10-12-2013
Simão Rodrigues Nobre, advogado, da Guarda e seu filho, médico
O Advogado Simão Rodrigues Nobre, cristão novo, era muito conhecido e tinha boa reputação como profissional na cidade da Guarda. Dormiam na Inquisição de Lisboa duas denúncias contra ele de 1619 e 1620, a primeira reportada a factos de 1607 e 1612. Nada que permitisse à Inquisição levá-lo para os Estaus. Em 1650, porém, chegou a Lisboa, vinda da Inquisição de Goa, uma denúncia de Manuel Gomes da Fonseca que lá se encontrava preso há 4 anos (Caderno do promotor n.º 31, fls. 278 a 291). Este manteve-se negativo todo esse tempo, mas quando o ataram no potro, fraquejou e começou a confessar. O rapaz era da Guarda e, assim, começou a dizer dos cristãos novos da cidade dos quais sabia o nome, num total de 27 páginas. Entre estes, o Advogado e seu filho médico, Diogo Rodrigues Nobre, de 38 anos. Diga-se de passagem que outro preso na sequência do mesmo testemunho foi o irmão do denunciante, Francisco Rodrigues Dias (1651-Pr. n.º 5454), também advogado.
O Promotor de Justiça requereu a prisão dos dois, mas o Conselho Geral apenas autorizou na altura a prisão do pai, que tinha então 63 anos.
Nos Estaus, caiu na mesma ratoeira que outros cristãos novos: fez jejuns judaicos. Daí em diante, seria quase impossível fazer-se perdoar pelos Inquisidores. Contestou por negação, e provou que tinha práticas de católico. Arguiu contraditas, pois inimigos não lhe faltavam, nomeadamente os opositores das pessoas que defendera nos tribunais (no civil, criminal e também no eclesiástico).
Permaneceu negativo até aos assentos da Mesa e do Conselho Geral. Depois, de mãos atadas, ensaiou uma confissão que não foi aceite. Vendo que não conseguia salvar a vida, fez em 30 de Novembro de 1652 uma declaração com muita dignidade revogando a confissão que fizera. Parece-me que, no caso dele, o jejum não significa forçosamente que ele não tivesse a crença católica, seria mais uma tradição da sua raça que ele gostava de manter.
Quando ele foi garroteado no auto de fé de 1 de Dezembro de 1652, já o filho estava preso, na via para ser também relaxado.
GENEALOGIA
LINHA PATERNA
Simão Rodrigues, da Guarda casou com Joana Rodrigues e tiveram:
1-Diogo Rodrigues, "Nobre" de alcunha, casou com Guiomar Nunes e tiveram:
Simão Rodrigues Nobre (1651 – Pr. n.º 4113), RELAXADO, advogado na Guarda, que casou com Luisa Nunes e tiveram
Diogo Rodrigues Nobre (1652 – Pr. n.º 11114), RELAXADO, médico, casado com Guiomar Nunes
Luis, Simão e Fernando, que faleceram de pouca idade
Brites Mendes, solteira, vivia em casa dos pais; casou com António da Fonseca Guedes e foram para Hamburgo
Brites Gonçalves, Guiomar e Isabel que faleceram de pouca idade
Fernão Lopes, vive na Guarda, solteiro, sem filhos
Henrique Mendes, solteiro, vive com o anterior e tem
Brites Gonçalves, de 30 anos, filha bastarda de uma cristã velha já defunta.
Guiomar, de 14 anos, filha bastarda de outra cristã velha
Domingos Mendes, de mais de 20 anos, também filho bastardo
Jorge Mendes Nobre (1660 – Pr. n.º 5323), advogado que casou com Isabel Nunes da Costa ou Isabel Rodrigues, cristã velha, e tiveram:
Fernão Lopes, de 23 anos
Manuel Mendes Nobre, advogado, morador em Trancoso, casou com Jacinta Mendes Sola e tiveram entre outros
Jorge Mendes Nobre (1703-Pr. n.º 8279, de Lisboa), que casou com D. Mariana Rebelo de Mendonça (Pr. n.º 551, de Lisboa) e tiveram entre outros:
José Guilherme de Castro (1725 – Pr. n.º 11318, de Lisboa)
Diogo Mendes Sola (1703 –Pr. n.º 5384, de Lisboa), de casou com D. Josefa Rodrigues de Abreu
Manuel Mendes Nobre (1706 – Pr. n.º 7324, de Coimbra) que casou com Catarina Mendes de Abreu e tiveram entre outros
Tomé da Costa de Abreu (1721 – Pr. n.º 10409, de Lisboa)
Luis de Sola Mendes (1703 – Pr. n.º 1718, de Coimbra) que casou com Brites Mendes
Henrique Jorge (1665 –Pr. n.º 154, de Coimbra), de 12 ou 13 anos
Joana
Brites (1665 - Pr. n.º 3686, de Coimbra))
Luisa
Josefa Maria (1665 – Pr. n.º 10335, de Coimbra)
Guiomar, que faleceu solteira
Joana Rodrigues, viúva de Duarte Nunes, de quem teve
Lourenço Jorge, médico, vive em Castela onde casou
Guiomar Nunes, solteira, vive com sua mãe
Violante Lopes, solteira, vive com sua mãe
Isabel Luis, casada com Manuel Pinheiro Freire
Leonor, morreu criança de garrotilho
Brites, morreu criança de garrotilho
2- Fernão Lopes Lameira (1619 – Pr. n.º 1459), que casou com Mécia Nunes (1619 – Pr. n.º 9452) e tiveram
Simão Rodrigues morreu solteiro, segundo lhe parece
António Fernandes foi para Castela há muitos anos
Joana Rodrigues foi para Castela há muitos anos
Grácia Rodrigues foi para Castela há muitos anos
3-António Lopes, foi casado com Antónia Fernandes, que faleceu doida, de quem teve
Gaspar da Silveira, que se ausentou para o Peru
Diogo Gomes, médico que foi casado não sabe com quem
Brites da Silveira, que faleceu solteira e doida.
4-Luis Gonçalves, casou com Joana Lopes, de quem teve um filho
Francisco Jorge, letrado, que casou em Pinhel com Juliana da Costa
Simão Rodrigues, que há muitos anos foi para o Peru.
Joana Henriques que foi casada com Henrique Mendes Neto, de quem teve:
Isabel Luis (1665 - Pr. n.º 9041, de Coimbra), que casou com Heitor Furtado Rebelo, Advogado
Maria Henriques, viúva de Nuno da Costa de Andrade que tiveram
Luis Gonçalves de Andrade (1655 - Pr. n.º 6710), ausente, RELAXADO em estátua
Jorge Nunes da Costa (1663 - Pr. n.º 2678)
Joana da Costa de Andrade que casou na Guarda com Miguel Teles da Costa
5-Jorge Rodrigues, banqueiro, nunca casou nem teve filhos
6-Francisco Rodrigues, casou com Joana Rodrigues, de quem teve filhos, cujos nomes não sabe e que de pouca idade foram para Castela
7-Leonor Rodrigues (filha bastarda), que foi casada duas vezes e teve do primeiro marido
Francisco Vaz, médico no Fundão
LINHA MATERNA
Henrique Mendes, natural da Coriscada, termo de Marialva, casou com Isabel Luis, natural da Guarda e tiveram:
1- António Mendes, que casou com Isabel Mendes, de Elvas, vieram viver para a Guarda e tiveram:
Manuel Rodrigues Caldas, viúvo de Violante Gomes, morador na Coriscada, que tiveram:
António Mendes Caldas (1663 - Proc. n.º 1171, de Coimbra), casado com Luisa de Sola, que tiveram
D. Brites de Mercado - (1706- proc. n.º 1703 de Lisboa), que casou com Manuel Henriques do Mercado (1703 - proc. n.º 1954, de Lisboa), filho de Maria Henriques e de Simão Rodrigues Aires
Manuel Mendes Neto, nascido por volta de 1644 – (Coimbra 1663 – Proc. n.º 3389)
Henrique Mendes Caldas, casado com Leonor Henriques (1626-Pr. n.º 462), que se passaram para Castela
Filipa Gomes, já defunta, que casou com Luis Gonçalves Mendes, na Guarda, que tiveram
Isabel Mendes, casada com o Dr. Francisco Gomes Chacão, médico, morador na Guarda, que tiveram
Isabel Mendes (1665 - Pr. n.º 3538)
Brites Mendes Chacão (1665 – Pr. n.º 2314, de Coimbra), casada com Tomé de Mercado)
2-Francisco Mendes, faleceu solteiro, sem filhos
3-Luisa Nunes, foi casada com Simão Dinis (1604 – Pr. n.º 10085, de Coimbra), moraram na Coriscada – saíram ambos em liberdade pelo perdão geral de 1605
4-Leonor Nunes foi casada com Sebastião Mendes Neto e ficaram-lhe os filhos que vivem em Trancoso:
Manuel Mendes Neto (1625 – Pr. n.º 6474), viúvo de sua prima Isabel Luis, que tiveram
Sebastião Neto (1663-Pr. n.º 6933, de Coimbra) [casado em Trancoso com Brites Mendes],
Luis Gonçalves,
António Mendes [morreu solteiro],
Leonor Nunes e Brites Mendes que morreram solteiras
Violante Gomes que foi mulher do referido Manuel Rodrigues Caldas
Guiomar Nunes, casada com Diogo Rodrigues Nobre (1652 – Pr. n.º 11114), médico
António Mendes Saldanha, casado com sua prima Brites Gonçalves, e tiveram
Diogo Nunes, que faleceu solteiro, e deixou uma filha chamada Luísa Nunes, que teve de Maria João, cristã velha, falecida.
Leonor Nunes, casada com António Rebelo (1660 - Pr. n.º 6915, de Coimbra) em Trevões, que tiveram
Brites de Saldanha (1665 – Pr. n.º 3694, de Coimbra)
5 - Isabel Luis que foi a 1.ª mulher de Diogo Nunes Neto (1626 – Pr. n.º 6635), e tiveram
Henrique Mendes Neto, casado a 1.ª vez com Leonor Nunes, de que teve
Isabel
casou 2.ª vez com Joana Henriques, de que teve
Isabel Luis (1665 - Pr. n.º 9041, de Coimbra), que casou com Heitor Furtado Rebelo, Advogado
De Domingas de Lucena, cristã velha, teve uma filha ilegítima:
Maria Henriques (1670 - Pr. n.º 4252, de Coimbra), que casou com Miguel Lopes
Leonor Henriques (1626 - Pr. nº 462, de Lisboa) que foi casada com seu primo Henrique Mendes Caldas
Brites Gonçalves (1626 – Pr. n.º 7726, de Lisboa), que foi casada com seu primo António Mendes Saldanha ou Lamego
E ele (Henrique Mendes Neto) casou 2.ª vez com Beatriz Reinosa (1626 – Pr. n.º 7722), de quem teve:
Alonso Reinoso, solteiro, de 22 ou 23 anos (em 1626)
Isabel Reinosa
6-Guiomar Nunes, que casou com Diogo Rodrigues Nobre e tiveram (ver o n.º 1 da linha paterna)
CUNHADOS DE SIMÃO RODRIGUES NOBRE
Brites Mendes casou com Luis Gonçalves Mendes e tiveram:
A- Luisa Nunes, que casou com Simão Rodrigues Nobre (1651 – Pr. n.º 4113)
(conforme acima)
B- Luis Gonçalves foi casado a 1.ª vez com Filipa Gomes, de quem teve
Isabel Mendes, viúva de Francisco Gomes Chacão, médico, que tiveram
Filipa Gomes (1665 – Pr. n.º 3538)
Brites Mendes Chacão (1665 – Pr. n.º 2314, de Coimbra, casada com Tomé de Mercado),
Da 2.ª vez, casou depois com Antónia Nunes, que faleceu e de quem lhe ficaram
Luis Gonçalves, ausente em Baiona e é casado com Leonor Nunes
Brites Mendes (1665 – Pr. n.º 2059, de Coimbra), casada em Pinhel com Diogo da Fonseca
Branca Rodrigues, RELAXADA [1662-Pr. n.º 9380, de Lx.ª], casada em Trancoso com Fernão Mendes da Costa ou Guterres [1662-Pr. n.º 10488, Lx.ª]
Luisa Nunes (1662 – Pr. n.º 5224), de 23 anos, casada com Gonçalo Lobo Guedes (1662-Pr. n.º 10465)
Leonor, de 20 anos,
Guiomar, de 18 anos
C-Isabel Luis, falecida, foi casada com seu primo Manuel
Mendes Neto
(1625 – Pr. n.º 6474) (depois
viveu em Trancoso) e tiveram:
Sebastião Neto (1663-Pr. n.º 6933, de Coimbra) [casado em Trancoso com Brites Mendes],
Luis Gonçalves,
António Mendes [morreu solteiro],
Leonor Nunes [morreu solteira],
Brites Mendes [morreu solteira],
Violante Gomes [faleceu], foi casada com Manuel Rodrigues Caldas e ficaram
António Mendes Caldas (1663 - Proc. n.º 1171, de Coimbra), casado com Luisa de Sola, que tiveram
D. Brites de Mercado - (1706- proc. n.º 1703 de Lisboa), que casou com Manuel Henriques do Mercado (1703 - proc. n.º 1954, de Lisboa), filho de Maria Henriques e de Simão Rodrigues Aires
Manuel Mendes Neto, nascido por volta de 1644 – (1663 – Proc. n.º 3389, de Coimbra), que casou com Violante de Almeida
Isabel
Leonor
Guiomar Nunes [é mulher do Diogo Rodrigues Nobre (1652 – Pr. n.º 11114) ].
N.B. Estas genealogias não contêm todos os elementos, mas apenas os que se julga interessarem para referenciar a acção da Inquisição; por isso, indica-se o ano da prisão e o número do processo. Na falta de indicação, o processo é da Inquisição de Lisboa.
São bastante difíceis de compilar, por diversos motivos:
- Dentro da mesma família, repetem-se os nomes e sobrenomes, embora este últimos variem por vezes ad libitum;
- Abundam as homonímias
- Há muitos casamentos entre primos e entre tios e sobrinhas e vice-versa
- De notar que, muitas vezes, os netos adoptam os nomes próprios dos avós
- Há que ter em conta que os sobrenomes são inventados ad hoc, já que, por definição, os antepassados dos cristãos novos tinham nomes judaicos que foram abandonados.
Processo n.º 4113, de Simão Rodrigues Nobre, advogado, da Guarda, de 63 anos
fls. 1 img. 9 – 18-2-1651 – Mandado de prisão
fls. 2 img. 11 – 9-3-1651 – Entrega do preso nos Estaus, vindo da Guarda
fls. 3 img. 13 – 20-9-1619 – Denúncia de Pedro Saraiva da Costa, encomendada por Joana Rodrigues, viúva de seu tio Francisco Rodrigues. Refere dois encontros em que os seus cunhados se encontraram num sábado, vestindo fatos e vestidos novos, o primeiro por volta de 1612 e o segundo em 1607. O réu só é referido no 2.º encontro a acompanhar seu pai Diogo Rodrigues, o Nobre por alcunha, quando ele tinha 19 anos e certamente ainda não estava formado em Leis. A Inquisição concluiu que estavam a guardar o sábado.
fls. 7 img. 21 – 5-9-1620 – Denúncia de João da Costa, de 16 anos – Disse que, indo buscar vinho a casa de Fernão Lopes Lameira, ouviu conversas duvidosas sobre a Virgem Maria: um Nuno da Costa lia de um livro onde dizia que Maria, mulher de José, o carpinteiro é a maior Senhora que há; um genro de Fernão Lopes Lameira, que tem um olho cego retorquiu dizendo que a Senhora da Estrela (Rainha Ester) é que é a maior. Referiu depois as pessoas presentes, entre as quais o réu.
fls. 9 img. 25 – 5-3-1649 – Denúncia de Manuel Gomes da Fonseca, de 30 anos, na Inquisição de Goa – Reporta os factos a seis ou sete anos antes. Diz que o réu e seus filhos lhe disseram para se apartar dos cristãos velhos e só acompanhar com cristãos novos e lhe ensinaram os versos seguintes:
Padre nosso, comer não posso,
Ave Maria, comer não podia,
Salve Rainha, vai-te à vinha,
enche o capelo e vem-te azinha.
outra:
Som, som, por onde vão por aqui a Aveiro?
Som, som, por este carreiro…
Que vão lá buscar? – pedrinhas de sal,
Para quê? – Para dar às pintas
para porem os ovos
para dar aos clérigos.
Para que são os clérigos?
Para dizer a Missa.
Para que é a Missa?
Para rezar, para Nosso Senhor nos salvar.
Diziam-lhe que não ouvisse Missa perto do padre, mas no corpo da Igreja lá mais para trás e que ouvisse também os sermões bem de longe.
fls. 14 img. 35 – O Promotor de Justiça propõe a prisão do réu. Afirma que o réu “diz que este mundo não teve princípio, e dá a entender que também não terá fim. Test.ªs: Licenciado Domingos Mendes de Aragão e seu cunhado, Cristóvão Sá de Mendonça.”
fls. 15 img. 37 – 27-11-1649 - Apresentação de uma comissão da Inquisição de Lisboa ao Cónego Dr. Pedro Pacheco, da Guarda, para interrogar as testemunhas referidas pelo Promotor.
fls. 16 img. 39 – Termos da comissão – 16-10-1649 – Perguntas a fazer.
fls. 18 img. 43 – Depoimentos praticamente ilegíveis
fls. 23 img. 53 – O Promotor requer a prisão à Mesa, indicando todos os testemunhos anteriormente referidos.
Assento da Mesa de 3-6-1650
Os Inquisidores Luis Álvares da Rocha e Pedro de Castilho foram pela prisão imediata. O Inquisidor Belchior Dias Preto foi de opinião que se aguardasse mais prova.
fls. 24 v img. 56 – Assento do Conselho Geral de 3-6-1650
O Conselho Geral entendeu que as culpas eram bastantes para o réu ser preso.
fls. 25 img. 57 – 17-3-1651 – O Solicitador José Nunes que, por ordem da Inquisição, fora à Guarda prender o réu, relata os procedimentos do réu que achou estranhos: Quando chegaram a uma estalagem onde iam pernoitar, pedia água para lavar as mãos e o rosto e bochechava água na boca, dizendo que tinha muita sede. Chegando à estalagem do Espinhal, passeou em casa e “chegando-se à janela, e olhando para as estrelas, então rezava mansamente, mas ele denunciante lhe não entendia o que rezava nem lhe via contas pelo que presumia que o que rezava não seriam orações da Igreja Católica”.
Nos oito dias que gastaram na viagem, nunca referiu os nomes de Jesus ou de Cristo e nunca falou em Santo ou Santa algum.
fls.29 img. 65 – Cópia parcial de uma carta de 9-3-1651 do Cónego Dr. Pedro Pacheco, da Guarda.
No inventário feito das coisas do réu, foi encontrado um livro “Filo Judeu”, em Latim, e um livro em romance castelhano com a vida dos Patriarcas da Lei Velha, uma Bíblia em Latim. Que o réu nunca usava contas para rezar e na Igreja não olhava directamente para o sacrário, antes estava sempre a fazer “torcicolos e esgares”.
Pedro Paiva Monteiro contou-lhe que, na Igreja, quando estavam para ouvir o Sermão do mandato, o Simão Rodrigues Nobre ia a sair da Igreja e perguntou-lhe ele porquê e o Nobre disse: “Diz o castelhano que después de Pasqua de Ressurección, ni passa, ni bigo, ni sermón”. Paiva Monteiro ficou escandalizado, uma vez que ainda não chegara a Páscoa dos católicos.
fls. 31 img. 69 – 20-3-1651 – O Promotor de Justiça requer à Mesa que se envie à Guarda comissão para ouvir testemunhas referidas pelo Cónego Dr. Pedro Pacheco. A Mesa dá o seu acordo.
fls. 32 img. 71 – O Notário João Carreira autentica o rol dos livros apreendidos ao réu.
fls. 33 img. 73 – Rol dos livros apreendidos, com a data da publicação.
fls. 36 img. 79 – 21-3-1651 – Comissão da Inquisição de Lisboa ao Dr. Pedro Pacheco, Cónego da Sé da Guarda.
fls. 40 img. 87 – “De como tinha o Philo Hebreu e não o deu em Rol”
fls. 42 v img. 92 – 3-4-1651 –
- Manuel Rodrigues Madeira, Cónego – Confirmou que o réu nunca usava contas para rezar e na Igreja não olhava para o sacrário e tinha muitas vezes uma expressão de escárnio.
15-4-1651
- Gaspar Lopes de Carvalho, Cónego – Disse que Simão Rodrigues Nobre é conhecido por judeu na sua vizinhança.
22-4-1651
- Ana Fernandes, viúva, criada do Padre Manuel Pinto – Viu o réu fazer figas com ambas as mãos a umas imagens de Santos.
1-5-1651 –
- Tomé Fernandes, lavrador, de Cabadoude –
2-5-1651
- Baltasar Lopes, Cónego –
- Pedro de Paiva Monteiro –
5-5-1651
- L.do Domingos Mendes de Aragão – disse que o réu se jactava de ser cristão novo e que tinha fama de dogmatista.
6-5-1651
- Cristóvão de Sá de Mendonça –
fls. 59 img. 125 – 28-4-1651 - Denunciação do Alcaide de que o preso estava a fazer jejuns que se presumia fossem judaicos. Foi-lhe ordenado que o réu fosse vigiado na forma do estilo da Inquisição
fls. 60 img. 126 – 4-5-1651 – “De o réu Simão Rodrigues Nobre não jantar e cear à noite em sexta-feira, 28 de Abril de 1651 e varrer a casa às avessas” – testemunho do guarda José Pires.
fls. 62 img. 131 – No mesmo dia, testemunho do guarda João Rodrigues.
fls. 64 v img. 136 – 1.º jejum provado em forma, feito a 3-5-1651, quarta-feira.
Testemunhos de Diogo Fernandes, Bernardo João, Bento Rodrigues, guardas dos cárceres, e Francisco de Resende, homem da casa do meirinho da Inquisição.
fls. 78 img. 164 – 12-5-1651 – 2.º jejum em quinta-feira, 11 de Maio de 1651.
Testemunhos de Diogo Fernandes, Bernardo João, Bento Rodrigues, guardas dos cárceres e João Mendes de Vasconcelos, meirinho da Inquisição.
fls. 92 img. 191 – 1-6-1651 – 3.º jejum provado em forma em quinta-feira, 25 de Maio de 1651.
Testemunhos de Diogo Fernandes, guarda dos cárceres, Luis Nunes, familiar dos Santo Ofício, Bento Rodrigues, guarda e Francisco de Resende, homem da casa do meirinho da Inquisição.
fls. 103 img. 213 – 6-6-1651 – Reconhecimento do réu pelas testemunhas João Mendes de Vasconcelos, Francisco de Resende e Luis Nunes.
fls. 109 img. 225 – 6-9-1652 – O réu pedira papel e licença para fazer uma exposição à Mesa e o Alcaide entrega-o na Mesa que o manda juntar ao processo.
fls. 110 img. 227 – Na sua exposição, de 3 páginas, o réu contesta os depoimentos das testemunhas que já lhe tinham sido comunicados no libelo.
fls. 113 img. 233 – 10-3-1651 – Inventário
É possuidor de
- Duas casas, com quintal e dois poços de água na cidade da Guarda que valerão 300 ou 400 mil réis.
- Uma tapada chamada Maria Vela junto à mesma cidade com terra de pão e alguns castanheiros, que valerá 120 mil réis.
- Outra tapada na Pousa do Mileu, junto à mesma cidade, que valerá também 120 mil réis.
- No lugar de Aldeias, termo da mesma cidade, tem dois lintos que ambos valerão 10 000 réis
- e uma vinha onde chamam Cabadoude a uma légua da cidade que valerá 15 000 réis.
- No lugar de Pena e Chavelas, termo de Castelo Mendo, tem umas terras que lhe rendiam 69 alqueires de centeio e valerão 80 ou 90 mil réis.
- No termo de Vila Maior e de Freineda, tinha 80 fanegas de centeio de renda em terras suas, das quais não cobra nada desde há 10 anos, por causa da guerra; em tempos de paz, valeriam 400 ou 500 mil réis.
E não tem mais fazendas.
De bens móveis, refere a livraria, mas diz que tem lá muitos livros emprestados por Nuno da Costa, algumas pratas que descreve, o escritório.
Referiu alguns créditos de dívidas activas.
fls. 116 img. 239 – 14-3-1651 – Genealogia
Referida supra.
Disse a Genealogia de modo bastante descuidado e com bastantes erros.
fls. 124 v img. 255 – 6-6-1651 – Sessão in genere
Respondeu negativamente a todas as perguntas. Nunca creu na Lei de Moisés.
fls. 127 v img. 262 – 23-7-1651 – Sessão in specie
Respondeu sempre que era falso o conteúdo das denúncias ou que não passou (não aconteceu).
fls. 137 v img. 282 – 30-8-1651 – Admoestação antes do libelo . Libelo. Ouvida a leitura, disse o réu que contestava por negação o conteúdo do libelo, que tinha defesa com que vir e que queria que lhe fosse dado procurador.
fls. 143 v img. 294 – 31-8-1651 – Juramento do procurador, L.do António de Magalhães. Na mesma data, estância com o procurador.
fls. 145 img. 297 – Traslado do libelo, devolvido pelo procurador
fls. 152 img. 311 – Defesa
O réu alega que é bom cristão, que vai à missa aos domingos e dias santos, que se confessa e comunga pelo menos anualmente e que cumpre todas as obrigações de católico. Indica testemunhas.
fls. 157 v img. 322 – 4-9-1651 - Recebida a defesa, manda-se que sejam interrogadas as testemunhas.
fls. 158 v img. 324 – 5-9-1651 – O réu pede para estar com o seu procurador.
fls. 159 img. 325 – Diz o réu por seu procurador que muitas vezes ir rezar à Virgem da Consolação na Igreja da Santa Casa da Misericórdia da Guarda, sozinho ou acompanhado e algumas vezes na companhia do Dr. João de Torres, Vigário Geral. Indica testemunhas.
fls. 159 v img. 326 – 20-10-1651 – Recebida a defesa.
fls. 161 v img 330 – 17-12-1651 – Apresentação na Guarda da Comissão da Inquisição de Lisboa.
fls. 162 img. 331 – 25-10-1651 – Comissão da Inq. de Lisboa ao Dr. Pedro Pacheco, Cónego Doutoral da Sé da Guarda para interrogar testemunhas.
fls. 168 img. 343 – 17-12-1651 – Interrogatório das testemunhas
- L.do João do Vale, Prior de uma vila do distrito da Guarda, de 55 anos – disse que o réu reverenciava os santos e as suas imagens. No seu escritório, tinha imagens de santos. O réu falava como temente a Deus. Uma vez, pediu-lhe emprestado o livro de Philo Judaeus, mas o réu não lho emprestou não sabe que pretexto deu para não o fazer.
- Prior Francisco de Sousa, da Guarda, de 63 anos – O réu reverenciava os santos e as suas imagens. No seu estudo, tinha imagens de santos. Nunca lhe ouviu dizer que os cristãos velhos “mofassem da Nação Hebreia”.
fls. 171 img. 349 –
- Henrique Nunes, beneficiado – Nunca teve “ruim conceito” do réu. Acha que ele reverenciava os santos e suas imagens e tinha quadros de santos no seu estudo.
fls. 173 img. 353 – 19-12-1651
- Luis de Figueiredo, de 84 anos, natural e morador na Guarda – Via muitas vezes o réu a conversar com Cónegos e que estes lhe davam atenção.
- Gaspar Rebelo de Brito, de 66 anos, natural e morador na Guarda – Ouviu o réu gabar o pregador do sermão do mandato em quinta feira santa. Também o viu ouvir outros sermões.
- Gaspar Francisco de Cáceres, de 61 anos, natural e morador na Guarda – Via o réu ajoelhar-se diante do SS.mo Sacramento e rezar; não havia confusão, porque o réu trazia geralmente a barba muito comprida e basta.
- D. Miguel Pimentel, de 35 anos. natural e morador na Guarda – Viu de facto o réu a ouvir o sermão do mandato na quinta-feira santa. Via o réu a ouvir missa.
- Dr. Manuel Falcão, Deão da Sé da Guarda, de 52 anos – Conhece o réu, foi seu companheiro na Universidade de Coimbra, tem-no por bom cristão e cumpridor dos preceitos da Santa Madre Igreja. Viu sempre que o réu se confessava e comungava todos os anos.
fls. 177 v img. 362 – 12-1-1652
- Dr. Francisco Pimentel, Juiz dos Órfãos, de 33 anos – Que sempre viu o réu a ouvir o sermão do mandato em quinta-feira santa. Disse que viu muitas vezes o réu a rezar na Sé.
- Dr. João de Torres, Vigário Geral da cidade, de 62 anos – Nunca ouviu o réu dizer algo contra a religião católica e tem-no por bom cristão. Via muitas vezes o réu a ouvir missa na Sé. O réu é estimado por toda a gente “grave” da cidade e em especial por todo o Cabido. Sabe que o réu é letrado e jurista, mas não sabe que seja “filósofo”.
- Sebastião da Rocha Soares, Cónego prebendado da Sé, de 35 anos – Disse que via o réu frequentar a Igreja, ouvir missa e sermões, e entendia que ele era bom cristão e “amigo de Deus”.
- P.e João Rodrigues da Cruz, Capelão do Senhor Bispo Inquisidor-Geral, de 52 anos – Está convencido que o réu é bom cristão e católico.
- L.do Manuel Pinto, Beneficiado na Sé, - não está lembrado de ver o réu tomar os sacramentos, mas que o vê frequentar a Igreja do decurso do ano. O réu venerava os santos e as imagens.
- Miguel Mendes da Fonseca, Prior da Vigaria de S. Vicente, da cidade da Guarda, de 52 anos
fls. 185 img. 377 – 24-2-1652 – Requerimento do Promotor para a publicação da prova da justiça – Admoestação antes da publicação
fls. 187 img. 381 – Publicação da prova da justiça. Ouvida a leitura, o réu disse que era tudo falso e que tinha contraditas com que vir.
fls. 192 img. 391 – 27-2-1652 - Os Inquisidores expõem ao Conselho Geral um problema que têm: quando o réu pedir lhe sejam ditos os lugares onde lhe são dadas as culpas, é muito provável que adivinhe que está acusado de jejuns feitos no cárcere. O melhor será negar-lhe toda e qualquer indicação, aliás, de acordo com o previsto no n.º 3 do cap.º 9.º do Livro 2.º do Regimento:
Havendo alguma testemunha deposto contra o réu, de culpa cometida no cárcere do Santo Oficio, se lhe fará publicação dela, tomando o tempo cinco ou seis meses atrás de sua prisão, dizendo-se que de tanto tempo a esta parte; e ter-se-á mui particular advertência, que na publicação se não declare circunstância alguma, por que o réu possa vir em conhecimento do lugar em que a culpa de que a testemunha depõe foi cometida.
O Conselho Geral deu o seu acordo na mesma data.
fls. 193 img. 393 – 2-3-1652 – Estância com o procurador
fls. 194 img. 395 – Traslado devolvido pelo Procurador
fls. 201 v img. 410 – Arguição de contraditas
Indica como seus inimigos, Pedro Saraiva da Costa, o médico Pedro da Costa, Luis de Paiva de Sá e seu filho Manuel de Sá, Jacinto Botelho Homem, Simão de Pina da Fonseca, Cristóvão de Sá de Mendonça (sobrinho de Luis de Paiva), Pedro de Pina de Carvalho, escrivão da câmara, João Tavares, Vicente Rodrigues Manso e seu genro Manuel Marques, pintor, Manuel da Costa de Brito, Constantino de Melo e Domingos Lopes.
fls. 205 img. 417 – 5-3-1652 – Indica testemunhas às contraditas
fls. 210 img. 427 – 9-3-1652 - Pede para estar com o procurador
fls. 211 img. 429 – 11-3-1652 – Estância com o procurador
fls. 212 img. 431 – Acrescenta mais contraditas. Repete algumas queixas que tinha contra alguns que já referira e também indica como seus inimigos… todos os cidadãos habitantes da Guarda! Indica mais testemunhas.
fls. 215 img. 437 – 22-3-1652 – Despacho de recebimento das contraditas
Foram apenas recebidas as contraditas respeitantes a Pedro Saraiva da Costa, Luis de Paiva e seu sobrinho Cristóvão de Sá de Mendonça, que são as n.ºs 1,2,7 e 14, das 1.ªs contraditas. Das 2.ªs contraditas não foi recebido nenhum artigo.
fls. 216 img. 439 – Apresentação na Guarda da comissão recebida da Inquisição de Lisboa
fls. 217 img. 441 – 23-3-1652 – Comissão da Inquisição de Lisboa para o Dr. Pedro Pacheco, Cónego Doutoral da Guarda, para interrogar testemunhas
fls. 221 img. 449 – Audição de testemunhas
- Gaspar Rebelo de Brito, cidadão da Guarda, de 66 anos – Disse que Pedro Saraiva da Costa com Simão da Gama e João Lopes Botelho eram grandes inimigos e se o réu era amigo dos dois últimos, teria também a inimizade do primeiro. Que Pedro Saraiva da Costa era “homem mal atencionado (sic) e vingativo”. Quanto a Cristóvão de Sá, sabe que ele faz parte da governança da cidade e é escrivão do auditório eclesiástico onde o réu muitas vezes advogava e viu que por vezes, o réu arguia contra os escrivães.
- L.do Simão da Costa, de 52 anos – Disse que o Padre Francisco Pineira atirou com uma pinha a um Fulano de Sá e o caso foi para Tribunal, sendo o réu advogado do Padre. É possível que, por isso, todos os da família dos Sá ficassem zangados com o réu.
- António Lopes, de 65 anos –Em 1643, Luis de Paiva era vereador da Cidade. Ele e os mais vereadores moveram demanda ao Procurador e Misteres da Cidade que tomaram por advogado ao réu. Por isso Luis de Paiva e os da sua família ficaram desafeiçoados ao réu.
- Antão Ribeiro Manso, de 67 anos – Disse que Pedro Saraiva da Costa é homem mal intencionado e vingativo.
- João Rodrigues Imaginário, de 50 anos – depoimento idêntico ao de António Lopes.
- Luis Barbosa, de 64 anos, Cónego prebendado da Sé da Guarda – Disse também que Pedro Saraiva da Costa era homem mal intencionado e vingativo. Repetiu também o que disse António Lopes sobre os Sá.
fls. 227 img. 461 – Certidão do Auditório eclesiástico dizendo que o réu era advogado naquele Tribunal.
fls. 229 img. 465 – 23-3-1652 – O réu pede para estar com o procurador. Estância com o procurador.
fls. 230 img. 467 – 3.ªs contraditas
Diz que Pedro Saraiva da Costa é “homem protervo, mal intencionado e vingativo”. Que o Dr. Domingos Mendes, por ser médico do partido pela Universidade de Coimbra, requereu à Câmara que o fizessem médico da cidade, tirando o lugar ao Dr. Francisco Gomes Chacão, sobrinho do réu e por ele o defender como advogado, ficou muito afrontado.
Que toda a família dos Sás de Luis de Paiva de Sá são seus inimigos.
fls.231 img. 469 – 26-3-1652 – Nomeação de testemunhas
fls. 233 img. 473 – 27-3-1652 – Despacho recebendo as 3.ªs contraditas e mandando ouvir as testemunhas.
fls. 234 img. 475 – 6-7-1652 - Apresentação na Guarda da comissão recebida da Inquisição de Lisboa
fls. 235 img. 477 – 16-5-1652 - Comissão da Inquisição de Lisboa para o Dr. Pedro Pacheco, Cónego Doutoral da Guarda, para interrogar testemunhas
fls. 238 img. 483 –6-7-1652 - Audição de testemunhas
- Gaspar Rebelo de Brito, cidadão da Guarda, de 66 anos – Disse que Pedro Saraiva da Costa, já falecido, era um homem poderoso, arrogante e amigo de vinganças, mas que não sabe das suas onzenas. Disse-se na cidade que o L.do Domingos Mendes, médico, quis tirar para si o partido dado pela Câmara ao médico Francisco Gomes Chacão, parente do réu.
- Gaspar Francisco de Cáceres, de 62 anos – Disse ser verdade que o P.e Francisco de Oliveira deu um tiro de espingarda a Cristóvão de Sá, morador na aldeia de Joane, sendo preso no Aljube da cidade, donde se livrou com a intervenção do réu, defendendo-o no Juízo Eclesiástico da cidade e tem para si que todos os da família Sá ficaram com raiva ao dito Simão Rodrigues Nobre.
- Diogo Teixeira, barbeiro, de 45 anos – testemunho idêntico ao de Gaspar Rebelo de Brito.
- Antão Ribeiro Manso, de 66 anos – É verdade que o falecido Pedro Saraiva da Costa teve grandes inimizades com João Lopes Botelho e Simão da Gama de Pina, e estes lhe chamavam nomes muito afrontosos como ladrão ou pior. Mas ele testemunha não está certo que o referido Pedro Saraiva da Costa tivesse ódio com o réu.
É verdade que Luis de Paiva de Sá tinha inimizade ao réu, por causa de este ter representado os misteres, numa demanda que a Câmara lhes moveu.
fls. 242 img. 491 – 11-7-1652
- L.do Simão da Costa, de 52 anos –
- António Fernandes, alfaiate, de 62 anos – Sabe que Luis de Paiva de Sá era vereador da Câmara e que os vereadores puseram demanda contra os misteres, os quais foram defendidos pelo réu e daí resultou a inimizade de Luis de Paiva de Sá em relação ao réu.
fls. 243 v img. 494 – 15-7-1652 –
- Luis de Figueiredo, cidadão da Guarda, de 84 anos – Não está lembrado que houvesse inimizade entre Pedro Saraiva da Costa e o réu.
- Salvador Saraiva da Fonseca, Cavaleiro da Ordem de Santiago, de 60 anos – Não está bem lembrado de que o réu tivesse inimigos. Sabe que ele teve uma demanda com o L.do Domingos Mendes, médico que queria tirar para si o partido da Câmara que era do médico Francisco Gomes Chacão, parente do réu.
- Luis Barbosa, de 64 anos, cónego prebendado da Sé da Guarda – Disse saber que Simão da Gama e o falecido Pedro Saraiva da Costa eram inimigos, mas não sabe que o réu também fosse inimigo deste último. Sabe que Pedro Saraiva da Costa era “contumaz e vingativo”.
- António Gomes, cidadão da Guarda, de 65 anos – Disse que Pedro Saraiva de Costa era homem de bem e não sabe que entre ele e o réu houvesse inimizade.
fls. 251 img. 509 – 4-9-1652 - Assento da Mesa
“(…) e pareceu a todos os votos que o Réu Simão Rodrigues Nobre estava em termos de ser julgado por convencido no crime de judaísmo por que foi acusado visto ter contra si três jejuns do cárcere provados em forma dos quais depõem os guardas e familiares que se vêem destes ditos autos, todos testemunhas legais e demais destes, os testemunhos de Manuel Gomes da Fonseca que disse de práticas da Lei de Moisés e de Pedro Saraiva da Costa, de guarda de sábados e um sumário de que consta que o Réu afirmara que o Mundo não houvera princípio nem havia de ter fim; e visto outrossim não provar o Réu em sua defesa nem contraditar cousa de consideração, e que, portanto, como herege, apóstata da nossa santa fé, negativo, convicto, pertinaz e impenitente, devia ser relaxado à justiça secular, servatis servandis ( …)”
fls. 252 img. 511 – 12-9-1652 – Assento da Mesa do Conselho Geral
“(…)e assentou-se que é bem julgado pelos Inquisidores, Ordinário e Deputados em determinarem que ele está convicto no crime de heresia e apostasia, e que, como herege, apóstata de nossa Santa Fé Católica, convicto, negativo e pertinaz, seja relaxado à justiça secular, servatis servandis, e que incorreu em sentença de excomunhão maior, e confiscação de todos seus bens para o Fisco e Câmara Real e nas mais penas de Direito contra os semelhantes estabelecidas, confirmam sua sentença por seus fundamentos e pelo mais dos autos. Mandam que se cumpra e dê a execução”.
fls. 254 img. 515 18-11-1652 Auto de notificação de que foi relaxado, prevista no ponto II, XV, I do Regimento
fls. 256 img. 519 - 29-11-1652 - Auto de notificação de mãos atadas, prevista em II, XV,V do Regimento.
Notificação feita na sexta-feira antes do auto de fé (no domingo seguinte). Ficou com a ré o Padre José de Brito, da Companhia de Jesus
fls. 258 img. 523 – 29-11-1652 – Confissão
Pediu audiência para confessar de mãos atadas e disse que quer ser Cristão, pois até agora andou apartado da fé de Cristo, crendo na Lei de Moisés até ao momento presente. Que ele, antes do ano 603, em que foi para Salamanca, se achou na Guarda em casa de seu tio Jorge Rodrigues, banqueiro, irmão de seu pai, e, estando ambos sós, disse o dito seu tio a ele confitente que, pois ia a terras estranhas, que fosse crente na Lei de Moisés, pois nela havia de se salvar, que não havia de crer em Cristo, que não é o verdadeiro Messias, nem na SS.ma Trindade, e que não comunicasse isso, nem a mulher, nem a filho nem a pessoa alguma. Disse que era verdade o que se continha no libelo e que ele, na Igreja, puxava pelas barbas para as consertar, e outras coisas por escárnio do Santíssimo Sacramento. Que fazia o jejum da Rainha Ester, comendo depois de saídas as estrelas, que não cria na Virgem Nossa Senhora, que ouvia missa fingidamente. Que dissera que o mundo era ab eterno, e Deus não o criara, como se conta nos artigos do libelo e que também dava figas aos santos. Disse que não comia as coisas proibidas na Lei de Moisés, por guarda da mesma, como são lebre, coelho e peixe de pele. E que não se lembra de mais para confessar.
fls. 263 img. 533 – 29-11-1652 – Fé do crédito
“José Cardoso, Notário do Santo Ofício desta Inquisição de Lisboa, faço que o Senhor Inquisidor Pedro de Castilho, que tomou a confissão atrás de Simão Rodrigues Nobre nela contido me disse que lhe parecia que o Réu não falava verdade, e só tratava de escapar, porquanto estava contando e repetindo o que se continha no libelo, para confessar só conforme a isto, e a mim notário pareceu o mesmo, de que passei a presente de mandado do dito Senhor, com que assinei em Lisboa, nos Estaus, em vinte e nove de Novembro de 1652. a) Pedro de Castilho; a) José Cardoso”.
fls.264 img. 535 – 30-11-1652 – Assento da Mesa
“Foram vistos 2.ª vez na Mesa do S.to Ofício em os 30 de Novembro de 652 estes autos, culpas e confissões feitas depois das mãos atadas de Simão Rodrigues Nobre, cristão novo, advogado, natural e morador na cidade da Guarda neles contido e pareceu a todos os votos que com o que o Réu confessou não estava o Assento do Conselho de 12 de Setembro passado, por que está mandado relaxar, alterado, antes mais confirmado pela malícia que mostra e que ele como herege apóstata da nossa santa Fé Católica, convicto, falso, ficto, simulado confitente, diminuto e impenitente, seja entregue à justiça secular servatis servandis (…)”
fls. 265 img. 537 – 30-11-1652 – Assento da Mesa do Conselho Geral
“Foram vistos na Mesa do Conselho Geral, estando presente o Ilustríssimo Sr. Bispo Inquisidor-Geral, estes autos e culpas contra Simão Rodrigues Nobre, xp.ão novo, Advogado da cidade da Guarda neles contido e a confissão que fez depois de ser notificado que estava relaxado à justiça secular e estar de mãos atadas, e assentou-se que é bem julgado pelos Inquisidores, Ordinário e Deputados em determinarem que a confissão do Réu não está em termos de ser recebida e que ele como herege apóstata da nossa santa Fé Católica, ficto, falso, simulado confitente, diminuto e impenitente, seja relaxado à justiça secular (…)”
fls. 266 img. 539 – 30-11-1652
O réu pediu audiência para dizer: “que uma vez que, uma vez que não livra a vida, não quer perder o corpo e a alma, porquanto sempre viveu cristão, e por isso vem declarar nesta Mesa que a confissão que nela fez ontem, foi errónea e falsa e feita com medo da morte e querer ver se dela podia escapar, mas que vendo que ela lhe não aproveita para salvara vida, que quer salvar sua alma e assim declara que ele não fora nunca judeu nem tivera crença na Lei de Moisés, mas sempre tivera crença na fé de Cristo Senhor Nosso, assim como a tem, crê e ensina a santa Madre Igreja de Roma, e que por esta razão, há por revogada e de nenhum vigor a dita sua confissão e que não tinha mais que dizer e que isto dizia por descargo de sua consciência. E mais não disse.”
fls. 268 img. 543 - 30-11-1652- Assento da Mesa
“Foram vistos 3.ª vez (…) e pareceu a todos os votos que o Assento do Conselho Geral de hoje por que foi mandado relaxar não estava alterado, e que ele se deve dar à execução, e que, como herege apóstata de nossa santa fé Católica, falso, ficto, simulado confitente, revogante e impenitente, seja relaxado à justiça secular, servatis servandis (…)”
fls. 269 img. 545 – 30-11-1652
“Foram vistos na Mesa do Conselho Geral, estando presente o Ilustríssimo Sr. Bispo Inquisidor-Geral, estes autos, culpas, confissão e revogação de Simão Rodrigues Nobre neles contido e assentou-se que é bem julgado pelos Inquisidores, em determinar-se que se cumpra o último Assento do Conselho e que o Réu como herege impenitente e revogante, seja entregue à justiça secular (…)”
fls. 272 img. 551 – Sentença
fls. 274 v- img. 556 – Publicada a sentença no auto da fé celebrado no Terreiro do Paço em 1 de Dezembro de 1652
Pregou o sermão o Dr. Fr. Luis de Sousa, Monge de S. Bernardo, Bispo do Porto e Arcebispo de Évora.
fls.276 img. 559 – Conta de custas: 12$157 réis.
Processo n.º 11114, de Diogo Rodrigues Nobre, médico, da Guarda
Em Junho de 1650, o promotor de Justiça pediu a prisão do pai, Simão Rodrigues Nobre, advogado, de 63 anos e do filho Diogo, médico, de 38 anos, ao mesmo tempo. Contra este último, tinha apenas a denúncia de Manuel Gomes da Fonseca, soldado de Goa, de 25 anos, meio aluado, o mesmo que denunciara seu pai e de Miguel Gomes Henriques (1649 - Pr. n.º 7929), médico de 30 anos, de Trancoso, que se apresentara voluntariamente à Inquisição. A Mesa deu opinião favorável dizendo: “(…) visto dizerem as testemunhas de declaração de Judaísmo e ser uma delas apresentado e havido por de bom crédito e o modo por que ambas depõem assaz verosímil entre os de nação é poder-se esperar que por meio da prisão do delato se abra caminho para emendar ou castigar o judaísmo da Guarda de que por várias vias há nesta Mesa escandalosa notícia (…)”. Desta vez, o Conselho Geral discordou “e assentou-se que se espere que lhe cresça mais prova”.
Em Outubro de 1652, o Promotor voltou à carga, embora não tivesse mais nenhum depoimento. Alegou: “(…) por constar que o dito Simão Rodrigues Nobre seu pai tem crença na Lei de Moisés, e haver jejuado nos cárceres, e estar por isso julgado por convencido e mandado relaxar, porque sendo este o pai e prezando-lhe tanto de ser judeu como dele se tem alcançado e entender-se que era o mestre dos mais, não é possível que deixasse de ensinar e persuadir ao Réu seu filho a Lei em que cria e que este a deixasse de seguir maiormente quando o pai era tido por grande letrado (…)”.
A Mesa concordou dizendo que a prisão “agora estava mais justificada com a presunção de ser o pai do delato manifestamente judeu por ter jejuado nos cárceres e estar condenado e relaxado à justiça secular(…)”.
Este argumento convenceu já o Conselho Geral que mandou emitir o mandado de prisão e o médico deu entrada nos Estaus em 19 de Novembro de 1652, doze dias antes de seu pai ser garroteado no Terreiro do Paço.
Tal como seu pai, Diogo caiu na cilada que era a perdição dos cristãos novos agarrados às tradições judaicas: no dia 1 de Fevereiro, o Alcaide participou à Mesa que ele estava a fazer jejuns judaicos. Apenas um jejum foi controlado pelo pesado sistema da Inquisição. O preso deve ter dado conta que estava a ser vigiado e tapou como pôde os buracos – “cegando e tapando os agulheiros das vigias”.. O notário da Inquisição e os guardas foram verificar à cela que ele tinha feito mais dois. Verificados os jejuns, seria já muito difícil escapar ao relaxe, a que de facto foi condenado nos Assentos da Mesa em 13-5-1654 e do Conselho Geral em 4-6-1654. Só foi notificado a 28-9-1654 e mesmo aí não deve ter percebido que estava condenado à morte, como aliás, disse mais tarde. A notificação de mãos atadas foi feita no prazo legal, em 9 de Outubro de 1654, isto é, dois dias antes do auto de fé.
No mesmo dia, dispôs-se a confessar e denunciar os seus conhecidos. Na “Fé do crédito”, anotou o Notário: “(…) no tocante a si não dizia toda a verdade, porquanto dissera no princípio de sua confissão que não viera confessar suas culpas quando a primeira vez o notificaram, porque não entendia que aquilo era sentença de morte, e assim lhe parecia que não fazia o Réu a confissão por arrependido, senão por escapar (…)” O 2.º Assento da Mesa considerou-o diminuto por não ter confessado os jejuns: “ [O assento] “não estava alterado, visto não confessar os jejuns dos cárceres, antes encobri-los com malícia, dizendo que contestava a publicação que deles se lhe fez, confessando os fizera no campo, por excluir a presunção que dele se pudera conceber, se o lugar fora sua casa(…)” O Conselho Geral manteve a condenação ao relaxe.
No dia 10-10-1654, fez mais confissão e denúncias, anotando no final o Inquisidor Pedro de Castilho: “(…) que lhe parecia que ele no que dizia dos cúmplices falava verdade, mas que não estava arrependido de suas culpas, pelo modo com que fazia suas confissões (…)” O 3.º Assento da Mesa, de 10-10-1654 mantém a proposta do relaxe. Falta no processo o Assento do Conselho Geral que se deveria seguir a este da Mesa.
Ainda no dia 10, o réu pediu Mesa para confessar (sempre de mãos atadas) os jejuns. No 4.º Assento da Mesa, dividiram-se as opiniões: os Inquisidores Luis Álvares da Rocha e Pedro de Castilho queriam que fosse relaxado à justiça secular, o Inquisidor Manuel de Magalhães de Menezes e os cinco Deputados aceitavam que fosse reconciliado, com uma condenação de cinco anos para as galés (seriam trabalhos forçados na cadeia pública de Lisboa, por já não haver galés). Por sua vez os dois Inquisidores, afirmavam que “elas [as confissões] não estavam em termos de serem recebidas vista a disposição do n.º VIII, do Liv. III, tit. III do Regimento, que requer que quando os réus confessam de mãos atadas, sejam verdadeiros o arrependimento e conhecimento de seus erros, que descubram todos os cúmplices, e que não seja feita sua confissão com medo da morte, o que tudo se não acha neste réu, porquanto afirmou que não confessara mais cedo, pela razão considerada no primeiro voto, e a confissão em si é restrita e simulada, porque não diz mais que de pessoas defuntas, presas e ausentes e essas poucas e sem parentesco com ele, estando cumpliciado com seus irmãos, e tanto pretende encobrir os parentes que confessando jejuns na cidade da Guarda, os dá fora de sua casa e no campo, por salvar as pessoas dela. E ainda que declarou os jejuns dos cárceres, não foi com modo de convertido, pois não diz os que fez ao efeito, e se lhe provam, senão nos meses em que caía a publicação que era nos de Maio e Junho, ainda que não era no tempo certo, porquanto este em semelhantes publicações, se dá incerto na forma do Regimento, (…)”
O Conselho Geral, na mesma data, limitou-se a dizer que o Assento anterior não estava alterado sem justificar.
Morreu de garrote no auto de fé de 11 de Outubro de 1654.
TEXTOS CONSULTADOS
Regimento do Santo Ofício da Inquisição de 1640
Online: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/7/20/p267
Pedro Quadros Saldanha, Trancosanos: História & Genealogia, Séculos XVI-XIX, 2 vols., Casa da Prova, 2010
Listas do P.e Manuel Dias
http://www.arlindo-correia.com/061113.html
Genealogia - Geneall
http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=298333&fview=e