10-8-2019 

 

 

Caro Michele, de Natalia Ginzburg, 1973

 

 

 

NOTA DE LEITURA

Sem ser um livro desequilibrado, é menos harmonioso que outros livros de Natalia Ginzburg. Apenas é epistolar em parte e temos de ir ao fim de cada carta para ver quem é que escreveu. Mais tarde no livro La Città e la Casa,  cada carta tem como título o remetente e o destinatário. O personagem principal, Michele, está definido de um modo algo elusivo o que o torna ainda mais antipático. É um livro triste, onde as tragédias se sucedem.

Apesar de tudo isso, lê-se com agrado.

 

 

 

Da biografia de Natalia Ginzburg, escrita por Sandra Petrignani, com o título “La Corsara. Ritratto di Natalia Ginzburg”, Editore Neri  Pozza, Dezembro de 2017:

 

Caro Michele, escrito na forma prevalentemente epistolar entre Outubro e Dezembro de 1972, é uma obra de passagem, o romance que rompe o longo silêncio narrativo que se seguiu a Lessico famigliare e que leva Natalia Ginzburg para os grandes livros dos últimos quinze anos: Famiglia, La Famiglia Manzoni, La città e la casa, Serena Cruz o la vera giustizia.

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Caro Michele é em parte, a tentativa da Ginzburg de dar forma narrativa à contestação juvenil e às suas primeiras derivas violentas. Mas é sobretudo um capitulo que se junta à sua observação do naufrágio geral social em cujo centro figura, mais uma vez, a família, porém uma família desfeita, em pedaços, terminal.

Numa entrevista de 6 de Dezembro de 1975 a Sandra Bonsanti para Epoca , diz uma coisa importante sobre os personagens femininos: “ Neste livro há três personagens de mulheres e pensei que estes personagens de mulheres os descrevi para toda a vida. São os que sempre escrevi. Há uma mulher que corre sempre, uma que está quieta e outra que caminha. A que corre é Mara e corre porque procura a vida. A que está quieta é a Mãe, que passivamente espera que a vida corra. Depois há a que caminha e é Angélica, a irmã de Michele, que não procura nem espera a vida, porque a conhece. Sabe as suas leis e é de certo modo mais adulta que as outras, leva o destino nos seus ombros, vai ter com o irmão quando este morre. É a pessoa que socorre”, como provavelmente se sente ela mesma, Natalia.

Adriana, a mãe, “tem a casa em ordem e o coração em desordem” e não se espanta de nada, estando num estado permanente de espanto e estupor”.

É uma mulher de 43 anos que se retirou para viver na aldeia. Tem duas filhas fêmeas, casadas, um filho macho de 22 anos artistoide. Michele, que emigra para Inglaterra a trabalhar aqui e ali, para fugir a chatices políticas com a justiça, e duas gémeas de catorze anos que vivem com ela, aparecem sempre juntas, inexpressivas e indecifráveis, vestem de modo idêntico, sacodem a cauda de cavalo do mesmo modo e logo que podem fogem na motorizada. Há depois um marido egocêntrico e caprichoso, que morre no início da história e um ex-amante talvez ainda amado, que se casou e espera uma filha, Vanessa.  “Diz-me tu se é nome que se ponha a uma menina”, comenta Adriana escrevendo a Michele. E há muitos outros personagens todos bem descritos pela criada apática e maliciosa Cloti ao amigo de Michele, Osvaldo, “pederasta reprimido”. Talvez este esteja apaixonado por Michele, que também ele  tem uma sexualidade fugidia, e se mete com as mulheres em relações sentimentais falidas. Mas todos giram no vazio sob o olhar atónito de Adriana e do seu alter ego Ada, esposa separada de Osvaldo, com a atitude maternal de resolver os problemas de toda a gente, e que reflecte: “O mundo agora está cheio destes rapazes, que giram sem destino de um lado para o outro.  Não se consegue perceber como é que vão envelhecer. Parece que nunca vão envelhecer. Parece que vão ficar sempre assim, sem casa, sem famílias, sem horários de trabalho, sem nada. Com os seus dois farrapos e basta”. E Michele, nos quadros que desenha, representa obcessivamente abutres, mochos, casas em ruinas.”

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Das muitas recensões dedicadas ao livro, a mais interessante é talvez a de Vittorio Spinazzola  na Unità: “Não é sobre factos políticos que se concentra a atenção da escritora. O verdadeiro objecto do seu interesse é a crise da masculinidade; por isso mesmo o romance começa com a morte do pai de Michele e acaba com o assassinato do filho”. E por alguma razão é a certo ponto invocado um Deus de outro modo ausente do horizonte desta história: “Deus lhe perdoe”, diz Adriana do ex-marido, “se existe Deus, coisa que talvez não seja de excluir totalmente”.

A escolha da forma epistolar permite à Ginzburg semear o eu narrante em muitas vozes diferentes e eludir como no teatro a centralidade da “palavra eu”, da primeira pessoa que lhe foi sempre cara. Às cartas que os personagens trocam em abundância, alternam-se trechos na terceira pessoa que são pouco mais que legendas, quase indicações teatrais.  “Os personagens acabam por falar todos do mesmo modo, a escrever todos as mesmas cartas: a ser em suma todos o mesmo personagem”.

 

Books of The Times

Reintroducing Natalia Ginzburg, One of the Great Italian Writers of the 20th Century

 

By Parul Sehgal

June 18, 2019

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Recensão da versão americana com o título “Happiness, as Such,

 

Caro Michele

This book is a Roman candle quick and explosive. Happiness, as Such, translated by Minna Zallman Proctor, burns slower and reveals more of Ginzburgs natural sympathy and wit. A family discovers that its beloved only son, Michele, has fled town, leaving chaos in his wake: debts, a girlfriend who might have just given birth to his child, a male friend who was possibly also his lover and the small matter of a machine gun that needs disposing.

The novel is told in letters, mainly to Michele from his mother a savant of passive aggression who bullies and wheedles and bleeds onto the page. I sometimes think about how little time weve spent together, you and me, and how little we know each other, she writes. I think youre a moron. But I dont know if youre a moron or maybe secretly wise. Were all suspended somewhere between these poles, the writer included; few writers make as liberal and effective use of the first-person-plural narration.

 

 

   The Driest Eye

Deborah Eisenberg

De´The New York Review of Books - JULY 18, 2019

 

This command of tone—of attitude, let’s say, and vantage point—is just as remarkable in Happiness, as Such, originally published in Italy as Caro Michele in 1973 and set contemporaneously. It’s a freer book, looser and stranger, formally, than The Dry Heart (È stato così), and its characters manage, for the most part, to muddle along, as the English-language title suggests. From the Italian title you’d guess that it’s an epistolary novel, and it largely is, though parts of it are in the third person.