10-12-2000
David Herbert Lawrence
(1885 - 1930)
SNAKE A
snake came to my water-trough On
a hot, hot day, and I in pyjamas for the heat, To
drink there. *
* * In
the deep, strange-scented shade of the great dark carob tree I
came down the steps with my pitcher And
must wait, must stand and wait, for there he was at the trough before me. *
* * He
reached down from a fissure in the earth-wall in the gloom And
trailed his yellow-brown slackness soft-bellied down, over the edge of the stone
trough And
rested his throat upon the stone bottom, And
where the water had dripped from the tap, in a small clearness, He
sipped with his straight mouth, Softly
drank through his straight gums, into his slack long body, Silently. *
* * Someone
was before me at my water-trough, And
I, like a second-comer, waiting. *
* * He
lifted his head from his drinking, as cattle do, And
looked at me vaguely, as drinking cattle do, And
flickered his two-forked tongue from his lips, and mused a moment, And
stooped and drank a little more, Being
earth-brown, earth-golden from the burning bowels of the earth On
the day of Sicilian July, with Etna smoking. *
* * The
voice of my education said to me He
must be killed, For
in Sicily the black, black snakes are innocent, the gold are venomous. *
* * And
voices in me said, If you were a man You
would take a stick and break him now, and finish him off. *
* * But
must I confess how I liked him, How
glad I was he had come like a guest in quiet, to drink at my water-trough And
depart peaceful, pacified, and thankless, Into
the burning bowels of this earth? *
* * Was
it cowardice, that I dared not kill him? Was
it perversity, that I longed to talk to him? Was
it humility, to feel so honoured? I
felt so honoured. *
* * And
yet those voices: If
you were not afraid, you would kill him! *
* * And
truly I was afraid, I was most afraid, But
even so, honoured still more That
he should seek my hospitality From
out the dark door of the secret earth. *
* * He
drank enough And
lifted his head, dreamily, as one who has drunken, And
flickered his tongue like a forked night on the air, so black, Seeming
to lick his lips, And
looked around like a god, unseeing, into the air, And
slowly turned his head, And
slowly, very slowly, as if thrice adream, Proceeded
to draw his slow length curving round And
climb again the broken bank of my wall-face. *
* * And
as he put his head into that dreadful hole, And
as he slowly drew up, snake-easing his shoulders, and entered farther, A
sort of horror, a sort of protest against his withdrawing into that horrid black
hole, Deliberately
going into the blackness, and slowly drawing himself after, Overcame
me now his back was turned. *
* * I
looked round, I put down my pitcher, I
picked up a clumsy log And
threw it at the water-trough with a clatter. *
* * I
think it did not hit him, But
suddenly that part of him that was left behind convulsed in undignified haste, Writhed
like lightning, and was gone Into
the black hole, the earth-lipped fissure in the wall-front, At
which, in the intense still noon, I stared with fascination. *
* * And
immediately I regretted it. I
thought how paltry, how vulgar, what a mean act! I
despised myself and the voices of my accursed human education. *
* * And
I thought of the albatross, And
I wished he would come back, my snake. *
* * For
he seemed to me again like a king, Like
a king in exile, uncrowned in the underworld, Now
due to be crowned again. *
* * And
so, I missed my chance with one of the lords Of
life. And
I have something to expiate: A
pettiness. From:
Birds, Beasts and Flowers
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COBRA
Uma cobra veio à minha cisterna Num dia escaldante, e eu em pijama
por causa do calor, Beber água. Desci as escadas de jarro na mão Na sombra funda e estranho odor de
grande alfarrobeira negra E tive de ficar à espera, tive de
ficar à espera ali em pé, pois lá estava ela na cisterna antes de mim. Entrou vinda de uma fenda na parte
escura do muro de terra E desceu, arrastando a frouxidão
amarelo-castanha do seu ventre mole sobre o bordo da cisterna de
pedra, E apoiou a garganta no fundo de
pedra E, onde a água gotejara da
torneira, numa pequena pureza, Sorveu com a boca recta, Bebeu suavemente a água que
penetrou por entre as gengivas rectas no longo corpo mole, Silenciosamente. Alguém chegara à cisterna antes de
mim, E eu, como quem chega em segundo
lugar, à espera. Deixou de beber e ergueu a cabeça
como faz o gado, E olhou-me vagamente como faz o gado
ao beber, E fez vibrar a língua bífida de
entre os lábios e cismou um instante, E curvou-se e bebeu um pouco mais, Um ser castanho-de-terra,
dourado-de-terra, vindo das entranhas ardentes da terra, No dia de Julho siciliano, com o
Etna a fumegar. A voz da minha educação disse-me: É preciso matá-la, Pois na Sicília as cobras pretas são
inocentes, as douradas, venenosas. E vozes em mim disseram: se és
homem, Pega num pau e esmaga-a já, acaba
com ela. Mas devo eu confessar como gostei
dela? Como estava contente por ter vindo,
qual hóspede tranquilo, beber na minha cisterna E partir pacífico, apaziguado e sem
agradecimentos Para as entranhas ardentes da terra? Foi por cobardia que não ousei matá-la? Foi por perversidade que ansiei falar-lhe? Foi por humildade que me senti
honrado? E senti-me tão honrado.
E, contudo, aquelas vozes: Se não tivesses medo, matá-la-ias! E era verdade, tinha medo, muito
medo, Mas mais ainda me sentia honrado Por ela ter buscado a minha
hospitalidade, Vinda da porta negra da secreta
terra. Bebeu o que quis E ergueu a cabeça, sonhadoramente,
como quem bebeu, E fez vibrar a língua como uma
noite bífida no ar, tão preta, Parecendo lamber os lábios, E olhou à volta para o ar, sem ver,
como um deus, E devagar virou a cabeça, E devagar, muito devagar, como que
três vezes mais em sonho, Pôs-se a arrastar a lenta linha
longa do corpo em curva E a trepar a rampa em ruínas do meu
talude. E, ao introduzir a cabeça naquele
buraco horrível, Ao içar-se lentamente, ajustando os
ombros de cobra e entrando mais, Uma espécie de horror, uma espécie
de protesto contra aquela fuga para o horrendo buraco preto, Aquele penetra deliberado na escuridão,
aquele arrastar-se lento para lá, Apossou-se de mim, agora que ela
estava de costas. Olhei à volta, pousei o jarro, Peguei num pau desajeitado E atirei-o com estrépito à
cisterna. Penso que não lhe acertou, Mas, de súbito, a parte dela que
ainda não entrara contorceu-se Em pressa pouco digna, Vibrou como um relâmpago e
desapareceu No buraco preto, a fenda de lábios
de terra no meu muro Que eu fiquei fitando fascinado na
intensa calma do meio-dia. Arrependi-me logo. E pensei: que acto torpe, grosseiro
e desprezível! Odiei-me e às vozes da minha
maldita educação humana. E pensei no albatroz, E desejei que regressasse, a minha
cobra. Pois de novo me aparecia como um
rei, Como um rei em exílio, deposto no
submundo E que há-de outra vez ser coroado. E assim perdi a oportunidade com um
dos senhores Da vida. E tenho algo a expiar; Uma mesquinhez.
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