10-8-2014

 

 

Henrique Pais, Advogado no Porto, preso nove anos e depois garroteado na Inquisição de Lisboa em 1629

 

 

 

Este processo tem imensas provas da brutalidade da Inquisição. Desaparece também a propalada correcção formal da Inquisição. As decisões que eram “finais” deixam de o ser para o processo prosseguir.

Henrique Pais, nascido em Lisboa, foi muito novo montar banca de advogado no Porto. De origem modesta, conseguiu juntar uma fortuna como causídico; era sobretudo advogado de muitos mosteiros e os seus serviços eram procurados por pessoas gradas do Porto e de Coimbra.

Nunca casou. Vários de seus irmãos e cunhados tinham falecido e ele acolheu sob a sua protecção muitas das sobrinhas, tendo mesmo duas delas em sua casa, quando foi preso pela Inquisição de Coimbra.

Foi ele mais uma vítima da revoada das prisões de Coimbra na segunda década do séc. XVII. Foi denunciado pelo Cónego daquela cidade, António Dias da Cunha e logo preso, dizendo o decreto de prisão “vista a qualidade da testemunha que tem contra si”. Ninguém do Porto o denunciou. Já o Assento da Mesa de 27-2-1621 diz “ser o Cónego António Dias da Cunha, sua testemunha, confitente de pouco crédito, e havendo tantas prisões no Porto e tantos confitentes, não haver quem dissesse dele, senão o dito António Dias no tormento”. Esta última interpretação pertence ao Inquisidor Simão Barreto de Menezes, que, como veremos, defendeu o Réu enquanto pôde. Já tinha mesmo votado contra o decreto de prisão. É até algo estranho como é que o mesmo Inquisidor assinou o mandado de prisão em 6 de Março de 1620.

Deverá ter ficado muito pouco tempo preso em Coimbra, e foi logo a seguir mandado para a Inquisição de Lisboa. O processo é omisso sobre a data em que tal se verificou. Em geral, esta transferência era sinal de dureza no procedimento, era para condenar pela certa. Neste caso, porém, foi o contrário. Simão Barreto de Menezes estava disposto a proteger o advogado e a conseguir a sua libertação. E, tendo este Inquisidor sido transferido para a Inquisição de Lisboa em 11-10-1620, estava peparado para se ocupar disso. Deverá ter orientado as coisas para que ele fosse rapidamente libertado. Porém, na Inquisição era raríssimo haver absolvições. Quando havia boa vontade para libertar algum preso, ia a tormento mais ou menos duro por suspeito na fé  e era solto após fazer a abjuração ou de levi ou de vehementi. Foi o que determinou o Assento de Fevereiro de 1621. O tormento no final de Abril não foi muito duro, pelo menos não lhe partiu nada. Da Inquisição, foi mandado para as escolas, com um grupo de presos vindo do Brasil que depois saiu sem auto. As escolas seriam provavelmente um convento, onde recebiam instrução religiosa.  Foi entretanto mandado vigiar durante quatro meses para ver se fazia algum jejum judaico. Não fez.

Estava ele para sair no auto da fé em Mesa de 8 de Dezembro de 1621, quando lhe disseram que não ia ser libertado e entrou de novo nos cárceres secretos a 10 de Dezembro. Porquê? Só há uma explicação: o Inquisidor Simão Barreto de Menezes tinha sido enviado em missão à corte de Madrid e lá faleceu no ano seguinte, como informa a Prof.  Ana Isabel Lopez-Salazar Codes.  Ficou o Réu desprotegido. Outra explicação poderia ser que em Coimbra a 12 de Outubro de 1621, tinha aparecido outra denúncia contra ele, de António Correia de Sá, que não é mais confiável que a primeira.

Em Lisboa, não era provável que aparecessem muitas mais denúncias. Seria preciso que os Inquisidores puxassem pela imaginação que nunca lhes faltava. Puseram então no cárcere com ele um militar perverso e de péssimo carácter que foi depor contra ele uma série de falsidades. Era-lhe muito fácil inventá-las porque ele tinha prática por ter sido Judeu na Flandres quando era ainda rapaz.

Apesar de tudo, os Inquisidores ainda não tinham muita má vontade para com o Réu e em 1624, por isso, decidiram outra vez “absolvê-lo” à moda da Inquisição, isto é, pô-lo a tormento e libertá-lo com abjuração. Só que desta vez, o tormento foi na polé e bem mais duro: um braço fracturado em dois lados e uma clavícula partida. 

Aqui, o Conselho Geral travou a libertação. Havia uma nota de Coimbra de 18-9-1623 a dizer que brevemente seriam presas parentas próximas do Réu, que certamente iriam “dizer” dele. Outra nota um mês depois dizendo que o assunto não estava esquecido e que enviariam as culpas logo que as tivessem.

Faltam-nos dois dos processos das quatro sobrinhas do Réu. Há dois processos de Filipa da Paz e da irmã Maria Ramires: foram ambas presas a 24 de Abril de 1625 e soltas logo no Auto da Fé de 4 de Maio de 1625. Juntam-se depois os depoimentos de Catarina de Sena e de Mariana de Cáceres, cujos processos desapareceram.

A partir daqui, seria já muito difícil a Henrique Pais escapar ao patíbulo. Como de costume, de nada serviu a bem elaborada contestação por negação, com todos os testemunhos a confirmar a cristandade do Réu. Era um princípio da Inquisição que tal contestação não deveria servir para nada, muito embora, no caso do Réu, o Assento de 26-1-1621 (fls. 115 v img. 230) diga “e o Réu provar em sua defesa todas as mostras de bom cristão”, mas aí a redacção deverá ser de Simão Barreto de Menezes.

Não podiam libertá-lo até porque perderiam a pequena fortuna que eram os dinheiros e bens do Réu, por ele avaliados em dez mil cruzados.  Certamente, teriam até dificuldade em lhos restituir, porque já teriam gasto o dinheiro em contado que lhe tinham apreendido

O Réu conduziu a sua defesa acreditando piamente na seriedade do Tribunal da Inquisição. Esteve sempre bem informado e manteve boa caligrafia até ao fim nas numerosas páginas que escreveu no processo (39 páginas). Infelizmente para ele, estava enganado:  aquele Tribunal só servia para condenar.

Uma boa acção que fez virou-se contra ele. Esteve ele no mesmo cárcere do P.e João de Oliveira, filho de Tomás Rodrigues, uma família aniquilada pela Inquisição. Ajudou-o a arguir suspeições contra os Inquisidores que tinham intervindo no seu processo e no de seus pais e irmãos. Os Inquisidores ficaram furiosos com isso e separaram-nos, pondo-os em cárceres separados. O P.e João de Oliveira enlouqueceu e suicidou-se, deixando de comer.

No último Assento da Mesa de 9 de Julho de 1629, o Inquisidor Diogo Osório de Castro ainda se pronunciou a favor do Réu, propondo a “absolvição” através da ida a tormento. Mas ficou sozinho, não deveria ter peso para se impor aos outros,  e o Conselho Geral aplicou a pena ordinária, como então se dizia.

Na Inquisição, a única defesa era confessar e depois acusar. Para ajuizar da mentalidade dos Inquisidores diga-se que, quando diziam que o judaísmo estava muito dilatado no Porto, queriam dizer que se haviam ali feito muitas prisões (umas 180 em dois anos, diz o Réu).  E diz o mesmo Réu numa das suas exposições:  “Provará que o D. Senhor Pedro da Silva de Faria tem tão grande ódio à gente da Nação geralmente que costuma dizer que nenhum cristão novo é cristão; e sendo aqui Deputado, dizia aos presos: sois vós cristão novo? pois confessai que sois Judeu; e vá sobre a minha consciência.

 

 

 GENEALOGIA

 

 

Estêvão Lopes casou com Catarina Lopes e tiveram:

A-Clara Dias que casou com Henrique Pais e tiveram:

1-Cristóvão Pais, falecido em Sevilha, onde se dizia estar casado

2-Francisco Pais, que faleceu solteiro na ilha de S. Tomé

3-Simão Pais, falecido no Porto e era casado com Brites Henriques, que tiveram:

                                 a-Sebastião Pais que mora em Sevilha

                                 b-Catarina de Sena (não aparece o processo, de Coimbra), que mora no Porto, casada com Inácio Teixeira

4-Jerónimo Pais, já defunto que casou com Maria Ramires e tiveram

                                a-Filipa da Paz (Pr. n.º 2667, de Coimbra) e

                                b-Maria Ramires (Pr. n.º 4379, de Coimbra) , solteiras, que viviam com ele Réu

                                c- Manuel Pais, que foi para o Brasil ou Angola

5-Isabel Pereira, viúva de Luis de Cáceres, já defunto, de quem teve:

                               a-Mariana de Cáceres (não aparece o processo, de Coimbra), casada com o L.do Jorge Cardoso (Pr. n.º 127, de Coimbra)

                               b-Brites de Cáceres

                               c-Outra filha de que não sabe o nome

                               d-Henrique Pais, que foi para as Índias fazer-se frade de S. Domingos

                               e-Domingos de Cáceres

6-Henrique Pais, RELAXADO, solteiro (Pr. n.º 10099, de Lisboa)

B- Isabel Dias, casada com Nuno Álvares, de quem tem um filho, chamado António Vaz Pereira

C- Paulo Dias, já falecido, foi casado com Ana Lopes e tiveram:

Isabel Paula

Inês dos Santos

D-Pedro Dias, casou com Margarida Lopes e tiveram:

              Jerónima Lopes

              Ana de Penedo

 

 

 

Processo n.º 10099 contra Henrique Pais, solteiro, de 52 anos, advogado, residente no Porto, preso em 8 de Março de 1620

 

fls. 5 img. 9 – 6-3-1620 – Mandado de prisão, assinado por Simão Barreto de Menezes na Inquisição de Coimbra

fls. 6 img. 11 – 8-3-1620 - Auto de entrega na Inquisição de Coimbra

Foi logo levado para Lisboa.

fls. 7 img. 13 – 25-6-1620 – Inventário, já na Inquisição de Lisboa

Disse ter bens de raiz no valor de quatro mil cruzados ou pouco mais, todos situados na cidade do Porto e são oito moradas de casas, umas arrendadas outras para ele viver.

Tem cerca de 900 000 réis em contado. Devem-lhe cerca de 700 000 réis.

Um açafate de oiro no valor de 150 000 mais ou menos. Em poder de sua mãe estão móveis e peças de prata no valor de outros 150 000. Três alcatifas da Índia. Quatro guadamecis doirados. Quatro bufetes. Uma dúzia de cadeiras. Três caixas encoiradas. Dois cofres da Flandres.  Porcelanas da Índia. Roupas de casa.

Tem uma livraria com mais de 300 volumes e muitos painéis. Não deve nada a ninguém.

Disse mais que quando entrou na Inquisição de Coimbra, entregou ao Alcaide e ao Notário dez mil réis em ouro, dois ou três tostões de prata e uma cruz de ouro cheia de relíquias.

 

CULPAS

fls. 9 img. 17 – Depoimento de 29-1-1620, do Cónego António Dias da Cunha, no tormento – proc. n.º 3901, de Coimbra. No final do traslado, esta nota escrita pelo próprio que a assina: “também está ratificado ad bonum. a) Simão Barreto de Menezes”.

fls. 11 img. 21 – Requerimento do promotor de justiça, pedindo a prisão do Réu.

fls. 11 v img. 22 – Traslado do Assento que decretou a prisão em 27-2-1620, assinado por Francisco Pinto Pereira, Simão Barreto de Menezes, Gaspar Borges de Azevedo, Miguel Soares Pereira, Pedro Cabral, Bento de Almeida, João Pimenta, D. Francisco Soveral, António Coelho de Carvalho.  Diz o Assento: “(…) vista a qualidade da testemunha que contra si tem e ser do Porto onde o Judaísmo estava tão dilatado, e ao Inquisidor Simão Barreto [pareceu] que não devia ser preso, mas por parecer o contrário a todos os mais, assim se assentou (…”

fls. 12 v img. 24 – 8-2-1621 – “De como foi vigiado

Foi mandado vigiar o Réu nos últimos quatro meses. O Alcaide dos cárceres diz ao Inquisidor Simão Barreto de Menezes (Inquisidor em Lisboa desde 11 de Outubro de 1620) que “ele Alcaide o mandou vigiar pelo guardas dos cárceres nas segundas e quintas feiras e nunca se lhe vira fazer coisa alguma contra nossa Santa Fé Católica e que sempre comera o dito Henrique Pais às suas horas ordinárias”.

fls. 14 img. 27 – sem data – “Estando este Réu Henrique Pais para sair no Auto da Fé que se celebrou no Mosteiro de S. Domingos desta cidade aos 8 de Dezembro de 1621 anos, os Senhores Inquisidores o tornaram a mandar recolher nos cárceres desta Inquisição e foi entregue ao Alcaide dela trazido do cárcere da penitência  aos 10 de Dezembro de 1621 anos, e o dito Alcaide Heitor Teixeira se houve por entregue dele, de que fiz este termo que ele assinou comigo, Manuel da Silva que o escrevi. “

 

MAIS CULPAS

fls. 15 img. 29 – 12-10-1621 – Depoimento de António Correia de Sá – Processo n.º 5821, de Coimbra – Há 6 ou 7 anos, no Porto, no escritório do Réu.

fls. 17 img. 33 – 7-1-1623 – Dep. de Miguel de Sousa Santiago, , solteiro, de 24 anos – Proc. n.º 3512, de Lisboa – Disse que no mês de Dezembro de 1621, esteve um mês com o Réu no mesmo cárcere e depois ainda juntos noutro cárcere 9 ou 10 meses. Acusa o Réu:

- de estar dois dias sem comer e só comer depois à noite;

- de retirar a parte gorda da carne e só comer a carne magra. Que ele testemunha lhe disse que estava confesso e por isso tinha obrigação de vir dizer isto à Mesa.

- que o ouviu uma vez rezar: “Bendito sea Adonai nuestro Diós y Diós del mundo

fls. 20 img. 39 – 29-1-1623 – Outro depoimento do mesmo – Disse que, estando com o Réu e o P.e João de Oliveira (Pr. n.º 2536, de Lisboa) no cárcere via que os dois bochechavam água e a deitavam fora, por duas ou três vezes, o que é costume de Judeus. Disse ainda que o Réu lhe chamava cão confesso e jurando a Deus que o havia de fazer queimar.

fls. 24 img. 47 – 18-10-1621 – Dep. de Francisco de Sá, solteiro, de 21 anos, filho de António Correia de Sá – Proc. n.º 4514, de Coimbra – Disse que ouviu dizer a seu pai que o Réu vivia na Lei de Moisés.

fls. 26 img. 51 – 5-9-1623 – Dep. de Jorge Cardoso, Advogado, residente no Porto – Proc. n.º 127, de Coimbra – Dá-lhe a culpa sete anos atrás. É casado com Mariana de Cáceres, sobrinha do Réu

fls. 29 img. 57 – 18-9-1623 – Carta da Inquisição de Coimbra, para a de Lisboa, onde se diz: “Brevemente se hão-de prender nesta Inquisição algumas pessoas que têm estreito parentesco com Henrique Pais preso nessa Inquisição. Avisamos disso para que V. Mercês vejam se será conveniente não o despachar neste primeiro Auto.”

fls. 31 img. 61 – 20-7-1624 – Dep. de Manuel Pinto, casado com D. Paula de Carvalho, ele de 44 anos, residentes no Porto – Não aparece o processo de Coimbra, é o n.º 51 da lista dos homens no Auto da Fé de 4-5-1625 .

fls. 33 img. 65 – 24-1-1625 – Dep. de Mariana de Cáceres, casada com Jorge Cardoso, sobrinha do Réu – não aparece o processo de Coimbra, é o n.º 75 da lista das mulheres no Auto da Fé de 4-5-1625. Confessou e acusou seu tio no tormento.  Fora presa em 1623.

fls. 37 img. 73 – 13-4-1625 – Dep. de Catarina de Sena, de 30 anos, casada com Inácio Teixeira, cirurgião, moradores no Porto - não aparece o processo de Coimbra, é o n.º 19 da lista das mulheres no Auto da Fé de 4-5-1625. É sobrinha do Réu.

fls. 40 v img. 80 – 25-4-1625 – Dep. de Filipa da Paz, solteira, de 30 anos, sobrinha do Réu – proc. n.º 2667, de Coimbra. Denunciou toda a família.

fls. 42 v img. 84 – 25-4-1625 – Dep. de Maria Ramires, solteira, irmã da anterior, por isso também sobrinha do Réu – proc. n.º 4379, de Coimbra. Denunciou também toda a família.

fls. 43 v img. 86 – Dep. de Filipa Gomes, solteira, filha de Pedro Mendes e de Catarina Lopes, - proc. n.º 2671, de Coimbra. A mãe, Catarina Lopes é sobrinha da mãe do Réu, Clara Dias.

fls. 44 img. 87 – 14-4-1625 – Dep. de Pedro Mendes, natural de Coimbra e morador em Braga – proc. n.º 4212, de Coimbra.

fls. 47 img. 93 – 21-7-1626 – Dep. de Miguel Negrão, natural de Coimbra e morador em Braga- Proc. n.º 838, de Coimbra. Depôs no tormento.

fls. 51 img. 101 – 16-9-1727 – Reperguntado Miguel Negrão

fls. 53 img. 105 – 27-4-1625 – Outro depoimento de Filipa da Paz.

fls. 51 img. 109 – 12-5-1629 – Comissão à Inquisição de Coimbra para reperguntar Mariana de Cárceres, Catarina de Sena, Filipa da Paz, Maria Ramires, Filipa Gomes. Foram remetidos os depoimentos iniciais.

 

fls. 73 img. 145 - 25-6-1620 - GENEALOGIA

Nasceu em Lisboa, de pais ambos cristãos novos, tem 52 anos e há 27 anos que veio para o Porto exercer a profissão de advogado. É solteiro.

fls. 75 img. 149 – 1-12-1620 – Sessão in genere

O Réu disse e repetiu que é bom cristão e negou que alguma vez tivesse praticado actos típicos de Judeu.

fls. 77 img. 153 – 12-1-1621 – Sessão in specie

Negou que alguma vez se tivesse declarado seguidor da Lei de Moisés.

fls. 79 img. 157 – 13-1-1621 – Termo de admoestação antes do libelo da justiça

fls. 80 img. 159 – Libelo. Ouvida a leitura, o Réu disse que era tudo falso e que contestava por negação.

fls. 81 img. 161 – 13-1-1621 – Juramento do Procurador Licenciado Diogo Gonçalves Ribeiro

fls. 82 img. 163 – Traslado do libelo devolvido pelo Procurador

fls. 83 img. 165 – Defesa, em cinco pontos:

1-Sempre foi bom católico, confessando-se muitas vezes durante o ano e ouvindo Missa em muitos dias para além dos de obrigação e foi sempre muito amigo de dar para o culto divino.

2- Comprou uma sepultura perpétua no cruzeiro do Mosteiro de S.to Elói e dotou-a com três cruzados de renda perpétua para se lhe dizerem três Missas cada semana; meteu uma sobrinha a freira e casou duas com cristãos velhos e estava agora para meter em freiras duas sobrinhas que com ele viviam.

3-Confiava ele tanto na sua inocência que, desde Setembro de 1628, altura em que começaram as grandes prisões na cidade do Porto até à data em que foi preso, adquiriu quase mil cruzados de bens de raiz e no mesmo tempo emprestou a mosteiros do Porto e arredores cerca de quinhentos mil réis; tinha também a sua casa guarnecida de móveis e objectos de valor, totalizando o seu património cerca de dez mil cruzados.

4-Teve sempre a confiança de amigos no Porto e, se quisesse, poderia ter fugido para o estrangeiro, o que nunca pensou fazer.

5-Nunca praticou nenhuma das obrigações da Lei de Moisés e sempre comeu carne de porco, de coelho, lebre, lampreia e toda a espécie de peixe de couro e sem escama. Nunca falou da Lei de Moisés com ninguém.

Indicou testemunhas.

fls. 85 img. 169 – 14-1-1621 – Despacho recebendo a defesa, subscrito pelo Inquisidor Simão Barreto de Menezes.

fls. 86 img. 171 – 1-2-1621 – Comissão da Inquisição de Coimbra ao Dr. Gaspar Luis de Macedo, Comissário do S.to Ofício na cidade do Porto, para ouvir testemunhas.

fls. 87 img. 173 – Traslado da defesa e da lista das testemunhas.

fls. 92 img. 183 – 8-2-1621 – Audição de testemunhas na residência do Comissário do S.to Ofício

- Maria Gaspar, de 50 anos, residente na Rua das Flores, no Porto – Foi ama e criada do Réu por 17 anos. Tem-no por bom cristão, sabe que frequentava a Missa e os Sacramentos e dava muitas esmolas. Disse que o Réu comia carne e peixe de todas as espécies, incluindo as proibidas aos Judeus. Era pessoa muito considerada na cidade e as pessoas ficaram espantadas com a sua prisão.

- P.e Gonçalo da Cruz, de 36 anos, Religioso da Ordem de S.to Elói – Conhece o Réu há 10 anos e tem-no por bom cristão e ele e os seus confrades achavam que ele “sentia bem” da fé católica.  O Réu, pelo seu bom procedimento, era respeitado pelos homens nobres da cidade.

- Jorge da Costa, de 56 anos, Cavaleiro Fidalgo e cidadão do Porto – Tem o Réu por bom cristão. Disse que o Réu era homem prudente e muito considerado. Se tivesse ideias contra a Fé, poderia muito bem ter fugido por ser solteiro e rico.

- P.e Manuel da Conceição do Couto, de 67 anos, Religioso da Ordem de S.to Elói – Conhece o Réu há 16 anos, porque ele frequentava muito o seu Mosteiro, onde fez as obras que disse na sua defesa. Sempre o teve por bom cristão. O Réu casou uma sobrinha com o L.do Jorge Cardoso, que é meio cristão novo e está agora preso e outra com Inácio Teixeira, cirurgião, que é tido por cristão velho. E era homem muito considerado pelas pessoas nobres do Porto.

-P.e Julião da Anunciação, de 39 anos, da Ordem de S.to Elói- Depoimento idêntico ao da anterior testemunha.

-Domingos do Rego, de mais de 50 anos, morador no Porto na Rua das Flores – Tem o Réu na conta de bom cristão. Sabe que ele é prudente e muito considerado na cidade do Porto.

-Pantaleão de Sousa, de 28 anos, escrivão do Juízo ordinário da cidade do Porto – É verdade que o Réu comprara bens de raiz valiosos depois que começaram no Porto as prisões de cristãos novos. E também que emprestara muito dinheiro a diversos conventos.

- Paulo Vieira, médico, de 45 anos, morador na Rua das Flores, no Porto – Comos as testemunhas anteriores

- Pantaleão Álvares Vieira, de 56 anos, cidadão do Porto – Como as testemunhas anteriores

- Pantaleão de Seabra de Sousa, de 48 anos, fidalgo de Sua Majestade, morador no Porto – Tem a melhor impressão do Réu, que era homem prudente e comedido e se por acaso fosse herege, teria fugido do Reino, pois era homem solteiro e rico.

-P.e Frei Simão Borges, de 51 anos, Religioso da Ordem de S. Bento – Tratou e comunicou com o Réu por mais de 15 anos. Disse que o Réu é pessoa sisuda e respeitada pelas pessoas nobres da cidade do Porto.

-Geraldo Soares, de 49 anos, morador no Porto – Como as testemunhas anteriores

-L.do Jorge da Silva, de 35 anos, Juiz de Fora da cidade do Porto – Como as testemunhas anteriores

-Salvador da Visitação, de 58 anos, Religioso da Ordem de S.to Elói – Como as testemunhas anteriores

-Maria, moça solteira, de 25 anos, moradora no Porto – Foi criada do Réu oito meses antes da sua prisão. Tem-no bom cristão e sempre lhe viu comer toda a espécie de carnes e de peixes.

fls. 108 img. 215 – 27-1-1621 - Termo de admoestação antes da publicação da prova da justiça. Publicação da prova da justiça, unicamente com a primeira culpa.

fls. 109 img. 217 – Ouvida a leitura, o Réu disse que era falso. Tem contraditas com que vir e quer estar com o seu Procurador. Esteve com ele na mesma data.

fls. 110 img. 219 – Traslado da prova da justiça e arguição de contraditas.

Disse o Réu por seu procurador que são seus inimigos:

- L.do Tomé Vaz, como ele advogado na Relação do Porto, competindo os dois na profissão

- L.do Diogo Rodrigues, sobrinho do anterior e também advogado

-L.do Miguel Jorge, também advogado  (Proc. n.º 1933, de Coimbra), que inveja a ele Réu

-L.do Miguel Rodrigues, também advogado

-L.do Nicolau Lopes, médico

-Gaspar Cardoso da Pena, mercador (Proc. n.º 8461, de Coimbra)

- Manuel de Andrade, mercador (Proc. n.º 8970, de Coimbra)

-Diogo Lopes de Sequeira, de Coimbra

-Simão Fernandes, Alcaide dos Cárceres da Inquisição de Coimbra

- Porteiro da Mesa da Inquisição de Coimbra

Indicou muitas testemunhas.

fls. 114 v img. 228 – 27-2-1621 – Despacho não recebendo as contraditas ex causa (nenhuma respeitava ao único denunciante). Assinala o Inquisidor Simão Barreto de Menezes. à margem: “Este despacho não se publicou”.

fls. 115 v img. 230 – 27-2-1621 – Assento da Mesa

A Mesa foi de opinião que se fizesse com o Réu “diligência no tormento e que será atado com a primeira correia a arbítrio dos Inquisidores  e juízo do médico e do cirurgião, e que não vinham em mais tormento por ser o Cónego António Dias da Cunha, sua testemunha, confitente de pouco crédito, e havendo tantas prisões no Porto e tantos confitentes não haver quem dissesse dele, senão o dito António Dias no tormento, e o Réu provar em sua defesa todas as mostras de bom cristão, e achar-se todo seu dinheiro e fato em sua casa, o que em tal tempo, argui consciência quieta e sem culpa; e que, satisfeito ao sobredito tormento, se torne a ver em Mesa este processo para se despachar em final (…)”

fls. 116 img. 231 – 28-4-1621 – Termo de admoestação antes da sentença do tormento

fls. 117 img. 233 – Sentença do tormento. Assina o Inquisidor Simão Barreto de Menezes.

fls. 117 v img. 234 – No tormento

“(…) foi atado perfeitamente com a primeira corda, gritando sempre e sendo admoestado por não querer confessar coisa alguma e haver o Sr. Inquisidor que com este tormento estava satisfeito o Assento da Mesa, o admoestou em forma e mandou desatar e levar a seu cárcere(…)”

fls. 118 v img. 236 –10-5-1621 -  O escrivão diz: “(…) de mandado dos Senhores Inquisidores, fiz este processo concluso em final (…)”

Assento da Mesa de 10 de Maio de 1621

“(…) e pareceu a todos os votos que ele vá ao auto na forma costumada, e nele faça abjuração de levi, suspeito, tenha sua instrução ordinária e pague as custas (…)” Entre as assinaturas está a do Inquisidor Simão Barreto de Menezes.

Ver fls. 14 img. 27

fls. 119 img. 237 – 9-2-1622 – Admoestação antes da publicação de mais prova.

fls. 119 v img. 238 – 19-2-1622 – Requerimento do promotor antes da publicação da prova da justiça

fls. 121 img. 241 – Publicação da prova da justiça que a mais acresceu contra Henrique Pais. É a denúncia de António Correia de Sá.  Ouvida a leitura, o Réu disse que era tudo falso e que tinha contraditas com que vir.  Na mesma audiência, o termo do juramento do procurador L.do Damião Rodrigues.

fls. 123 img. 245 – Traslado da prova da justiça e arguição de contraditas.  Reafirmou que eram seus inimigos o médico Nicolau Lopes e o advogado Miguel Jorge. Indicou ainda como inimigos, António Fernandes Videira, e o advogado Onofre de Brito.

fls. 124 v img. 248 – 26-2-1622 – Audiência para nomear testemunhas (diligência perfeitamente desnecessária porque as contraditas não iriam ser recebidas).

fls. 125 v img. 250 – 26-2-1622 – Despacho de não recebimento das contraditas ex causa.  Foi o despacho notificado ao Réu na audiência da tarde de 1-3-1622.

O processo pára um ano.

fls. 126 img. 251 – 10-5-1623 - In specie por [culpas] acrescidas. O interrogatório incidiu sobre a denúncia de Miguel de Sousa (fls. 17 img. 33 –7-1-1623). O Réu negou todas as acusações.

fls. 127 v img. 254 – 11-5-1623 – Admoestação antes do 2.º libelo

fls. 128 img. 255 – Libelo todo baseado na denúncia de Miguel de Sousa. Ao ouvir a leitura, o Réu identificou o denunciante.  Disse ele que queria estar com o seu procurador.

fls. 130 v img. 260 – 12-5-1623 – Estância com o procurador.

fls. 131 – img. 261 – Traslado o libelo e defesa. Alega o Réu que o Inquisidor Simão Barreto de Menezes sempre lhe fez bom tratamento, tendo-lhe até dado umas horas de Nossa Senhora. Que o mesmo senhor o visitou na véspera da Páscoa e 1621 e “dizendo-lhe ele Réu que tinha mais testemunhas para as contraditas, o dito Senhor respondeu não são necessárias, in tuto res est, saireis e achareis cá fora um mundo novo, novo Papa, novo Rei.” Também pouco depois, após o tormento, o mesmo Senhor repetiu que dele tinha boa informação e o mesmo disse o Inquisidor D. João da Silva. Em 27 de Julho de 1621, foi mandado para as Escolas, onde esteve quatro meses juntamente com os presos do Brasil que saíram em auto particular realizado em 8 de Dezembro de 1621. O Réu, porém, foi de novo para os cárceres secretos no dia 10 seguinte, tendo-lhe sido notificada mais uma culpa que não tinha qualquer fundamento. Disse que ele Réu nunca poderia ter dito ser infame quem confessa, pois louvou muito um companheiro da prisão, chamado António Vaz, de Vila Real (Pr. n.º 11250), por ter confessado.

Indicou testemunhas.

fls. 134 img. 267 – 26-5-1623 – Despacho recebendo o último artigo da defesa, rejeitando os restantes ex causa.

fls. 135 img. 269 – 16-5-1623 - Admoestação antes da publicação de mais prova que acresceu contra o Réu.

fls. 136 img. 271 – Publicação da prova da justiça. É a segunda denúncia de Miguel de Sousa Santiago.  Ouvida a leitura, disse que era tudo falso e queria estar com o procurador.

fls. 137 img. 273 – Traslado da denúncia. Arguição de contraditas. Diz o Réu que quando o trouxeram das Escolas, lhe puseram no cárcere Miguel de Sousa Santiago, biscoiteiro, de 22 anos, cego de um olho. Este já estava confesso mas era de mau carácter, invejoso, vingativo, malicioso e suspeitoso. Esteve sempre desavindo com ele e deixou de lhe falar, com o que o Miguel ficou muito afrontado. Em 24-8-1622, dia de S. Bartolomeu, tiveram os dois uma grande briga, ele Réu chamou-o patife e o outro quis atirar-se a ele, que chamou então o guarda e o Alcaide. Pediu então ele Réu ao Alcaide que os pusesse em cárceres diferentes, o que ele fez. O Miguel de Sousa tinha sua mulher na cozinha e um dia mandou-lhe um escrito dentro de um pão; o guarda que levava o pão abriu-o e viu o escrito. O Miguel disse aos vizinhos que fora o Réu a acusá-lo ao guarda.

fls. 139 img. 277 – 29-5-1623 – Nomeação de testemunhas às contraditas

fls. 140 img. 279 – 29-5-1623 – Despacho de recebimento das contraditas. Não foram recebidas as que tocavam a Miguel de Sousa, sua testemunha.

fls. 141 img. 281 – 17-6-1623 – Segunda defesa do Réu Henrique Pais

Ouvido o preso António Vaz, disse que não se lembrava de o Réu lhe ter dito o que afirmara.

fls. 141 v img. 282 – 27-6-1623 – Ouvido Simão Rodrigues, de 39 anos, este confirmou que o Réu lhe narrara a conversa que disse ter tido com António Vaz “e também disse a ele testemunha que tinha que confessar; confessasse logo suas culpas porque Cristo estava com os braços abertos e lhas perdoaria”.

fls. 143 img. 285 – 17-6-1623 – Diligência sobre as 3.ªs contraditas

Ouvido Heitor Teixeira, Alcaide dos cárceres, disse este que conhece o Miguel de Sousa por homem “revoltoso e de má natureza e que facilmente levantava um falso testemunho”. Quando o dito Miguel de Sousa esteve num cárcere com o P.e António de Oliveira (Pr. n.º 750, de Lisboa) mostrava estar vário e que tinha lesão no entendimento.  Dizia o Miguel de Sousa que quando os seus companheiros vinham à Mesa, o vinham acusar para ele ser queimado.

Ouvido também João Esteves, guarda dos cárceres, disse que tem o Miguel de Sousa por “homem de má natureza, arguidor de males, e aparelhado para levantar falsos testemunhos”.  Que ele e o Réu discutiam muito e se tratavam mal. E que o Miguel de Sousa se queixava de todos os companheiros que tinha.

Ouvido Paulo de Azevedo, guarda dos cárceres, disse que tem o Miguel de Sousa por “homem de má natureza, malcriado e arguidor de males e muito aparelhado para levantar falsos testemunhos.”

fls. 146 img. 291 – 27-6-1623 – Ouvido o preso Simão Rodrigues Boino (pr. n.º 7580, de Lisboa), disse que davam ao Miguel de Sousa a alcunha de “Capitão” e tem conhecimento das desavenças que ele tinha com todos os companheiros de cárcere.  Que o Miguel de Sousa dizia, na ausência do Réu, que antes quisera ter o diabo por companheiro do que a ele, que o Réu não lha falava e estava sempre a rezar.

fls. 147 v img. 294 – 28-6-1623 - Ouvido o preso Estêvão de Sena, de 37 anos, o qual disse ser vizinho do carcere onde estavam o Réu e Miguel de Sousa. Que os dois andavam sempre desavindos e que o Miguel de Sousa se queixava que o Réu passava dias sem lhe dar uma palavra e estava sempre a rezar. Chamavam-se cão um ao outro.

fls. 149 img. 297 – Ouvido o preso Gaspar Dias Paredes (Pr. n.º 919, de Lisboa), disse saber que tinha havido grandes divergências entre o Réu e Miguel de Sousa.  Ouviu o Miguel chamar ao Réu “cão judeu”.

fls. 150 img. 299 – Ouvido na mesma audiência João de Sousa, homem do meirinho da Inquisição. Há cerca de ano e meio, quando desempenhava as funções de guarda, o Miguel de Sousa deu-lhe um pão para levar à cozinha para lhe fazerem umas sopas. Abriu ele o pão e encontrou dentro um escrito destinado à mulher dele (Joana de Vitória – proc. n.º 11541), presa que trabalhava na cozinha; e veio trazer o papel à Mesa.

fls. 151 img. 301 – 5-7-1623 – Assento da Mesa

Foram vistos na Mesa do S.to Ofício (…).estes autos e culpas neles acrescidas contra Henrique Pais, x.n., advogado neles contido, depois do assento por que já foi posto uma vez a tormento e do outro assento de 10-5-1621 – que se não executou por lhe acrescer prova – e pareceu a todos os votos que, vistos os indícios que da prova da Justiça que lhe acresceu contra ele resultam de andar apartado de nossa Santa Fé Católica e ter crença na lei de Moisés e por guarda dela fazer cerimónias judaicas, que o dito Réu seja outra vez posto a tormento, e à maior parte dos votos pareceu que nele fosse alevantado até o lugar do libelo, podendo o Réu sofrer a juízo do médico e cirurgião e a arbítrio dos Inquisidores e a todos que satisfeito com o que resultava do tormento, se tornasse a ver este processo para se despachar a final (…)”

Anotação à margem: “Depois deste Assento, acresceu o testemunho de Jorge Cardoso”.

Nota: Este assento não tem já a assinatura de Simão Barreto de Menezes, que tinha falecido em Madrid em 1622, para onde fora nos últimos meses de 1621.

fls. 152 img. 303 –23-9-1623 -  Admoestação antes da publicação de mais prova. Publicação da prova da Justiça, que de novo lhe acresceu: é o testemunho de Jorge Cardoso, marido de uma sobrinha do Réu. Ouvida a leitura, disse que era tudo falso. Não queria estar com o procurador, mas pedia lhe dissessem onde lhe era dada a culpa. Disseram-lhe que era na cidade do Porto.  Foi lançado das contraditas com que pudera vir.

fls. 154 img. 307 – 23-9-1623 – Despacho onde se considera que nenhuma das contraditas até ali apresentadas tocava Jorge Cardoso.  Processo concluso.

fls. 154 v img. 308 – 3-10-1623 – Assento da Mesa

Foram vistos quarta vez (…) estes autos e culpas de Henrique Pais, x.n., neles contido, depois de lhe acrescer o testemunho de Jorge Cardoso, de 5 de Setembro próximo passado de 1623, e pareceu a todos os votos que este processo estava alterado, e que se fizesse somente diligência no tormento e à maior parte dos votos, que nele tivesse um trato experto, e começado outra vez a levantar até o lugar do libelo, a juízo do médico e do cirurgião e arbítrio dos inquisidores, para que confesse a verdade de suas culpas para salvação de sua alma e que, depois de executado este Assento, se torne a ver este processo em Mesa (…)”

À margem: “Este Assento de tormento se não executara, até se saber da Inquisição de Coimbra se lhe acresciam mais culpas ao Réu”.

fls. 155 img. 309 – 29-2-1624 – Assento da Mesa

Este assento manda avançar o tormento decidido em 3 de Outubro que estava suspenso à espera da resposta de Coimbra.

fls. 156 img. 311 – 16-10-1623 – Carta da Inquisição de Coimbra

Parte que interessa a este processo: “As parentas de Henrique Pais se não prenderam ainda, porém algumas se hão-de prender antes do Auto,  e, confessando, é de crer que digam dele, acontecendo assim, se mandarão logo as culpas.”  À margem: “Por razão destas palavras tocantes a Henrique Pais se acostou aqui esta carta e outra fica nas culpas a fls. 25 [fls. 29 img. 57]”

fls. 157 v img. 314 – Erro no documento.

fls. 158 img. 315 – Exposição do Réu sem data, mas antes do tormento.

Repete os factos que já referira nas suas contraditas. Passa em revista as testemunhas contra ele. O primeiro deveria ser algum rapaz ou algum louco. O segundo  que lhe levara uma acção para articular (“um feito para rezoar”) era coisa absurda que se tivesse declarado com ele ao encontrá-lo pela primeira vez.  Fala depois sobre a inimizade entre ele e Miguel de Sousa, a quem chama doido malicioso.  Sublinha depois a inimizade do Alcaide dos cárceres de Coimbra, Simão Fernandes, que poderia muito bem ter levado algum preso a depor contra ele.

fls. 160 v img. 320 – 29-2-1624 - Admoestação antes do tormento

fls. 161 img. 321 – Sentença do tormento

fls. 161 v img. 322 – No tormento

“(…) foi pelo dito ministro começado a atar com a primeira correia, e indo-lhe dando voltas com a dita correia, lhe pôs o cordel por cima da correia, e lhe foi dando voltas na forma costumada, e ele gritando sempre pelo nome de Jesus e pela Virgem Nossa Senhora, e sendo perfeitamente atado com a correia e o cordel, lhe foi posto o calabre, e foi começado a levantar até o lugar do libelo, aonde foi admoestado quisesse confessar suas culpas  e por dizer que não tinha culpas que confessar, foi levantado até à roldana, onde foi admoestado que o deixavam cair, e lhe foi dado um trato experto e logo foi outra vez admoestado e por dizer que não tinha culpas o levantaram até o lugar do libelo, e foi logo mandado descer e por estar satisfeito ao Assento, o Senhor Inquisidor o mandou desatar e levar a seu cárcere para ser curado (…)”

fls. 163 img. 325 – 29-2-1624 – Assento da Mesa

Foram vistos na Mesa do S.to Ofício (…) estes autos e culpas de Henrique Pais (…) depois de satisfeito o Assento atrás por que estava mandado pôr a tormento, e pareceu a todos os votos que ele Réu vá ao Auto da Fé na forma costumada e nele ouça sua sentença e abjure de vehementi  suspeito na fé e tenha sua instrução ordinária e mais penas espirituais que parecer aos Inquisidores, e pague duzentos cruzados para presos pobres e despesas do Santo Ofício, não excedendo 1/3 dos seus bens (…)”

fls. 163 v img. 326 – “Por um Assento do Conselho Geral, feito em 19 de Abril de 1624, e que está acostado no fim do livro dos ordenados dos oficiais do S.to Ofício, se mandou que este preso Henrique Pais, não fosse ao auto e ficasse no cárcere. a) Jácome Rodrigues

O auto foi a 5 de Maio de 1624.

Parado um ano.

fls. 165 img. 329 – 11-4-1625 – Admoestação antes de mais publicação

fls. 166 img. 331 – Publicação de mais prova da justiça que e novo acresceu. São as denúncias de Manuel Pinto e Mariana de Cáceres, sobrinha. Ouvida a leitura, disse que era tudo falso e que queria estar com procurador para arguir contraditas. Foram-lhe dados como procuradores os licenciados Francisco Tavares e João do Couto Barbosa.

fls. 168  img. 335 – sem data – Exposição do Réu

Diz que o último tormento lhe quebrou um braço em duas partes e também a fúrcula do peito (clavícula). Em Coimbra, tinha corrido o boato de que ele tinha falecido, e por isso, ele temia que os presos o denunciassem, pois era hábito denunciar os mortos para fazer número.  Referiu os seus inimigos: Simão Fernandes, o Alcaide dos cárceres de Coimbra e sobretudo, Miguel de Sousa, biscoiteiro.

fls. 170 img. 339 – 15-4-1625 – Juramento do Procurador L.do Francisco Tavares

fls. 170 v img. 340 – 16-4-1625 – O procurador pediu o traslado das denúncias publicadas ao Réu.

fls. 171 img. 341 – Traslado e arguição das 4.ªs contraditas

Na Inquisição de Coimbra, correu o boato deque ele tinha falecido, talvez por confusão com outro advogado do Porto. Miguel Jorge que falecera na Inquisição de Coimbra.  Ora os presos têm por costume denunciar os mortos e ele teme que assim o denunciem.

Repetiu as razões por que Simão Fernandes que foi Alcaide dos cárceres de Coimbra é seu inimigo.

Também João de Paiva, porteiro da Mesa da Inquisição de Coimbra é seu inimigo capital.

Mais uma vez se queixa de Miguel de Sousa, biscoiteiro.

Repete vários artigos de defesa já arguidos noutras alturas.

Diz que sua sobrinha Mariana de Cáceres, casada com Jorge Cardoso é moça simples e ignorante e naturalmente medrosa e que, se lhe fizerem alguma ameaça, ela denunciará toda a gente e também a ele Réu.

fls. 179 v img. 358 – 19-4-1625 – Nomeação de testemunhas às contraditas

fls. 182 v img. 364 – 9-6-1625 – Despacho de recebimento das contraditas

Foram recebidos quatro artigos de contraditas tocantes em Manuel Pinto e dois em Mariana de Cáceres.

fls. 185 img. 369 – 18-6-1625 – Comissão da Inquisição de Lisboa à Inquisição de Coimbra para interrogar testemunhas.

fls. 188 img. 375 – 1-7-1625 – A Inquisição de Coimbra comete a diligência ao P.e Frei Manuel do Paraiso, Comissário do S.to Ofício, Religioso do Mosteiro de N.ª Sr.ª da Graça, da cidade do Porto.

fls. 189 img. 377 – 29-7-1625 – Audição das testemunhas

-Brás de Faria Vilas Boas, de 58 anos, escrivão das receitas das Alfândegas – Disse que Manuel Pinto e seu irmão Diogo Lopes (Pr. n.º 1400, de Lisboa), mercadores, se tinham por grandes, como se fossem fidalgos e que o Réu zombava deles o que lhes desagradava.  Além disso, o Réu foi advogado de várias pessoas contra Manuel Pinto e seu irmão.

- Jerónimo da Ponte, de 53 anos, escrivão das Alfândegas – Disse que Manuel Pinto e seu irmão Diogo Lopes, sendo mercadores, se faziam passar por fidalgos de cota de armas, do que todos zombavam, incluindo o Réu.

- Baltasar Pinto Aranha, de mais de 40 anos, Cavaleiro da Ordem de Cristo-Depoimento idêntico aos anteriores

-Francisco de Cáceres, de 53 anos, cristão novo, morador no Porto (Pr. n.º 3068, de Lisboa)- Depoimento idêntico aos anteriores.

-Domingos Fernandes, de 30 anos, alfaiate, natural de S.to Tirso e residente no Porto-Sabe apenas que fez para o Réu um vestido de cetim para uma imagem.

-Gonçalo da Mota Rebelo, de 37 anos, escrivão da Almotaceria da cidade do Porto (Pr. n.º 5839, de Coimbra) – Sabe que na Inquisição, os cárceres são muito escuros, e tem de se ter candeia acesa de dia e de noite, mas distingue-se que é dia pelas pequenas frestas.

-Álvaro da Costa, de 50 anos, morador em Miragaia-É verdade que Manuel Pinto e seu irmão Diogo eram muito “proseiros” no trato e que ficaram aborrecidos com o Réu, quando este os contrariou na falência de Paulo Mendes, de que eles eram credores e queriam ter preferência na liquidação.

-fls. 197 img. 393 – 2-8-1625- Prosseguiu a audição das testemunhas

-Maria Gaspar, de 60 anos, moradora no Porto-Disse ser verdade que Mariana de Cáceres, mulher do L.do Jorge Cardoso, é moça muito simples e medrosa, por qualquer medo desmaiava. Além disso era de fraco juízo e leviana. Será pessoa que, com medo do tormento, levantará com facilidade falso testemunho. Sabe isso por a criar desde os 7 anos em casa do Réu.

Lembra-se ela testemunha que o Réu repreendeu severamente a sua sobrinha Mariana de Cáceres, quando ela teve uma discussão em altas vozes da janela da casa com uma regateira que passava pela rua.

Doutra vez, ela emprestou bastante dinheiro a seu primo Manuel Pais, pensando que seu tio lho daria, mas ele não lho deu e repreendeu-a.

fls. 199 img. 397 - 7-8-1625 - Prosseguiu a audição das testemunhas

-Dona Branca Barbosa, donzela, filha de Baltasar Pinto Aranha, de 25 anos, moradora no Porto – Disse ser verdade que Mariana de Cáceres era moça muito singela, de fraco entendimento, muito medrosa e “sobressaltadiça”.Sabe isso, porque ela ia com as duas primas (que viviam em casa do Réu) muitas vezes a casa dela testemunha.

-Ana Pinta, donzela, de mais de 30 anos, filha de Luis Pinto – como a testemunha anterior.

-Catarina de Sena, de 30 anos ou pouco mais, casada com Inácio Teixeira, sobrinha direita do Réu - Depoimento ilegível.

-Inácio Teixeira, de 37 anos, cirurgião da Relação, marido da testemunha anterior- Depoimento ilegível

fls. 205 img. 409 – 10-12-1625 - Termo de admoestação antes da publicação da prova da justiça.

fls. 206 img. 411 – Publicação da prova da justiça que de novo acresceu. São as denúncias de três sobrinhas do Réu, Catarina de Sena, Filipa da Paz e Maria Ramires e ainda de Pedro Mendes (indicado como “parente”). Ouvida a leitura, o Réu disse que era tudo falso e queria estar com procurador.

fls. 211 img. 421 – Traslado devolvido pelo procurador.

fls. 213 img. 425 – A pedido do Réu o Promotor de justiça informa que as culpas lhe são dadas na cidade do Porto

fls. 213 v img. 426 –  5.ªs contraditas. O Réu argui de novo contraditas contra Miguel de Sousa, biscoiteiro, o companheiro do cárcere. Refere a fama que havia em Coimbra e no Porto, que ele havia falecido. Depois alarga-se em contraditas, muitas ilegíveis com manchas de tinta. Por isso, distinguimos apenas as que foram recebidas pelos inquisidores:

-6, 7,e 8 tocantes a Jorge Cardoso, advogado, casado com Mariana de Cáceres, sua sobrinha

-13,14 e 15, tocantes a António Correia de Sá, de Coimbra

-16, 17, 18 e 19 tocantes a Catarina de Sena, sua sobrinha, que casou com Inácio Teixeira

-21,22 e 23, tocantes a Filipa da Paz

-24 e 25, tocantes a Filipa da Paz e irmã Maria Ramires

- 51, tocante a Isabel Pereira, mãe de Mariana de Cáceres

Resumindo o conteúdo das contraditas:

Jorge Cardoso – Quis ele casar com uma das sobrinhas do Réu. Sua mãe, avó das meninas, queria dar-lhe Filipa da Paz, a mais velha, mas ele impôs Mariana de Cáceres, mais nova, mas mais feia e mais simples e ignorante. Jorge Cardoso aceitou de má vontade, esperando que ele Réu lhe desse muitas acções, que lhe sobejavam. Mas era fraco advogado (não era bom letrado)  e o Réu não confiava muito nele; por isso dava a outros de fora as acções mais importantes. Jorge Cardoso queixava-se muito disso. Mais tarde, o Jorge Cardoso precisou de 50 000 réis, mas o Réu não lhos quis emprestar.  Daqui resultou o ódio dele e de sua mulher Mariana de Cáceres, que era maltratada pelo marido por causa dele Réu.

António Correia de Sá – Diz o Réu que é homem mentecapto e faccioso e muito mal inclinado e invejoso. As pessoas prudentes e de bom ânimo fogem dele. É fama pública que, sendo preso, levantou muitos testemunhos falsos, indo depois de solto pedir perdão aos visados.  Em 1616, pediu-lhe para propor uma acção contra um lavrador tão baixa, que ele Reu escreveu a acção sem articular, dizendo-lhe que era coisa indigna o que ele queria fazer. Ele respondeu-lhe com uma carta muito descomposta.  Querendo o António Correia de Sá casar com uma filha de Francisco Nunes Ximenes, este pediu informações ao Réu sobre as qualidades e fazenda do pretendente. Referiu-lhe o pouco siso e fazenda do pretendente e o Ximenes casou a filha com outro homem. E António Correia de Sá queixava-se dele e considerava ser seu inimigo. Tanto que, sendo Vereador em Coimbra, fez com que a Câmara por dois anos não lhe pagasse a avença que tinha, e que teve dificuldade em cobrar.

NOTA: No livro, A Confraria de S. Diogo, de Jorge Manuel Andrade, na nota 6) de pag. 116, diz-se que António Correia de Sá quis “que o seu filho Luis de Sá casasse com uma cristã nova rica, filha de seu amigo, o Licenciado Henrique Pais, advogado no Porto e também judaizante”. Só podia ser sobrinha, mas essa pretensão não figura neste processo.

Catarina de Sena, sobrinha, casada com Inácio Teixeira. – Por morte de seu irmão Simão Pais, ficou viúva Brites Henriques, mãe de Catarina. Ele deu-lhe muitos bens, dava-lhe um cruzado por semana e muitos mimos. Mas, vindo a saber que a “Brites Henriques cometia coisas contra a sua honra e honestidade (…) quebrou com ela”. Deixou de lhes falar e nunca mais lhes deu nada, ficando-lhe elas com muito ódio. Catarina casou pobremente no Porto com Inácio Teixeira e sua mãe acabou por ir para Sevilha para junto de um filho que ali tinha.  Mãe e filha ficaram com grande ódio a ele Réu.

Filipa da Paz – Ela e sua irmã Maria Ramires ficaram órfãs de pai e mãe e foram criadas pela avó Clara Dias, mãe do Réu. Adoeceram ambas de gota, em que tinham muitos desmaios que duravam horas. Quando acordavam diziam que tinham visões e outros disparates. Depois da convalescença ficaram algo faltas de juízo e muito medrosas. A certa altura, a Filipa apaixonou-se por um rapaz, filho de Lourenço Ferraz, pobre e vadio, que queria casar com ela. Arranjou o rapaz, chamado António Ferraz, um intermediário, Luis Brandão, fidalgo, para vir falar com ele Réu.  Disse-lhe ele que a sobrinha já estava infamada com o rapaz e tinha de casar com ele. Ele Réu ficou indignado com o intermediário e foi pedir a sua mãe que desse muitas bofetadas e pancadas na Filipa da Paz, a quem expulsou de casa por alguns dias. Queria ele Réu mandar a Filipa para Lisboa, para que tratassem dela outros parentes, como “negra” ou servisse a soldada. Ela pedia a Deus justiça e tinha-lhe muito ódio, considerando que ele era a origem de todos os males que padecia.  Dizia ela que ele Réu casara uma sobrinha de menos obrigação e mais nova e a deixara a ela ficar num canto.

Filipa da Paz e irmã Maria Ramires – Diz ele Réu que Maria Ramires é moça de péssima condição, preguiçosa e mal inclinada, mostrando-lhe em tudo muito ódio. Dizia ele muitas vezes à avó dela para a castigar e então ela esbofeteava-a e açoitava-a. O Réu deu-lhe ordem para andar com traje de freira, o que ela detestava. Sabe ele Réu que as duas sobrinhas lhe desejavam a morte e até lhe quiseram dar a comer uns peros venenosos que tinham obtido numa feiticeira de Massarelos. Disseram isso a um irmão delas, Manuel Pais, que as repreendeu e lhes bateu.

Isabel Pereira ficou viúva de Luis de Cáceres, com cinco filhos. Gastou o Réu com ela trezentos mil réis e lhe meteu duas filhas a freiras, que lhe custaram 900 mil réis,  e casou-lhe, como se disse acima, a filha Mariana de Cáceres. Vindo ele Réu a saber que a Isabel Pereira cometera coisas de sua honra, quebrou com ela e nunca mais lhe ofereceu bem nenhum, nem quis falar com ela, há mais de 15 anos. Deste modo passou a ser odiado pelas duas, Isabel Pereira e sua filha Mariana de Cáceres.

fls. 243 img. 485 – 6-1-1626 – Despacho de recebimento das contraditas

fls. 244 img. 486 – 9-5-1626 - – Comissão da Inquisição de Lisboa à Inquisição de Coimbra para interrogar testemunhas.

fls. 246 img. 491 – 29-8-1626 – Audição de testemunhas na Inquisição de Coimbra

-Pedro Mendes (proc. n.º 1427), de 70 anos, morador em Coimbra - Disse ser público na cidade de Coimbra ser António Correia de Sá homem temeroso e solto no falar e furioso; e era tido por mal ensinado.

-Bento Arrais de Mendonça, de 56 anos, Vereador da Cidade – Disse que António Correia de Sá era homem de má consciência, e propenso a levantar falsos testemunhos, e de muito má vida e costumes. Quando saiu da Inquisição, António Correia de Sá dizia alto e bom som a toda a gente que tudo quanto tinha dito na Inquisição era falso e se o Inquisidor Sebastião Matos de Noronha o quisesse chamar à Corte diria isso mesmo.

- António de Gouveia Ribeiro, de 45 anos, escrivão da Conservatória da cidade de Coimbra – Disse que António Correia de Sá era muito desbocado e fazia sátiras infamatórias. Quando saiu da Inquisição, dizia em Madrid que tudo o que dissera ali era falso.

fls. 250 img. 499 – 12-2-1626 - Comissão da Inquisição de Lisboa à Inquisição de Coimbra para interrogar testemunhas.

fls. 258 img. 515 – 25-2-1626 - A Inquisição de Coimbra comete a diligência ao P.e Frei Manuel do Paraiso, Comissário do S.to Ofício, Religioso do Mosteiro de N.ª Sr.ª da Graça, da cidade do Porto.

fls. 260 img. 519 –30-3-1626 -  Audição de testemunhas no Mosteiro de S. João Baptista da cidade do Porto, referindo apenas os pontos discordantes das contraditas do Réu

-Paulo Borges Pinto, de mais de 50 anos, familiar do S.to Ofício, morador no Porto

- João de Mercado, boticário,

- Manuel Pinto Ribeiro,  de 34 anos, cidadão da cidade do Porto.

 - Baltasar Pinto Aranha, de mais de 40 anos, Cavaleiro da Ordem de Cristo

- Maria Antónia de Carvalho, casada com António Carvalho

-Maria Gaspar, que nunca casou, de 50 anos, moradora nesta cidade

-Maria, de 16 anos, natural de Arnoia, termo de Celorico de Basto – é criada de Mariana de Cáceres. Diz que esta é maltratada pelo marido, por o seu tio não lhe dar trabalhos de advogado.

fls. 272 v img 544 – 22-4-1626 - Prosseguiu a audição das testemunhas

- João de Figueira Pinto, de 50 anos, cidadão do Porto

- Inácio Teixeira, cirurgião da Relação, morador no Porto – Disse que, pelo espaço de dez anos, sempre vira o Réu cumprir os jejuns católicos e rezar pelas contas.

- Margarida Antónia, de 70 anos, viúva, mulher que foi de Simão Pereira- Disse que as sobrinhas do Réu lhe tinham muita raiva por não as casar e nunca as deixar chegar à janela.

- Baltasar Pinto Aranha, de mais de 40 anos, Cavaleiro da Ordem de Cristo

-Dona Branca Barbosa, donzela, filha de Baltasar Pinto Aranha, de 25 anos, moradora no Porto

-Beatriz de Oliveira do Nascimento, de 60 anos, viúva que ficou de António Tomás – Disse que ouvira dizer muitas vezes a Maria Pereira, ama do Réu, que Isabel Pereira, mãe de Mariana de Cáceres, se infamara em Lisboa com um sacerdote e o Réu nem queria ouvir falar dela.

fls. 280 img. 559 – 22-4-1626 – Certidão negativa de não se ter encontrado nos Arquivos uma acção proposta por António Correia de Sá

fls. 282 img. 563 – 19-5-1626 – Testemunhas às contraditas

- Manuel Gomes Galego, de 66 anos, residente em Lisboa na sua Quinta de S. Sebastião da Pedreira -Teve conhecimento de uns amores que teve Sebastião Pais, irmão de Catarina de Sena com Brites de Cáceres. Pensa que Brites Henriques dizia mal de Henrique Pais, por este não querer que ela fosse para o Porto morar com sua filha.

- André da Fonseca, cristão novo, de 53 anos – Sabe que Brites de Cáceres andou de amores com um parente chegado (primo direito) e que este foi a Roma para pedir dispensa do parentesco e casar com ela. Sabe que Henrique Pais se opôs a este casamento com toda a força. Sua cunhada e a dita sobrinha ficaram furiosas com ele e chamavam-no “Manquitolas”.  Sabe que Henrique Pais meteu a freiras duas filhas de sua irmã Isabel Pereira, uma delas para Torres Novas, mas por a Isabel Pereira ter muito má fama depois de viúva, “quebrou” com ela e nunca mais lhe deu nada.

- Jácome Gomes Galego, de 40 anos – Como as testemunhas anteriores

fls. 286 img. 571 – 8-11-1626 - Comissão da Inquisição de Lisboa à Inquisição de Coimbra para interrogar testemunhas.

fls. 287 img. 573 – 12-11-1626 – A Inquisição de Coimbra comete ao Padre Mestre Fr. Manuel do Lado, Deputado da Inquisição e Mestre Guardião do Mosteiro de São Francisco da cidade do Porto a realização da diligência por um religioso do seu Convento

fls. 288 img. 575 – 9-12-1626 - – A Inquisição de Coimbra comete ao Vigário Geral da Vara e Diocese de Viseu a realização da diligência

fls. 289 img. 577 – 12-12-1626 – O L.do Francisco Rebelo do Amaral, Vigário Geral da Diocese de Viseu interroga testemunhas

Maria Ximenes, mulher que nunca casou, filha que ficou de Francisco Nunes Ximenes, ora moradora em Viseu – Disse nada saber de o seu pai ter sido solicitado para que uma sua filha casasse com António Correia de Sá

Isabel Ximenes, mulher que nunca casou, filha que ficou de Francisco Nunes Ximenes, ora moradora em Viseu – Como sua irmã.

fls. 291 v img. 582 – 30-12-1626 – Em Lisboa, na Inquisição, Jácome Gomes Galego disse que Isabel Pereira, irmã do Réu, e Brites Henriques, cunhada, se queixavam do Réu Henrique Pais por este não lhes acudir nas suas necessidades. Mas não sabe se havia ódio entre eles.

fls. 294 img. 587 – 29-5-1626 – O Réu Henrique Pais veio à Mesa requerer:

- Que as testemunhas indicadas  para o art.º 33.º das últimas contraditas, fossem interrogadas sobre o conteúdo dos artigos 34.º, 35.º e 36.º.

- Que todas as testemunhas fossem reperguntadas declarando-se-lhes no início que o Réu está vivo e que o seu processo está a correr.

O Inquisidor mandou que se lavrasse termo do requerimento, que este se juntasse ao processo, e que se procederia no caso conforme fosse justiça.

fls. 295 img. 589 – 7-2-1626 - Exposição do Réu. Quer sobretudo saber se foram feitas todas as diligências que pediu. No caso negativo, agrava para o Conselho Geral.

fls. 297 img. 593 – 3-7-1626 – Exposição do Réu.

“Diz Henrique Pais, natural desta cidade, advogado na do Porto, que ele foi preso em 4 de Março de 1620 por uma testemunha de tão pouca qualidade que, com pouco mais de um ano  de prisão, foi mandado para as escolas, muito antes do auto de Novembro, pela notável informação que se teve da verdadeira Cristandade dele S.te (suplicante) como publicou o Sr. Inquisidor Simão Barreto, e confirmou o Ill.mo Sr. D. João da Silva; porque deve estar legalmente provado que foi o S.te o homem da Nação que viveu naquela cidade com mais excelentes e claras obras de verdadeiro cristão que todos os outros; gastando muitos mil cruzados em obras pias; e fez uma capela para sua sepultura no Mosteiro de S.to Elói, que com o dote das Missas e fábrica lhe custou perto de seiscentos mil reis; e por seus honrados procedimentos o fez Sua Majestade cidadão daquela cidade, a instância dela; aonde o S.te vivia tão confiado na sua inocência que na maior força das prisões daquelas partes, comprou mais de mil cruzados de bens de raiz; e emprestou a vários mosteiros mais de quinhentos mil reis, que lhe deviam quando foi preso; e lhe foram achados mais de três mil cruzados em dinheiro e peças de ouro e prata; e toda sua casa inteira, havendo dois anos que as prisões começaram, e toda a gente da Nação escondia o que tinha.

E sendo o S.te tornado das escolas para o cárcere, por falsa culpa que lhe acresceu, foi trateado (submetido a tormento) e lhe quebraram três ossos; e sobrevindo-lhe mais testemunhas falsas, se defende alegando entre muitas coisas que uma das causas da falsidade das ditas testemunhas é a fama da morte do S.te, que corre no cárcere de Coimbra desde o ano de 620. E no Porto desde o auto de Novembro de 621. E assim a antiguidade da sua prisão, por ser costume ordinário dos confessos, descarregar-se com os mortos e com os presos antigos da sua terra, ainda que deles não saibam nada; por se não arriscarem a ficar diminutos; por isso, tem o S.te requerido por muitas vezes que pela dita fama da sua morte se perguntem muitas mais testemunhas que as 6 nomeadas no artigo dela; pois estando preso, não pode ter melhor notícia das testemunhas principais; e devem saber disso todos os que lhe sabiam o nome; e estiveram naquele cárcere do dito tempo para cá.

…………………………………………………

Peço a V. Ill.ma e Rev.ma S. pelas chagas de Cristo Nosso Senhor, que tendo a tudo respeito, e ao grande desamparo e aflição do S.te, seja sentido mandar que todos seus requerimentos, artigos e alegações se vejam com muita consideração e se lhe defira particularmente a provada coisa das requeridas com justiça. E, não sendo como pede, vá o feito ao Conselho Geral por agravo, que tem já dantes intimado, e que lá se lhe defira com justiça, que R.E.M.”

fls. 298 img. 595 – 3-7-1626 – Entrega da petição anterior

fls. 298 v img. 596 – 8-8-1626 – Despacho dos Inquisidores

Não deferimos as duas petições do Réu retro próximas, vista sua matéria e corra este processo em seus termos em Mesa”.

Foi o despacho publicado ao Réu .”E sendo pelo Réu ouvido o dito despacho, disse que agravava para o Ill.mo  Senhor Inquisidor Geral e seu Conselho, Senhor Inquisidor que assim se lhe tomasse por termo, para se lhe deferir como parecesse justiça”.

Por termo, solicitou o Réu que fossem reperguntadas todas as testemunhas do processo.

fls. 299 img. 597 – Os Inquisidores decidem levar o requerimento de agravo ao Conselho Geral.

fls. 300 img. 599 – O Réu deduz 6.ªs contraditas. Apenas foram recebidas as 1.ª, 17.ª e 18.ª , resumidas a seguir. Foram anotadas as 2.ª, 15.ª, 16.ª, 19.ª. 20.ª, 21.ª e 22.ª, para informação.

Contraditas 1, 17 e 18 – Correu o boato que o Réu tinha morrido, o que aliviava a consciência daqueles que o denunciavam. Em Março ou Abril de 1625 (foi em 25-4-1625), foram presas no Porto sete mulheres, que foram aconselhadas a confessar, indicando o maior número possível de presos nos cárceres, para poderem ser soltas no Auto já previsto para 4 de Maio seguinte, como de facto o foram. Tem o Réu receio que entre essas estariam as suas parentes, nomeadamente suas sobrinhas.

fls. 306 img. 611 – 25-1-1627 – Nomeação de testemunhas.

fls. 309 img. 617 – 29-1-1627 – Despacho do Conselho Geral

Não é agravado o agravante pelos Inquisidores, portanto lhe não dão provimento, corra o processo em seus termos.”

À margem:  “Houvera-se de publicar este despacho”.

1-2-1627 – Despacho de recebimento das contraditas, como referido acima. As restantes não foram recebidas ex causa. Manda que se ouçam as testemunhas às contraditas 1, 17 e 18.

fls. 310 img. 619 – 7-2-1627 – A Inquisição de Coimbra comete a diligência pedida de Lisboa ao Padre Mestre Fr. Manuel do Paraíso, Religioso dos Eremitas de S.to Agostinho, Comissário do S.to Ofício, morador no Convento de S. João Baptista da cidade do Porto.

fls. 312 img. 623 – 2-2-1627 - Comissão da Inquisição de Lisboa à Inquisição de Coimbra para interrogar testemunhas.

fls. 314 img. 627 – 10-2-1627 – Audição das testemunhas

- Pantaleão Álvares Vieira, de 56 anos, cidadão do Porto, Comissário do S.to Ofício –Disse que nada sabia nem ouvira do que consta dos artigos.

-Ângela Pacheia, mulher da testemunha anterior – Indicou o nome de várias mulheres presas, mas todas no início da década de 1620. De resto, nada sabe.

O P.e Fr. Manuel do Paraiso e o secretário P.e Pantaleão Freire dizem não ter conseguido encontrar mais nenhuma das diversas testemunhas indicadas.

fls. 318 img. 635 – 26-2-1627 - P.e João da Anunciação, de 41 anos,  da Ordem de S. João Evangelista, morador no Convento de S. Bento de Xabregas, perguntado se sabe que o Réu Henrique Pais tivesse tido diferendos ou zangas com algumas pessoas, disse que não. Lida a contradita para a qual o Réu o indicara como testemunha, disse saber apenas que Henrique Pais dera um vestido de cetim para uma imagem de N.ª Senhora na Igreja do Mosteiro de S.to Elói, onde ele era sacristão.

Álvaro de Azevedo, preso nos cárceres (Proc. n.º 728) foi interrogado sobre o conteúdo da 15.ª contradita e disse que do assunto nada sabia.

Álvaro Gomes Bravo, de 41 anos, morador em Lisboa (Proc. n.º 6900, de Coimbra) disse que, quando esteve preso em Coimbra, alguém disse que “tivessem paciência os presos de certa parte, porque ele não havia de morrer diminuto”, mas não se lembra quem. Disse depois que teria sido um L.do Manuel da Fonseca e não se lembra de quem mais.

fls. 322 img. 643 -  Ainda no ano de 1627, o Réu apresenta uma longa exposição de 14 páginas, mas que não contem elementos novos.

fls. 329 img. 657 – 6-11-1627 – Admoestação antes da publicação de mais prova da justiça

fls. 330 img. 659 – Publicação da prova da justiça que mais acresceu. É a denúncia de Miguel Negrão. Ouvida a leitura, disse o Réu que era tudo falso e que não queria apresentar mais contraditas, mas oferecia para sua defesa as que anteriormente havia apresentado. O Inquisidor mandou no entanto que estivesse com o procurador.

fls. 331 v img. 662 – 19-11-1627 – Estância com o procurador L.do Francisco Tavares.

fls. 332 img. 663 – Traslado da publicação. O promotor diz que a culpa lhe é dada na cidade do Porto. O procurador escreve algumas páginas de defesa, defendendo sempre a inocência do Réu.

fls. 334 v img. 668 – 20-11-1627 - Despacho do Inquisidor: “Visto como o Réu, estando com seu Procurador não quis vir com mais contraditas, o havemos por lançado das com que pudera vir”. E das contraditas anteriormente apresentadas, nenhuma toca a Miguel Negrão. O processo deverá ser concluso para decisão final.

fls. 336 img. 671 - Admoestação antes da publicação de mais prova da justiça

fls. 337 img. 673 – 3-4-1628 - Publicação da prova da justiça que mais acresceu. É a segunda denúncia de Filipa da Paz, sua sobrinha. Ouvida a leitura, disse o Réu que era tudo falso e que queria apresentar mais contraditas, pelo que queria estar com seu procurador.

fls. 338 img. 675 – 12-9-1628 – O Réu pediu audiência para juntar nova exposição ao processo, que segue

fls. 339 img. 677 – Exposição do Réu de 4 páginas com boa letra, clamando a sua inocência. Repete dados que constam já de outras exposições. Diz que Fernão Álvares Bravo (proc. n.º 9456, de Lisboa), vindo da Inquisição de Coimbra, lhe disse que era fama lá que ele tinha morrido. E que o mesmo sabe Sebastião Luis Estela (Proc. n.º 6127, de Lisboa).

fls. 341 v img. 682 – 17-9-1628 – Nesta data, esteve o Réu com o procurador.

fls. 342 img. 683 – Traslado de denúncia publicada ao Réu em 3 de Abril anterior. O procurador junta algumas linhas de defesa.

fls. 343 img. 685 – 19-9-1628 – Despacho do Inquisidor - “Visto como o Réu, estando com seu Procurador não quis vir com mais contraditas, o havemos por lançado das com que pudera vir”. O processo vai para decisão final.

fls. 344 img. 687 – 9-7-1629 – Assento da Mesa

Foram vistos 6.ª vez (…) estes autos e culpas de Henrique Pais, (…) depois de lhe acrescerem os testemunhos de Manuel Pinto, e de suas sobrinhas Mariana de Cáceres, Catarina de Sena, Filipa da Paz e Maria Ramires e de seu parente Pedro Mendes, e de Miguel Negrão, e pareceu a todos os votos (excepto o Inquisidor Diogo Osório de Castro) (…) que, visto o número e qualidade das testemunhas que acresceram ao Réu e o veredicto não diminuiu com suas contraditas de modo que ajudado da presunção que ainda contra ele resulta da prova que de antes tinha por que foi posto a tormento não fique bastante a que agora tem para se haver por convicto no crime de heresia e apostasia maiormente depondo as ditas suas sobrinhas com tanta verosimilidade, assim na primeira vez que testemunharam como na segunda sendo reperguntadas passados alguns anos sem lhe ser lido o seu testemunho, senão depois de terem referido o que tinham dito do Réu em suas confissões com que contestaram, e que incorreu (…) seja relaxado à justiça secular (…) e ao Inquisidor Diogo Osório de Castro pareceu, visto o que o Réu com suas contraditas desfez no crédito dos testemunhos das ditas suas sobrinhas e que provou causas de inimizade que em mulheres daquela qualidade são de muita consideração por se levarem facilmente de semelhantes paixões, de invejas, de outrossim provar alguma coisa contra Manuel Pinto, de Miguel Negrão que não é seu parente dizer dele no tormento e a respeito das testemunhas que antes tinha haver purgado no tormento que levou, e ter nove anos de prisão, com as mais considerações que se apontaram  no primeiro Assento da Mesa, não se acha a prova bastante para por ela se lhe dar a pena ordinária, mas que, vistos os urgentes indícios que resultam contra o Réu de ele andar apartado de nossa santa Fé Católica e ter crença na Lei de Moisés, (…) antes de outro despacho seja posto a tormento e nele tenha todo o que puder levar a juízo do médico e do cirurgião e a arbítrio dos Inquisidores, e que com o que dele resultar se torne a ver este processo em Mesa, para se despachar em final (…)

fls. 346  img. 691 – 17-7-1629 – Assento da Mesa do Conselho Geral

Relaxado.

fls. 347 img. 693 – 18-8-1629 – Auto de como foi notificado o Réu que estava convicto

fls. 348 v img. 696- 31-8-1629 – Auto de mãos atadas. Ficou com o Réu o P.e Simão Alves da Companhia de Jesus.

fls. 350 img. 699 – Sentença

O Réu foi garroteado no auto da fé de 2 de Setembro de 1629

fls. 355 img. 709 – 25-6-1627 – Em quatro páginas, o Réu argui suspeições contra os Inquisidores João Álvares Brandão, Simão Barreto de Menezes, Gaspar Borges de Azevedo e Pedro da Silva de Faria. 

Diz depois em relação a João Álvares Brandão: “Provará que ele foi companheiro neste cárcere de João de Oliveira (Proc. n.º 2536, de Lisboa), clérigo, em tempo que foi fazer certos requerimentos ao dito Senhor Rev.do dizendo que no livramento de seu pai Tomás Rodrigues (Proc. n.º 7588, de Lisboa), não lhe guardara direito natural, nem canónico, nem civil, porque começando a ouvir, na defensão de seu pai, quando tinha o melhor para articular, não o quisera ouvir, nem dar-lhe advogado; e que lhe era suspeito por isso, conforme a direito; e o dito senhor, entendendo que o réu notava do dito João de Oliveira aqueles requerimentos lhe disse isso são bacharelices; bem sei quem tem a culpa, aludindo a ele Réu. E daí a poucos dias, foi ele Réu mudado para uma casa das mais pequenas, para dois companheiros, um deles doido, com que o Réu teve grandes trabalhos (…)

Provará que pelas razões atrás, o dito Senhor recusado, em muitos actos mostrou ter grande ódio e má vontade a ele Réu; e publicando-lhe uma testemunha em Setembro de 623, disse a ele Réu, risonho e alegre, ainda tendes quem se lembra de vós; e o Réu respondeu, Deus se lembrará da testemunha para lhe dar o inferno., e aos que falam em meu mal, tendo razões para me conhecerem por verdadeiro cristão. E o dito Senhor mostrou enfadar-se muito com aquela resposta do Réu, e lhe disse sois muito desavergonhado (…)

E finalmente, indo ele Réu três dias antes do auto de Maio, fazer um requerimento muito justo e importante ao dito senhor, ele lhe disse se quereis confessar, se não, não vos quero ouvir,  e pôs as mãos ambas nas orelhas, negando-lhe audição, mostrando-se notoriamente suspeito, como é, a ele Réu; e assim é nulo tudo o que inquiriu e processou contra ele.”

fls. 357 img. 713 – 25-6-1627- O Réu pediu audiência para entregar na Mesa a arguição das suspeições.

fls. 360 img. 719 – 26-2-1627 – Assento da Mesa

Consideraram que as suspeições do Réu apenas tinham por finalidade “dilatar e embaraçar o despacho do seu processo”. Por isso, não lhe ligaram importância, mas submeteram o assunto ao Conselho Geral.

fls. 361 img. 721 – 26-2-1627 – Assento da Mesa do Conselho Geral

Deu razão à Mesa em não deferir o pedido de suspeições e mandou prosseguir o processo.

fls. 361 v img. 722 – 26-2-1627 – Notificado o Réu da decisão de não aceitar as suspeições, disse ele que agravava da decisão. O Inquisidor rejeitou o agravo. Disse então o Réu que apelava para a Santa Sé Apostólica.  Disse ainda que tinha mais suspeições contra os Inquisidores Pedro da Silva de Sampaio e Diogo Osório de Castro.

fls. 364 img. 727 – sem data, mas deve ser 26-6-1629 – O Réu entrega à Mesa uma arguição de suspeições contra os Inquisidores Pedro da Silva de Sampaio e Diogo Osório de Castro, em seis páginas.

fls. 365 img. 729 – Texto do Réu

“(…) Que sendo presa no cárcere de Coimbra Mariana de Cáceres, parenta do Réu, foi metida com uma companheira que lhe disse que naquele cárcere se tinha por certo que ele Réu era morto e morrera confesso; que ele provavelmente devia de a fazer prender. E em mesa se lhe disse que muito bem lhe sabia o nome quem a fizera prender, mas que ele já lhe não fazia mal: donde ela se persuadiu muito mais ser verdade o que lhe disse a companheira; e depois que a dita Mariana de Cáceres saiu, se queixou muito, sabendo que fora enganada. (…)

Provará que João de Oliveira, clérigo desta cidade, sendo companheiro do Réu, veio com suspeições ao dito Senhor Pedro da Silva de Sampaio; e lhe apresentou mais um memorial de coisas que com o dito Senhor passara, que por reverência não punha nas suspeitas; e assim as suspeições, como o memorial e outros requerimentos, tudo o Réu formou e escreveu como letrado e companheiro do preso; e tudo o dito Senhor Inquisidor tomou muito mal. E se queixou do preso e de quem o metia naquilo, entendendo que era ele Réu. E daí a poucos dias, foi o Réu tirado da companhia do dito João de Oliveira, e mudado para uma casa onde estava um doido com outro companheiro e ficaram os três em uma casa de onze palmos, mostrando assim o dito Senhor a má vontade que tem ao Réu, e que é notoriamente suspeito e assim nulo o que processou.

fls. 368 img. 735 – 26-6-1629 – O Inquisidor Manuel da Cunha despacha sozinho dizendo que as suspeições não procedem e que o processo deve continuar.

fls. 368 v img. 736 – Por termo, o Réu agrava para o Conselho Geral

fls. 370 img. 739 – 6-7-1629 – Assento da Mesa do Conselho Geral

Não é agravado o agravante pelos Inquisidores em julgarem que não procedem as suspeições (…) portanto lhe não dão provimento, com declaração que os Inquisidores vejam as razões que alega nas ditas suspeições e achando que há coisa que receber, que seja para bem da justiça do Réu, se lhe defira.(…)”

Foi publicado o despacho acima (…)”

fls. 371 img. 471 – 9-7-1629 – Assento da Mesa

Em vista da ordem do Conselho Geral, “foi visto requerimento atrás do Réu Henrique Pais e pareceu que não havia que receber dele de presente, que este processo se faça concluso a final em Mesa.”

Publicado o despacho na Mesa, em presença do Réu Henrique Pais.

fls. 373 img. 745 – Conta de custas: 13$883 réis.

 

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

 

Regimento do Santo Ofício da Inquisição de 1613

Online: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/1/19/p56

 

Ana Isabel López-Salazar Codes, Inquisición y política. El gobierno del Santo Oficio en el Portugal de los Austrias (1578-1653), Lisboa, CEHR-UCP, 2011. ISBN 978-972-8361-39-6.

 

Francisco Ribeiro da Silva, O Porto nas Cortes do Século XVII ou os Concelhos e o Poder Central em Tempos de Absolutismo in Quinhentos/Oitocentos (Estudos de História), pgs. 71-118, organização do Departamento de História e Estudos Políticos e Internacionais, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2008

Online: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/5830.pdf