10-7-2012
… e foi assim que a Inquisição condenou à morte mais um inocente
Processo n.º 10102 – António Pinheiro da Costa (1677-1704)
Temos de admitir que são inocentes todos os cristãos novos condenados pela Inquisição. De facto, se admitirmos que a liberdade de pensamento, de crença e de opinião é um princípio de direito natural, então a Inquisição ofendia tal direito sempre que condenava alguém por judaizar ou ter judaizado.
Há, porém, um grupo mais restrito de inocentes, onde a actuação da Inquisição merece muito mais censura, isto é, aqueles que foram condenados à morte, apesar de nunca terem judaizado. Tinham consciência de que lhes corria nas veias sangue judeu, mas queriam esquecer isso. Aos sábados, faziam a sua vida normal e não vestiam de propósito camisa lavada, comiam quando calhava carne de porco, de coelho, de lebre e peixe de pele, diziam o Padre Nosso, acrescentando no fim “Amen, Jesus, Maria, José”, nunca faziam jejuns judaicos e sobretudo evitavam conviver com os cristãos novos e que por tais se declaravam. Estavam inocentes, mesmo pelas regras e critérios da Inquisição. No entanto, acabaram por ser condenados à morte no mecanismo triturador do “Tribunal da Fé”.
António Pinheiro da Costa é um bom exemplo. Tinha 1/8 de cristão novo, mas sempre fugiu da convivência com os cristãos novos. Foi filho único, e herdou do pai um bom emprego, o de escrivão das apelações cíveis da Casa da Suplicação. Praticamente não tinha parentes chegados, mas em miúdo, tinha acompanhado seu pai nas visitas a um parente, primo direito de sua mãe, o médico Gaspar de Sousa. Pensavam que ele seria cristão velho. Porém, cortaram relações quando souberam que este era cristão novo.
Teve o azar de se lembrarem dele para o acusarem. O médico Diogo Nunes denunciou-o como judaizante, crente na Lei de Moisés. Foi o princípio do fim.
Neste processo, verifica-se outra situação que foi bastante aproveitada pelos Inquisidores. Praticamente, todas as denúncias contra ele são feitas por cristãos novos que estavam presos nos Estaus. Isto sugere que o celebrado segredo da Inquisição tinha também buracos. Os presos acabavam por saber os nomes dos companheiros que se encontravam nos Estaus. Era bastante cómodo denunciar os que já se encontravam presos, denúncia a mais ou a menos faria pouca diferença. Claro que isto não era verdade, o amontoar das denúncias era muito perigoso para os presos.
Esta e outras danosas circunstâncias avolumaram-se para levar o António Pinheiro da Costa a ser relaxado à justiça secular.
Mas a Inquisição não ficava abalada, “apenas” por matar um inocente. Já no Sec. XVI, escreviam três cardeais, que depois foram Papas, ao Papa Pio IV, que os enviara a Espanha para documentarem o processo contra Fr. Bartolomé de Carranza:
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Nadie se atreve a hablar a favor de Carranza por miedo a la Inquisición. Ningún español se atrevería a absolver al arzobispo, por muy inocente que le creyera, pues esto equivaldría a oponerse a la Inquisición. La autoridad de ésta no podría consentir que se declare haber preso injustamente a Carranza. Los más ardientes defensores de la justicia opinan aquí que vale más condenar a un inocente que no el que sufra mengua alguna la Inquisición.
in Gregorio Marañon - 1950
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Nobody dares to speak in favour of Carranza for fear of the Inquisition. No Spaniard would dare to absolve the archbishop, even if he were believed innocent, because this would mean opposing the Inquisition. The authority of the latter would not allow it to admit that it had imprisoned Carranza unjustly. The most ardent defenders of justice here consider that it is better for an innocent man to be condemned than for the Inquisition to suffer disgrace.
in Henry Kamen - 1975
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Os cardeais foram:
Gian Battista Castagna – Urbano VII
Ugo Buoncompagno – Gregorio XIII
Felice Peretti – Sisto V
GENEALOGIA
Gaspar Pereira Teles casou com Joana Baptista e tiveram:
A-Branca do Rosário, solteira, já falecida em 1702;
B-Maria de Sousa, solteira, já falecida em 1702;
C-Filipa Teles, solteira, já falecida em 1702;
D-Catarina Teles, já falecida em 1702, que foi casada com Manuel Pinto da Silva de quem teve
Inês Maria Teles (Pr. n.º 535), que casou em primeiras núpcias com Manuel Pinheiro da Costa e em 2.ªs com André Ramos Seixas, tendo do 1.º casamento
António Pinheiro da Costa (Pr. n.º 10102)
E-Lopo de Sousa, já falecido, casado em 1.ªs núpcias com Maria de Matos e em 2.ªs com Paula Nunes (Pr. n.º 10248), tendo filhos:
Do 1.º casamento:
Joana Baptista de Matos (Pr. n.º 541), viúva de João Cerqueira Pinto, sem filhos
Brites ou Beatriz de S. José (Pr. n.º 9030), solteira, sem filhos
Manuel de Matos que morreu solteiro, sem filhos
Do 2.º casamento
Filipa Nunes, casada com Paulo da Costa Gouveia, ausentes em Roma
Maria Xavier ou Maria Baptista, solteira, ausente em Roma
Bento de Sousa, casado com Josefa Maria, ausentes em Roma
Gaspar de Sousa (Pr. n.º 4555), casado em 2.ªs núpcias com Catarina Maria (Pr. n.º 4543); tem uma filha de nome Paula, de 5 ou 6 anos da 1.ª esposa, chamada Maria Teresa, cristã velha.
NOTAS: 1 - A esposa de Gaspar de Sousa, Catarina Maria era irmã do Dr. Diogo Nunes (Pr. n.º 2361), sendo assim os dois, cunhados.
2 - No seu processo (n.º 4555), Gaspar de Sousa faz Aldonça Maria (Pr. n.º 158) e Inês Maria irmãs, e filhas de Manuel Fernandes Lopes e de Catarina Teles, o que não é verdade. Inês Maria foi filha de Manuel Pinto da Silva e de Catarina Teles; Aldonça Maria, de Manuel Fernandes Lopes e de Maria de Castro.
Processo n.º 10102
fls. 5 – img. 9 – Mandado de prisão de 14-10-1702
fls. 7 – img. 13 – Entrega do preso em 14-10-1702 pelo familiar D. Filipe de Sousa
fls. 7 v. – img. 14 – Planta do cárcere
CULPAS vindas de outros processos:
fls. 9 – img. 17 – Depoimento de 14-9-1702 – Dr. Diogo Nunes – Pr. n.º 2361 – há 12 ou 13 anos em casa de Inês Maria, meia irmã (falso) do cunhado dele confitente, Dr. Gaspar de Sousa , médico, viúva de Manuel Pinheiro da Costa, falecido , mãe do réu
fls- 10 – img. 19 – Dep. de 21-10-1702 – Dr. Diogo Nunes – Pr. n.º 2361- Há 11 ou 12 anos em casa de D. Inês Maria Teles,
fls. 11 – img. 21 – Dep. de 13-10-1702 – Dr. Gaspar de Sousa – Pr. n.º 4555 – Há de 11 para 12 anos, em casa de Inês Maria, mãe do Réu
Fls- 13 – img. 25 – Dep. de 14-11-1702 – Catarina Maria casada com o anterior – Pr n.º 4543 – há 15 anos em casa de Manuel Pinheiro da Costa
fls. 15 – img. 29 – Dep. de 16-11-1702 – Inês Maria Teles, casada em segundas núpcias com André Ramos Seixas, mãe do Réu –Pr. n.º 535 - há 6 ou 7 anos – denuncia o filho
fls. 16 v – img. 32 – Dep. de 31-1-1703 – Aldonça Maria casada com Baltasar Tavares –Processo n.º 158 - há 16 para 17 anos em casa de D. Inês Maria Teles
fls. 18 v. img. 36 – Dep. de 23-5-1703 - Joana Baptista de Matos viúva de João de Sequeira Pinto – Pr. n.º 541 – prima da mãe do réu – há 2 anos em sua casa.
fls. 20 v. img. 40 – Dep. de 11-8-1703 – José Nunes Chaves – Pr. n.º 138 – há 3 anos em casa do réu, António Pinheiro da Costa
fls. 21 v img. 42 – Dep. de 14-8-1703 –Filipa Maria - Pr. n.º 4549 – há 7 anos em Alcochete, em casa de seu cunhado, Dr. Gaspar de Sousa, - identifica—o apenas como António indicando o nome dos pais
fls. 23 img. 45 – Dep. de 11-8-1703 – Aldonça Maria - Pr. n.º 158 – há 7 anos, em casa do réu,
fls. 24, img. 47 – Defesa manuscrita do réu - até 25 v. img. 50
O réu escreve um arrazoado para se defender, a que os Inquisidores não ligam, pois toda a defesa tem de ser redigida e escrita pelo Procurador. Adivinhou que o primo de sua mãe, Gaspar de Sousa, é um dos seus acusadores. Não conseguirá provar a má vontade deste contra ele. Mas tal má vontade existia mesmo, como se constata das declarações de Gaspar de Sousa na sua Genealogia (Pr. n.º 4555): “… e que a dita sua tia Catarina Teles é já defunta, e faleceu nesta Cidade, a qual foi casada com Manuel Fernandes Lopes, Escrivão da Índia e Mina, de quem teve duas filhas chamadas Inês Maria , que hoje é casada não sabe com quem, por não tratar com ela há muitos anos, e Aldonça Maria, também casada não sabe com quem, naturais desta cidade, e a mais velha chamada Inês Maria, moradora na mesma, não sabe em que parte, e a outra não sabe onde assiste.” Veremos adiante que Gaspar de Sousa conhecia muito bem o marido de Inês Maria, pai do réu.
fls.26 – img. 51 – 17-10-1702 – Inventário
Não tem bens de raiz, mas descreve em pormenor os objectos de decoração, móveis e roupas que tem na casa onde morava sozinho
fls. 32 – img. 63 – Genealogia
António Pinheiro da Costa, de 25 anos, escrivão das apelações da Casa da Suplicação cristão novo por parte de sua mãe, natural e morador em Lisboa, filho de Manuel Pinheiro da Costa, natural de Tavira, já falecido, e de Inês Maria ou Inês Maria Teles (Pr. n.º 535), que depois de enviuvar casou com André Ramos de Seixas, merceeiro.
Não sabe os nomes dos avós paternos, apenas que eram algarvios.
Os avós maternos são já defuntos e chamavam-se Manuel Pinto da Silva e Catarina Teles, esta de Santarém, segundo lhe parece.
Não tem tios, nem paternos nem maternos.
Teve um irmão que morreu de tenra idade (foi uma irmã que morreu com 3 anos).
Sabe ler e escrever e estudou alguns princípios de Latim.
fls. 35 – img. 69 – Certidão de baptismo – em 31-5-1677, na freguesia de N.ª S.ª dos Mártires da cidade de Lisboa.
Fls. 36 – img. 71 – 23-12-1702 - Sessão in genere
Não tem culpas. Responde a tudo negativamente.
fls. 40 img. 79 – 1-2-1703 – Sessão in specie. Diz que todas as denúncias são falsas
fls. 44 img. 87 – Admoestação antes do libelo – 6-2-1703
fls.45 img. 89 – Acusação – 7 culpas
fls. 47 v img. 84 – Lida a acusação ao réu, este disse que contestava tudo por negação, que sempre fora bom católico. Queria defender-se e queria um procurador.
fls- 49 img. 97 – 7-2-1703 - Juramento do procurador António dos Santos de Oliveira
fls. 50. img. 99 – Estância com procurador na mesma data
O Procurador pede que lhe seja dito o tempo e os lugares em que as testemunhas juraram que o Réu se declarara com elas. Responde o Inquisidor: “As testemunhas que o Réu tem contra si lhe dão todas as culpas nesta Cidade de Lisboa e todas de quinze aos a esta parte. Lisboa no Secreto do Santo Ofício, 7 de Fevereiro de 1703. João de Souza de Castelo Branco. “
fls. 53 v img. 106 – Como habitualmente, o Procurador escreve a defesa no final do traslado da acusação.
Alega ser bom católico, pertencer a irmandades, comer carne de porco, coelho e lebre e peixe de pele, indica dezena e meia de testemunhas.
fls. 58 img. 115 – 8-2-1703 – Audição das testemunhas de defesa
Manuel de Vasconcelos, feitor do despacho da Alfândega, Cavaleiro da Ordem de Cristo, de 34 anos – Conhece o réu há três anos, tem-no por bom cristão, pensa até que é cristão velho, sendo verdade que ele sempre conviveu com cristãos velhos.
Aleixo Pedro de Alcântara, Escrivão da Contadoria do Mestrado da Ordem de Cristo, de 29 anos – tem o réu por bom cristão e pensava que era cristão velho e entendeu que teria parte de cristão novo quando o viu ser preso pelo Santo Ofício; é verdade que ele sempre conviveu com cristãos velhos.
Padre Manuel de Freitas, Sacerdote do hábito de São Pedro, Capelão de Sua Majestade, morador no beco das Comédias, de 33 anos de idade – Conhece o réu há cerca de 10 anos e tem-no em boa conta e não o tinha por “homem que tivesse parte de nação hebreia, e o viu sempre com procedimento de Católico Romano porque o viu confessar-se e comungar muitas vezes na Igreja dos Padres do Quintal onde lia, e ser de vida exemplar”.
José Lourenço Botelho, Escrivão dos defuntos e ausentes, Cavaleiro da Ordem de Cristo, natural de Alenquer e residente em Lisboa, de 31 anos de idade – Conhece o réu há três ou quatro anos; ele e alguns amigos seus que tinham trato com o réu o tinham em conta “de cristão velho e como tal Católico Romano e de bom procedimento”.
fls. 62 img. 123 – 9-2-1703 – Continuação
Padre António de Faria, Religioso de São Caetano, de 29 anos – conhece há sete anos o réu, que vinha muitas vezes falar com ele ao seu Convento; tem-no na conta de cristão velho e ao seu parecer Católico Romano e só depois que o prenderam é que ouviu dizer ser cristão novo. Não sabe se ele dava ou não esmolas. Disse ser verdade que o réu era Irmão da Confraria de Todos os Santos sita no Convento da Trindade e da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, nas quais não são admitidos cristãos novos.
Padre Dom Caetano Barbosa, Religioso da Divina Providência, morador no seu Convento de São Caetano, de 43 anos de idade – tem o réu em conta de fiel Católico Romano. que era devoto de N.ª Senhora e de S.to António e era Irmão terceiro da Ordem do Carmo.
Padre António de Ataíde, da Congregação de S. Filipe Nery, morador no seu Convento desta Cidade, de 48 anos – o conhecimento que tem do réu desde há dez anos, vem de o ouvir muitas vezes de confissão; tem-no na conta de fiel Católico Romano e pensava que era cristão velho, porque nunca tinha ouvido o contrário; confirmou os artigos da defesa do réu, com excepção do artigo 3.º respeitante às esmolas que o réu dava aos pobres e para a Igreja.
Padre João Bernardes, da Congregação de S. Filipe Nery, morador no seu Convento do Espírito Santo desta Cidade, de 38 anos – conhece o réu há nove ou dez anos, tem-no na conta de bom Católico Romano, pois frequentava a Igreja do Convento, onde o viu confessar-se repetidas vezes. No que toca aos artigos da defesa, depoimento igual ao anterior.
António Pinto Pacheco, Cavaleiro da Ordem de Cristo, de 45 anos – conhece o réu há uns oito anos, tem-no na conta de Católico Romano; sobre o artigo 3.º disse que era caritativo e amigo de fazer obras pias, confirmou os artigos da defesa, com excepção do 5.º sobre o que o réu comia, que disse desconhecer.
Catarina Pinheira, viúva, de 50 anos, natural de Óbidos e residente em Lisboa, ama do Réu desde há três anos – entende que o réu é Católico Romano; confirmou todos os artigos da defesa, incluindo o 5.º sobre as refeições, dizendo que o réu comia carne de porco, de lebre e de coelho e peixe de pele.
Foram ouvidas 10 das 14 testemunhas de defesa indicadas; do processo, não consta qualquer justificação em relação às ausentes.
Constata-se aqui mais uma perversidade da Inquisição: nenhuma referência é feita à defesa do réu feita por estas testemunhas, que é bastante sólida. Ele tinha todo o interesse em passar por cristão velho e tudo fazia por esquecer o 1/8 de sangue judeu que lhe corria nas veias. Mas, como habitualmente, os inquisidores limitaram-se a dizer na sentença: “lhe fez publicação de seus ditos (das testemunhas) conforme ao estilo do Santo Ofício, a que veio com contraditas que também lhe foram recebidas e não provou coisa relevante”. Mas nenhuma referência é feita às testemunhas de defesa.
fls. 70, img. 139 - 12-3-1703 – Termo de citação para formar interrogatórios.
fls. 72 img. 143 – Perguntas a fazer às testemunhas, redigidas pelo Procurador
fls. 74 img. 147 – 21-3-1703 - Estância com o Procurador a pedido do réu
fls. 75 img. 149 – Mais perguntas a fazer às testemunhas
Diz o réu pelo seu Procurador que sabe que uma das testemunhas que “jurou contra ele” foi de certeza Gaspar de Sousa, médico de Azeitão, preso no S.to Ofício e seu parente afastado. Que há muitos anos (uns doze ou treze), era ele médico em Alcochete, ele réu e seu pai o visitaram naquela vila diversas vezes, por julgarem que ele era cristão velho. Depois, porém, o médico fugiu para Roma, levando com ele sua mãe e seus irmãos, de onde concluiu que ele era cristão novo. Escreveu várias cartas ao pai dele réu, que nunca lhe deu resposta. Passados oito ou nove anos, o médico regressou a Portugal, deixando em Roma a família que levara, e foi exercer a sua profissão para Azeitão, mas ele réu nunca o encontrou. Aliás ele réu nunca conviveu com cristãos novos. Pensa até ser essa a razão de o referido médico lhe ter ódio.
Alega ainda com muita lógica que, se o médico lhe dá a culpa em Alcochete, tinha ele réu então onze ou doze anos, sendo ainda criança e incapaz de discutir Religião.
fls. 79 img. 157 – 26-3-1703 – Reperguntas – As testemunhas confirmaram as suas declarações iniciais.
- Diogo Nunes
- Gaspar de Sousa – confirmou que, depois de vir de Roma, nunca falou nem com Manuel Pinheiro da Costa, nem com seu filho António, o Réu, que nunca o foram visitar a Azeitão. Mas que o pai lhe escreveu regularmente para Roma. Ratificou o seu depoimento.
27-3-1703 – Catarina Maria
28-3-1703 – D. Inês Maria Teles
Aldonça Maria
fls. 95 – img. 191 – 25-4-1703
Requerimento do Promotor antes da publicação
Admoestação antes da publicação
fls. 96 – img. 193 – Publicação da prova da justiça
fls. 97 img. 195 – Lida a prova da justiça ao réu, este disse que era tudo falso. Que tinha contraditas com que vir e que queria estar com o seu Procurador.
fls. 100 img. 201 – Artigos de contraditas – estância com Procurador em 11 e 15 de Maio de 1703
De fls. 105 a 110 (img. 211 a 221), mais uma defesa manuscrita do réu que continua a atacar o médico Gaspar de Sousa, não se lembrando que certamente foi também denunciado por outras pessoas.
fls. 111 img. 223 – Nomeação das testemunhas às contraditas.
fls. 113 v img. 228 – Aceites as contraditas respeitantes a Gaspar de Sousa por despacho de 23-5-1703. Enviadas deprecadas (comissões) para Setúbal e Cascais.
fls. 114 img. 229 – 12-6-1703 - Testemunhos de prova às contraditas
Catarina Pinheira, que foi ama do réu, de 50 anos – Não sabe que o réu tenha ódio ou inimizade a alguém nem que outros tenham a ele; nunca lhe ouviu falar no médico Gastar de Sousa.
Manuel da Fonseca, criado de João Gomes de Moura, de 22 anos – o mesmo que a testemunha anterior
Gaspar de Morais, cirurgião, de 48 anos -– Não sabe que o réu tenha ódio ou inimizade a alguém nem que outros tenham a ele; sabe que o médico Gaspar de Sousa era visita frequente do réu e de seu pai, ainda vivo, e que deixou de o ser depois de regressar ao Reino; mas não sabe a razão. Ignora se o pai do réu escrevia ou não a Gaspar de Sousa para Roma.
fls. 118 img. 237 – 17-8-1703 – Continuação
António de Oliveira, pintor, natural da Baía e residente em Lisboa, de 53 anos - Não sabe que o réu tenha ódio ou inimizade a alguém nem que outros tenham a ele; nunca lhe ouviu falar no médico Gaspar de Sousa.
Luis de Além, que faz cabeleiras, residente no Chiado, de 32 anos – o mesmo que a testemunha anterior.
fls. 122 img. 245 – 24-5-1703 – Termo de citação (de que surgiu mais prova contra ele)
fls. 123 img. 247 - Outra culpa contra ele 1-6-1703 – Estância com o Procurador
fls. 124 img. 249 – 2-6-1703 – A 6.ª testemunha é Joana Baptista (pr. n.º 541), que, estando presa nos cárceres secretos, é reperguntada nesta data.
fls. 127 v – img. 256 – Admoestação antes da publicação da prova da justiça
fls. 129 img. 259 – Publicação da prova da justiça – O réu diz que é tudo falso, não tem contraditas e não quer estar com o Procurador. Porém, o Inquisidor obrigou-o a estar com o seu Procurador.
fls. 131 img. 263 – Publicação de mais prova da justiça – 7. ª testemunha – É Filipa Maria (Pr n.º 4549)
fls. 131 v. img. 264 – Despacho dos dois inquisidores – importante
fls. 132 img. 265 – Termo de citação para mais prova
13-8-1703 – Estância com o Procurador
fls. 135 img. 271 – citação ao réu de mais prova
fls. 136 v img. 274 – 16-8-1703 – Estância com o Procurador – Este escreve as perguntas de repetição-
fls. 137 img. 275 – Extracto da prova da justiça – 8.ª testemunha- É José Nunes Chaves – Pr. n.º 138
Fls. 139 img. 279 – 17-8-1703 – Reperguntas às testemunhas
Filipa Maria, cunhada do médico Gaspar de Sousa- Para além de confirmar o seu depoimento disse “que o Réu tinha trato particular com o dito Gaspar de Sousa, sua Mãe e Irmãos, como tem dito, e assim também com ela testemunha em razão de se criar e viver na mesma companhia”.
Gaspar de Sousa, foi também reperguntado – Disse que em Roma recebera várias cartas do pai do réu, mas não deste. Sempre escreveu e teve resposta do pai do réu. Ao réu não escreveu por ser moço. Sempre se tratou com o réu e seu pai por parentes. Quando regressara de Roma, escrevera uma carta ao pai do réu, que nem ele, nem a esposa quiseram aceitar; presume que fizeram tal por ele vir de Roma. Depois que ele veio de Roma, nunca o réu foi a Azeitão.
O réu e seu pai foram a Alcochete só uma vez. Depois, a testemunha mudou a residência para Lisboa e eles iam a sua casa muitas vezes. A culpa que declarou do réu, foi na cidade de Lisboa; nessa altura, teria o réu doze anos mais ou menos. Haverá dez anos que saiu da vila de Alcochete, indo para Roma donde veio passado ano e meio e não tornou àquela vila.
José Nunes Chaves, mercador, de 38 anos
fls. 150 img. 301 – 21-8-1703 – Admoestação antes da publicação
Fls. 151 img. 303 – Publicação de mais prova da justiça – 7.ª testemunha (Filipa Maria) e 8.ª (José Nunes Chaves)
Lidas as culpas ao réu, este disse que era tudo falso mas que não tinha contraditas com que vir, mas que queria estar com o seu Procurador.
fls. 153 v img. 308 – Estância com o Procurador em 22-8-1703. Este escreve páginas de defesa sobre as últimas duas culpas.
fls. 155 img. 311 – 27-8-1703 – Termo de citação para formar interrogatórios
fls. 156 img. 313 – 28-8-1703 – Estância com o Procurador
fls. 159 img. 319 – 28-8-1703 – Reperguntas
Aldonça Maria, de 47 anos (Testemunho de 2.ª culpa em 11-8-1703)
fls. 163 img. 327 – 28-8-1703 – Admoestação antes da publicação
fls. 164 img. 329 – Publicação de outro dito da 5.ª testemunha Aldonça Maria
O réu disse que era tudo falso, que não tinha contraditas com que vir, mas que queria estar com o seu Procurador.
fls. 165 img. 331- 28-8-1703 – Estância com o Procurador
fls. 166 img. 333 – Arguição da defesa
fls. 168 img. 337 – Deprecada (comissão) ao Comissário do Santo Ofício em Cascais, Licenciado João Franco Ribeiro.
Interrogado Manuel Pinto Cerqueira, de Cascais, disse que, voltando de Roma o médico Gaspar de Sousa, foi cumprimentar os amigos Manuel Soares Brandão e o advogado Miguel Lopes de Leão, mas não procurou António Pinheiro da Costa nem foi a sua casa ou falou com ele. Depois disso, o réu disse-lhe que de Gaspar de Sousa não queria nada, nem vê-lo; devendo ele a seu pai, Manuel Pinheiro da Costa 40 ou 50 000 réis, de um empréstimo, não o queria cobrar só para não ter ocasião de falar com ele.
fls. 174 img. 349 - Deprecada (comissão) ao Comissário do Santo Ofício em Setúbal, Licenciado Luis Cabedo de Vasconcelos.
Interrogada D. Maria Josefa de Mendonça, viúva de Pedro Guedes de Miranda, estribeiro-mor, Dama do Paço de D. Luisa de Gusmão, Rainha de Portugal, disse ela que conhece o réu, e que este lhe prestou alguns serviços como escrivão e que fora particularmente amiga do pai dele. Que, tendo convidado o réu para visitar a sua quinta em Azeitão, ele nunca lá foi. Sabe que o réu e o médico Gaspar de Sousa são parentes. Que quando começou a utilizar os serviços de Gaspar de Sousa como médico, pensava que ele era cristão velho, tanto mais que era médico do partido (cargo em princípio reservado a cristãos velhos), mas soube depois que era cristão novo. Mas nunca quis prescindir dos serviços dele por esse facto.
Manuel Preto Franco, criado da anterior, disse que ignora a razão por que o réu nunca foi à quinta de Azeitão visitar a sua senhora.
Vicente Lourenço, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, morador na Quinta de D. Maria Josefa de Mendonça, disse também que ignora as razões por que o réu nunca foi à Quinta de Azeitão e que a dita senhora nunca teve intenção de deixar de consultar o médico Gaspar de Sousa pelo facto de ficar a saber que era cristão novo.
Constatavam os Inquisidores que a prova contra o réu estava bastante fraca, porque os depoimentos eram inverosímeis. Muitas das culpas eram atribuídas ao réu pelos doze ou treze anos de idade, em que se não discute religião. As testemunhas não tinham o estatuto social do réu e de sua família, pelo que seria muito difícil que convivessem. Assim decidiram os inquisidores “aumentar” o crédito das testemunhas, com o depoimento de pessoas que as conheciam. A todas perguntaram a mesma coisa, todas responderam o mesmo. Aqui se vê a importância da burocracia na Inquisição.
Perguntavam - “Se conhece a testemunha, desde quando e de onde é que a conhece”
- “Se a testemunha é pessoa acostumada a falar verdade e capaz de, em juízo e fora dele, se lhe dar crédito ou se pelo contrário é inclinado a mentir ou a levantar falsos testemunhos”.
As testemunhas todas respondem à segunda pergunta com o mesmo texto: “…o tem em conta de verdadeiro e capaz de em juízo e fora dele se lhe dar crédito, e nunca ouviu que faltasse à verdade ou levantasse falso testemunho a pessoa alguma”.
fls. 184 img. 369 – 23-8-1703 - Crédito das testemunhas
Pessoas chamadas à Mesa para confirmarem o crédito das testemunhas do processo:
António Dias, oficial de brunidor, natural de Vila Real e residente em Lisboa, de 45 anos, depôs sobre José Nunes Chaves.
Manuel da Rocha, caixeiro de José Pascoal, natural de Sousel, residente em Lisboa, de 40 anos, depôs também sobre José Nunes Chaves.
Manuel Álvares Sousa, familiar do Santo Ofício, mercador, de 33 anos, depôs também sobre José Nunes Chaves.
Catarina de Almeida, casada com António Duarte, merceeiro, natural e residente em Lisboa, de 40 anos, depôs sobre Inês Maria, a mãe do réu.
Maria Ferreira, casada com Pedro Varela, natural e residente em Lisboa, de 50 anos, depôs sobre a mesma Inês Maria (ou Inês Maria Teles).
Manuel de Lima, contratador, natural da freguesia de Alva, termo de Alenquer, e morador em Lisboa ao Cunhal das Bolas, de 52 anos, depôs sobre Gaspar de Sousa
Manuel Gomes, barbeiro, natural de Sertã e morador em Lisboa, de 32 anos, depôs sobre Gaspar de Sousa.
Pedro da Costa Feio, Mestre pasteleiro, natural de Loures e morador em Lisboa na Rua da Pichelaria, de 39 anos, depôs sobre Gaspar de Sousa
Luisa Maria, casada com Domingos da Costa, picheleiro, natural de Vila Real e moradora em Lisboa, na Pichelaria, de 40 anos, depôs sobre Filipa Maria.
Domingas Custódia, casada com Pedro da Costa, picheleiro, natural da freguesia de Loures e residente em Lisboa, de 45 anos, depôs também sobre Filipa Maria.
Isabel Nunes, tendeira, casada com João Alves, natural de Colares e residente em Lisboa, de 45 anos, depôs também sobre Filipa Maria.
António Francisco, cirurgião, natural de Marvila e residente em Lisboa, de 40 anos, depôs sobre Diogo Nunes.
Antónia Maria, viúva de João da Silva, sapateiro, natural e moradora em Lisboa, de 29 anos, depôs também sobre Diogo Nunes
Manuel Gomes, barbeiro, natural da Sertã e morador em Lisboa, de 32 anos, depôs também sobre Diogo Nunes.
fls. 199 img. 399 – 25-8-1703 – Continuação
Maria das Neves, viúva de Manuel Marques que foi cozinheiro, natural da Lourinhã e moradora em Lisboa no Poço da Fótea, de 53 anos, depôs sobre Aldonça Maria.
Joana de Andrade, viúva de Cláudio Grego, natural e residente em Lisboa, de 50 anos, depôs também sobre Aldonça Maria.
Francisco Rebelo de Góis, Cavaleiro da Ordem de Cristo, natural e morador na vila de Cascais, de 32 anos, depôs sobre Joana Baptista.
Tomás Teixeira, Comissário da Vedoria de Cascais, de 40 anos, depôs também sobre Joana Baptista.
Luisa Maria, casada com Domingos da Costa, picheleiro, natural de Vila Real e moradora em Lisboa, na Pichelaria, de 40 anos, depôs sobre Catarina Maria.
Margarida da Costa, casada com Manuel Henriques, sombreireiro, natural da freguesia de Loures e moradora em Lisboa, à Cutelaria, de 25 anos, depôs também sobre Catarina Maria.
Maria Custódia, casada com Manuel Gomes, sombreireiro, natural da freguesia de Loures e residente em Lisboa, de 55 anos, depôs também sobre Catarina Maria.
fls. 210 img. 421 – 22-8-1703 – Acerca de inimizades
Estes depoimentos destinam-se com toda a evidência a afastar a contradita respeitante a Gaspar de Sousa, que até tinha toda a razão de ser.
Maria Gomes, casada com Simão Gonçalves, que assiste no serviço e casa do Conde de São Tiago, natural da Cortiçada e moradora na Rua dos Cabides, da cidade de Lisboa, cristã velha, de 35 anos de idade. Conhece o réu há quatro anos por ser sua vizinha. Perguntada se sabe ou ouviu dizer que entre o réu e alguma pessoa ou pessoas de nação dos cristãos novos presos nos cárceres do Santo Ofício ou fora deles, houvesse dúvidas ou diferenças, que pessoas foram, quanto tempo há, e a que chegaram e se depois tornaram a correr com amizade, respondeu que nada sabe do contido na pergunta. O Inquisidor anotou ao lado: “Não sabe que ele tenha inimigos”.
Marcela Maria, casada com Constantino Pereira, Condestável de um navio de Sua Majestade, natural da cidade da Baía e moradora em Lisboa na Rua dos Cabides, de 40 anos de idade. Conhece o réu há catorze anos por ser sua vizinha. Perguntada se sabe ou ouviu dizer que entre o réu e alguma pessoa ou pessoas de nação dos cristãos novos presos nos cárceres do Santo Ofício ou fora deles, houvesse dúvidas ou diferenças, que pessoas foram, quanto tempo há, e a que chegaram e se depois tornaram a correr com amizade, respondeu que nada sabe do contido na pergunta. O Inquisidor anotou ao lado: “Não sabe que ele tenha inimigos”.
António Rodrigues, sapateiro, natural de Nandufe e morador em Lisboa, de 50 anos. Conhece o réu desde a meninice, por ser vizinho. Mesma resposta a idêntica pergunta do Inquisidor que fez igual anotação.
António da Silva, Conteiro e Artilheiro do Troco, natural da freguesia de Loures e morador em Lisboa, na Rua dos Cabides, de 44 anos. Conhece o réu há três anos, por ser seu vizinho. Mesma resposta a idêntica pergunta do Inquisidor que fez igual anotação no processo.
fls. 214 img. 429 – 28-8-1703 – Processo concluso
fls.215 img. 431 – 29-8-1703 – 1.º Visto da Mesa
Os Inquisidores e Deputados dividiram-se em dois grupos, um preconizando que o réu fosse relaxado, outro, que fosse posto a tormento.
Assim, o Inquisidor Luis Álvares da Rocha e os Deputados Jerónimo Vaz Vieira, Estêvão de Foios Pereira, Dom Álvaro Pires de Castro, P. Mestre Frei António Pacheco e Dom Tomás de Almeida, foram de opinião, “visto outrossim não provar coisa relevante em os artigos de suas contraditas”, “…o Réu, como herege apóstata da nossa Santa Fé Católica, convicto, negativo, impertinente e pertinaz deve ser entregue à justiça secular servatis servandis”.
Pelo seu lado, aos Inquisidores Nuno da Cunha de Ataíde e Paulo Afonso de Albuquerque, e os Deputados Luis Vieira da Silva, Dom João de Sousa, José de Vasconcelos e Sousa e Dom Nuno Álvares Pereira de Melo, Dom Fernando de Almeida e Roque Ribeiro de Abreu, pareceu que o Réu não estava em termos de ser havido por convicto. As culpas eram atribuídas ao réu numa altura em que mal tinha saído da infância; José Nunes Chaves depôs com maus modos, Filipa Maria deu a culpa num tempo em que ela deponente teria 10 anos! Por isso propunham que o réu fosse submetido a tormento com dois tractos espertos e um corrido; os dois últimos Deputados, porém, recomendavam só dois tractos espertos. Mas o Conselho Geral é que decidiria.
fls. 218, img. 437 – Assento do Conselho Geral em 30-8-1703. Assentou-se que, por ora, ficasse reservado o Réu. Ou seja, o processo ficava à espera de provas mais consistentes contra o réu. O Regimento não contempla esta hipótese, foi inventada pelos Inquisidores e era, como é evidente, profundamente injusta.
O processo sugere uma certa hostilidade entre a Mesa da Inquisição e o Conselho Geral. De facto, a Mesa tinha proposto duas soluções que permitiriam terminar logo ali o processo. Ou o réu era condenado à morte e acabava-se a questão. Ou era sujeito a tormento, não confessava nada, ficava marcado para toda a vida, faziam-lhe a abjuração em forma, o termo de segredo e de ida e penitências, que ele não podia assinar e deixavam-no ir embora, pondo na sentença “a prova da justiça não ser bastante para pena ordinária”. Note-se que os que iam ao tormento, nunca eram relaxados. Porquê? Muito simples: como estavam todos desconjuntados, ficaria claro ao público que tinham passado pelo tormento.
Parece-me ter lido algures que na Inquisição os réus que não confessavam no tormento eram absolvidos. Isto é falso. A existência da abjuração em forma significa que o réu é condenado (em geral a cárcere a arbítrio), mesmo que ele não a tenha assinado (porque não podia), podendo ter sido escrita à sua revelia. Na Inquisição Portuguesa não havia absolvições.
A Inquisição de Lisboa terá ficado desagradada com a decisão do Conselho Geral. O processo ficou parado durante um ano.
fls. 220 img. 441 – 5-9-1704
Não apareceram mais testemunhos. Inquisidores e deputados pediram por escrito ao Conselho Geral uma decisão sobre a sorte do réu. O Conselho Geral decidiu mandar vigiar o réu no cárcere por cerca de 20 dias e também submetê-lo a um interrogatório de exame:
“Os Inquisidores façam exame de recordo ao Réu pela matéria do seu processo e com o que dele resultar se tome assento no dito processo e se envie ao Conselho. Lisboa, 5 de Setembo de 1704 – antes do que se ponha só em vigia até 25 deste Mês. Morais, Moniz, Hasse, Ribeiro, Rocha”"
fls. 222 img. 445 – 25-9-1704
O exame passa em revista todo o andamento do processo. O Inquisidor admoesta o réu para confessar, ele diz que não tem culpas.
fls. 225 – img. 451 – O notário certifica que, no tempo em que o réu foi vigiado – 14 a 25 de Setembro de 1704 – não fez qualquer jejum, e “só se observaram umas acções que o dito Réu fez”. Segue-se o relatório.
fls. 225 – img. 453 – Relatório das vigias – 22-9-1704
Foram encarregados das vigias os familiares Belchior dos Reis e Pedro de Amorim. O réu não fez nenhum jejum. Falava muito sozinho, mas nem sempre os vigias percebiam o que dizia porque o tecto da cela era muito alto. Dizia coisas sem nexo e fazia representações como se fossem teatro. O réu teria já momentos de loucura. Mas no processo não figura a investigação da loucura que, a ser confirmada, terminaria o processo (mas não seria libertado). Aliás, o Regimento não previa a hipótese de loucura intermitente.
O familiar Pedro de Amorim tem o desplante de dizer no seu depoimento “e pelas ditas acções e palavras que dele percebeu, e experiência que tem de semelhantes vigias e acções, tem para si ser o réu observante da Lei de Moisés, e este é o juízo que dele pode formar.”
fls. 232- img. 465 – 2.º visto da Mesa – 26-9-1704
Limitam-se a dizer que o assento do Conselho Geral não está alterado
Parece faltar a decisão do Conselho Geral
Fls. 234 img. 469 – 30-9-1704
Requerimento do promotor antes da publicação
Admoestação antes da publicação
Reperguntas à mãe do réu- 4.ª testemunha
fls. 236 img. 473 – 3.º visto da Mesa em 30-9-1704
Limitam-se a dizer que não há alteração (como quem diz: o Conselho Geral que fez esta confusão, que a desfaça agora).
fls. 238 img. 477 – Assento do Conselho Geral em 30-9-1704
Relaxado à justiça secular com a fórmula habitual: “e assentou-se que ele estava convicto no crime de heresia e apostasia, e que como herege apóstata da nossa Santa Fé Católica, convicto, negativo, impenitente e pertinaz, devia ser entregue à justiça secular servatis servandis, e que incorreu em sentença de excomunhão maior, e confiscação de todos os seus bens para o Fisco e Câmara Real, e nas mais penas em direito contra semelhantes estabelecidas. Mandam que assim se cumpra e dê a execução. Lisboa, 30 de Setembro de 1704. João Carneiro de Moraes. João Moniz da Silva. Pedro Hasse de Belém. António Monteiro Paim. João Duarte Ribeiro ”.
fls. 240 – img. 481 – 1.ª citação, em que se lhe diz que está condenado, mas admoesta-se ainda para confessar.
fls. 242 – img. 485 – 15-10-1704 – Termo de citação para mais culpa
fls. 244 – img. 489 – 9.ª testemunha – Miguel Lopes de Leão – (Pr. n.º 2112)- Depoimento de 14-10-1704)
fls. 246 img. 493 – Reperguntas à testemunha Miguel Lopes de Leão, advogado – 16-10-1704
Fls. 250 – img. 501 – 16-10-1704 - Admoestação antes da publicação
fls. 255 v img. 512 – 2.ª citação – 16-10-1704 - Auto de notificação de mãos atadas. É notificado de que vai ser relaxado à justiça secular.
fls. 256 img. 513 – 18-10-1704 - Confissão de mãos atadas
O réu decide confessar, mas fá-lo de um modo bastante atabalhoado, colocando as declarações de acreditar na lei de Moisés aos sete, oito e nove anos de idade e romanceando os factos.
Perguntados os Notários que tinham assistido à deposição “se lhes parecia que ele falava verdade e merecia crédito, por eles foi dito lhes parecia não falava verdade, nem merecia crédito algum”. Claro que o réu não sabia representar, estava a inventar tudo, não podia ser convincente, não tinha jeito para actor.
fls. 264 – img. 529 – 4.º visto da Mesa em 18-10-1704
Decidiram que o assento não estava alterado. Somente o Inquisidor Nuno da Cunha de Ataíde discordou e quis que fosse examinado pela inverosimilhança das suas declarações.
fls. 266 img. 533 Assento do Cons. Geral de 18-10-1704 – O assento anterior não está alterado
fls. 268 – img. 537 – 18-10-1704 - Mais confissão e crença
Continuou a romancear a sua juventude e as suas crenças. Referiu que conhecia a prima da mãe, Beatriz de S. José, mas não a irmã desta que o acusou, Joana Baptista de Matos. Os Inquisidores disseram que não lhe davam nenhum crédito a não ser ao “apartamento” (da Fé Católica).
fls. 274 – img. 549 – Declarações de 19-10-1704
Fez mais “confissões” de acreditar na Lei de Moisés, referindo de facto a maior parte das testemunhas que o tinham acusado, incluindo sua mãe. Desta vez, os Inquisidores atribuem-lhe crédito ordinário, mas dizem que a confissão é diminuta.
fls. 278 img. 557 – 5.º visto da Mesa em 19-10-1704
A Mesa tinha agora de se pronunciar sobre as “confissões” do Réu. Fê-lo assim: “Foram vistos (…) estes autos, confissões, e crença de Ant.º Pinheiro da Costa feitos pelas 10 horas da noite de 18 do presente mês e 3 e meia da manhã de 19 do mesmo mês e pareceu a todos os votos que, ainda que diga das 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª testemunhas da justiça (…) não estava alterado o assento do Conselho Geral de 30 de Setembro do dito ano em que foi julgado por convicto, não só por deixar de dizer de 5 testemunhas da justiça em que entra sua tia 2.ª Joana Baptista, mas também pelas inverosimilidades e encontros que se acham em sua crença, e impenitência que mostra nas ditas suas confissões e no modo com que as fez, e que o mesmo se observou nesta Mesa, vindo a ela em todas as ocasiões muito seco e enxuto, dizendo muitas palavras em que mostrava a sua impenitência, (…) , tudo palavras formais que disse o dito Réu, e outras muitas semelhantes, sem que mostrasse em acto alguma acção de católico, e de arrependido, e que assim se devia cumprir o dito assento; e aos Inquisidores Nuno da Cunha de Ataíde e Dom João de Sousa, pareceu que o Réu devia ser acusado, visto haver confessado o apartamento (…)”
fls. 280 img. 561 – Assento do Cons. Geral de 19-10-1704
“e assentou-se que o Assento do Conselho de 30 de Setembro próximo passado, por que está relaxado à justiça secular, não estava alterado. Mandam que se cumpra como convicto, ficto, simulado, confitente diminuto e impenitente, e dê a execução. Lisboa, 19 de Outubro de 1704.”
fls. 282 img. 565 – 19-10-1704 – Declarações do réu à saída dos Estaus para o cadafalso:
“Disse que pedira audiência para se revogar das confissões que fizera nesta Mesa porque tudo que nelas depôs contra as pessoas de quem disse fora contra toda a verdade, porque nunca vivera na Lei de Moisés nem se declarara com as tais pessoas nem com outras algumas e que o dizer das mesmas fora para ver se podia livrar a vida, e agora, como quem está para dar conta a Deus, se quer desencarregar, vindo declarar nesta Mesa o sobredito, e só passa na verdade no respeito à ocasião que sua mãe lhe deu para saber que tinha sangue de x. n. dizendo-lhe pela raia ou cassa que tinha na mesa, que aquele era o peixe que não comiam os judeus, como também é verdade o que a dita sua mãe lhe disse acerca das orações ouvidas a Manuel da Silva, ou para melhor dizer perguntadas pelo mesmo Manuel da Silva, como dito tem em suas confissões, e que também passara na verdade o que disse Paula Nunes a sua mãe, de que fora atormentada na forma que dito tem nas suas confissões e porque o não cegava testemunho algum humano no mundo e que só lhe pesa de todo o coração de haver com medo da morte levantado sobre si e sobre outrem falso testemunho e que por esta sua revogação é que queria só que se estivesse…”
fls. 284 img. 569 – Sentença
(...) E vendo o Réu que estava convencido no dito crime de heresia e apostasia, pediu audiência e confessou, que de certo tempo a esta parte, persuadido com o ensino e falsa doutrina de certa pessoa de sua nação, se apartara de nossa Santa Fé Católica, e tivera crença na Lei de Moisés, a qual comunicara com certas pessoas que nomeou, e nela perseverara por espaço de certo tempo que declarou na Mesa do Santo Ofício.
A qual confissão sendo vista, se assentou que não era de receber por suas inverosimilidades, faltas e encontros: e depois de o Réu assim a fazer, e ratificar voluntariamente na Mesa do Santo ofício, sem para isso lhe ser feita força, violência ou constrangimento algum, e nela persistir por algum tempo; arrependido de haver confessado as ditas culpas, revogou a dita sua confissão, afirmando que era e fora sempre fiel e Católico Cristão e que nunca se apartara de nossa Santa Fé Católica nem tivera crença na Lei de Moisés, nem a comunicara com pessoa alguma; e o haver dito o contrário, fora por entender que assim escaparia da morte.
O que tudo visto e bem examinado, a suficiente prova da Justiça, Autor, número e qualidade de sete testemunhas; e como o Réu não quis confessar suas culpas, pedindo delas perdão e misericórdia, sendo para isso por vezes com muita caridade admoestado, de que se colhe claramente querer viver e morrer na danada crença da Lei de Moisés, com o mais que dos autos resulta, e disposição de Direito em tal caso, (...)
fls. 287 v img. 576
Publicação no auto da fé de 19 de Outubro de 1704
fls. 289 img. 579 – Custas: 14$889 reis