10-9-2005
MARIA ANA BOBONE
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Janeiro de 2006 - Novo CD "Nome de mar".
4 de Junho de 2012 - No Centro Cultural de Belém, o lançamento do novo CD com o título FADO & PIANO, uma ousadia bem sucedida da cantora, de cantar fado a tocar piano.
Há tempos, no programa RTP2, Há Memória, Eládio Clímaco prometeu que a levaria ao programa para cantar fado a tocar piano. Esperamos que ele ou, se não for possível, alguém por ele cumpra tal promessa.
A fadista canta às quintas-feiras no Clube de Fado. Podem pesquisar-se muitos clips da cantora no YouTube.
DISCOGRAFIA
1) ALMA NOVA, de Miguel Capucho, Maria Ana Bobone, Rodrigo da Costa Félix (1993)
Faixas de Maria Ana Bobone:
1 – Grão de Arroz, letra e música de Belo Marques
4 – Fado de cada um, letra de Silva Tavares, música de Frederico de Freitas
7 – Dá-me o braço, anda daí, letra de Linhares Barbosa, música de José Blanc
10 – Alamares, letra de Linhares Barbosa, música de Jaime Santos
2) LUZ DESTINO (1995)
1 - Fado Cigano, poema de Sidónio Muralha, música de Armando Machado
2 - Fado Azenha, letra e música de Joaquim Frederico de Brito
3 - Fado Correeiro, letra de Maria Manuela Santos, música de Alfredo Correeiro
4 - Dueto, música de João Paulo
5 - Leve, Breve, Suave, poema de Fernando Pessoa, música de João Paulo
6 - Que Deus me Perdoe, letra de João Silva Tavares, música de Frederico Valério
7 - Sabe-se Lá, letra de João Silva Tavares, música de Frederico Valério
8 - Fim, música de Ricardo Rocha
9 - 12.º Degrau, música de Ricardo Rocha
10 - Fragmentação Em Ornamento, música de Ricardo Rocha
11 - Fado Cravo, letra de Maria Teresa Albuquerque, música de Alfredo Marceneiro
12 - Três Bairros, letra de S. Sobral, música de Alfredo Marceneiro
13 - Fado Não Sei Quem És, letra de João Silva Tavares, música de Frederico Valério
14 - São Miguel, (ao José Castro), música de Mário Franco
15 - Frenesi, música de Ricardo Rocha
16 - Improvisação, música de Ricardo Rocha e João Paulo
Maria Ana Bobone - voz
Ricardo Rocha - guitarra portuguesa
João Paulo - Cravo
Mário Franco - Contrabaixo (faixas 11-14)
3) SENHORA DA LAPA (1999)
1. Meu Amor me deu um
Lenço, tradicional
2. Ternura, poema de Matilde Rosa Araújo, música de João Paulo E.S.
3. Senhora da Lapa, poema de Sebastião da Gama, música de João Paulo E.S.
4. Ar, poema e música de João Paulo E.S.
5. Os Teus Olhos, poema de Maria Pimentel Montenegro, música de João Paulo E.S.
6. Espelho Quebrado, poema de David Mourão Ferreira, música de Alain Oulman
7. José Embala o Menino, tradicional
8. ABC, poema de
Sebastião da Gama, música de João Paulo E.S.
9. Elegia, poema de João Paulo E.S., música de Ricardo Rocha
10. Hortelã Mourisca, poema e música de Arlindo de Carvalho
11. Flux, poema de
Fernando Pessoa, música de Ricardo Rocha
12. Senhora da Lapa, poema de Sebastião da Gama, música de João Paulo E.S.
Maria Ana Bobone: voz
Joao Paulo Esteves da Silva: piano
Ricardo Rocha: guitarra portuguesa nas faixas 5, 8, 10
Peter Epstein: saxofone nas faixas 2, 6, 8
3) NOME DE MAR (2006)
1 – Meu nome é nome de mar, poema de Manuel Alegre, música de João Braga
2 – Olhos fechados, poema de Pedro Homem de Melo, música de Daniel J. Martins (Fado Saudade)
3 – Fado Lisboeta, letra de Amadeu do Vale, música de Carlos Dias
4 – Espera, poema de Pedro Homem de Melo, música de João Braga
5 – Fado da Sina, letra de Amadeu do Vale, música de Jaime Mendes
6 – O Achado (com Filipa Pais), poema de Miguel Torga, música de João Braga
7 – Natal d’Elvas (com vozes privadas), tradicional
8 – Canção de Alcipe, letra de Armando da Câmara Rodrigues, música de Afonso Correia Leite
9 – Senhora do Monte (com João Paulo Esteves da Silva), letra de Gabriel de Oliveira, música de Raúl Ferrão (Fado Carriche)
10 – Súplica (com Tetvocal), letra de Amadeu dos Santos, música de Ferrer Trindade
11 – Leves véus, poema de Fernando Pessoa, música de Ricardo Rocha
12 – Pálida a lua, poema de Fernando Pessoa, música de Ricardo Rocha.
Tema extra: Avé Maria, Frei Hermano da Câmara / Adelaide Villar da Câmara
Produção: Maria Ana Bobone
Direcção musical e arranjos: Ricardo Rocha
Guitarra portuguesa: Ricardo Rocha
Viola: Carlos Manuel Proença
Baixo: Marino de Freitas
METRO , 25-1-2006 Ano 3, n.º 238
O projecto nasceu a partir dos versos de Manuel Alegre. Maria Ana Bobone aposta tudo no primeiro disco a solo em Portugal.
Há quanto tempo dura o fascínio pela música?
Desde nova que sou rodeada por música em casa. Sempre cantei entre amigos e aos 16 anos tive um convite do João Braga para cantar fado. Não tinha a noção do que era o mundo do fado. Lentamente apercebi-me da beleza, da carga e da tradição que há nele.
Por que escolheu o titulo “Nome de Mar”, um tema com letra de Manuel Alegre?
É o meu primeiro álbum a solo em Portugal e produzi-o sozinha. Conheci o Manuel Alegre num festival de poesia na Suécia. Prometeu--me um poema e passado ano e meio fez-mo chegar. Revejo-me tanto nele que achei que podia ser esse o nome do disco, em vez do meu.
Como descreve o CD?
É uma aposta muito séria, com uma preocupação de qualidade extrema, que rejeita as vantagens da tecnologia e do estúdio, preferindo a realidade e a crueza de uma gravação ao vivo.
E porquê numa igreja?
E um espaço acústico interessante. Escolhi a igreja da Graça por ter a melhor acústica de Lisboa, segundo um estudo feito pela Gulbenkian.
Não pensou aplicar o curso de Comunicação Social?
Não. Quando tirei o curso ainda estagiei numa redacção. Aliás, o convite para o programa sobre fado que apresentei na RTP não surgiu por ter formação em jornalismo, mas por ser fadista. Gosto mais de cantar e da vida que a música me proporciona, mas não ponho o jornalismo de lado.
De que concerto gostou mais até hoje?
O local onde fui mais bem recebida e onde tive uma experiência extraordinária foi no Chile, num teatro com 1 500 pessoas, cheio, com um entusiasmo enorme. Foi uma das experiências mais gratificantes. Mas cá também houve uma experiência especialmente tocante, quando cantei a “Avé Maria”, no Terço Vivo, no Estádio Nacional para 40 mil pessoas, que cantaram comigo num ambiente de elevação espiritual místico. Foi quase surreal, transcendente, muito especial.
PATRÍCIA TADEIA
A Senhora da Lapa
Gravado numa catedral, cujo nome a Igreja Católica pediu que não fosse divulgado, "Senhora da Lapa" resulta da colaboração de Maria Ana Bobone e João Paulo Esteves da Silva com o convidado especial Peter Epstein, tendo sido gravado em 14 meses.
Para trás, ficaram "Luz Destino", que deu a conhecer ao público uma nova forma - mais barroca - de cantar o fado, sendo nomeado para os Globos de Ouro atribuídos pela SIC, e "Alma Nova", a estreia nas gravações desta licenciada em Comunicação Social e Cultural pela Universidade Nova de Lisboa.
O primeiro registo, datado de 1993, é uma experiência conjunta com Miguel Capucho e Rodrigo Costa Felix, onde a voz de Bobone interpreta os fados tradicionais do repertório de Amália Rodrigues.
Encontrado aqui
Expresso n.º 1449, de 5-8-2000
As novas gerações do fado
Durante décadas suscitou sentimentos contraditórios: houve quem o amasse e quem o combatesse. Decorridos mais de 25 anos sobre o fim do regime a que muitos o associaram, o fado readquire o lugar de honra com base em novos intérpretes.
O fado foi durante muitas décadas amado por uns, odiado por outros. Odiado sobretudo pelos sectores mais intelectualizados da sociedade, que viam nele a ausência dos valores e da estética; amado pelas classes mais despolitizadas, ou pelas mais aristocráticas, ou pelas que mantinham fortes raízes ao mundo rural e à cidade. Só depois da Revolução de Abril e da agitação pós-moderna dos anos 80 alguém se lembrou de resgatar ao passado essa canção tão genuinamente portuguesa e colocá-la no lugar de honra.
Deste período de recuperação e de sucesso, duas novas estrelas emergiram: Mísia e Camané. Mísia, mais difícil e menos consensual, construiu-se adaptando o fado ao seu estilo singular, trabalhando a imagem ao pormenor na elaboração mais contemporânea de ser fadista, com uma abordagem decididamente intelectual na procura de um repertório, que foi buscar nomes como o de José Saramago, Lobo Antunes, Sérgio Godinho, Agustina Bessa-Luís, Mário Cláudio ou Lídia Jorge. Quando apareceu no início dos anos 90 em Portugal, regressada de Barcelona - terra revisitada por causa das origens catalãs, onde iniciou carreira como cantora de variedades -, foi procurar uma editora para o primeiro disco.
A EMI-VC contratou-a, estreando-a com um CD de fados tradicionais. Mas depois separaram-se, porque o negócio se revelou um fiasco. Nos meios fadistas acendeu polémicas. Não lhe reconheciam o estilo e muito menos lhe entendiam a pose. E então escolheu o caminho inverso - de fora para dentro. O acaso de um encontro com um «manager» espanhol, o mesmo de Carmen Linares e Vicente Amigo, arrancou-a ao desconhecido.
Dez anos passados, com seis discos editados e 60 países percorridos, parece ter chegado a hora de os críticos nacionais se acalmarem: Temos fadista! - dizem. Mísia está agora num nicho concedido aos intérpretes que cantam as palavras raras das músicas tradicionais.
Para Camané, o caminho percorrido nos trilhos do fado foi outro. Ele está, de resto, mais de acordo com o que se quer que o fado continue a ser. Fadista de alma e coração, seguiu o estilo antigo, mas com a vivência de alguém dos novos tempos. E procurou um repertório de autores contemporâneos. No acompanhamento, integrou a novidade de um instrumento, o contrabaixo, cujos acordes nunca foram evidentes. Para ele, a alma do fado cresce nas casas onde se canta o fado, esse cantar «onde as palavras cantadas em português soam da melhor forma. É onde a poesia descansa». Sempre esteve no núcleo dos fadistas, filho de pais que, sem serem profissionais, faziam parte do meio. Em casa não se ouvia outra música. Ainda criança, acompanhado pelo pai, ia cantar às colectividades, onde poetas do fado escreviam letras mais próprias para vozes infantis.
Ao chegar à idade adulta, fez a escolha com a consciência de que não poderia levar outro destino. E deu os passos na tarimba da escola das casas de fado - Senhor Vinho, Alfaia - partindo simultaneamente para outros voos que o conduziram também ao que a cultura portuguesa nos anos 90 tinha para oferecer aos artistas. Cantou na Comuna, onde conheceu José Mário Branco, que veio a tornar-se o produtor dos seus discos e também amigo e colaborador em muitos trabalhos. Integrou o elenco de «Maldita Cocaína» de La Féria e foi sempre escolhido para representar Portugal em festivais internacionais.
Hoje, reconhecido como um dos mais significativos cantores que fizeram do fado uma nova maneira de estar dentro da recuperação da linha mais tradicional, Camané continua com a mesma atitude de simplicidade e timidez que já tinha aos 18 anos, quando, de fato escuro e gravata, saía à noite para cantar o fado - a canção de escolha da sua vida.
Na linha da redescoberta do fado, como recuperação do nosso património cultural, 1994 é um marco indiscutível. No ano de Lisboa Capital da Cultura, foram integrados na programação projectos importantes para o fado, com concertos, a edição de um CD de antologia e uma grande exposição no museu de Etnologia.
Quando Mafalda Arnauth, a mais proclamada voz da nova geração, aparece nas lides, o fado está outra vez de volta já sem os complexos do passado. Agora o que se quer é a afirmação da canção da alma portuguesa. Aqui e lá fora. A emergência do conceito «World Music» posicionou-o no caminho certo para um crescimento internacional que até então tinha sido quase património exclusivo de Amália. E é sob essa etiqueta, como música etnográfica, que o fado é exportado. As discográficas aproveitaram a onda.
Num espaço de seis anos, Mafalda, que começou a cantar por uma brincadeira de praxes académicas na Faculdade de Medicina Veterinária, descobre que tem na voz os requebros de fadista. De convidada-residente para representar a universidade, em congressos que incluíam fado, ao convite de João Braga para cantar em Paris foi um passo muito curto. Em 1999, «Mafalda Arnauth», o disco com produção de João Gil (ex-Trovante) é lançado e obtém a unanimidade da crítica: «Temos fadista!»
Agora, quando o tempo lhe permite, entre o curso de Veterinária e os muitos compromissos para cantar, passa na Taverna do Embuçado, para ir ganhando a «patine» necessária a quem anda nesta vida. Na atitude que assumiu prefere dizer que é cantora de fado em vez de fadista, no tratamento da imagem a escolha é simples e sóbria. Para o fado, o importante é a alma e as emoções nas histórias que se cantam.
Como todos os outros jovens da sua geração, tem a noção clara de que mesmo recorrendo à escola clássica é preciso inovar. Nas letras do próximo disco, que irá sair em breve, é ela quem escreve parte dos textos.
Por detrás de Mafalda Arnauth está Hélder Moutinho. O produtor, que lhe organiza a agenda e trata dos contratos, põe-na a circular nos festivais internacionais. Hélder também canta no elenco do Embuçado, bem como na Parreirinha de Alfama. Fadista pode ser uma das muitas formas de se estar neste universo. E ele, um dos irmãos de Camané, profundamente integrado no meio, conjuga a carreira feita sobretudo nas casas de fado com intervalos de produtor e criador de projectos que envolvem jovens recém-chegados.
É também autor de textos para fados cantados por muitos, e estudioso da história desta canção urbana. Na bagagem de quem chega ao fado por uma circunstância do acaso há um disco já editado: «Sete Fados e Alguns Cantos».
Hélder lamenta a pergunta feita insistentemente na morte de Amália «Então, e agora, o fado morreu?», reveladora de um certo egoísmo das gerações mais velhas que preferem passar uma certidão de óbito a ver o fado transformado para um novo milénio.
«Somos herdeiros de Amália e de todos os grandes fadistas que nos antecederam, o fado não acabou», diz.
Foi quase com surpresa que Maria Ana Bobone se viu, subitamente, catalogada como uma voz da nova geração. No entanto, no meio, ela é indicada como fazendo parte do círculo. À margem do circuito das casas de fado, onde nunca cantou, faz parte da «tribo» de João Braga, que a foi buscar ao coro da Igreja de Santos. O fado não lhe passava pela voz. No entanto, dedicou-se-lhe com uma determinação de quem é estudiosa por natureza, racionalizou um modo de cantar que aprendeu a amar e assimilou-o como uma experiência mais espiritual do que emotiva.
Hoje, com três discos gravados, muitos espectáculos realizados e uma agenda cheia, é com voz de fado que vai aceitando projectos que se cruzam noutras músicas. O ritual desta canção diz-lhe pouco, o xaile, o negro, não são as opções que escolhe para compor a imagem. Da vida que lhe trouxe o fado, diz que a leva cheia de coisas boas e inesperadas. Música será certamente o caminho que percorrerá, seja ele qual for.
Talvez para quem não vivesse em Lisboa, nem andasse pelos meios, fosse mais difícil lá chegar. Ana Sofia Varela, que desde sempre só cantou fado, queria mesmo ser fadista. Em Serpa, foi-se introduzindo suavemente nas noites amadoras. E em todos os concursos e prémios promovidos pela RTP, dedicados ao género, lá estava ela para cantar. Sempre nas finais, nunca ganhando o primeiro lugar. No entanto, tomou a decisão de ir estudar para Lisboa e ser fadista. No Clube de Fado Amália conheceu Mário Pacheco que a levou ao Clube do Fado. Canta lá todas as noites.
É este o seu sustento e o modo de vida. Com um disco agendado para breve, vai dando os passos com uma persistência férrea no destino que escolheu. Cantou em nove países, participou na Expo-98 e integra o projecto Fado e Flamenco que a transporta para outras paragens. Na escolha do repertório exibe uma atitude simples: «Temas de amor. Ouço e vejo os que mais se identificam com as minhas histórias.»
A mais recém-chegada à nova geração do fado é uma filha da Mouraria. Marisa, com honras no programa de Herman José e destaque de capa numa certa imprensa cor-de-rosa, vai-se dividindo entre o Senhor Vinho, onde canta, os convites que surgem rápidos para a levar lá fora e a construção de uma imagem que pretende afirmar pela diferença da pose esguia no visual bem trabalhado. Mas no fado que canta, a voz é bem tradicional.
Amália é a sua referência. Para Marisa, voltar ao fado da infância no bairro popular foi uma fatalidade quase premeditada. Pelo meio passeou nos caminhos de músicas de bares e bandas.
Não vai ser sempre fácil a estes novos nomes fazer carreira no fado. Nunca o foi nem é, mesmo quando, como agora sob o chapéu de «World Music», a canção de Lisboa pode novamente tocar milhares no Japão. Mas a indústria discográfica espreita, promove, divulga. Chegar a estrela pode tornar-se mais acessível, embora só com talento se brilhe.
Textos de ANA SOROMENHO e TELMA MIGUEL
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Maria Ana Bobone
«Não acho obrigatório ter a vivência do fado. Eu, por exemplo, nunca fui cantar a uma casa de fados.»
Considera-se, acima de tudo, uma profissional da música. Com um curso de jornalismo da Universidade Católica, que a levou a um estágio na redacção da SIC, o curso básico de piano do Conservatório e, agora, o curso de canto, também do Conservatório, quase terminado, Maria Ana Bobone, 24 anos, leva o fado como um acaso feliz. O encontro deu-se no coro da igreja de Santos, onde João Braga a ouviu cantar e a convidou para o fado. Ela, que o achava uma chatice como género musical, não se fez rogada e, disciplinadamente, estudou. Dois anos depois, um primeiro disco, «Alma Nova», lançado em 1994 pela Strauss. Seguiram-se mais dois, «Luz Destino», voz de fado com arranjos barrocos, e «Senhora da Lapa», de cantigas portuguesas. Não tem certeza se será sempre o fado que cantará. Mas, por agora, sente-se bem aqui.
Dois Fados em Pontedera Enchem Salas de Festival
Por JOÃO BONIFÁCIO, em Pontedera
PÚBLICO Quinta-feira, 24 de Julho de 2003
Quase passa despercebida num mapa, a 60 quilómetros de Florença e uns vinte de Pisa. E quando se chega, quase só se vê betão. Podia ser apenas a terra da fábrica das famosas vespas Piaggio, mas Pontedera tem um segredo. Foi aqui que há onze anos começou o Festival Sete Sóis Sete Luas, espécie de intercâmbio musical e teatral que se estende por trinta pequenas cidades de cinco países diferentes, entre Junho e Novembro de cada ano. E é para aqui que desde 1992 músicos portugueses se deslocam para partilhar o gosto pela música, diferentes músicas. Por aqui passou, por exemplo, um senhor chamado Carlos Paredes. Agora a geração é outra, mas o interesse mantém-se: faz um calor danado em Pontedera, nesta altura do ano, e as pessoas preferem sair para o ar livre - umas centenas escolhem a entrada do Palácio da Marquesa Torrigiani na Villa Malaspina (a cerca de dez quilómetros da cidade), cenário dos concertos. Fazem bem, até porque o local é propício a música que é mais de ouvir do que de ver. O palácio fica no cimo de um vale, dali até onde os olhos alcançam é uma espécie de ditadura da natureza e um fim de tarde (tarde aqui é relativo...) magnífico. |
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Quando Ana Sofia Varela sobe ao palco, segunda-feira, nove horas da noite, já todas as 300 cadeiras estão ocupadas e a luz é apenas a de dois holofotes. O mínimo torna-se o estritamente necessário para uma voz imensa. Rugosa, às vezes dura, voz de arestas por limar como o fado pede.
Quando canta "se os meus olhos te não falam/ como havias de entender?", percebe-se que não é preciso entender nada, nem uma palavra: sentir basta. As palmas são muitas: a música não precisa de línguas, apenas coração.
Não é que Varela tenha chegado disposta a conquistar pelo charme (se bem que esta geração alie às magníficas vozes um palminho de cara que só ajuda): atrapalha-se com o italiano, traz o espanhol à mistura, está visivelmente nervosa. Mas canta como se tivesse vendido a alma ao diabo, e tem por trás, na guitarra portuguesa, um homem que não acompanha apenas: cria, a cada instante. Chama-se Mário Pacheco e enche o espaço à volta da voz de Ana Sofia como se esta voz e esta guitarra tivessem nascido para caminhar juntas. Direito a "encore" e muitas palmas no fim.
A música nada pode fazer
"O silêncio pode ser mais assustador do que as próprias explosões", diz Samir Joubran, tocador de alaúde palestiniano, o primeiro a actuar na noite de terça-feira e também primeiro músico palestiniano a poder sair da Palestina com uma bolsa do Parlamento Internacional de Escritores, que pretende proteger artistas vítimas de perseguição política. A frase vem a propósito de "Ramallah 16 /VIII/2001", data de um ataque israelita aos territórios ocupados e título de uma peça sua. "Costumava acreditar que a música podia fazer tudo, mas depois do que vi nesse dia sei que é falso, a música nada pode fazer contra tanta morte", insiste. Não consegue, decerto, restituir a vida, mas pode iluminá-la: "Ramallah..." é um lamento doloroso, uma marcha lenta em que cada nota como que agoniza à espera da próxima - e é belíssima.
Entre tradicionais e instrumentais seus, Samir Joubran demonstrou ser um magnífico virtuoso, capaz de, mesmo em "duelos" improvisados com o seu irmão mais novo (também tocador de alaúde), levar ao encanto. "Os meus únicos sonhos são poder tocar a minha música e levar a minha avó de volta à terra natal, em paz", disse já depois do concerto.
À hora a que Maria Ana Bobone subiu ao palco devia estar Varela a actuar em Roma, onde Bobone cantara no domingo. Varela e Bobone são duas faces opostas do fado (no que a primeira é aspereza, a segunda é quase sempre mel, no que a primeira procura o negro, a segunda dá-nos o bonito) e se Pontedera se rendeu às duas, pareceu ter por Bobone uma predilecção acentuada. A voz mais trabalhada, mais cristalina de Bobone cativou o público desde o início. O final (pediram "Maria Lisboa", receberam "Uma Casa Portuguesa"), teve direito a acompanhamento a palmas. O repertório, maioritariamente amaliano, ajudou, bem como um profissionalismo e simpatia a toda a prova, e a opção de incluir canções e uma marcha também.
A questão da estranheza desta música, aparentemente, não se põe: talvez por o festival já ir numa década de existência, as pessoas parecem entregar-se com facilidade a uma música que só sabe falar de tristeza. Samir Joubran, no fim, disse ter gostado desta música melancólica.