8-3-2017

 

Como eu vejo os judeus e o judaísmo

 

 

Será que os judeus se definem pela prática da religião judaica? Ou por pertencerem a uma raça diferente das outras pessoas?

Quando estudamos a religião judaica, praticamente só encontramos unanimidade na crença em Deus eterno, sem princípio nem fim, criador do céu e da terra que se revelou na Bíblia Sagrada. Para além da morte, a maior parte deles defende a imortalidade da alma, mas Uriel da Costa (1585 – 1640), foi excomungado por a negar. Mas para eles não existe céu nem inferno, os prémios e castigos são recebidos na vida terrena. Vejamos a propósito os princípios da fé judaica, tal como estabelecidos por Maimonides (+ ou – 1137 † 1204):

 

1.- A existência de Deus

2.- Deus é uno e indivisível

3.- Deus é espiritual e incorpóreo

4.- Deus é eterno

5.- Só Deus pode ser objecto de adoração

6.- A revelação de Deus foi feita pelos profetas

7.- Moisés é o maior dos profetas

8.- A Tora foi ditada por Deus a Moisés

9.- A Tora dada a Moisés não será substituída e nada será acrescentado ou retirado dela.

10.- Deus conhece todas as acções e pensamentos dos homens

11.- Deus recompensa as boas acções e pune toda a maldade

12.- Virá no futuro o Messias dos Judeus.

13.- Os mortos ressuscitarão

 

Defendia ele portanto a ressurreição dos mortos, mas essa crença está hoje abandonada pelos judeus. De certo modo, a crença judaica vai pouco além de um teísmo, ou seja, a crença na existência de Deus, rejeitando os dogmas e os mistérios da crença católica. Aliás, a Inquisição perseguia os teístas com a mesma fúria que os judeus.

Sendo a prática religiosa relativamente diminuta, os judeus definiam-se sobretudo por uma série de costumes e cerimónias, começando pela circuncisão e continuando com a abstenção de comer carne de porco e peixe sem barbatanas e sem escamas, não trabalhar ao sábado e fazer jejuns rituais em certas épocas do ano, rezar olhando para o céu, etc.   Mas estes costumes não representavam forçosamente uma crença. No caso dos cristãos novos, podemos dizer que a sua prática não provava a heresia face à religião católica. Quando muito (mas tenho também aí muitas dúvidas) a prática de jejuns com o ritual judaico poderia demonstrar tal heresia. De facto, assim foi sempre considerada pela Inquisição que se dava a grandes trabalhos para vigiar os cárceres às ocultas dos presos para ver se eles não comiam durante o dia e o modo como preparavam a carne antes de a comerem. 

Perguntar-se-á então qual o significado da expressão “viver na Lei de Moisés” que, a partir de certa altura, figura na quase totalidade das acusações e das confissões dos processos inquisitoriais. Em si, a expressão não quer dizer nada, a não ser a interpretação que cada um lhe quiser dar; e não era certamente utilizada nas conversas dos cristãos novos. Para os inquisidores menos argutos e mais desequilibrados, significava que os réus tinham práticas típicas dos judeus como guardar o sábado, vestir camisa lavada sexta-feira à noite, rezar olhando para o céu, etc. Para os inquisidores mais argutos e mais equilibrados queria dizer que os réus não criam nos dogmas e mistérios da Igreja Católica e por isso eram hereges. Para os próprios cristãos novos a expressão nada significava: diziam que tinham declarado “viver na Lei de Moisés” ou para confessar qualquer coisa, ou para acusar os seus irmãos de raça, a fim de conseguirem a libertação e escaparem à morte. Isso até nem tinha verdadeiramente nada a ver com as suas crenças. Aliás, os próprios cristãos novos é que puxavam pela imaginação para inventar culpas no cartório, quer para as confessarem quer para acusar outros. Foi assim que surgiu a inventona de Coimbra para crucificar o pobre António Homem, envolvendo os detalhes mirabolantes de cerimónias que nunca poderiam ter existido. Foi a necessidade de confessar e acusar, elementos essenciais do processo inquisitorial, que fez trabalhar a imaginação dos cristãos novos presos.

Sendo os judeus uma raça, na verdade subdividem-se e múltiplas raças definidas a partir da sua origem. Na Europa e na América, as principais são os sefarditas e os asquenazitas, os primeiros originários de Península Ibérica, os segundos da Europa Oriental. Na América, é corrente classificar os costumes, os jornais e as cerimónias como sendo asquenazita ou sefardita.

Os judeus defendem a raça e tendem a perpetuá-la formando a família dentro dela. Praticamente o judeu que casa com não judeu deixa de ser judeu. É isso mesmo que dizem os sionistas.

A mistura das raças está na base das leis raciais de Hitler, que têm uma lógica, ao contrário do que acontecia com a Inquisição: só eram judeus os que tivessem três ou quatro avós judeus inteiros; os que tivessem um ou dois eram mestiços. A Inquisição considerava cristãos novos os que tivessem fama de ter tido um antepassado judeu, mesmo remoto. Note-se que um meio cristão novo (que tivesse um progenitor judeu) já não seria judeu para Hitler.

Os judeus tendem a ser disciplinados. A Sinagogas têm o registo dos seus crentes e praticantes, por vezes com lugares marcados. Nas leis raciais alemãs, quem estava registado na Sinagoga era equiparado a judeu inteiro, mesmo que tivesse algum sangue ariano.

Outra manifestação da disciplina na Alemanha era que, mandados para irem para os campos de extermínio, muitos judeus ainda acreditavam piamente que era uma razão de Estado a exigir que mudassem de residência.

Os judeus dão muita importância às cerimónias e às festas rituais que se repetem ao longo do ano. Tendem mesmo a considerar essas cerimónias como manifestações de fé, o que não tem razão de ser. Essa preocupação com o cerimonial leva-os a dar muita importância à comida que faz parte das festividades (exemplo, o pão ázimo).

Vou descrever as características que encontro no carácter dos judeus a partir de um livro interessantíssimo, com o título:  Marie Jalowicz Simon: Untergetaucht. Eine junge Frau überlebt in Berlin 1940–1945. Bearbeitet von Irene Stratenwerth und Hermann Simon. Na tradução inglesa: Gone to Ground: One Woman's Extraordinary Account of Survival in the Heart of Nazi Germany.

Marie Jalowicz (n. 1922 † 1998) judia inteira, nasceu em Berlim, na burguesia judia, filha única de um advogado de ascendência polaca Hermann Jalowicz, (n. 1877 † 1941) e de sua esposa Betti (n. 1885 † 1938). Rapariga inteligente, concluiu os estudos liceais e preparava-se para entrar na Universidade quando foi vetado aos judeus o acesso ao ensino superior. A sua mãe tinha falecido de doença, ainda antes do início da guerra. Falecido depois também o pai, ficou entregue à sua sorte. Para sobreviver, foi fazer trabalho escravo (Zwangsarbeit) para a Siemens. Sabia, porém, que mais cedo ou mais tarde, seria deportada para um campo de concentração. Foi então que decidiu “submergir”, desaparecer para sobreviver, perdendo assim as senhas de alimentação. Arrancou das roupas a estrela amarela e tratou de garantir a sobrevivência.

Note-se que no início da guerra, haveria em Berlim cerca de 160 000 judeus. Quando Hitler anunciou em 1943 que Berlim estava livre de judeus (judenfrei) não haveria mais de 1500 judeus “submersos”. Durante a sua vida ocultou a sua história, mesmo a seu filho, Hermann Simon. No fim da vida, já bastante doente, o filho pediu-lhe que contasse a história para o gravador e ela ditou 77 cassetes, que foram transcritas para 900 páginas que deram depois origem ao livro, preparado pelo filho e outra senhora.

Em 1935, a família tivera de despedir a empregada doméstica, porque as leis raciais proibiram os judeus de terem empregadas arianas de menos de 45 anos.

Os judeus encaram o sexo com muita naturalidade. Relações sexuais livres e consentidas são permitidas pela religião judaica, enquanto a Religião Católica exige o casamento prévio.

Em 1938, tinha já falecido a mãe de Marie Jalowicz e haviam perdido também a casa que habitavam. Ela e seu pai alugaram então um quarto em casa dos judeus Margarete Waldmann e marido. Esta Margarete (com cerca de 40 anos) e seu pai apaixonaram-se e tornaram-se amantes. A situação era muito embaraçosa, porque não conseguiam esconder a relação ao marido. Marie Jalowicz, então com 16 anos, para remediar a situação, ofereceu sexo ao dono da casa e por duas vezes foi com ele ao Hotel König von Portugal. Ainda em 1939, o casal Waldmann e um filhito conseguiram autorização para emigrarem para Xangai e partiram para a longa viagem no Transiberiano. 

Alguns anos mais tarde, depois do início da guerra e da morte de seu pai, Marie Jalowicz fez um aborto com uma pastilha que lhe deu um médico judeu.

Depois de muitas peripécias, a solução que encontrou para se esconder foi ir viver com um operário imigrante holandês chamado Gerrit Burgers, que a chamava Frauke e ficou com ele mais de um ano.

Quando em 1945, os Russos invadiram Berlim, sabia ela já que seria violada, como quase todas as berlinenses jovens ou bem apresentadas. Encarou a coisa com alguma naturalidade. O Russo escreveu uma declaração a dizer que aquela era a sua noiva e mais ninguém lhe podia tocar. Esse não regressou e mais ninguém a violou.

Sobre o sexo, também António José da Silva (Pr. N.º 8027) disse no seu processo que sua tia avó Esperança de Azeredo o incitou a ter relações sexuais com uma sua criada, dizendo que a fornicação simples não era pecado.

Acabada a guerra, Marie Jalowicz foi estudar para a Universidade e em 1948 escreveu a um companheiro de infância que tinha ido para Israel, Heinrich Simon, para que regressasse à Alemanha para casarem.

Tiveram um único filho, Hermann Simon.

Assim, Marie Jalowicz que, durante a guerra, nunca cumprira por exemplo a alimentação judaica por não ser possível, passou a ser judia cumpridora, inclusive à mesa, tendo o cuidado de casar com outro judeu inteiro.

Esta a principal característica dos judeus: manter a pureza da raça. Esta pureza desaparece com os casamentos mistos.

Marie Jalowicz tinha um tio paterno (Dr. Karl Jalowicz n. 1879 † 1952), casado com uma ariana, mas ela nunca lhe pediu ajuda, porque poria a vida dele em perigo. Este tio passou o tempo da guerra tranquilo, nunca foi incomodado por ser judeu.

 

A caridade entre os judeus

O cultivo da raça, ou do grupo conduz à beneficência para com os judeus necessitados. Sempre foi assim. Mas havia condições. Tinham de se apresentar como judeus e praticar as cerimónias da raça. Por isso, quando os cristãos novos fugiam de Portugal e pediam ajuda aos seus irmãos de raça nos países de destino, tinham de se circuncidar, inscrever-se e frequentar a Sinagoga. Era a condição para receberem alojamento, alimentação e algum dinheiro dos judeus da localidade.

Já ouvi quem defendesse que os cristãos novos se circuncidavam pelo desejo que tinham de praticar a fé judaica. Não é verdade. O Jesuíta Padre Manuel Dias elenca famílias de cristãos novos saídos de Portugal que continuaram fiéis à Religião Católica que praticavam em Portugal.

 

Os cristãos novos

Quando foi criada a Inquisição em Portugal, saíram de Portugal os judeus que não queriam aceitar a crença e as práticas da Religião Católica. Os que ficaram conheciam muito bem a obrigação que tinham de praticar a religião oficial. Não eram masoquistas, sabiam que seriam perseguidos se o não fizessem. Passaram a ir à Missa do Domingo e dias festivos a confessar-se a comungar uma vez por ano, dando o nome ao rol da desobriga (o que só acabou nas aldeias em meados do séc. XX).

Desfizeram-se os guetos que ainda existiam nalgumas cidades. Assim, os judeus desapareceram como grupo.

Quando puderam, procuraram o casamento fora da sua raça, com cristãos velhos. Infelizmente, isso não lhes serviu de nada, porque a Inquisição continuou a persegui-los e aos seus filhos, netos e bisnetos.

Se a Inquisição se tivesse limitado a perseguir apenas os que tivessem mais do que uma certa fracção de sangue judeu (por exemplo ½ de cristãos novo), depressa ficaria sem gente para perseguir e acabaria depressa a sua “função”. Por isso, deixou até de indicar a fracção de sangue judeu e passou a dizer que os réus tinham fama de ter tido antepassados judeus. Deste modo, ficava com “clientes” in aeternum.