10-4-2015

 

Viver e morrer nos cárceres do Santo Ofício, de Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

 

A Esfera dos Livros, 2015, ISBN 978-989-626-634-9

 

 

Este livro pretende satisfazer algumas curiosidades acerca da Inquisição, como se vê através dos títulos dos seus capítulos:

Uma nova instituição

De casa para o Cárcere

Perguntas e mais Perguntas

Refeições

Ocupando o Tempo

Nascer nos Cárceres

Adoecer e Morrer na Prisão

Tentando Desesperadamente Contactar com o Exterior

Do Cárcere para Casa

 

Porque em geral se limita às curiosidades, a autora não estuda propriamente a Inquisição, não nos diz quais os verdadeiros fins da Instituição, nem o que queriam os Inquisidores, limita-se a considerar como verdadeiro o velho axioma:

Os cristãos novos judaizavam e por isso eram castigados pela Inquisição.

 

As palavras judaizar e judaizante aparecem de facto muitas vezes ao longo do livro.

Aquele axioma é adoptado pela Autora e por muitos dos nossos académicos desde os tempos de Salazar.

Não definem o que entendem por judaizar e judaizante, mas suspeita-se que será todo aquele que faz alguma coisa típica dos judeus, por exemplo, rezar olhando para o céu.

Partem do princípio que todos os cristãos novos presos eram hereges e, por isso, nem sequer se interessam pelo estudo dos processos.

Que é judaizar?  É fazer qualquer coisa típica de quem é judeu? Mas isso não tem que ver com religião, não prova a heresia.

Não comer carne de porco, nem peixe sem escama – isso não prova a heresia. Será preciso que digam que o fazem por quererem respeitar a religião, a Lei de Moisés.

Lavar a boca com água que se deita fora, antes de comer, será um costume judeu, mas não comprova heresia nenhuma.

Vestir roupa lavada aos sábados também não prova a heresia.

E até não trabalhar aos sábados não prova que o cristão novo era herege.

Aceito, porém, que um jejum judaico provava a heresia.

Ou seja, judaizar não quer dizer nada. Os costumes judeus só por si não podiam ser condenáveis, era preciso que provassem a heresia.

Este era o modo de pensar da Inquisição, o qual acabou ainda antes do final do séc. XVI. Achavam os Inquisidores que os cristãos novos eram judeus no coração e tratavam de os condenar.

Mas,  antes do final do séc. XVI, os Inquisidores deram conta  que era preciso fazer assentar os processos em bases mais sólidas, denúncias em forma que acusavam os cristãos novos de ter declarado a sua crença na Lei de Moisés e, implicitamente, a rejeição dos dogmas e mistérios da Igreja Católica.  

Nessa altura, abandonaram os vocábulos judaizar e judaizante (não aparecem nos Assentos da Mesa), que vieram a ser adoptados de novo por historiadores do séc. XX.

Introduziram então o sistema inquisitorial, em face do qual, se o réu não confessa, é negativo, ainda que tente provar que as acusações são falsas. Só tem uma defesa possível: confessar aquilo de que imagina ter sido acusado e depois denunciar uns tantos, para a Inquisição os prender.  Só assim tinha possibilidade de sair do cárcere com vida. Que as denúncias fossem verdadeiras ou falsas, não tinha importância nenhuma, bastava que estivessem no papel.  Tinham era de referir cristãos novos,  porque se fossem cristãos velhos, o denunciante era condenado como perjuro e falsário.

Tenho de fazer notar uma coisa:  no estudo da Inquisição só me interesso pela perseguição aos cristãos novos que eram considerados como hereges. De facto, todos concordam que a Inquisição não existiria se não fosse por causa deles, que ocupavam 80 % ou mais dos seus recursos.

Num artigo recente que cito abaixo, Francisco Bethencourt [*] diz:  “A Inquisição era um tribunal eclesiástico com propósitos espirituais de perseguir a heresia e sustentar a ortodoxia da Igreja Católica, em cuja definição intervinha de forma decisiva (…)”. No que toca aos cristãos novos, esta definição deixou de ser correcta bastante antes do final do séc. XVI. Formalmente continuou a sê-lo, mas, na realidade, a Inquisição tornou-se um órgão de perseguição racial a todos quantos tivessem pinga de sangue judeu.  Até acredito que alguns inquisidores não fossem racistas, eram demasiado inteligentes para isso, mas tinham de perseguir os cristãos novos, para a instituição ter uma razão de existir. De outro modo, acabaria. É esta a única razão por que a Inquisição durou 285 anos (na realidade, 237, porque em 1773 o Marquês de Pombal deu-lhe um golpe de morte ao abolir a distinção entre c.n. e c.v.).  

A principal preocupação do poder é “durar”, perdurar no tempo e a Inquisição era principalmente uma instituição de poder. Depois, temos de considerar que o poder corrompe e aí já era tempo de apontar o dedo a vários inquisidores que seguiram o caminho da corrupção e, porque não?, do crime.  Note-se que considero os inquisidores assassinos, sempre que pelo processo dou conta que sabiam perfeitamente  que o réu não era herege (ou o perseguiam por motivos pessoais).

Toda esta “tarefa” da Inquisição era incitada pela população que realmente odiava os cristãos novos, que tinham os melhores ofícios, os melhores negócios, formavam os filhos na Universidade e, em grande parte, viviam melhor que os cristãos velhos.  Por sua vez, os pregadores sempre alimentaram do púlpito este ódio, o qual era também cultivado com o espectáculo dos autos da fé.

Quando a Inquisição foi instituída, muitas centenas ou milhares de cristãos novos tomaram o caminho do exílio para continuarem a praticar a religião judaica. Os que ficaram conformaram-se com a prática católica, baptizavam os filhos, iam à missa nos dias de preceito e à confissão anual.  Muitos casaram com cristãos/ãs velhos/as e ficaram assimilados à população portuguesa. Note-se que os meios judaicos (e os nazis também) consideravam que a identidade hebreia se perdia nos casamentos mistos.  Só a Inquisição é que pensava de outro modo.

O pobre Miguel Henriques da Fonseca (1642-1682 - Proc. n.º 9485, da Inq. de Lisboa) não quis casar com uma cristã nova rica, preferindo uma cristã velha pobre, mas nem assim escapou à Inquisição e acabou relaxado.  Cansou-se de dizer que não tinha práticas judaicas, mas depois, desesperado, acabou por dizer que sim, que cria na Lei de Moisés e nela queria morrer.  Não tinha jeito ser relaxado enquanto declarava ser católico praticante (mas foi o que aconteceu a Pedro Serrão de Castro  - Proc. n.º 9797, da Inquisição de Lisboa e a muitos outros).

Parece-me que se deve dar maior atenção ao livro abaixo referido de B. Netanyahu cuja tese,  referindo-se embora a Espanha, pode ser aplicada com a mesma razão a Portugal: a religião era um mero pretexto para encobrir uma autêntica perseguição racial.

O mais fiel retrato da Inquisição Portuguesa está no texto do capelão inglês anglicano Michael Geddes, que traduzi e cito abaixo.

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O livro da Prof. Isabel  M. R. Mendes Drumond Braga está bem documentado. Mas, por vezes, a Autora substitui a consulta dos processos pela dos livros dos autores que sobre eles já escreveram. Isso nem sempre dá bons resultados. É o caso de Bento Teixeira, figura a que os autores brasileiros dão uma importância que ele não tem, como já escrevi nestas páginas.  E (caso mais grave)  no judaísmo que refere ter existido nos conventos femininos, onde os autores que cita não (me) merecem a mínima credibilidade.  As freiras judias foram todas inventadas pela Inquisição.

Permito-me no entanto fazer algumas observações.

Na pag. 19 e sobretudo na pag. 219, fala-se da “sentença”, como se fosse esta a decretar o destino do réu.  Ora, basta consultar o dicionário que diz “Sentença – o acto pelo qual o juiz decide a causa principal debatida em processo (…)”, para ver que a sentença do processo da Inquisição não é sentença nenhuma.  A decisão sobre o réu  está no assento da Mesa ou no assento do Conselho Geral, quando o processo ia à apreciação deste. A “sentença” dos processos da Inquisição é uma peça de propaganda, que nem sequer era secreta, porque era lida no auto da fé.  As "sentenças" têm muitas vezes inexactidões, exageros e hipérboles para impressionar o povo ouvinte.

pag. 20 – Os números citados de relaxados e penitenciados não devem estar correctos.  É pena que os Arquivos não se dêem ao trabalho de acertar melhor os números da Inquisição, como tenho proposto. Poderiam completar-se as listas dos autos da fé, juntando-lhe os réus que têm processo, mas não estão nas listas; poderíamos assim ter listas de penitenciados mais completas, ficando de fora apenas os que não estão nas listas nem têm processos.  Em Coimbra, poderiam completar-se ainda com uma lista que existe no Tribunal de Contas, aliás, já publicada (ver abaixo). Deverão faltar muitas dezenas ou mesmo centenas nos relaxados e, quanto aos penitenciados, Francisco Bethencourt aponta para  50 000, o que considero pecar ainda por defeito mas é mais plausível que o número da autora, que é, 40 000 (este é o número dos processos existentes).

pag. 62, 112 e passim – A Autora fala repetidas vezes das queixas do Jesuíta Padre Gaspar de Miranda (1564-1639). Ora, as queixas não são dele, que, aliás, morreu em fama de santidade. As queixas são dos cristãos novos, como ele diz expressamente no documento citado.

pag. 66 – A ordem das peças do processo não está certa. Havia o  libelo ou acusação e o réu podia apresentar a sua contrariedade (nome que está no Regimento de 1613), ou se quisermos, contestar por negação. Infelizmente para ele, nunca era aceite, por mais sólidas que fossem as provas testemunhais ou outras. Havia a seguir a publicação da prova da justiça (que a Autora não refere) e então é que se arguiam contraditas ou as coarctadas (alegação de alibis). As contraditas raramente tinham algum efeito e praticamente nunca retiravam o valor total ao testemunho.  A palavra “contraditas” não tem o sentido do dicionário, mas sim o do art.º 642.º do Código de Processo Civil. O processo não terminava com a “sentença”, como diz a Autora, mas com o assento da Mesa ou do Conselho Geral.

pag. 79 – A Autora aceita a ideia da prática de ritos judaicos nos conventos femininos, o que não tem qualquer fundamento ou plausibilidade.

pag. 79 – A Autora refere-se ao tormento de um modo demasiado rudimentar.  Sobretudo, esquece uma função importantíssima do tormento: a de purgar certas faltas, quando as provas de que os inquisidores dispunham eram relativamente fracas.  Essa função está referida, embora de passagem, em II, XIII, XIII do Regimento de 1640. Alguns autores escreveram que os réus eram absolvidos se no tormento nada confessassem. É falso. Ainda que não confessassem, eram considerados culpados e tinham de abjurar. Na maior parte dos casos, não assinavam porque estavam incapazes de o fazer, por estarem aleijados na mão pelo tormento.  Mas era um meio que alguns inquisidores, talvez mais conscienciosos, tinham, de libertar os réus, quando as provas eram fracas (ainda mesmo que estivessem negativos).  Como exemplo, o médico Simão Lopes Samuda (Pr. n.º 2784, da Inquisição de Lisboa).

Esta função do tormento também é referida por exemplo, num processo de uma barbaridade incrível, o de Clara Cardoso, solteira, de 38 anos (Pr. n.º 3055, da Inquisição de Lisboa), de Leiria. Foi presa em 1627 e ficou negativa. O seu processo esteve parado 4 anos.  No 5.º ano, “apertaram” com ela e começou a confessar, mas por seu azar omitiu uma sua irmã. Na véspera do auto da fé, em que foi relaxada, a Mesa ponderou: A ré estava diminuta, poderia talvez sanar-se com uma ida ao tormento que permitiria purgar aquela falta – mas não há tempo para isso, porque o auto está à porta. Poderia ficar reservada, e depois talvez denunciar sua irmã, salvando a vida,  mas já tem muito tempo de prisão; além disso está doente, quase mais morta que viva. Por essas razões (!), foi mandada para o cadafalso.

pag. 81 -  O tormento da água, utilizado por exemplo com  Lopo Nunes (processo n.º 2179,da Inq. de Lisboa), implicava ainda mais um detalhe: para que o réu não pudesse deitar fora a água, era-lhe enfiado um lenço na garganta.

pag. 83 – Com toda a evidência, o tormento dado a Baltasar Estaço foi para purgar as suas culpas, não para ele confessar o que já tinha feito e era sabido.

pag. 173 – Na história de Miguel de Mendonça de Valladolid (Proc. n.º 9973, da Inq. de Lisboa), seria mais correcto acrescentar que ele foi relaxado.

pag. 224 – Nos termos do Regimento de 1613, os relaxados eram notificados de que seriam executados no auto da fé, três dias antes deste – art. LXI; mas já tinham sido antes notificados de estar relaxados nos termos do art.º LX.

O Regimento de 1640 é mais claro: a primeira notificação era feita 15 dias antes do auto e a segunda, onde o réu fica de mãos atadas, na sexta-feira anterior ao auto (que era ao domingo).

pag. 228 – A carta do Padre Miguel de Almeida é importante, mas ele não sabia todos os pormenores do caso.  Pedro de Rates Henequim tinha sido entregue à Inquisição pela Corte para ser executado, não havia confissão que o pudesse salvar;  o mesmo tinha acontecido 78 anos antes com João Álvares de Barbuda – Pr. n.º 6318, da Inq. de Lisboa.

pag. 230 -  A Autora tem o mérito de dar importância ao sofrimento dos penitenciados não relaxados, o que não é habitual nos nossos autores que escrevem sobre a Inquisição. Aqui há anos, em Itália dizia-se que a Inquisição Portuguesa não fora muito malvada, pois tinha morto pouca gente. De facto, o número dos relaxados não deve ultrapassar os 3 000. Mas eu não tenho dúvidas que os penitenciados acabavam por sofrer mais que os relaxados, pois saíam dos cárceres desprovidos de bens, doentes, aleijados, com a vida totalmente estragada. Os relaxados só perdiam a vida.

Não sei se a Autora descurou ainda outro pormenor. Como o cárcere era perpétuo, muitas vezes a Inquisição dava por cárcere uma localidade diferente da dos réus. Por exemplo, vários penitentes de Leiria tiveram de ficar em Lisboa, enquanto durava a penitência. Se não tinham meios de fortuna, tinham mesmo de pedir esmola para sobreviver.

pag. 273 – As “Notícias Recônditas” não são da autoria de Pedro Lupina (e não Lupiana)  Freire. Basta ler o processo dele para concluir isso. Era ele um “pateta” alegre sem qualquer valor. Além disso, foi preso de repente e não teve tempo de coligir quaisquer elementos.

 

 

LIVROS CONSULTADOS

 

 

Inventário dos processos da inquisição de Coimbra,1541-1820: Leitura e introdução de Luiz de Bivar Guerra,  2 volumes, Tribunal de Contas, Arquivo, Centro Cultural Português, 1972

 

Francisco Bethencourt, A Inquisição Revisitada,  in Estudos em homenagem a Joaquim Romero Magalhães, ed. lit., de Álvaro Garrido, Leonor Freire Costa e Luis Miguel Duarte. Coimbra, Almedina, 2012, 634 pgs. ISBN 978-972-40-4803-1, pgs. 145-156.

 

José Pedro Paiva e Giuseppe Marcocci,  História da Inquisição Portuguesa 1536-1821. Lisboa: Esfera dos Livros, 2013, ISBN 978-989-626-452-9, 607 páginas.

 

B. Netanyahu (1910-2012), The origins of the Inquisition in Fifteenth Century Spain, Second Edition, New York Review Books, 2001, ISBN 0-940322-39-0

 

Narrative of the Proceedings  of the Inquisition in Lisbon, with a Person now living in London, during his Imprisonment there, Cap. VI do 1.º volume de Michael Geddes, Miscellaneous Tracts, (só nas edições de 1709 e 1714; por isso, nem João Lúcio de Azevedo nem António José Saraiva nem José Pedro Paiva leram este texto).

Online: http://arlindo-correia.com/140813.html

 

 

 

[*] 12-06-2015 – Adenda a propósito do livro L’Inquisition à l’epoque moderne, Espagne, Portugal, Italie – XVe – XIXe siècle, de Francisco Bethencourt

 

Esta obra de Francisco Bethencourt está muito divulgada e é muito citada. Para além de duas edições em Portugal (1994 – Círculo dos Leitores e 1996 – Temas e Debates), foi publicada em França em 1995 pela Fayard como edição original, com o título L’Inquisition à l’epoque moderne, Espagne, Portugal, Italie – XVe – XIXe siècle, e em tradução, em Espanha, em 1997 (Akal), no Brasil em 2000 (Companhia das Letras) e no Reino Unido em 2009 (Cambridge University Press). Tem a sua origem na tese defendida pelo Autor em 1992, no Instituto Universitário Europeu.

 

Reconheço que o livro está muito bem documentado e é muito útil para consultas. Porém, como entendo que a Inquisição deve ser estudada pelos seus processos, suscita-me alguns problemas a mistura no livro da três Inquisições, quando sabemos que cristãos novos portugueses fugiram para ou permaneceram em Espanha depois de ali estudarem e viveram em paz; e que um grande número de cristãos novos fugiu para Itália, onde tiveram bom acolhimento, embora fossem perseguidos numa ou noutra ocasião. Isto para dizer que as três Inquisições estiveram muito longe de serem iguais.

 

Uma consulta ao livro feita há dias deixou-me mal impressionado. Na pag. 386 da edição francesa que utilizo, refere-se o Autor a um texto de Michael Geddes, capelão anglicano em Lisboa da Feitoria Inglesa de 1678 a 1688. Escreveu este dois textos sobre a Inquisição Portuguesa que inseriu no 1.º volume do seu livro Miscellaneous Tracts, com os títulos

 

V. A View of the Inquisition of Portugal; with a List of The Prisoners which came out of the Inquisition of Lisbon, in an Act of the Faith, celebrated Anno 1682. And another in 1707.

VI. A Narrative of the Proceedings of the Inquisition in Lisbon, with a Person now living in London, during his Imprisonment there.

 

O segundo texto (que traduzi e inseri aqui), porém, só figura nas edições de 1709 e 1714, como disse acima, estando pois ausente nas edições  de 1702 e 1730. Em 1713, foi publicada uma separata com o título An abstract of the account of the proceedings of the Inquisition in Portugal, que resumia os dois textos.

 

Escreveu Francisco Bethencourt na citada página: “Une partie de cette relation (A View of the Inquisition of Portugal) est reproduite quelques années plus tard, en 1713, et augmentée d’un texte nouveau, le témoignage  d’un ancien prisonnier de l’Inquisition de Lisbonne, un marchand nouveau chrétien accusé de judaïsme. Ce texte décrit le climat des poursuites du point de vue des prisonniers et insiste sur la logique implacable de la confession et de la dénonciation pour échapper à l’exécution. Après la réconciliation, il s’est enfui de Lisbonne sur un navire anglais, pour se convertir au judaïsme à Londres. »

 

O texto não era novo, porque já estava na edição de 1709, que Bettencourt não vira, por usar a edição de 1730. Mas o que me interessa é a “lógica implacável da confissão e da(s) denúncia(s) para escapar à execução”. Ora o narrador explica que tanto umas como outras eram falsas. Então Bethencourt nenhuma observação faz sobre isso? Nada tem a objectar? Se aceita essa versão do funcionamento da Inquisição (como na realidade eu aceito), então desaparece a noção de Tribunal da Fé, para ficar apenas uma instituição de perseguição racial contra os cristãos novos. Os processos terão sido nesse caso uma pura aldrabice para condenar todos os que tinham sido presos.  Se Bethencourt acha que o narrador não disse a verdade, deveria afirmá-lo. É que aqui não está em causa o que se passava nos processos. É Michael Geddes que coloca na boca do preso o que ele teve de fazer para sair vivo; e diz que todos os depoimentos eram falsos.

 

Nem me impressiona que o narrador se tenha convertido ao judaísmo em Londres. Os que fugiam para Inglaterra iam em geral desprovidos de meios de fortuna e tinham de recorrer à caridade da comunidade judaica ali estabelecida. Para isso, tinham de aderir à Sinagoga.