baía figurou-se-nos ver algum arvoredo e um grande lago, o que tornava mais risonho o aspecto do país, mas esta ilusão durou poucos momentos; era a refracção que nos convertia os pequenos arbustos em grandes árvores, e o fenómeno da miragem que nos fazia tomar por lagos o que apenas eram planícies de areia em que reflectiam as supostas árvores e outros objectos elevados. Estivemos os dias 8, 9 e 10 fundeados na baía, na intenção de continuarmos a viagem por mar e irmos deparar com a boca do rio; porém sendo aquele ponto pouco conhecido, havendo o receio de ser difícil a sua entrada, e não acharmos próximo um abrigo seguro para a escuna, decidiu-se fazermos por terra o resto da viagem ao longo do litoral.

«Feitos os preparativos necessários, pelas oito horas e dez minutos do dia 11 desembarcámos e pusemo-nos em marcha a pé, no número de dez brancos e onze negros, que nos serviam para conduzir os comestíveis. Depois de havermos descansado duas vezes, tendo-se caminhado por areias movediças, marcha bastante penosa debaixo de um sol ardente, fizemos alto pelas cinco horas da tarde na praia das Esponjas, onde armámos barraca e passámos a noite, tendo sido o nosso trajecto até ali de 14 milhas, rumo SSO. Pelas quatro horas da tarde do dia 12 prosseguimos a nossa jornada na direcção NS caminhando por grandes bancos de granito, cortados no sentido longitudinal e transversal por veios de basalto, ficando-nos por leste grandes dunas de areia. A marcha foi menos penosa em razão do piso ser mais suave, e de termos tido maior número de descansos por causa dos carregadores que iam bastante fatigados. Às quatro e meia da tarde, tendo percorrido 12 milhas, acampámos junto ao litoral, sem que houvesse sequer um pequeno sinal que nos indicasse a proximidade de um rio. Quando se deu ordem para a ração de água, o que assim se tornava necessário, pois que apenas levávamos duas ancoretas dela para vinte e uma pessoas, ficámos um pouco desanimados, sabendo que apenas contávamos com cinco a seis quartilhos de água, sem esperança de a havermos em lugar próximo.

«No entretanto tomou-se a resolução de mandar duas pessoas um pouco mais para o interior, encarregados de fazerem escavações em terrenos baixos em procura de água, infrutuoso trabalho. Ainda não descoroçoados, e na firme tenção de obviar todas as dificuldades à nossa marcha, partiu para o mesmo fim o sr. Abreu Viana acompanhado de algumas pessoas. Mal sabíamos que apenas distávamos do rio 4 e 1/2 milhas. Pelas nove e meia da noite voltaram da sua expedição trazendo em duas garrafas uma porção de água límpida e fresca tirada do rio que no dia seguinte íamos ver.

«Passámos a noite alegremente, e ansiosos pelo romper da aurora para chegarmos ao nosso fim desejado. Não tardou muitas horas. Às quatro da manhã levantou-se barraca, e pelas cinco e meia chegou-se á margem direita do rio, légua e meia acima da sua boca. Daquele ponto se notaram logo coroas de areia, as quais aumentavam para a sua foz; e junto a esta existe uma ínsua com alguma vegetação (paisagem n.º 1). Porém não sendo possível conhecer daquele ponto se o rio tinha ou não entrada ampla e livre, fomos ao longo da margem direita até à costa; ali tivemos ocasião de ver que em frente do rio há um banco de areia, que liga completamente com a costa, que na ocasião das enchentes é roto ou transposto pelas águas do rio; e que, quando este leva pouca água, esta é infiltrada na areia. Deve-se aqui notar que Pimentel no seu roteiro diz que a corrente deste rio se faz sentir umas poucas de milhas ao mar; e indica o rumo que uma lancha ou escaler deve seguir na entrada do rio; porém estou intimamente convencido que quando este navegador ali passou foi na ocasião da cheia, que considerando-a como o seu curso regular, não apontou por isso esta circunstância. Ora, se em lugar de fazermos o resto da viagem por terra, fôssemos por mar, sendo o banco bastante alto, e confundindo-se com o resto da costa, não dávamos por certo com o rio, embora a sua latitude se ache bem demarcada. E quando mesmo se pudesse avistar o rio, a costa é tão batida que não permitiria a aproximação de uma lancha, sob pena de ficar destruída. Junto ao litoral, e na margem direita do rio, há bastante vegetação, e ali encontrámos grande quantidade de corças, penélopes, e cabras, que apesar de levarmos as nossas espingardas não foi possível tê-las a alcance de tiro. A costa neste ponto corre a SSO, e não oferece abrigo de qualidade alguma. O rio junto ao banco é bastante espraiado, e apenas permitirá que ali navegue um barco de fundo de prato; as suas margens são pouco elevadas, formadas de areia e calhau rolado com alguma vegetação; voltámos desta digressão para o nosso acampamento, e logo depois, e pela primeira vez deparámos com um elefante passeando na margem esquerda. Houve grande alvoroço no nosso pequeno bivaque com a aparição deste pacifico habitante das margens do rio Cunene, e imediatamente seis indivíduos da nossa comitiva passaram o rio a vau para lhe darem caça, não sem risco de vida na passagem do rio por causa dos jacarés, em que é abundante.

«Alguns dos caçadores mais atrevidos dispararam as suas armas bem perto do animal, mas este, sem alterar a sua marcha, foi seguindo o seu caminho sem que fizesse o menor caso dos seus perseguidores. No seu passo moroso, mas largo, ganhou aos caçadores grande dianteira, apesar de estes se esforçarem pelo alcançar, e encaminhou-se para o ponto da margem correspondente àquela onde tínhamos a barraca. Não foi sem algum receio que vimos o animal atravessar o rio na nossa direcção; pusemo-nos em defesa começando a fazer-lhe fogo, o que não impediu que efectuasse a passagem com bastante sossego, e seguisse para o interior pela margem direita sacudindo de vez em quando as suas enormes orelhas como sinal demonstrativo de lhe ser estranha e pouco agradável a música das balas.

«Passámos o resto do dia e noite perfeitamente sossegados, tendo-se previamente decidido, visto termos ainda mantimentos e grande abundância de água, explorarmos o rio até onde pudéssemos. No dia 14, pelas quatro horas da manhã seguimos ao longo da margem direita, encontrando a cada passo de um e outro lado do rio grandes medas de lenha, e troncos grossos semelhantes àqueles que vimos na costa. As margens vão-se elevando a pouco e pouco, e o rio estreitando-se sem que seu curso seja interrompido; mas a duas horas de viagem encontrámos grandes cachoeiras (paisagem n.º 2). A margem esquerda é formada de elevadas dunas de areia, e a margem direita de grandes rochas graníticas cortadas a prumo, o que nos obrigou a afastar um pouco da margem, e a seguir pelo espaço de quatro horas e meia primeiro que voltássemos ao rio. Foi este um dia de marcha mais penoso que tivemos, e sobretudo para os carregadores, em razão do terreno ser cortado por grandes ravinas, que ora eram transpostas, ora torneadas.

«Não sendo possível prosseguir mais naquele dia em razão do grande cansaço, caminhámos para o rio a fim de na sua margem escolhermos um local onde passássemos a noite; efectivamente chegámos a um sitio agradável e pitoresco, mais rico de vegetação, sendo a maior parte dela composta de cedros de dimensões muito menores que os da Europa; as margens são aqui um pouco espraiadas, oferecem, sobretudo á direita, fácil trânsito, sem que contudo deixe de ser orlada de grandes rochedos, continuando pela margem esquerda sem interrupção as dunas de areia. Neste lugar encontrámos grande quantidade de bosta de elefante, pegadas de zebras, corças, raposas, macacos, e de leão. A direcção do rio é de NE quarta de L.

«Em 15 continuámos a marcha com grande escassez de mantimentos, sem esperança de obtermos caça de qualidade alguma. Pelas nove horas e meia apertando mais o calor fizemos alto para descansar e almoçar o resto do nosso farnel, na firme tenção de retrocedermos, e ganharmos a baía no mais curto espaço de tempo, para não passarmos por crise de fome num país onde se não encontrava vestígio algum de gente. Felizmente durante o descanso avistou-se um elefante com seu filho em uma ilhota de capim, a menos de tiro de fuzil. Houve logo ideia de acometer a mãe para lhe apanhar o filho, mas a que eu não anuí, pois que sobre mim pesava grande responsabilidade, se por desgraça algum da comitiva fosse vítima do seu atrevimento; estivemos por algum tempo vendo o animal andar de roda do filho, como querendo abrigá-lo de alguma agressão, até que por fim o desamparou e seguiu pelo rio acima. Logo que o perdemos de vista consenti que fossem dar caça ao filho: em breves minutos um dos soldados que nos acompanhava, soldado preto e desembaraçado, transpôs o espaço que mediava entre nós e o animal, e à queima-roupa lhe disparou um tiro que o varou de espádua a espádua. Foi imediatamente conduzido por seis pessoas para o lugar onde estávamos, aberto e esfolado, esquartejado, e distribuído em rações. Pesava 7 arrobas, apesar de ser recém-nascido, o que se verificou por não ter coisa alguma nos intestinos, e somente uma porção de leite contido no estômago. Mandou-se logo cozer e assar uma porção de carne, e posso asseverar que é excelente.

«Pouco depois prosseguimos mais satisfeitos a nossa viagem: o aspecto do país que íamos percorrendo era sempre o mesmo, com a diferença porém da vegetação ser mais desenvolvida (paisagem n.º 3), e as pegadas de diferentes animais serem em maior número, com especialidade as de elefante, o que leva a crer que nas margens do rio, mais para o interior do país é onde persistem grandes manadas de elefantes, e que em certas épocas do ano descem às margens por que caminhámos.

«Desde a boca do rio até ao lugar a que pudemos chegar, que se calculou ser de 21 milhas, encontrámos oito elefantes dirigindo-se para o interior do país. Até este ponto o rio não tem importância alguma, é bastante estreito, tortuoso e cheio de cachoeiras, e por isso inavegável. Ainda mesmo que se destruíssem as cachoeiras, o que não era impossível, o rio nunca poderia ter a sua foz completamente desembaraçada; porquanto sendo a margem esquerda formada por grandes morros de areia, com facilidade é levada pela força da corrente, e em ocasião de cheias, até junto da sua foz, aonde sendo o rio mais espraiado, é ali depositada, em consequência da velocidade da corrente ser menor. Se o rio é navegável em alguns dos seus pontos não o sabemos, nem tão pouco a que distância nos ficam os povos que habitam suas margens; o que divisámos foi uma cordilheira de montanhas na direcção NS, e bastante elevadas, que supusemos distarem de nós de 6 a 7 léguas. Não nos dispusemos a transpô-las em razão das poucas ou quase nenhumas comodidades com que fizemos esta viagem; além de que a nossa missão era outra, e estava cumprida; e por isso no dia 16 regressámos à grande baía dos Peixes na direcção NO quarta N., onde chegámos no dia 17 pelas dez horas da manhã; tendo sido nosso trajecto por terra e a pé trinta e tantas léguas. Seguiu-se o embarque, e pela uma hora da tarde fez-se a escuna de vela, e às quatro horas da tarde do dia 18 lançava ferro na bela baía de Mossâmedes. Logo depois do desembarque lavrou-se um novo auto (cópia n." 2) das circunstâncias que se deram na viagem, e dos motivos que nos levaram a alterar a denominação daquele rio. Os resultados desta digressão vão-se sentindo; vários moradores de Mossâmedes, e que costumam negociar para o mato, preparam-se para fazer por terra uma excursão às margens do rio dos Elefantes, onde decerto vão achar mais uma fonte de riqueza para o comércio do estabelecimento: se porventura tratarem amigavelmente com o gentio daquelas paragens, o que decerto influirá para que de futuro venha pessoalmente negociar a Mossâmedes, a exemplo dos povos dos Gambos, Huila, Jau, Humpata, Quilengues, Humbe, Camba, Mulondo e outros.

«Mossâmedes, 20 de Novembro de 1854. Fernando da Costa Leal.»

 

Transcrito da Nota 9.ª de Exame das viagens do Doutor Livingstone, por D. José de Lacerda,  Lisboa, Imprensa Nacional, 1867, pags. 515-520. Actualizou-se a ortografia, mas manteve-se a pontuação.