10-4-2017

 

Yevgeny Yevtushenko

 

Евгений Александрович Евтушенко

 

 

Expresso n.º 2319

8-4-2017

 

1933-2017 – Pertenceu à linhagem de poetas e escritores russos. Dois dos seus poemas estão em todas as antologias de poesia russa.

José Cutileiro

Yevgeny Yevtushenko

 

Yevgeny Aleksandrovich Yevtushenko – Quando, no começo da sua adolescência, os pais se divorciaram, preferira abandonar o apelido letão do pai, Gangnus, e substitui-lo pelo apelido ucraniano da mãe - que morreu no seu sono de insuficiência cardíaca no sábado passado, em hospital de Tulsa, Oklahoma, cidade em cuja Universidade há anos ensinava (achava que era em cidades de província que se sentia o pulso de um país gostava muito de Nova Iorque, mas Nova Iorque na realidade não era a América: era toda a humanidade numa só gota) embora conservasse nacionalidade russa e, desde o fim da União Soviética, mais russo ainda se sentisse roçando as vezes nacionalismo incómodo pela estridência, pertenceu à linhagem de poetas e escritores russos consagrados pelo gosto popular que vinha muito de trás.  Máximo Gorki conta nas suas memórias que em rapaz era pago para ler poemas e contos de outros autores aos operários analfabetos de uma grande fábrica de pão; o enterro de Tolstoy fora o maior de que havia memória na Rússia Imperial e constituía uma espécie de tecido conjuntivo que assegurava a sobrevivência e o respeito por si próprio do país mesmo nas suas horas mais negras, dava coragem contra as adversidades e esperança mesmo se parecia já não haver senão razões de desespero, que quando nele irrompeu a voz que trazia dentro de si e, em alguns momentos, se fez ouvir dentro das cabeças à sua volta, gerou pulsões de entusiasmo e vitalidade de que os russos precisavam nessa altura -  ainda hoje, lembranças de recitais seus nos primeiros anos do pós—estalinismo, que raramente duravam menos de duas horas, ainda hoje fazem vibrar velhos e velhas que os ouviram e eram novos nesses dias difíceis da Mãe Rússia.

Escreveu dois romances, ajudou a transformá-los em peças de teatro; muitos ensaios e artigos de jornal; foi actor em filmes e realizou dois; deu aulas de literatura russa em vários lugares do mundo e deixou milhares de poemas, de qualidade muito desigual: entre os melhores, dois que figurarão certamente nas antologias enquanto a língua russa existir. Um, ‘O entroncamento de Zima’, poema narrativo que toca nas incertezas e duvidas que afligiam os russos desde a morte de Estaline, o que os foliculários do regime evitavam. O outro, o poema russo mais célebre da década de 60, ‘Babi Yar’, do nome de ravina na Ucrânia onde os invasores nazis tinham fuzilado e enterrado mais de 100 mil judeus e de que as autoridades soviéticas não falavam porque “não só judeus haviam sido massacrados”, disfarce transparente de anti-semitismo. Conheceram os dois enorme sucesso (‘Babi Yar’ também nos Estados Unidos, onde organização judia apresentou candidatura de Yevtushenko ao prémio Nobel da Literatura); foram declamados milhares de vezes, também pelo autor, homem de cena e de público, na Rússia e no estrangeiro. Depressa ocupou lugar único entre os intelectuais do seu país e do seu tempo; a revista “Time” pô-lo na capa. Criou muitos admiradores (Shostakovich escreveu a sua 13.ª Sinfonia sobre cinco poemas de Yevtuchenko), mas também alguns inimigos. Quando começara a ser conhecido tornara-se símbolo de liberdade e de mudança, mas mais tarde houve quem o atacasse, talvez por não ter sido mandado para o gulag ou exilado ou dedicado a vida inteira à dissidência. Juízo severo demais: desde a morte de Estaline à glasnost de Gorbatchov, Yevtuchenko esteve fundamentalmente do lado certo.
Alto, atlético, sedutor, casou—se quatro vezes (a primeira com Bella Akhmadulina, melhor poeta do que ele, que tinha 18 anos na altura); esse casamento foi curto, os três outros duraram mais; o segundo e o terceiro quase dez anos; o ültimo desde os seus 53 anos até à morte. Das quatro mulheres disse bem numa autobiografia. Versejando em russo, mas com muitos fãs nos Estados Unidos e na Europa, achava que “a tradução é como uma mulher: Se é bela, não é
fiel. Se é fiel, não é com certeza bela”.  

 

Sobre o poema "Babi Yar", ver aqui.

 

 

Бабий Яр

 

Над Бабьим Яром памятников нет.

Крутой обрыв, как грубое надгробье.

Мне страшно.

                    Мне сегодня столько лет,

как самому еврейскому народу.

Мне кажется сейчас

                    я иудей.

Вот я бреду по древнему Египту.

А вот я, на кресте распятый, гибну,

и до сих пор на мне следы гвоздей.

Мне кажется, что Дрейфус

                    это я.

Мещанство

                    мой доносчик и судья.

Я за решеткой.

                    Я попал в кольцо.

Затравленный,

                    оплеванный,

                                         оболганный.

И дамочки с брюссельскими оборками,

визжа, зонтами тычут мне в лицо.

Мне кажется

                    я мальчик в Белостоке.

Кровь льется, растекаясь по полам.

Бесчинствуют вожди трактирной стойки

и пахнут водкой с луком пополам.

Я, сапогом отброшенный, бессилен.

Напрасно я погромщиков молю.

Под гогот:

                    «Бей жидов, спасай Россию!» —

насилует лабазник мать мою.

О, русский мой народ! —

                    Я знаю

                                         ты

По сущности интернационален.

Но часто те, чьи руки нечисты,

твоим чистейшим именем бряцали.

Я знаю доброту твоей земли.

Как подло,

                    что, и жилочкой не дрогнув,

антисемиты пышно нарекли

себя "Союзом русского народа"!

Мне кажется

                    я это Анна Франк,

прозрачная,

                    как веточка в апреле.

И я люблю.

                    И мне не надо фраз.

Мне надо,

                    чтоб друг в друга мы смотрели.

Как мало можно видеть,

                    обонять!

Нельзя нам листьев

                    и нельзя нам неба.

Но можно очень много

                    это нежно

друг друга в темной комнате обнять.

Сюда идут?

                    Не бойся это гулы

самой весны

                    она сюда идет.

Иди ко мне.

                    Дай мне скорее губы.

Ломают дверь?

                    Нет это ледоход...

Над Бабьим Яром шелест диких трав.

Деревья смотрят грозно,

                    по-судейски.

Все молча здесь кричит,

                    и, шапку сняв,

я чувствую,

                    как медленно седею.

И сам я,

                    как сплошной беззвучный крик,

над тысячами тысяч погребенных.

Я

                    каждый здесь расстрелянный старик.

Я

                    каждый здесь расстрелянный ребенок.

Ничто во мне

                    про это не забудет!

«Интернационал»

                    пусть прогремит,

когда навеки похоронен будет

последний на земле антисемит.

Еврейской крови нет в крови моей.

Но ненавистен злобой заскорузлой

я всем антисемитам,

                    как еврей,

и потому

                    я настоящий русский!

1961

 

 

 

Babi Yar

 

No monument stands over Babi Yar.
A drop sheer as a crude gravestone.
I am afraid.
Today I am as old in years
as all the Jewish people.
Now I seem to be
a Jew.
Here I plod through ancient Egypt.
Here I perish crucified, on the cross,
and to this day I bear the scars of nails.
I seem to be
Dreyfus.
The Philistine
is both informer and judge.
I am behind bars.
Beset on every side.
Hounded,
spat on,
slandered.
Squealing, dainty ladies in flounced Brussels lace
stick their parasols into my face.
I seem to be then
a young boy in Byelostok.
Blood runs, spilling over the floors.
The barroom rabble-rousers
give off a stench of vodka and onion.
A boot kicks me aside, helpless.
In vain I plead with these pogrom bullies.
While they jeer and shout,
"Beat the Yids. Save Russia!"
some grain-marketeer beats up my mother.
0 my Russian people!
I know
you
are international to the core.
But those with unclean hands
have often made a jingle of your purest name.
I know the goodness of my land.
How vile these anti-Semites-
without a qualm
they pompously called themselves
the Union of the Russian People!
I seem to be
Anne Frank
transparent
as a branch in April.
And I love.
And have no need of phrases.
My need
is that we gaze into each other.
How little we can see
or smell!
We are denied the leaves,
we are denied the sky.
Yet we can do so much --
tenderly
embrace each other in a darkened room.
They're coming here?
Be not afraid. Those are the booming
sounds of spring:
spring is coming here.
Come then to me.
Quick, give me your lips.
Are they smashing down the door?
No, it's the ice breaking ...
The wild grasses rustle over Babi Yar.
The trees look ominous,
like judges.
Here all things scream silently,
and, baring my head,
slowly I feel myself
turning gray.
And I myself
am one massive, soundless scream
above the thousand thousand buried here.
I am
each old man
here shot dead.
I am
every child
here shot dead.
Nothing in me
shall ever forget!
The "Internationale," let it
thunder
when the last anti-Semite on earth
is buried forever.
In my blood there is no Jewish blood.
In their callous rage, all anti-Semites
must hate me now as a Jew.
For that reason
I am a true Russian!

 

 

 

 

 

O poema "O entroncamento de Zima" ou "A estação de Zima" pode ser encontrado aqui no original russo e em tradução inglesa aqui.

 

 

 

 

THE TLS 26 March 2019

  

‘Directness’

‘Sometimes in history the straight line / between two points / is the longest route’

Writing in the New York Sun in 2008, Michael Weiss argued that the politics of the Russian poet Yevgeny Yevtushenko (1933–2017) were “a complicated mixture of bravery, populism, and vulgar accommodation with dictatorship”, too moderate for the radicals and far too liberal for what Yevtushenko called the “perfervid dogmatists”. He came to prominence during Khrushchev’s “Cultural Thaw” in the early 1960s, convinced that the perversions of Stalinism had betrayed the ideals of the revolution and that Marxism was not incompatible with human and artistic growth, opinions which earned him the lasting contempt of many of his contemporaries – Anna Akhmatova dismissed him as no better than a newspaper satirist. His popularity both at home and abroad also aroused suspicion (Hugo Williams once called him “the James Dean of the Cold War”). When Solzhenitsyn was arrested, Yevtushenko sent Brezhnev a telegram of protest but, as Edwin Morgan wrote in the TLS, even an incident like that could misfire “in the sense that it seems to fall into a pattern of self-advertisement” which led critics to take his poetry less seriously. “Directness”, however – published in the TLS in 1987 in a translation by the poet with Antonina W. Bouis and Albert C. Todd and collected in Almost at the End (1987) – rises above the arguments of bourgeois revisionism and Soviet apology, mocking them by exposing the paradox on which their systems are built: a “directness” that, in attempting to straighten out human nature, only makes the road to happiness even longer.

  

 

 

 

 

 

Есть прямота,
                     как будто кривота.
Она внутри самой себя горбата.
Жизнь перед ней
                     безвинно виновата
за то, что так рисунком не проста.
Побойтесь жизнь спрямлять,
                                         не понимая,
что можно выпрямлением согнуть,
что иногда в истории прямая 
меж точками двумя -
                               длиннейший путь.     

 

Yevgeny Yevtushenko (1979)

 

 

 

Directness

 

There is a directness
                         
 that’s like something crooked.
It is hunchbacked inside itself.
Before it,
      
 life is guiltlessly guilty
for not being a simple drawing.
Be afraid of making life straight,
                                             without understanding
that by straightening you can bend.
Sometimes in history the straight line
between two points
                      
 is the longest route.

 

YEVGENY YEVTUSHENKO (1987)

Translated with with Antonina W. Bouis and Albert C. Todd