10-10-14
Manuel Travaços, relaxado pela Inquisição por luteranismo em 1571
Até há pouco tempo, pensava eu que a Inquisição se tornara uma instituição perversa quando começou a condenar cristãos novos, apenas por terem sangue judeu, o que aconteceu nos finais do séc. XVI. Pois agora estou perfeitamente convencido que a Inquisição foi uma instituição perversa desde a sua criação. D. Henrique, o Cardeal Infante, não era pessoa de maus instintos, acho eu. Mas foi certamente alguém que se deixava influenciar com a maior das facilidades, tantos foram os que se viram postos atrás das grades, apenas porque havia na praça quem não gostasse deles. Um destes foi Manuel Travaços, cristão velho, garroteado na Ribeira Velha em 11 de Março de 1571, como luterano.
Tive muita dificuldade em estudar o processo dele, com o n.º 10 259, da Inquisição de Lisboa, em virtude de o escrivão ter uma letra horrível, dificílima de decifrar. Possivelmente, o mesmo aconteceu com o Cónego Isaías da Rosa Pereira (IRP), que publicou um artigo sobre ele nos Anais da Sociedade Portuguesa de História (abaixo citado), tão deficientes são as suas interpretações do processo.
Manuel Travaços era filho de Agostinho Fernandes Travaços, Ouvidor Geral da Índia, já falecido e de Joana Clemente, ainda relativamente nova, de 47 anos, em 1570, quando o filho tinha 28 anos. Eram todos cristãos velhos. Tinha um irmão mais novo, Lourenço de Andrade, que estava na Índia, para onde teria ido possivelmente quando o pai era ainda vivo. Manuel formou-se em Cânones em Coimbra, mas terá também estudado em Salamanca. Tinha saído do País e passeado por Itália e por França, como disse no processo por diversas vezes. Sentiu curiosidade em conhecer as doutrinas luteranas, de que se falava muito naquela altura. Enquanto a Igreja Católica apertava com os seus fiéis nas obrigações da frequência dos sacramentos e do culto religioso, as doutrinas protestantes mostravam-se bastante mais relaxadas e menos exigentes.
Manuel Travaços era homem falador e não perdia ocasião de alardear os seus conhecimentos da nova Religião. Também não era destituído, e lia muito, mesmo livros proibidos que conseguia à socapa, ou que trouxera do estrangeiro. Em 27 de Junho de 1569, dois estudantes de 19 e 18 anos, um de Salamanca e outro de Coimbra, fizeram denúncias bem detalhadas contra Manuel Travaços. Todo o processo sugere uma organização prévia. A sua prisão não ocorreu logo, mas exactamente passado um ano. Alguns dias antes, foram presas as testemunhas que depois depuseram contra ele, geralmente acusadas de judaísmo. O processo decorreu de um modo bem acelerado. Note-se que, embora existisse já o Regimento da Inquisição de 1552, não havia ainda uma tradição consolidada do desenrolar dos procedimentos, que por vezes eram alterados ad libitum, sobretudo pelos corpos dirigentes (Rei, Inquisidor Geral, Conselho Geral).
Entre os livros e os papéis do preso, foi encontrado um texto em Latim, com 22 proposições luteranas, que se opunham à crença católica, por exemplo no que respeita à existência do Purgatório, às indulgências, ao rezar aos Santos, ao culto das imagens. Nada disto, porém, indica que ele tivesse essas convicções religiosas. Aliás, o mais provável é mesmo que ele fosse indiferente perante a questão religiosa e discutisse Religião apenas para mostrar o seu conhecimento de doutrinas novas. Os Inquisidores, porém, não o trataram como tal, mas sim como prosélito do luteranismo. Quando deu conta disso, entrou em pânico, pois viu-se ameaçado de morte no cadafalso. Começou então a “confessar” e a denunciar todas as pessoas cujos nomes lhe vieram à cabeça. Mencionou e denunciou até muita gente que nunca tinha encontrado.
Foi assim que também mencionou Damião de Góis, do seguinte modo: “Perguntado que homem é um Guoes com que ele dizia que praticava e andara lá por estas partes, disse que nunca falou com Guoes nenhum, nem conhece mais que Ambrósio de Guoes, filho de Damião de Guoes, e que Álvaro Fernandes, o físico que aqui está preso, disse a ele confessante que Ambrósio de Guoes praticava muitas vezes nas coisas da Alemanha com ele e fora lá reitor em uma Universidade”(fls. 67 img 135). Diz IRP que “esta resposta é inexacta”, porque Manuel Travaços declarou mais tarde em 4-1-1571: “Que no mesmo tempo [haveria dois anos] praticando ele confessante com Álvaro Fernandes, de quem tem dito, lhe disse o dito Álvaro Fernandes que lhe dissera Damião de Góis que o Cardeal (isto é, o Infante D. Henrique, Inquisidor Geral) o mandara chamar e lhe perguntara um dia quem eram os principais luteranos em Alemanha, porque se os tivéramos cá os queimáramos, dizendo mais o dito Damião de Góis ao dito Álvaro Fernandes que se os ditos luteranos estiveram cá, fizeram do Cardeal o que quiseram, dando a entender que o fizeram da sua banda.”(fls. 115 v img. 232)
Salta à vista do processo que nesta altura, o preso já soltava nomes sem qualquer nexo e que nunca contactou Damião de Góis. IRP quis ligar a prisão de Damião de Góis à ida para o cadafalso de Manuel Travaços, mas não tem razão nenhuma, como demonstrarei um dia destes. Foi apenas uma coincidência temporal: Manuel Travaços foi garroteado em 11-3-1571 e Damião de Góis foi preso no 4 de Abril seguinte.
Manuel Travaços confessou tudo e mais alguma coisa e denunciou muita gente, praticamente todos os de quem sabia o nome. Mas os Inquisidores ainda não estavam satisfeitos e queriam que ele denunciasse também sua mãe. É que ela uma vez mandara ao filho alguma comida embrulhada num pano onde estava desenhada uma chave e eles queriam atribuir um qualquer significado à figura da “chave”. Decidiram mesmo levá-lo a tormento por causa disso. Quando se viu na sala do tormento, ficou totalmente histérico, chorou e denunciou a mãe como luterana e mais meia dúzia de nomes de que se lembrou. Os Inquisidores foram a correr prender a mãe em 7-2-1571 (e não 14-5-1571, como está na ficha do processo n.º 9908, da Torre do Tombo) e só a libertaram, absolvida, em 9-6-1573. Isto apesar de ele se ter retractado logo a 10-2-1571, dizendo ser falso tudo o que dissera de sua mãe.
Abro em parêntese para dizer que Manuel Travaços tinha uma relação estranha com sua mãe. Era violento com ela, apertando-lhe os braços e mordendo-lhe as mãos. Ameaçava-a muitas vezes de morte. Disse Pantaleão Teixeira companheiro de cárcere que frequentava a casa da mãe dele que o Manuel Travaços tinha ciúmes dele e dissera a Fr. Francisco, também companheiro do cárcere, que tinha um machado para matar a mãe ou a ele, Pantaleão Teixeira. Disse mais Pantaleão Teixeira, testemunhando no pr. n.º 9908, de Joana Clemente: ”(…) estando um dia na casa em que vivia a Ré [Joana Clemente] ao Jogo da Pela, vira a dita Ré dar duas bofetadas ao dito Manuel Travaços sobre lhe ele pedir ciúmes dele testemunha; e que aquele dia jantara lá e o dito Manuel Travaços ficara disso muito sentido, e viera pela escada abaixo chorando e vindo ele testemunha após ele para o apaziguar, o dito Manuel Travaços pôs a mão no rosto, jurando se havia de vingar e depois disto ele testemunha ir a Almeirim com a dita Joana Clemente, o dito Manuel Travaços lhe disse que pouca necessidade tinha sua mãe de ir com ele só, dando-lhe a entender que suspeitava mal disso e que havia de a matar (…)”
Antes, dissera a mesma testemunha: “(…)sabe que o dito Manuel Travaços era muito soberbo e vingativo e mal inclinado e que dizia a ele testemunha muitas vezes que se ele não fora gordo e pejado, que fizera muitas coisas que ele dissimulava por ser pejado e não poder correr, e sabe que tinha muito ódio à dita sua mãe, por ele testemunha ir a sua casa e por outras coisas que lhe dava a entender, presumindo que ele testemunha ia lá em má parte, e que tinha esta com a dita sua mãe.”
Nesta altura do processo, reuniu a Mesa da Inquisição em 7 de Novembro de 1570 e decidiu admitir o Réu à reconciliação. Ficou de fora o Inquisidor Simão de Sá Pereira que foi de opinião que o Réu fosse relaxado. Ao mesmo tempo, foi decidido que o Réu fosse a tormento. Há uma nota importante no Assento: “que se dê conta primeiro a Sua Alteza de como está recebido conforme ao Regimento”. A 29 de Novembro, novo assento da Mesa, mandando-o ir a tormento: se confessar, muito bem, se não confessar, considerar-se-á a falta purgada pelo tormento. Mantem-se a decisão de o reconciliar.
Confessou e continuou a denunciar pessoas em mais audiências. A 1 de Janeiro de 1571, o Cardeal D. Henrique pediu que o processo lhe fosse transmitido. Os membros do Conselho Geral tinham assento no Conselho de Estado. Deverá ter soado aos ouvidos do Inquisidor Simão de Sá Pereira que a decisão do Conselho seria diferente da da Mesa e ele apressou-se a ditar para o processo uma declaração modificando o seu voto de relaxamento para o de reconciliação (fls. 127 img. 255). De facto, o Conselho Geral, em Assento de 28 de Janeiro de 1571, relaxou-o à justiça secular sem apelo nem agravo. Note-se que juridicamente o Assento não em sentido, ninguém pode ser condenado por se não ter convertido no seu coração...
O Réu ainda se retractou da denúncia que fizera de sua mãe em 10 de Fevereiro, mas já ela estava a presa.
É claro que Manuel Travaços não era luterano, estava era aterrorizado na prisão. Na sessão da tarde do dia 8 de Janeiro de 1571 disse: “(…) requer a suas Mercês o não ponham a tormento porquanto ser moço fraco e lhe farão dizer o que não sabe com medo, e que está muito arrependido de suas culpas e pecados e conforme com a vontade de Deus, e protesta de ser daqui por diante muito católico cristão e nunca mais tornar a estes erros e defender sempre a santa fé católica”. (fls. 125 img. 251)
Ao pedir o processo, na carta de 1-1-1571, escrita em Almeirim onde estava a Corte, diz o Cardeal D. Henrique “(…) e também me parece acertada a resolução que dizeis estar tomada no processo de Manuel Travaços, preso nesse cárcere (…). E, no entanto, o Conselho Geral decidiu pelo relaxe, porquê? Talvez não seja estranha a isso a posição de um muito jovem Rei de 16 anos que, na prática, era quem dirigia o Conselho Geral.
Um detalhe interessante é que D. Jorge, o Arcebispo de Lisboa, nomeou seu representante no Conselho, o Padre Martim Gonçalves da Câmara, escrivão da puridade, isto é, um homem da Corte. Passado pouco tempo, deixou de haver representante dos Bispos no Conselho, mas havia-os apenas na Mesa da Inquisição, tal como ficou depois no Regimento de 1613.
img. 1 – Processo n.º 10259, de Manuel Travaços, cristão velho, desta cidade de Lisboa
fls. 1 img. 3 – Relatório do Inquisidor Simão Sá, sobre o Réu Pereira
fls. 9 img. 19 – 27-6-1569 - Denúncia de Jorge Rodrigues, de 18 anos, estudante em Coimbra
fls. 13 v img. 28 – 27-6-1569 - Denúncia de Francisco Sanches, de 19 anos, estudante de Salamanca
fls. 15 v img. 32 – 5-7-1569 – Prosseguiu o depoimento de Francisco Sanches
fls. 17 v img. 36 – 4-7-1570 – O Promotor de Justiça requer a prisão do Réu. Os Inquisidores mandam passar mandado de prisão.
fls. 18 img. 37 – 4-7-1570 – Mandado de prisão
fls. 18 v img. 38 – 5-7-1570 – Entrega no cárcere do preso
fls. 19 img. 39 – 14-7-1570 – Depoimento de Diogo Lopes, calceteiro, por alcunha o “Camareno” – Pr. n.º 232 – não veio nada espontaneamente como diz IRP, já estava preso desde o início do mês
fls. 19 v img. 40 – 13-7-1570 – Dep. de Gonçalo Rodrigues, sapateiro, preso – pr. n.º 7792 –
fls. 20 v img. 42 – 18-7-1570 – Prosseguiu o depoimento do mesmo Gonçalo Rodrigues
fls. 21 v img. 44 – 14-7-1570 – Dep. de Manuel Fernandes, calceteiro, de 20 anos, sobrinho de Diogo Lopes – pr. n.º 7313 –
fls. 22 img. 45 – 14-7-1570 – Dep. de Fernão Gomes, de 22 anos – pr. n.º 5751
fls. 24 img. 49 – 28-7-1570 – Dep. do mesmo Fernão Gomes
fls. 26 v img. 54 – 28-8-1570 – Outra denúncia do mesmo Manuel Fernandes
fls. 27 v img. 56 – 11-9-1570 – Depoimento de Fernão Guterres, preso dois dias antes – pr. n.º 5761.
fls. 28 img. 57 – 13-9-1570- Outro depoimento do mesmo Fernão Guterres
fls. 28 v img. 58 – 3-10-1570 – Outro depoimento de Gonçalo Rodrigues, sapateiro, já referido
fls. 29 img. 59 – 30-9-1570 – Depoimento de Pantaleão Teixeira, da ilha da Madeira, preso no dia anterior – Pr. n.º 707
fls. 31 v img. 64 – 5 -10-1570 – Outro depoimento de Gonçalo Rodrigues
fls. 35 v img. 32 – 6-10-1570 – Outro depoimento de Pantaleão Teixeira
fls. 36 v img. 74 – 19-10-1570 – Outro depoimento de Fernão Gomes
fls. 38 img. 77 – 10-10-1570 – Dep. de Frei Francisco, companheiro de cárcere - deverá ser Fr. Francisco da Conceição – pr. n.º 4340.
fls. 40 img. 81 – 15-7-1570 – Dep. de António Fernandes, moço de câmara da Infanta
fls. 42 img. 85 – 5-7-1570 – No meio dos livros apreendidos ao Réu, apareceu uma folha dobrada em quatro, onde estavam 22 proposições heréticas, escritas em Latim, que estão a fls. 44 e 45 do processo.
fls. 45 img. 91 – 7-7-1570 – “Prima monitio”
Foi contando as doutrinas luteranas que aprendera, mais como curiosidade do que como crença.
fls. 46 v img. 94 – 8-7-1570 – Audiência
fls. 49 v img. 100 – 11-7-1570 – Audiência
fls. 53 v img. 108 – 11-7-1570 – Audiência
fls. 57 img. 115 – 12-7-1570 – Confissão
fls. 61 img. 123 – 13-7-1570 – Confissão e denúncias
fls. 64 img. 130 – 13-7-1570 – Requerimento do promotor para serem presos o L.do Álvaro Fernandes (Pr. n.º 1888), Fernão Gomes (Pr. n.º 5751) e Gonçalo Rodrigues (Pr. n.º 7792). Despacho dos Inquisidores ordenando a prisão.
fls. 65 img. 131 – 14-7-1570 – Audiência. fls. 66 v img. 134 – 15-7-1570 – Audiência
fls. 68 img. 137 – 19-7-1570 – Audiência
fls. 69 v img. 140 – 27-7-1570 – Audiência
fls. 70 v img. 142 – 31-7-1570 – Audiência
fls. 74 img. 149 – 4-8-1570 – Audiência
fls. 75 img. 151 – 11-8-1570 – Audiência
fls. 76 v img. 154 – 14-8-1570 – Audiência
fls. 77 img. 155 – 16-8-1570 – Audiência
Nota inserida no final: “Ainda não diz de sua mãe palavra e há suspeita de ser luterana pelo aviso que dava ao Réu quando o prenderam, e pelo que lhe mandava nos panos com as chaves lavradas, de que aqui há autos e assim pelo que diz das Imagens que o moço vendia no cabaz.”
fls. 78 v img. 158 – 21-8-1570 – Audiência
fls. 79 img. 159 – 23-8-1570 - Audiência
fls. 80 img. 161 – 16-9-1570 – Audiência. No final, a Genealogia. Tem cerca de 28 anos, é cristão velho, de ambas as partes. É filho de Agostinho Fernandes Travaços, que fora ouvidor na Índia e falecera e de Joana Clemente; é natural de Lisboa. Não tem tios nem tias; tem um irmão que se chama Lourenço de Andrade, que tem vinte e tantos anos e está na Índia. Foi sempre católico cristão excepto desde quando o converteu um genovês, Francisco Vivaldo, mercador, que sabia Latim. Confessava-se e comungava nos tempos determinados pela Igreja, ia às missas e pregações, sabia a doutrina cristã. Sabia Latim e era bacharel em Cânones por Coimbra.
fls. 81 img. 163 – 6-10-1570 – Audiência – Confissão
fls. 83 v img. 168 – 7-10-1570 – Testemunho de D. Catarina Cacosa, contra o Réu. “O Réu dizia que para nos salvarmos não era preciso mais que o Pater Noster e o Evangelho”. “Não acreditava em milagres nem no poder das relíquias”.
fls. 85 v img. 172 – 9-10-1570 – Audiência
fls. 89 img. 179 – 12-10-1570 – Audiência
Nota do Promotor de Justiça : “Já parece que se pode despachar, ainda que não quer acabar de falar a verdade de sua mãe, e o Réu de si tem dito tanto que parece que o que deixa de dizer é por lhe esquecer. Também dizem as culpas que vieram da Ilha que ele dizia que o matrimónio não era sacramento, somente o do baptismo e da unção. Há contra a mãe o que disse das Imagens e há os sinais que mandava das chaves, e o que disse ao meirinho que prendeu o Réu; e o que diz Pantaleão Teixeira que ela lhe disse que fosse lá e que falasse com seu filho que sabia muito e que se ele se declarava com estranhos não é mais verosímil que o mesmo faria com a mãe pelo que por estes indícios parece que por mim misi in questionem de matre et ita peto. E mais que era tão má cristã que se vivia muito mal em sua casa e ia à Igreja muito poucas vezes e forçada como dizem algumas pessoas e é mulher de má vida, que dava alcouce em sua casa de mulheres.”
fls. 90 v img. 182 – 7-11-1570 – Assento da Mesa da Inquisição
Toda a mesa (inquisidores, Representante do Ordinário e Deputados) reunida, pergunta ao Réu se tem mais que confessar. Ele diz que não está lembrado. Todos os votos (com excepção do Inquisidor Simão de Sá Pereira) foram de opinião que o Réu fosse reconciliado, mas como não tinha (ainda) acusado sua mãe, que fosse levado a tormento, mas “que se dê conta primeiro a Sua Alteza de como está recebido conforme ao Regimento” O Inquisidor Simão de Sá Pereira foi de opinião que fosse entregue à justiça secular. Acrescentam: “e também pareceu que o Réu fique perpetuamente no cárcere e seja irremissível em todos os dias de sua vida; e que não possa (…) ler por livros nenhuns se não com licença dos Inquisidores (…)”
fls. 93 img. 187 – 13-11-1570 – Audiência – Confessa mais, relatando afirmações heréticas que teria dito a Bernardino Carvalho
fls. 95 v img. 192 – 17-11-1570 – Mais denúncias
fls. 97 img. 195 – Libelo. O Réu é considerado confitente simulado e diminuto, possivelmente por não ter denunciado sua mãe. Disse que se queria defender e pediu procurador. No processo, não aparece qualquer actividade do procurador.
fls. 99 img. 190 – 11-11-1570 – Denúncia de Fr. Francisco
fls. 101 img. 203 – 13-11-1570 – Testemunho de Rafael
fls.102 v img. 206 – 18-11-1570 – Audiência com o Réu
fls. 104 v img. 210 – 21-11-1570 – Ratificação de Fr. Francisco e de Rafael
fls. 107 img. 215 – 29-11-1570 – Foi chamado o Réu e disse aos Inquisidores que não tinha mais que declarar.
fls. 108 img. 217 – Assento da Mesa da Inquisição
“pareceu visto o que depois acresceu nestes autos contra o Réu Manuel Travaços que será posto a tormento experto ad arbitrium inquisitoris: e nele perguntado pelo que sabe de sua mãe: e de Bernardim Carvalho, de que há informação nos autos que ele encobre: que andam errados na fé: e (ilegível) de aliis complicibus: e confessando fique recebido na forma supra posita na lembrança que está tomada: e não confessando ficarão os indícios purgados.”
fls. 109 img. 219 – 5-1-1571 – Sessão do tormento
O Réu aterrorizado pediu “que se lhe dessem a vida, ele dava 40 pessoas que poria num rol”. Acusou sua mãe de ser luterana.
fls. 110 v. img. 222 – Sem data – Testemunhos de companheiros de cárcere
Diogo de Almeida (Pr. n.º 240, da Inq. de Lisboa): O Réu Manuel Travassos dissera “que se eles Inquisidores lhe dessem a vida, que ele daria em Rol 40 pessoas e mais que andam nestes erros”; “que se o queimassem que havia de vestir um pelote de veludo e de seda que havia de gritar que o queimavam pelo Evangelho”; “que queimassem também a S. Basílio e a Santo Agostinho que aprovavam o que ele dizia” e “que ele chamava aos Inquisidores cães, perros, hereges luteranos.”
Amador Fernandes (Pr. n.º 10910): O Réu dissera “que muitos senhores e príncipes de Castela e França foram presos e queimados pelo caso que ele Manuel Travassos estava”; “que havia de vir à Mesa e romper o seu feito (=rasgar o seu processo), estaçá-lo por si e dar de bofetadas aos Inquisidores”.
fls. 112 img. 225 – 3-1-1571 – Audiência com o Réu
fls. 114 v img. 230 – 4-1-1571 – Audiência com o Réu
fls. 116 v img. 234 – 5-1-1571 – Outro testemunho de Diogo de Almeida, companheiro do cárcere. Dissera o Réu Manuel Travaços “que lhe pesava porque tinha confessado”; “que os luteranos tinham um Latim tão doce que encantava a todos e convencem todos com os seus argumentos e aos que não sabem Latim, com razões”; “que lhe pesava não ser ido e fugido”.
Outro testemunho de Amador Fernandes: Dissera o Réu “que se Francisco de Almeida falasse com luteranos, que logo o tomariam, porque tinham um Latim muito doce”; “que prouvera que fosse a caminho de França ou de Inglaterra que lá salvara sua vida”; disse ainda “que nunca o Réu reza e afora dos companheiros reza as Ave Marias”.
fls. 119 img. 239 – 8-1-1571 – Audiência com o Réu. Confissão. Denuncia sua mãe e outras pessoas.
fls. 123 img. 248 – 8-1-1571 – Continua de tarde a mesma audiência
fls. 126 img. 253 – 9-1-1571 – Audiência com o Réu
fls. 127 img. 255 – Nota do Inquisidor Simão de Sá Pereira, sem data
“Posto que na primeira lembrança fui de parecer que o réu fosse relaxado à justiça secular, pela experiência que depois tive de sua pessoa e sujeito e capacidade. e mostrar ser um homem fácil, loquaz e inconsiderado, que não dá conceito de lhe ficar no peito outra cousa do que mostra, e parece falar verdade sem velame nem cobertura alguma, e havendo respeito a ter confessado suas culpas copiosamente por sua vontade e mostrar sinais de conversão chorando lágrimas, principalmente nestas últimas confissões, e estar no primeiro lapso, em que tudo isto lhe aproveita; por todas estas razões retrato o voto que tinha dado e sou que seja recebido à misericórdia da Santa Madre Igreja. as) Simão de Sá Pereira”.
fls. 128 img. 257 – 1-1-1571 - Traslado de uma carta do Cardeal D. Henrique, escrita em Almeirim
“Inquisidores de Lisboa, o Cardeal Infante vos envio muito saudar, etc., e também me parece acertada a resolução que dizeis estar tomada no processo de Manuel Travassos, preso nesse cárcere, mas por ser caso tal e tão digno de consideração vos encomendo que me envieis seus próprios autos cerrados e selados por um oficial desse Santo Oficio, pessoa de confiança, depois de feita a diligência neles determinada e estarem de todo findos, para os ver, e vistos eles e a resolução tomada mandar no caso o que for justiça e bem do Santo Oficio e das almas.
De Almeirim, o primeiro de Janeiro de [1571]. Domingos Simões a fez. O Cardeal Infante"’.
fls. 128 v img. 258 – 15-1-1571 – Nota do Notário de ter entregue os Autos
fls. 129 img. 259 – 26-1-1571 – Certidão de como os autos foram vistos em Almeirim
fls. 130 img. 261 – 15-2-1570 – D. Jorge, Arcebispo de Lisboa, nomeia seu representante no Conselho Geral a Martim Gonçalves da Câmara, escrivão da puridade.
fls. 131 img. 263 – 28-1-1571 – Assento do Conselho Geral
“Foram vistos estes autos de Manuel Travassos por mandado do Cardeal Infante nosso senhor, Inquisidor Geral, pelos do Conselho da Santa Inquisição, Ordinário e deputados abaixo assinados, e vista a muita curiosidade que o réu Manuel Travassos teve em aprender a seita luterana e saber tantos artículos dela, e a muita afeição que teve à dita seita ensinando-a a muitas pessoas, pervertendo algumas delas e trabalhando por perverter outras, pesando-lhe muito de as não achar dispostas para receber sua falsa doutrina, e visto outrossim como não satisfaz a tão grande afecto como tinha a dita seita fazendo uma confissão inteira e verdadeira e com mostras de arrependimento que dos autos constem, antes confessou em diversas sessões variando em algumas sem acabar de dizer toda a verdade de modo que por isso se pronunciou que fosse posto a tormento esperto a arbítrio dos inquisidores, e visto mais como se prova que depois de ser preso e ter confessado suas culpas se mostrou muito afeiçoado aos luteranos e à sua seita, gabando-os a eles e às suas escrituras sem requerer aos inquisidores que lhe dessem letrados que o tirassem dos erros em que andava e lhe ensinassem a resposta dos argumentos e autoridades que o traziam convencido, pelo que parece que sua confissão foi somente vocal e com medo da pena e não de pessoa convertida de coração, e vista outrossim a qualidade de dogmatista e ser o réu o primeiro cristão velho português disso convencido, pareceu que o réu Manuel Travassos é impenitente e indigno da misericórdia da santa Madre Igreja e que como tal fosse entregue à justiça secular, e porém que antes do Auto alguns dias se lhe publicasse este despacho por termo e se pusessem com ele letrados teólogos que o ensinassem e aconselhassem a se converter verdadeiramente para salvar sua alma."
ass) Paulo Afonso
M. Gonçalves de Camara
Manuel de Coadros
Fr. Emanuel da Veiga”
fls. 133 img. 267 – 10-2-1571 – Audiência com o Réu. Revoga o que disse de diversas pessoas e tudo o que disse de sua mãe.
fls. 135 img. 271 – 6-3-1571 – Ratificação de Manuel Travassos
fls. 137 img. 275 – 9-3-1571 – Confissão
fls. 141 img. 283 – 10-3-1571 – Ratificação
fls. 144 img. 289 - ??
fls.147 img. 295 – Sentença
fls. 149 img. 299 – Publicada a sentença no Auto da Fé que se celebrou na Ribeira Velha em 11 de Março de 1571.
fls. 150 img. 301 – Conta de custas: 1$932 réis.
TEXTOS CONSULTADOS
Isaías da Rosa Pereira, “O Processo de Manuel Travaços na Inquisição de Lisboa (1570-1571) e a prisão de Damião de Góis”, in Anais – Sociedade Portuguesa de História, 2.ª Série , vol. 36, 1998, pgs. 157-173
Regimento da Santa Inquisiçam de 16 de Agosto de 1552, in Archivo Historico Portuguez, vol. V, 1907, pgs. 272 a 298
Online: www.archive.org
Regimento do Santo Ofício da Inquisição de 1613
Online: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/1/19/p56