8-1-2013

 

 

Padre António Guilherme Hebre de Loureiro, de Tondela (1694 - 1754)

Processo n.º 3532, da Inq. de Lisboa

 

GENEALOGIA

(também com dados do processo de Manuel Rodrigues, em Coimbra n.º 9979)

 

Manuel Simões casou com Catarina Antónia, ambos moradores em Tondela e tiveram:

- Padre Manuel Simões Hebre, nascido em Tondela, que foi Abade de Moreira (hoje Moreira de Rei, Trancoso), e que teve

               de Joana Maria, natural de Peniche que veio residir para Tondela:

                           - Padre António Guilherme Hebre de Loureiro  (1694-1754), nascido em Lisboa, veio morar para Tondela

                           - Jacinta Maria que casou com Inácio de Carvalho, moradores em Tondela, e tiveram 3 filhos, de nomes Maria, Inácio e Tomás

               de Bernarda Nunes, de Moreira de Rei:

                           - José Simões, casado no Rabaçal, não sabe com quem nem se tem filhos;

               de Maria Tavares, de Moreira de Rei:

                           - Úrsula Maria dos Santos, Religiosa no Convento de Santa Clara de Trancoso

- Maria de Loureiro, que casou em Tondela, não sabe com quem e teve três filhos:

               - Manuel João, que casou em Molelos e teve cinco filhos, entre os quais um Manuel e uma Maria

               - Inácia ficou solteira, mas teve duas filhas, Natália e Maria, de pais diferentes

               - Eufémia de Loureiro que casou com Manuel Rodrigues Bizarro, moradores em Tondela e tiveram:

                              - Manuel Rodrigues (n. 1706), que casou com Antónia do Loureiro (n. 1701), moradores em Tondela e tiveram dois filhos, António e Agostinho

 

 

António Guilherme Hebre de Loureiro nasceu em Lisboa, na freguesia de São Tomé, no ano de 1694, filho de Manuel Simões Hebre, Abade da vila de Moreira (hoje Moreira de Rei, concelho de Trancoso) e de Joana Maria, solteira, natural de Peniche. Em 1728, tinham já ambos falecido em Tondela, donde era natural o pai. Desconhece-se o motivo da estadia do pai em Lisboa, mas foi certamente ali que conheceu a mãe.

Frequentou a Universidade de Coimbra, declarando ser Bacharel em Cânones, e recebeu as ordens de subdiácono, diácono e presbítero do Bispo de Viseu D. Jerónimo Soares.

Declarou ter casa e propriedades em Tondela, mas teria também casa em Moreira de Rei, alternando a sua residência entre as duas vilas.

Ter-se-á “especializado” em fazer exorcismos, pois foi a certa altura chamado à Inquisição de Coimbra para explicar o modo como os fazia. Segundo algumas testemunhas, na altura dos acontecimentos que levaram à sua prisão pela Inquisição, teria uma licença do Bispo de Lamego para fazer exorcismos por seis meses naquela diocese.

Os acontecimentos narrados no processo decorreram num período muito curto, numa estadia de cinco meses na zona da vila de Ranhados (hoje concelho da Meda) e proximidades, com início em Julho e término no final de Novembro de 1727, quando foi preso em Almeida.

Era habitual dizerem as pessoas naquela altura, em especial as mulheres, que andavam “vexadas” pelo demónio, isto é, atormentadas pelo maligno, o que se poderia remediar com o exorcismo feito por um padre competente. O Padre António Guilherme tinha já ganho alguma fama de o ser.

Ana Francisca, por alcunha a Bochecha, de 52 anos, moradora em Ranhados, queixava-se de ser vexada pelo demónio desde há dezoito anos. Já tinha sido exorcizada pelo Reitor de Ranhados, Padre Tomás da Fonseca e por outros padres, sem resultado. Foi então que ouviu dizer que o P.e António Guilherme era perito no assunto e assim decidiu ir a Moreira de Rei (distante cerca de 25 km.) para lhe pedir ajuda, na companhia de sua filha Mariana, solteira, a viver com ela (tinha outra filha, Úrsula dos Santos casada com João Rodrigues). Chegou a Moreira de Rei no dia da Ascensão, que, em 1727, foi a 22 de Maio.

O P.e António Guilherme recomendou-lhe que tivesse muita fé em Deus, fez-lhe um primeiro exorcismo e disse-lhe que ela estava cheia de malefícios e muito vexada do demónio. Repetiu durante 16 dias os exorcismos a Ana Francisca, que fazia numa das Igrejas da vila de Moreira de Rei. Depois, regressou ela a Ranhados, “experimentando muitos alívios nos males e vexações do demónio, que padecia”. O Padre mandou recado ao Reitor de Ranhados para que fosse benzer a casa da paciente. Este negou-se a fazê-lo e o mesmo fizeram outros padres de Ranhados. Passados uns dias, apareceu em Ranhados o P.e António Guilherme e disse que vinha benzer a casa da Ana Francisca, o que fez, regressando depois a Moreira de Rei.

Passado algum tempo, o advogado Fernando Cabral, de Ranhados, mandou buscar o P.e António Guilherme para exorcizar sua mulher Domingas dos Reis, que estava “maleficiada”. Este fez a cura, mas, antes de regressar a Moreira de Rei, foi à Igreja de Ranhados fazer mais exorcismos a muitas pessoas, que lhe pediram.

Estas vindas a Ranhados para fazer exorcismos repetiram-se. Em Setembro, estava o P.e António Guilherme alojado em casa de Maria de Meireles, casada com João da Fonseca e já a tinha exorcizado e benzido a casa. Mas, uma manhã, principiou a Maria de Meireles a gritar, pedindo para chamarem o Reitor da Paróquia. Veio o Reitor e repreendeu severamente a mesma Maria de Meireles e saiu abruptamente de casa, levando consigo uma sua tia Ana da Fonseca que ali se encontrava. Ficaram na casa assistindo aos exorcismos, para além da Ana Francisca, a Bochecha:

            - Joana Dias, solteira, de 25 anos, filha de Francisco Lourenço, natural e moradora em Arques, freguesia de Souto de Penedono;

            - Ana Fernandes, solteira, de 31 anos, filha de Manuel Fernandes, natural de Ranhados mas residente em Horta, com sua irmã Maria ali casada; no processo dela (n.º 7359), é sempre referida como Ana da Horta;

            - Úrsula Lopes, solteira de 24 anos, filha de Daniel Rodrigues, falecido, e de Maria Lopes, esta casada em 2.ªs núpcias com Manuel de Almeida, residente no Moinho do Rio Torto, limite de Ranhados

            - Apolónio Brás, solteiro, de 18 anos, filho de Manuel Rodrigues e de Maria Luis, ambos defuntos, natural e morador na freguesia de Alcarva, termo de Penedono.

Havia mais mulheres, que o testemunho de Ana Francisca, a Bochecha, não identifica.

Disse então Maria de Meireles que o P.e António Guilherme era “angelório”, primo de Cristo Senhor Nosso e que apenas se queria confessar a ele. O Padre mandou-a calar, mas ela prostrou-se aos pés dele e ali ficou um pedaço. Depois levantou-se e disse que o padre era o Vigário de Cristo na terra. A seguir ajoelhou-se de novo aos pés do Padre e beijou-lhe os pés.

Segundo os testemunhos no processo, as rotinas do Padre em exorcizar consistiam em pôr a mão na cabeça ou um livro e depois no estômago, junto à pele e a seguir, soprar nos ouvidos, dizendo por vezes palavras em Latim; muitas pacientes, depois disto, caíam no chão como que desmaiadas.

Este domínio sobre as pessoas, em especial as mulheres, deve ter-lhe dado ideias de grandeza e passou a declarar-se de natureza divina: que era Deus, o segundo redentor que viria fazer a segunda redenção já que a primeira só fora válida por mil anos.

Teria o padre poderes hipnóticos? É uma possibilidade. A mania das grandezas levava-o a inventar histórias: que tinha visões, que podia curar todas as doenças, que fazia milagres. Que havia de reformar a Igreja, que havia de presidir ao Juízo final, que fundaria uma nova Igreja em Tondela, a Igreja Tondelense. Desde o início do sec. XVIII, Tondela era a cabeça do concelho de Besteiros que anteriormente fora Molelos. Suponho que a vila se tinha desenvolvido sobretudo pela construção da Estrada Real Coimbra-Viseu, no final do séc. XVIII, pois anteriormente tinha pouca importância. No entanto, tinha uma Igreja matriz pequenina, lá no meio do povo, a actual Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Claro que a população desejava uma Igreja maior, que só veio a ter em 1889. Será por isso, que o P.e António Guilherme veio também com essa ideia de construir uma nova Igreja em Tondela, relacionada com a tal ideia de uma Igreja  (como instituição) Tondelense.

Quando fazia um exorcismo, dizia que era preciso ir benzer a casa da paciente. Essa démarche servia provavelmente para verificar se lhe interessava ali pedir alojamento: esteve por alguns dias em várias casas de Ranhados e arredores.

Andava em geral com um grupo de pessoas atrás dele e tacitamente incitava-as a que se lhe ajoelhassem aos pés e os beijassem. A Inquisição de Coimbra andou depois a arrolar os que o tinham feito para lhes instaurar processos e os condenar a todos por “culpas de idolatria, reconhecendo divindade em uma pessoa humana”, mesmo que o tivessem feito uma única vez.

Entre as proezas de que se gabava, dizia que podia olhar fixamente para o sol brilhante sem sofrer dano na vista e beber muito vinho sem que o seu bafo cheirasse à bebida. Aliás, abusava muito da bebida, e numa zona de bom vinho. Mais tarde, confessou que se havia embriagado muita vez.

Antes de prosseguir a descrição da sua aventura, vale a pena transcrever as culpas que lhe assacaram na sessão in specie:

img. 1577 - 22 de Agosto de 1730

Sessão in specie

(………)

Foi-lhe dito que, nesta Mesa, há informação e ele réu tem confessado, que dizia e entendia que era a segunda pessoa da Santíssima Trindade, e tinha natureza divina, e era segundo Redentor e que havia de haver segunda encarnação, e nele réu estavam encarnadas as três pessoas divinas e que vinha a reformar o mundo e o havia de salvar no dia do juízo e que algumas pessoas lhe ofereciam a alma, por dizer que era a Santíssima Trindade e que já o Sumo Pontífice  e os Inquisidores o reconheciam por Deus e dizia às ditas pessoas que, se fossem presas pelo Santo Ofício, morram por ele réu e pela sua fé, e que ele não podia ser preso pelo Santo Ofício, e amaldiçoava aos Senhores Inquisidores, dizendo também que fazia sacerdotes da sua nova lei e que havia de fazer nova Igreja que chamava Tondelense e ficando esta havia de tirar a Católica Romana e que havia de haver dois Juízos Universais, um feito por ele e outro por Cristo Senhor Nosso, e que ele réu no dia do seu juízo,   havia de mandar os bons para o Inferno, e os maus para o Céu,  e que havia de salvar muitos mil demónios e fazê-los Anjos e aos Anjos, Demónios, e que os Demónios o publicavam por Deus, e ele réu lho proibia, porém que muitas pessoas o conheciam por tal pelos milagres e coisas extraordinárias que obrava. Rebaptizava algumas pessoas e dizia que ele fora baptizado em um rio (disse que fora no rio Dão) o qual ficara Jordão, e que na sua segunda Igreja Tondelense, não havia de ser necessário baptismo necessitate medii, e que quem morresse sem ele, se havia de salvar. Afirmando outrossim que era consagrado a quarta pessoa da Santíssima Trindade e que como tal se tinha visto na hóstia consagrada entre as três Divinas pessoas e que não fora gerado de homem por coito natural, mas por obra do Espírito Santo e providência Divina, nascera do ventre de sua mãe, a qual ainda que havia sido luxuriosa e desonesta, ficara purificada pela vinda do réu ao mundo e que assim se havia de ver no dia do juízo, e que a dita sua mãe havia de ressuscitar ainda e ser Rainha do mundo todo; e que ele réu tinha no seu corpo a música dos Anjos, e que os lençóis em que dormia eram sagrados como os corporais e que algumas pessoas veneravam a sua cama como sagrada.

E que outrossim benzia e consagrava maçãs, peras, vinho, pão e bacalhau, depois de comer, e repartia estas coisas por comunhão, e que o podia fazer por privilégio e por ser Deus, e que para conservar o seu corpo, consagrava tudo o que comia, e que nas referidas coisas, ainda que não fosse matéria competente, ficava o corpo de Cristo, e assim o persuadia aos seus sequazes e pessoas a quem administrava as referidas coisas em forma de comunhão; dizendo também que os judeus tinham fundamento para esperarem pelo Messias e que não tinham culpa em esperarem outro Deus, porque as Escrituras se cumpriram em Cristo Senhor nosso só por mil anos, e que o mesmo Senhor viera ao mundo só pelos judeus, e que depois foram chamadas todas as gentes por não ficar infrutuosa a Redenção.

Proferindo ímpias, horríveis e heréticas blasfémias, contra a Virgem Maria Nossa Senhora e os Santos, amaldiçoando-os, dizia que haviam de ir para o Inferno, e que Nossa Senhora havia de ser queimada no dia do juízo, e que a verdadeira Senhora era a mãe dele réu, e que S. José e os outros Santos se fizeram Demónios e se perderam chamando-lhe muitos nomes injuriosos, e chegou a dizer que a Cristo Senhor nosso se faltava a sabedoria,  e que alguns Santos que se haviam perdido recorriam a ele réu para que os salvasse e que ele réu o podia fazer. E que outrossim era ele réu tido por feiticeiro, e pondo as mãos em algumas pessoas e benzendo outras, caíam com acidentes, e soprando-lhe aos ouvidos ficavam endemoninhadas, dizendo a ele réu que tinha poder para meter Demónios nos corpos das criaturas, e nas casas onde não criam nele réu, no qual com efeito criam, e o adoravam por Deus muitas das pessoas a quem tocava; e que estivera quinze dias em uma montanha sem comer nem beber, confessando também ele réu que invocava ao Demónio, e que, tendo-lhe o mesmo Demónio antes dito se queria fazer pacto com ele, depois invocando-o lhe pedira o ajudasse a ganhar opinião e fama nas suas coisas e obra da sua Redenção, e que nos exorcismos que fazia, tratava o maior dos Demónios com brandura para que obrigasse aos outros a saírem das criaturas que exorcizava, e que prometera aos Demónios os havia de salvar na sua nova Lei e que, por esta causa, e haver voluntária e deliberadamente invocado ao Demónio, atribuía ao mesmo as coisas extraordinárias que fazia se lhe representa,  e não declarando também que ouvia vozes interiores, que lhe era necessário ter consigo sessenta e seis poluções para ser Deus, e que consumava as ditas torpezas;  e que de noite via a casa com luz e nela algumas mulheres a quem fazia exorcismos de dia e que então caía em poluções voluntárias; mas que isto era antes de ele se reputar por Deus, porém que depois não tivera alteração alguma, e que sentira como que lhe apertavam os lombos, e que depois disto não tivera estímulo algum da carne; e que na casa ou cama em que dormia, via umas cabeças, uma de homem e outra de mulher, que se lhe representavam serem de Nossa Senhora e de S. José.

Declarando ele réu nesta Mesa haver-se apartado da nossa Santa Fé Católica e que tivera crença nos referidos erros, e que no tempo deles cria que Cristo Senhor nosso não fora único Redentor, mas só na sexta idade, até o tempo da segunda redenção, que ele réu havia de fazer na sétima, na qual acabava tudo e havia necessidade de nova fé, Igreja e Redenção, entendendo que o poder de Cristo era coarctado, e assentando que havia ele réu de vir com o mesmo Senhor a julgar os vivos e os mortos no fim do mundo, deixando também de crer na Virgem Maria Senhora nossa, e nos Sacramentos da Santa Madre Igreja,  que não tinha por bons e necessários, e os recebia e fazia as mais obras de cristão,  por contemporizar com o mundo.

Não tendo no dito tempo por mau o que de si entendia ainda que reconhecia ser contrário ao que a Santa Igreja Católica Romana tinha, cria e ensinava. Persistindo cega e obstinadamente nos ditos erros e em outros muitos que constam do seu processo, e defendendo-os tenaz e temerariamente na Mesa do Santo Ofício, por largo tempo, como profitente dos mesmos erros até que, abrindo os olhos à luz da Fé e da razão, reconheceu e retratou tão insanas, horríveis e tremendas abomináveis culpas, pelas quais se tem feito digno de um exemplar castigo; e lhe fazem saber que esta é a última admoestação que lhe há-de ser feita em razão das ditas culpas e das penas que por elas merece antes do libelo da justiça, que por elas o pretende acusar e porque lhe será melhor  e á alcançará mais misericórdia se confessar todas as que mais houver cometido antes do que depois de ser acusado; de novo o admoestam com muita caridade, da parte de Cristo Senhor nosso, que examine a sua consciência e a achando encarregada em mais alguma coisa, o declare, o declare nesta Mesa, por ser o que lhe convém, para descargo da mesma consciência, salvação da sua alma e se usar com ele da misericórdia que a Santa Madre Igreja costuma conceder aos que verdadeiramente convertidos e arrependidos confessam inteiramente as suas culpas.

E por tornar a dizer que não tinha mais culpas que confessar e que tinha declarado toda a verdade delas foi outra vez admoestado em forma e mandado ao seu cárcere, e ao Promotor Fiscal do Santo Ofício que venha contra ele com libelo criminal acusatório, sendo-lhe primeiro lida esta sessão que, sendo por ele ouvida e entendida, disse estar escrita na verdade assinou com o dito Senhor Inquisidor; Joseph Antunes da Silva, o escrevi.

a)     João Pais do Amaral

b)     O P.e Ant.º Guilherme Ebre de Loureiro

 

No início de Outubro de 1727, esteve o Padre António Guilherme alguns dias alojado em casa de D. Isabel Coutinho e ali continuou a fazer exorcismos a muita gente. Apareceu lá o P.e Tomás da Fonseca, Reitor de Ranhados e “agastou-se” muito com ele e repreendeu a Ana Francisca, a Bochecha, a quem disse “que lhe havia de suceder algum trabalho”.

Depois das vindimas (isto é, na 2.ª quinzena de Outubro), foi o Padre António Guilherme para o lugar de Quintã das Arcas (ou Arques), freguesia de Souto de Penedono, para casa de Francisco Lourenço, que o foi buscar a Ranhados para fazer exorcismos a suas filhas chamadas Joana, Maria Eufémia, Engrácia e Teresa, tendo também um irmão de nome Manuel; a esposa chamava-se Maria Dias. Ficou ali dia e meio e partiu depois para S. João da Pesqueira, onde se alojou em casa de Paula de Sousa, mas no dia seguinte partiu com o seu grupo: “e no outro dia foi para Ermida do Salvador do Mundo que será de distância de meia légua de S. João, e se acomodou na casa da novena que tem a dita Ermida” (do depoimento de Úrsula Lopes). O grupo era constituído por:

            - Úrsula Lopes, sua irmã Francisca e a mãe Maria Lopes

            - Joana, seu irmão Manuel e a mãe Maria Dias

            - Ana Francisca, a Bochecha, Ana da Horta e a irmã desta, Maria Fernandes, casada com Manuel Afonso

            - Apolónio Brás, de Alcarva

O Manuel foi-se embora no dia seguinte; a Francisca e sua mãe Maria Lopes, ao fim de nove dias. Os restantes ficaram lá dezoito dias.

O Padre conversava sobretudo com as duas Anas, que lhe eram mais chegadas. Todos dormiam juntos na mesma casa e junto à cama do Padre.

Sendo embora evidente que a “devoção” das mulheres pelo Padre tinha uma conotação sexual, não é certo que ele tivesse relações sexuais com algumas. A única testemunha que se refere a isso é Catarina Fernandes (Pr. n.º 4551), casada com António de Abrunhosa, natural de Linhares e residente em Muxagata (hoje concelho de Vila Nova de Foz Côa) que disse no seu depoimento: “…e mais ouviu ela declarante dizer e geralmente se conta pela sua terra, e outras circunvizinhas, que o dito Padre António Guilherme na Capela do Salvador do Mundo tivera cópula carnal com duas moças entre si irmãs que são de S. João da Pesqueira e não sabe como se chamam, e também ouviu dizer que ambas se achavam pejadas dele por cujo respeito se dizia que a Capela do Salvador do Mundo se achava interdita e o que ela declarante viu pertencente a esta matéria era que na sobredita casa dos moinhos da dita Maria Lopes, o Padre António Guilherme dormia na mesma cama com duas mulheres, Ana Francisca a Bochecha e Ana da Horta e ela declarante viu a todos três na mesma cama e despidos sem mediar coisa alguma entre cada um deles…” Mas foi a única testemunha que se referiu a este assunto, que a Inquisição aparentemente não investigou. Aliás, a Inquisição não perseguia os padres que tinham amantes, embora prendesse e condenasse toda a pessoa que afirmasse que a fornicação simples (isto é, ortodoxa e consensual, com mulher livre e capaz) não era pecado.

As declarações do Padre eram cada vez mais atrevidas e chegou a dizer que, se algum Inquisidor quisesse prendê-lo, cairia logo morto de repente, sem que ninguém lhe tocasse.

Depois de dezoito dias, o Padre e o grupo que estava na Ermida veio para São João da Pesqueira e ficou em casa de Paula de Sousa, com excepção de Úrsula que ficou em casa de uma tia sua, Maria Jorge, e estiveram por ali uns quatro dias. Vieram depois para a vila da Horta, para casa de Manuel Afonso, casado com Maria Fernandes “onde se dilataram dois dias, e ali o adoraram ela confitente, as duas Anas, e o Apolónio, e o dito Padre na mesma casa donde estavam consagrou uma hóstia e a comungou, e as ditas Joana e Maria Dias se foram da vila de São João da Pesqueira para a sua terra, que é o lugar das Arcas” (confissão de Úrsula Lopes).

Da Horta foi o Padre para o lugar de Pereiros (hoje freguesia do concelho de S. João da Pesqueira), levando consigo Ana Francisca, a Bochecha, a Úrsula Lopes, e o Apolónio; alojaram-se em casa de Catarina João, solteira, de 31 anos, filha de José Gonçalves; “e ali dormiram, e o dito Padre bebeu muito vinho, dizendo que o consagrava para não cheirar dele, e na mesma casa ela confitente, o dito Apolónio, e Ana Francisca o adoraram de joelhos e, conforme sua lembrança, o adorou Catarina, e sua irmã Maria, solteira” (confissão de Úrsula Lopes). No dia seguinte, o Padre, a Ana Francisca, o Apolónio e a Úrsula foram para casa desta última que era o moinho do Daniel no Rio Torto, freguesia de Souto de Penedono “e ali estiveram todos por dois dias, e o dito Padre sagrou as maçãs, e as deu a comer a ela confitente, e às sobreditas Ana Francisca, Apolónio, e a Maria Lopes sua mãe, e a Francisca sua irmã; e todos as recebiam de joelhos com grande reverência e fé como quem recebe o Santíssimo Sacramento, e o Pai (erro, era o padrasto) dela confitente não assistia a estas cerimónias” (confissão de Úrsula Lopes).

Do moinho, partiu o Padre António Guilherme para o Senhor da Barca (junto do rio Côa), na companhia de Manuel de Almeia, padrasto de Úrsula Lopes e do Apolónio. Ali o deixaram regressando a casa e o padre entrou sozinho em Almeida. Possivelmente, seria sua intenção fugir para Espanha, mas, se o era, não teve tempo para isso.

A área de actuação do P.e António Guilherme era relativamente pequena e tudo se sabia rapidamente. O P.e Tomás da Fonseca, Reitor de Ranhados, sabia tudo o que se passava, assim como o Pároco de Souto de Penedono, este também Comissário do Santo Ofício, cuja assinatura está ilegível, só se percebendo “Abrantes”. Mas o Abade de S. João da Pesqueira, Manuel Quaresma da Cruz era um Comissário do S.to Ofício muito activo e, já a 12 de Novembro remetia uma denúncia de três páginas à Inquisição de Coimbra (img. 53 e ss.). Quando necessário, pedia ajuda ao P.e D. António da Conceição, Vigário de Negoselo (hoje, Nagoselo do Douro).

Em 26-11-1727, o P.e Abrantes, Abade de Souto de Penedono,  denuncia Manuel Afonso, a mulher Maria Fernandes e a irmã desta, Ana Fernandes, como pessoas as que poderiam melhor informar sobre o Padre (primeiro documento no processo n.º 7359, de Ana Fernandes).

Como é evidente, as pessoas que se ajoelhavam aos pés do P.e António Guilherme tinham também as suas dúvidas.  Quando estavam em São João da Pesqueira, Francisca Lopes, sua irmã Úrsula Lopes e a mãe de ambas, Maria Lopes, foram confessar-se a um clérigo, mestre de Latim e este disse que “isto tinha um grande estouro que dar” (depoimento de Francisca Lopes – img. 673 ). Depois Úrsula Lopes foi contar tudo ao Abade de Souto de Penedono e este disse-lhe que fosse à Inquisição de Coimbra declarar as culpas que tinha cometido (img. 635).

No dia 27 de Novembro, D. António da Conceição, por mandado do Abade de S. João da Pesqueira, apresentou-se ao Juiz da Comarca de Almeida, com uma ordem de prisão do P.e António Guilherme à ordem do Reverendo Doutor Provisor da Cidade de Lamego, que foi executada no mesmo dia. Ficava ali até chegar o mandado de prisão do Santo Ofício.

O Abade de S. João da Pesqueira pediu também ao Juiz Ordinário da vila de Ranhados que prendesse Ana Francisca, a Bochecha, o que foi feito; e também ao Juiz de Alvarca, pediu a prisão de Apolónio Brás, logo que aparecesse.

Entretanto, já no dia 18 de Novembro, na sequência de informação do Promotor, partiu da Inquisição de Coimbra, uma comissão (deprecada) para o Abade de S. João da Pesqueira, para serem ouvidas as pessoas que tivessem informação sobre o caso (img. 79 e ss.). A audição decorreu de 19 de Novembro a 21 de Dezembro; finda esta, estava a Inquisição de Coimbra bem documentada para emitir mandados de prisão aos intervenientes. Foi escrivão o P.e D. António da Conceição e foram ouvidas 23 testemunhas, das quais a 1.ª, a 2.ª e a 4.ª foram depois arguidas na Inquisição:

img. 79 - 24-11-1727 – Comissão ao Comissário Abade de S. João da Pesqueira – Inicio das audições: -  29-11-1727

img. 93 – Maria Lopes, viúva de Domingos Vilela, de 52 anos, natural e moradora em S. João da Pesqueira – (foi ao auto da fé de 8-10-1730)  - Processo extraviado – É a testemunha n.º 56

ims. 110 – Maria dos Santos, solteira, de 15 anos, filha de Mariana Lopes e de Manuel  Veiga, por alcunha o Peres  - Proc. n.º 6996 – É a testemunha n.º 48.

img. 128  - Maria Lopes, casada com Miguel de Seixas, de 53 anos – S. João da Pesqueira

img. 145 – João Lopes, solteiro, filho de Miguel de Seixas e de sua mulher Maria Lopes, de 20 anos, morador em S. João da Pesqueira (foi ao auto de fé de 8-10-1730) – Proc. n.º 327 – É a testemunha n.º 53

img. 161 – Mariana Lopes, casada com Manuel Veiga, por alcunha o Peres, de 50 anos, moradora em S. João da Pesqueira

img. 172 – Maria Lopes, casada com Manuel de Sequeira,  natural e morador em S. João da Pesqueira,  a Escudeira de alcunha, de 42 anos, moradora em S. João da Pesqueira

img. 184 – Manuel Correia Tavares, Mestre sapateiro, morador em S. João da Pesqueira, de 36 anos.

img. 193 – Victória Maria da Fonseca, casada com João Veiga, ferreiro, natural de Vila Real e moradora em S. João da Pesqueira, de 24 anos

img. 201 – Rosa de Barros, viúva de Domingos Coelho, mãe da anterior, natural da vila de Viena e moradora em S. João da Pesqueira, de 50 anos.

img. 207 – Miguel de Seixas, casado com Maria Lopes, natural e morador em S. João da Pesqueira, de 55 anos.

img. 213 – João Veiga, Mestre ferreiro, casado com Victória Maria da Fonseca, natural e morador em S. João da Pesqueira, de 26 anos.

img. 223 – Padre Manuel da Fonseca Brás, Presbítero do Hábito de S. Pedro, natural de Beira Valente e morador em S. João da Pesqueira, de 28 anos

img. 232 – Isabel Vaz, casada com Domingos de Sá, Alcaide da Vila, natural e morador em S. João da Pesqueira, de 50 anos.

img. 242 – Maria Ferreira, casada com António Rodrigues, Leitão de alcunha, natural e morador em S. João da Pesqueira, de 40 anos.

ims. 249 – Francisco Lopes Caramena, natural e morador em S. João da Pesqueira, de 40 anos

img. 256 – Isabel Fernandes, casada com Domingos Gonçalves, natural e morador em S. João da Pesqueira, de 48 anos

img. 266 – Manuel de Sousa Castelo Branco, natural de Almendra  e morador em S. João da Pesqueira, de 65 anos.

img. 273 – Eufémia Gonçalves, solteira, natural dos Cótimos, termo de Trancoso  e moradora em S. João da Pesqueira, de 40 anos.

img. 279 – Manuel Nunes, Albardeiro, casado com Maria Gonçalves Pachadinha, natural e morador em S. João da Pesqueira, de 20 anos.

img. 286 – P.e Manuel Fernandes da Costa, Coadjutor na Igreja de S. Pedro, da vila de S. João da Pesqueira, de 35 anos

img. 296 – Manuel de Sequeira, lavrador, casado com Maria Lopes Escudeira, natural e morador em S. João da Pesqueira, de 47 anos.

img. 305 – Núncia Rebela, viúva de António de Almeida, natural e morador em S. João da Pesqueira, de 48 anos.

img. 311 – José, solteiro, filho de Manuel de Sequeira e de Maria Lopes Escudeira, natural e morador em S. João da Pesqueira, de 16 anos

img. 319 – 21-12-1727 – Encerramento. O Comissário Manuel Quaresma da Cruz, de S. João da Pesqueira informa: “Parece-me que o P.e António Guilherme de Loureiro ou tem pacto com o Demónio, ou quer ser percursor do Anticristo, e que ao menos se não livra de graves superstições, e me parecem cúmplices nelas as mulheres que o acompanharam, porque nem tudo se pode atribuir a doidice delas e bebedice dele.”

Os depoimentos acima elencados, colhidos em S. João da Pesqueira não tiveram grande importância no desenrolar do processo. O mesmo se diga de denúncias isoladas feitas por familiares da Inquisição e outras pessoas que foram chegando a Coimbra e também se encontram arquivadas no processo n.º 3532, da Inquisição de Lisboa.

A prisão do Padre António Guilherme em Almeida terá desencadeado o pânico na região por onde ele tinha andado nos últimos meses e fez com que as pessoas começassem a apresentar-se na Inquisição de Coimbra para prestar declarações. As que tiveram mais sorte, foram consideradas apenas testemunhas e denunciantes (foi o caso das 24.ª a 28.ª testemunhas:

24.ª test. –  img. 347 – 8-3-1728 -  Isabel Coutinho, solteira, filha de Francisco de Oliveira Cardoso, natural e moradora em Ranhados, de 50 anos.

25.ª test. –  img. 355 – 8-3-1728 - Manuel Lourenço, de 24 anos, filho de Francisco Lourenço e de Maria Dias, natural e residente em Arques, freguesia de Souto de Penedono, de 24 anos.

26.ª test. – img. 361 – 23-3-1728 - Maria de Gouveia, solteira, filha de Manuel de Gouveia, barbeiro e de Maria Fernandes, natural de Pinhel e residente em Ranhados, de 26 anos (empregada de Isabel Coutinho)

27.ª test. – img. 371 – 9-3-1728 - Maria de Abrunhosa, viúva de Manuel Álvares Cardoso, natural e moradora em Ranhados, de 30 anos.

28.ª test. – img. 379 – 9-3-1728 - Maria da Ascensão, filha de Francisco Lourenço e de Maria Dias, natural e moradora no lugar das Arcas, freguesia de Souto de Penedono, de 30 anos.

As outras testemunhas foram tidas como apresentadas e ficaram presas à espera de serem julgadas.

Em 3 de Dezembro de 1727, prestou declarações Ana Fernandes, conhecida como Ana da Horta e no dia 11 do mesmo mês, seu cunhado Manuel Afonso e sua irmã Maria Fernandes. É nestes testemunhos que se baseia o Assento da Mesa da Inquisição de Coimbra de 15 de Dezembro de 1727 (img. 321-324) para propor a prisão do Padre António Guilherme, o que foi confirmado pelo Assento do Conselho Geral de 19 do mesmo mês (img. 327).

O mandado de prisão foi emitido em 30 de Dezembro de 1727 (img. 11) e o Padre deu entrada na prisão do S.to Ofício em Coimbra em 9 de Janeiro do ano seguinte (img. 13).

No dia 12 de Janeiro, fez a declaração do inventário dos seus bens (img. 913) e “Disse que ele tem uma capela na vila de Tondela a cujo título está ordenado, que consta de várias fazendas vinculadas à mesma capela e todas estão lançadas na escritura de vínculo nas notas do Tabelião de Moreira, João de Sousa Mascarenhas”. Não se lembra dos móveis e dos livros que tem; descreve alguns créditos que tem sobre os párocos de Moreira e de Ranhados por missas.

Faz a seguir seis sessões, declarando as suas estrambólicas ideias durante quase todo o mês de Janeiro de 1728, a 12 (img. 917), 13 (img. 935), 19 (img. 959), 22 (img. 971), 24 (img. 993) e 28 (img. 1021). No dia 31, a sessão de genealogia (img. 1037).

Deu uma lista das pessoas que o tinham considerado como Deus e adorado. Disse que tinha livrado a sua mãe, de diversos achaques, mas que ela havia morrido há um ano. Uma amostra do que disse:

"…há quatro anos e meio teve uma doença grande e perigosa na vila de Tondela e desse tempo para diante, é que começou a ter visões, revelações e aparições e, tendo uma imagem de Cristo na cruz em sua casa, no lado do mesmo Senhor viu a Nossa Senhora das Fontes junto a Pinhel, de que ele era muito devoto e juntamente a imagem de outra Senhora que ele não conheceu e a imagem do Senhor se encheu de resplendor e, publicando este prodígio, se entendeu na vila de Tondela ser loucura ou frenesi da doença; acudiu gente a sua casa e entre as pessoas que foram, ia o Reitor da mesma vila, Silvério Pereira Teles, e todos o acharam de joelhos diante da imagem de Cristo Senhor nosso, e nessa mesma ocasião teve uma locução interior para que não tomasse de alimento mais do que uma água de ameixas, por ser dia de sábado e de jejum por devoção… “

“…indo dizer missa em um dia à Igreja de Tondela, e parece-lhe que era em uma quinta-feira, estando dizendo a missa no altar mor, e para consagrar, se lhe disse interiormente que consagrasse a si mesmo naquela hóstia, e exteriormente, ouviu palavras claras, expressas e inteligíveis que lhe diziam que consagrasse o seu corpo naquela hóstia, mas nada viu naquele tempo, e proferindo logo as palavras da consagração, viu que a hóstia fugia para ele aos saltos, e viu logo na mesma hóstia quatro pessoas juntas, sendo três as da Santíssima Trindade, e a quarta era ele declarante, como unido já a Cristo Senhor nosso, e no mesmo Sacramento”.

Disse mais que ele foi gerado preternaturalmente, por obra Divina, suposto fosse reputado filho do Abade de Moreira, Manuel Simões Hebre, e filho de danado coito, não nasceu nem foi gerado ex semine suo, senão da providência Divina no ventre de sua mãe Joana Maria, sem coito natural, senão proveniente a gratia Spiritus Sancti ex se – e suposto a dita sua mãe fosse tida e reputada por imunda e luxuriosa e desonesta, é certo que nada disto teve, porque depois que ele declarante veio ao mundo, ficou purificada pela graça do Espírito Santo…”.

Disse mais que a sua nova Igreja Tondelense que vem a estabelecer como segundo Redentor Deus = humanado, e como tal é chamado no Céu, e também por homem Deus reformado, há-de ter esta sua Igreja a mesma fé da Igreja Católica Romana, e disto mesmo já por revelação o sabe o Sumo Pontífice presente Bento XIII e o soube também por revelação o Pontífice seu antecessor, Inocêncio XIII.

“…e assim tudo o que comia e bebia era consagrado, mas só para ele, e só ele o podia fazer pelo privilégio que tem de ser Deus, e ainda que a matéria não fosse competente, ele como Deus que é, e Reformador do género humano, da sexta para a sétima idade…”

“… e o tempo do reinado de sua Mãe em todo este mundo há-de ser neste presente da segunda redenção, que ele vem fazer e neste mesmo tempo se há-de verificar – unus Pastor et unum oville – sendo todo o mundo reduzido e convertido à fé, e à sua nova Igreja Tondelense.”

“…e ao tal moço Apolónio, tinha ele dito que o havia de fazer Sacerdote, nesta sua segunda Redenção, e sétima idade em que vinha a redimir todo o mundo e fazia tenção de lhe entregar e cometer todo o rebanho que se fosse reduzindo e fosse reconhecendo a ele declarante por Cristo Deus…

Disse mais que ele, para Sacerdote da sétima idade, consagrou o moço Apolónio e de palavra lhe entregou os poderes para a sua nova Igreja Tondelense e lhe sagrou as mãos com um bocado de maçã que ele tinha consagrado como verdadeira matéria para o Sacramento da Eucaristia…”

Os Inquisidores deveriam estar estarrecidos a ouvi-lo dizer tais barbaridades.

Foram entretanto sendo juntas ao processo cópias dos depoimentos de todos os arguidos que tinham acreditado no Padre António Guilherme e iam portanto ser condenados por idolatria:

 

TESTEMUNHOS TRANSCRITOS DE PROCESSOS DA INQUISIÇÃO DE COIMBRA (estão extraviados os processos de que não se indica o número)

 

31.ª test – img. 405 - . Ana Francisca, a Bochecha – Ranhados – Pr. n.º 5042 – 22-1-1728

                 img. 441 – a mesma – 19-2-1728

                 img. 447 – a mesma – 14-4-1728

                 img. 457 – a mesma – 17-4-1728

                 img. 459 – a mesma – 20-4-1728

                 img. 465- a mesma  - 24-4-1728

                 img. 467 – a mesma – 25-6-1728

32.ª test-   img. 471 – Catarina Fernandes – Muxagata - Pr. n.º 9551 – Dep. de 8-3-1728

33.ª test – img. 484 – Ana da Costa de Jesus – Ranhados – Dep. de 15-9-1729

34.ª test. – img. 487 – Manuel de Almeida, de 15 anos – Dep. de 15-9-1729 (filho de Manuel de Almeida e de Maria Lopes) – Pr. n.º 7026

35.ª test. – img. 492 - Maria de Aguiar, da Horta – Dep. de 26-8-1729

36.ª test. – img. 500 – Apolónio Brás – Dep. de 4-2-1728 , de Alcarva-Penedono – 18 anos.

                 img. 527 – 5-3-1728

                 img. 531 – 10-3-1728

                 img. 533 – 12-3-1728

                 img. 538 – 17-3-1728

37.ª test. – img. 541 – Manuel de Almeida – Dep. de 2-4-1728 – Pr. n.º 5860

38.ª test. – img. 546 – Maria Fernandes – Pr. n.º 8830, viúva de Domingos Fernandes, moradora em Freixo de Numão  (hoje, concelho de Vila Nova de Foz Côa) – Dep. de 20-3-1728

39.º test. – img. 552 – Maria Lopes , casada com Gaspar Rodrigues, filha de Daniel Rodrigues e de Maria Lopes– Pr. n.º 61 – Dep. de 2-3-1728 

40º.ª test.- img. 572 – Maria de Meireles – Pr. n.º 3344 – Dep. de 16-3-1728

41.ª test.-  img. 581 – Isabel Fernandes – Dep. de 8-3-1728, filha de Domingos Lindeza – Freixo de Numão

42.ª test. – img. 588 – Ana Martins – Quinta do Vale de Espinho – Dep. de 9-3-1728

43.ª test. – img. 594 – Maria de Crasto – Poço do Canto – Ranhados – Dep. de 10-3-1728

                  img. 606 – 18-5-1729

44.ª test. – img. 610 – Bernarda Maria – Ranhados – Pr. n.º 3068 – Dep. de 1-6-1728

45.ª test. – img. 619 – Úrsula Lopes – Moinho do Rio Torto – Ranhados – Dep. de 23-1-1728.

                  img. 636 – 30-1-1728

                  img. 640 – 14-6-1728

46.ª test. – img. 646 – Ana Francisca, solt.ª –– Ranhados – Pr. n.º 9078 – Dep. de 7-2-1728

                  img. 660 – 5-7-1728

                  img. 662 – 5-7-1728

47.ª test. img. 664 – 23-1-1728 – Francisca Lopes, solteira, filha de Daniel Rodrigues, de Souto de Penedono

                  img. 674 – 6-2-1728

                  img. 679 – 14-6-1728

48.ª test. img. 685 – 13-8-1729 – Maria dos Santos, - Pr. n.º 6996 - , solt.ª, filha de Manuel Veiga, natural e moradora em S. João da Pesqueira

49.ª test- img. 689 – 23-8-1729 – José de Sousa, casado com Bárbara Fernandes, residente na vila de Numão. O encarregado de o notificar em 22 de Setembro de 1737 diz que tinha falecido.

50.ª test- img. 692 – 25-8-1729 – António Pinto – Pr. n.º 6627, solt., filho de António Pinto, natural e morador na vila de Horta.

51.ª test. img. 695 – 3-4-1728 – Luisa da Fonseca – Pr. n.º 7339, solt.ª, filha de André da Fonseca, natural e moradora na vila da Horta

                 img. 705 – 26-8-1729 –

52.ª test. img. 708 – 29-8-1729 – Catarina João – Pr. n.º 9547 – solt.º, filha de João Gonçalves, natural e moradora na freguesia de Pereiros

53.ª test. img. 715 – 29-7-1729 -  João Lopes  - Pr. n.º 327, filho de Miguel de Seixas e de Maria Lopes, natural e morador na vila de S. João da Pesqueira

54.ª test. img. 721 – 6-8-1729 - João da Fonseca – Pr. n.º 3527, casado com Maria Gonçalves, natural e morador na vila da Horta.

55.ª test. img. 725 –6-8-1729 -  António de Aguiar – solt.º, filho de Brás de Aguiar, natural da vila há Horta e morador na de Sernancelhe.

56.º test. img. 728 –16-8-1729 - Maria Lopes, viúva de Domingos Vilela, natural e moradora na vila de S. João da Pesqueira.

57.ª test. img. 734 – 8-8-1729 - Maria Ramos – Pr. n.º 9049 -, solt.ª, filha de Manuel Gomes e de Maria Ramos, natural e moradora na vila da Horta.

58.ª test.- img. 739 – 6-8-1729 – Maria Gonçalves  Castanheira, de 34 anos, casada com João da Fonseca, natural da freguesia de S. Gregório das Flores, moradora na vila da Horta

59.ª test. img. 744 – 26-8-1729 - Maria Pinta, de 30 anos, solteira, filha de António Pinto, natural e moradora na vila da Horta

60.ª test. img. 749 – 26-8-1729 - Isabel Pinta, de 18 anos, solteira, filha de António Pinto, natural e moradora na vila da Horta

61.ª test. img. 753 – 26-8-1729 -  Maria de Aguiar, de 37 anos, viúva de António Pinto, natural e moradora na vila da Horta

62.ª test. img. 761 – 27-8-1729 – Pr. n.º 3557 - Manuel de Aguiar, solt.º, filho de Manuel de Aguiar Carrascal, natural e morador na vila da Horta

63.ª test. img. 764 – 6-9-1729 – Manuel da Fonseca, de 22 anos, natural e morador na vila da Horta

64.ª test. img. 769 – 6-9-1729 –Pr. n.º 9054 -  Maria Ribeira, casada com Manuel da Fonseca, natural e moradora na vila da Horta.

65.ª test. img. 774 – 13-9-1729 – Pr. n.º 3418 – Caetana da Fonseca, casada com Manuel Monteiro, natural e moradora em Ranhados.

66.ª test. img. 777 – 12-9-1729 – Teresa Joana, solt.ª, filha de Domingos de Lemos de Abrunhosa, natural e moradora em Ranhados. O encarregado de a notificar em 22-9-1737, diz que ela tinha falecido

67.ª test.ª img. 781 – 5-9-1729 –Pr. n.º 8710 -  Maria Ribeiro, viúva de Manuel Martins, natural de Pereiros e moradora na vila da Horta

68.ª test.ª img. 786 – 16-11-1729 - Ana Ribeiro, viúva de Brás de Aguiar, natural da freguesia de Pereiros e moradora na Horta

69.ª test. img. 790 – 10-12-1729 - Pr. n.º 7212 – Luísa de Sousa, solt.ª, filha de João de Sousa Lopes e de Maria de Freiras, natural e moradora na vila de S. João da Pesqueira

70.ª test. img. 793 – 3-12-1727 – Pr. n.º 7359 – Ana Fernandes, solt.º, filha de Manuel Fernandes, natural e moradora em Ranhados, mas conhecida por Ana da Horta.

               img. 807 – 6-12-1727

               img. 813 – 11-6-1728

71.ª test. img. 818 – 23-1-1728 – Joana Dias, filha de Francisco Lourenço, lavrador, natural e moradora em Arques - Souto de Penedono   fls. 839 -- Tondela

               img. 844 – 27-1-1728

               img. 845 – 28-1-1728

               img. 850 – 17-6-1728

72.ª test. img. 857 – 9-3-1728 – Manuel Fernandes, casado com Maria Martins, natural de Cedovim e morador na Quinta do Vale de Espinho

73.ª test. img. 863 – 3-3-1728 – Gaspar Rodrigues, natural de Ranhados e morador no Rio Torto, freguesia de Souto de Penedono

74.ª test. img. 870 – 11-12-1727 – Manuel Afonso, natural  e morador na vila da Horta.

75.ª test. img. 876 –28-1-1728 -  Maria Lopes, que foi viúva de Daniel Rodrigues e casou depois com Manuel de Almeida, natural do Souto de Penedono e moradora no Rio Torto.

76.º test. img. 880 – 11-12-1727 - Pr. n.º 3070 – Maria Fernandes, casada com Manuel Afonso, natural de Ranhados e moradora na vila da Horta .

77.ª test. img. 890 – 30-1-1728 – Maria Dias, casada com Francisco Lourenço, natural de Souto de Penedono e moradora em Arques.

78.ª test. img. 899 – 8-3-1728 – Mariana Cardoso, filha de Francisco Cardoso, natural e moradora em Ranhados

 

A 20 de Fevereiro de 1728, iniciaram o exame das suas convicções para que ele se retractasse, mas ele declarou: “Disse que ele não pode ainda mostrar o seu grande poder, por não terem chegado ainda os doze anos que faltam para acabar de se publicar, Deus, Homem e Redentor”  e ainda “…tem poder extraordinário como é o conhecimento das enfermidades que padecem todas as criaturas que creram nele, ainda em poder para curar todo aquele que nele declarante tiver fé.”

Novo exame a 24 de Fevereiro. Disse que o próprio Bandarra confirmara nos seus versos a sua segunda redenção e disse que os judeus têm razão em esperar outra vinda de Deus ao mundo, se fizer obras dignas de ser reputado por tal. O Inquisidor perguntou-lhe se sabia que algumas pessoas que se tinham arvorado em Messias em Portugal, tinham sido condenadas, tendo um “lastimoso e desgraçado fim”. Ele disse conhecer o caso do Padre Manuel Lopes de Carvalho (Pr. n.º 9255, da Inq. de Lisboa), mas este clérigo “não tinha poder, nem fazia obras por que confirmasse o que ele dizia ser”. Disse ele que pode e deve defender as suas ideias “pelos milagres que tem feito dando saúde a enfermos, ficar sem cheirar a vinho bebendo muito consagrado, vir em um copo de vinho o bocado de uma partícula consagrada buscar a boca dele declarante, pararem o Sol e as estrelas quando ele mandava, tudo isto mostra o poder extraordinário que nele há, e que não tem ilusão alguma.”

Outro exame a 2 de Junho de 1728, sem que o Padre cedesse algo nas suas ideias. Disse então que ele já tinha morrido em Tondela de uma doença que teve e que foi por permissão divina que tornou a vir a este mundo. Perguntando-lhe então o Inquisidor onde é que estava sepultado, disse ele que não fora sepultado, porque, antes que fosse amortalhado, tornou a ressuscitar.

Novo exame a 5 de Junho, sem alteração alguma das suas posições.

Em 5 de Junho de 1728, o Inquisidor António Ribeiro de Abreu dá um despacho (img. 1147) para que as audições do réu sejam qualificadas pelos Doutores Fr. Teodósio da Cunha e Fr. José Caetano. A cada um deles é dado um texto de 14 páginas com as afirmações do réu, que depois foram juntos ao processo nas img. 1149-1163 e 1193-1207. Eles dão os seus extensos pareceres:

            - Fr. José Caetano um parecer de 28 páginas, datado de 25-3-1729 – img. 1165-1192.

            - Fr. Teodósio da Cunha, um parecer de 82 páginas, datado de 15 de Julho de 1729 – img. 1209-1290.

Ambos referiram que serviria de pouco argumentar com o réu, tanto era disparatado aquilo que dizia.

5.º exame – 4-3-1729 – img. 1291 – Continua a defender tudo o que tinha dito, mas começa a admitir a hipótese de se desdizer.

6.º exame – 5-3-1729 – img. 1319 – Reconhece os seus erros, mas ao mesmo tempo, continua a justificar os seus pontos de vista.

7.º exame- 10-3-1729 – img. 1329 – Está pronto a reconhecer os seus erros, mas justifica-se dizendo que estava convicto de que era verdadeiro tudo o que dizia. Retracta-se de tudo o que dissera contra a Fé Católica. Nunca quis ser herege e sair do grémio da Igreja Católica. Não considerava heréticas as suas afirmações, mas agora reconhece que estava enganado. Nunca fez nenhum pacto com o demónio, nem expresso, nem tácito. Entendia que tudo o que propunha era por permissão divina. Caiu no que disse por força das visões e representações que teve. Pensa que o diabo ainda anda a persegui-lo.

25-6-1329 – img. 1345 – Pessoas que declararam adorá-lo.

Dá uma lista dos seus sequazes, mas muitas vezes, engana-se nos nomes e sobrenomes.

21-7-1729 – img. 1355 – Torna a fazer-se profitente dos seus erros.

Volta a dizer que não tem culpas que confessar. Tem desejo de viver na lei de Cristo Senhor nosso, mas um impulso interior o move a fazer o contrário; assim o disse aos seus companheiros do cárcere, um mais idoso, P.e António da Fonseca e outro mais novo, Fr. Paulo de Santa Maria. Tem interiormente toda a certeza que dentro dele está Deus. E também sabe que o encoberto de que fala o Bandarra é ele. Não pode conhecer heresia no seu interior porque não o deixam obrar livremente.

Como era habitual, os Inquisidores tinham colocado no cárcere presos que pudessem prestar informações do que dizia e fazia o P.e António Guilherme. Não existem os processos dos dois presbíteros, mas Fr. Paulo de Santa Maria, de 48 anos, Franciscano em Bragança, ouviu a sua sentença na Sala em 13-10-1730 e foi condenado por "solicitação" a oito anos de cárcere no Convento de Guimarães, e proibição de entrar em Lisboa e Bragança.

Os Padres são a 29.ª (img. 389) e 30.ª (img. 397) testemunhas, que depuseram em 21-7-1729. A ambos declarou o P.e António Guilherme a sua natureza divina, e que era o segundo redentor. O primeiro, Padre António da Fonseca acha que ele está possesso do demónio e que tem o espírito do Anticristo. Porém que não está doido e que dorme e come muito bem. Disse “…que tem boa conversa, e divertida, conta boas histórias, é alegre, dá notícias dos livros e em tudo obra como homem de perfeito entendimento.”

Frei Paulo de Santa Maria disse que o P.e António Guilherme “…na vila da Horta, (…) se fez adorar por Deus, e o mesmo Padre ainda agora está dizendo que o é, que encarnaram nele as três pessoas da Santíssima Trindade, e que vem para reformar o mundo, fazer nova fé e estabelecer nova Igreja em Tondela, e haverá três dias ou quatro que lhe ouviu afirmar os ditos erros (…). Disse que o dito padre nada tem de louco e o que nele há a respeito dos seus erros lhe parece procede de espírito maligno, e há perto de um mês que com ele assiste por seu companheiro e nunca lhe viu sinal de loucura alguma”.

8-8-1729 – img. 1367 – Termo de como o P.e Mestre Doutor Fr. Teodósio da Cunha, qualificador do Santo Ofício, foi mandado estar com o P.e António Guilherme Hebre de Loureiro.

31-10-1729 – img. 1369 – Relato do qualificador. Esteve com ele seis dias, mas sem resultado. Acha que o réu é herege formal, afirmativo, pertinaz e dogmatista. Mas não é louco. Entende, porém, que o réu tem juízo e capacidade, sem sinal de loucura.

21-10-1729 – img. 1383 – Fr. Teodósio da Cunha junta mais um texto de 8 páginas descrevendo as heresias do P.e António Guilherme.

21-10-1729 – img. 1391 - Termo de como o P.e Mestre Doutor Fr. José Caetano, Religioso de S. Jerónimo, qualificador do Santo Ofício, foi mandado estar com o P.e António Guilherme Hebre de Loureiro.

24-10-1729 – img. 1393 – Declaração do P.e Mestre Doutor Fr. José Caetano, do que passou com o P.e António Guilherme. Disse que encontrou o réu profitente, mas que depois lhe pediu que voltasse no dia seguinte. No outro dia, mostrou-se arrependido e ele declarante incitou-o a vir à Mesa confessar os seus erros. Acha que o réu não é louco, mas parece-lhe ter um temperamento melancólico.

22-10-1729 – img. 1399 – Confissão – O réu pediu audiência para retractar seus erros. Frei José Caetano foi muito amável com ele, mostrando conhecê-lo do tempo em que andara na Universidade e o P.e António Guilherme deixou-se convencer por ele a vir fazer uma confissão completa. O outro padre fora muito “áspero”.

Reconheceu que na confissão feita em Março de 1729 não estava verdadeiramente arrependido. Agora está de todo arrependido e pede perdão e misericórdia. Reconhece a Redenção única de Cristo e que é ele que nos há-de vir julgar; que não há nem pode haver 4.ª pessoa da SS.ma Trindade; que a Lei de Cristo há-de durar sempre até ao fim do mundo; que a Igreja Católica Romana é uma só; que Nossa Senhora é a verdadeira Mãe de Deus; que, depois de Cristo, foi a criatura mais perfeita que existiu. Com coração sincero retracta-se dos seus erros, em que caiu por ilusão do demónio. Disse ainda que o demónio o perturbava, que nunca desejou ter pacto com o Diabo expresso, mas que por alguns sucessos, entende que o houvera tácito. Quando tomou ordens de Epístola (subdiácono) decidiu começar a fazer exorcismos. Depois que aos 28 ou 29 anos, esteve doente em Tondela, começou a cogitar na 2.ª redenção, altura em que tinha muitas visões. Mas nunca teve pacto expresso com o demónio.

26-10-1729 – img. 1453 – Crença e mais confissão – Pediu audiência para ratificar o seu arrependimento. Disse que se retracta de todos os seus erros. Confessa mais que ele utilizava toda a matéria comestível no Sacramento da Eucaristia; que fez sacerdote da sua nova Igreja ao moço Apolónio; que rebaptizou diversas pessoas. Diz também que nunca leu os textos de Bandarra. Disse que se apartou da Fé Católica sete anos atrás; que era tudo ilusão do demónio.

7-11-1729 – img. 1473 – Mais confissão. Pediu audiência para confessar mais culpas. Disse estar lembrado que, uma vez em Tondela, invocara os demónios para o ajudarem para a obra da redenção. Confessou que proferia muitas blasfémias contra Nossa Senhora e também contra Cristo, tudo por persuasão do demónio. Disse que era o demónio que lhe angariava sequazes para a sua seita e eles se persuadiam que ele era Cristo na terra.

29-11-1729 – img. 1485 – Pediu audiência para dizer que os demónios o perseguem com sugestões, e que lhe põem bichos na comida; insultam-no por se ter arrependido. Disse que foi no mês de Setembro de 1722, que foi chamado à Inquisição de Coimbra para dizer como fazia os exorcismos. Fora-lhe recomendado que não se afastasse do uso comum da Igreja. Ele assim fez nos primeiros tempos, mas, quando admitiu a tentação de ser o segundo redentor, começou a acrescentar o que lhe apetecia.

3-12-1729 – img. 1493 – Diz que está arrependido de todo o seu coração e sabe que tudo o que fazia era desatino. Disse que no tempo dos seus erros, entendia que Cristo morreu por todos, até à sexta idade; que ele se considerava sacramentado por força das palavras da consagração; que havia nova redenção e nova encarnação; que na sétima idade, poderiam os demónios salvar-se; que na sexta idade, acabava a Igreja Romana; que na sua chamada redenção, podiam alguns maus salvar-se e alguns bons perder-se; que ultimamente, o Demónio já o fazia blasfemar contra Cristo.

12-12-1729 – img. 1515 – Assento da Mesa

Todos consideraram que o réu esteve afirmativo e profitente durante 20 meses. Por culpa dele, estão a ser processadas na Inquisição mais de 50 pessoas. Só a 22 de Outubro de 1729 é que confessou com bons modos e bons sinais de arrependimento, persuadido por Fr. José Caetano. Pareceu a todos os votos, excepto o Deputado Manuel da Gama Lobo, que o processo do réu estava em termos de se despachar a final, e ainda que de todo ele se mostra ser o réu um execrando e abominável herege, estavam as suas confissões em termos de serem recebidas, e que em penitência de suas culpas, abjure seus heréticos erros e tenha

            - reclusão perpétua e irremissível nos cárceres do Santo Ofício, segundo os Inquisidores Bento Pais do Amaral e António Ribeiro de Abreu, e os Deputados Francisco de Almeida Caiado, Manuel Tavares Coutinho e Silva, João da Costa Leitão e Giraldo Pereira Coutinho;

            - reclusão pelo espaço de 6 anos, segundo os Deputados Manuel Borges de Cerqueira, Manuel Nobre Pereira, Silvestre da Silva Peixoto, e Manuel de Vasconcelos Pereira Gaio.

Acrescenta o Deputado Francisco de Almeida Caiado que o réu leve ao auto uma mordaça pelas horríveis blasfémias que proferiu contra a Virgem Maria Nossa Senhora.

Acrescenta mais o mesmo Deputado e os Deputados Manuel Borges de Sequeira, João da Costa Leitão e Giraldo Pereira Coutinho que o réu, por não confessar pacto expresso com o demónio, do qual está indiciado pelas coisas extraordinárias que fazia, devia ser posto a tormento, preparando-se o processo para isso, e nele devia ter um trato experto e ao Deputado Francisco de Almeida, que também um corrido.

Ao Deputado Manuel Nobre Pereira, pareceu não estar o caso do réu em termos de tortura e nada mais do que ele tem dito, havia que extorquir no tormento.

Acrescenta mais o Deputado Giraldo Pereira Coutinho, que seria útil dilatar mais tempo o processo para verificar se é sincero e verdadeiro o arrependimento do réu pois “muito se deve recear que um réu, tão obstinado e obcecado em tão atrozes e enormes culpas, torne a reincidir nelas, como já fez, e parecia devia dar-se mais tempo para se conhecer a verdade de seu arrependimento e persistência nele…”

Ao Deputado Manuel da Gama Lobo pareceu, para deferir a final o processo do réu, devia ele primeiro ser acusado para melhor se certificar no seu arrependimento e verdadeira conversão para a nossa Santa Fé Católica.

O Deputado Giraldo Pereira Coutinho fez ainda notar a necessidade de determinar com toda a certeza o arrependimento do réu, porque, diz ele, se não a houver, deve ser relaxado à justiça secular, tal como determina o n.º X, do Liv. III, Tit. III do Regimento de 1640:

Liv. III, Tit. III

Habito sem remissão aos Heresiarcas, e Dogmatistas.

X. Os heresiarcas e dogmatistas, posto que confessem antes de ser acusados pela Justiça, sempre devem ser examinadas suas confissões com maior advertência, para que se veja se são verdadeiras, e os sinais que dão de sua conversão, mostrando estarem de todo apartados dos erros em que criam, e que ensinavam; e concorrendo estas circunstâncias, serão recebidos com cárcere e hábito perpétuo, sem remissão, e com reclusão, pelo tempo que parecer que convém para sua instrução na Fé, como fica dito no § 8.° titulo 1.° deste livro, e com o hábito penitencial levarão ao Auto da Fé carocha com titulo de heresiarca, ou dogmatista.

Entendia o Deputado que, se os sinais de arrependimento forem duvidosos, o réu deve ir para o cadafalso.

Deduz-se do processo que o Assento de 12 de Dezembro de 1729 tinha divergências a mais entre os subscritores para subir assim ao Conselho Geral. O réu fez no dia 22 do mesmo mês uma confissão adicional para garantir que está verdadeiramente arrependido.

22-12-1729 – img. 1553 – O réu pediu audiência para dizer que, depois que se arrependeu, ouve vozes e experimenta grandes perturbações; sente grandes perseguições com dores e acha que o demónio o atormenta corporalmente, pois dantes não tinha nenhuma destas moléstias. Disse que, no tempo dos seus erros, o demónio o impedia de fazer acções devotas. Sobre os seus sequazes, disse que deveriam ser quinze as pessoas que tiveram credulidade na sua abominável doutrina. Acha que os efeitos extraordinários que ele obrava eram obra e máquina do demónio. Poderiam ser um efeito preternatural que fez do demónio, mas pacto expresso nunca fez com ele. No tempo dos seus erros, tinha muita aversão à Virgem Maria, mas agora tem-lhe muita devoção. Reconhece ser ilusão do demónio o que disse de a hóstia consagrada fugir para ele. Reconhece ser ilusão do demónio o que disse da vara da justiça com que havia de julgar os vivos e os mortos. Rectifica as suas declarações no sentido de que apenas cinco anos viveu apartado da Fé, e não sete; nesse primeiro tempo, teve grandes tentações, mas nunca consentiu em segui-las.

13-2-1730 – img. 1567 – (2.º) Assento da Mesa – Pareceu a todos os votos que, em face da confissão de 22 de Dezembro, estava alterado o primeiro Assento da Mesa. Foram cinco os anos que esteve apartado da Fé Católica e não sete como tinha dito. Está em condições de ser recebido no Grémio da Igreja, acrescentando o Deputado Giraldo Pereira Coutinho, que acha na nova confissão do réu bons sinais de arrependimento. Mas o Deputado Manuel da Gama Lobo continua a entender que o réu deve ser formalmente acusado, seguindo o seu processo a forma ordinária.

27-6-1730  - img. 1573 – Assento do Conselho Geral – Segue o parecer do Deputado Manuel da Gama Lobo: “E assentou-se que, antes de outro despacho, ele seja acusado, e se lhe façam as mais sessões ordinárias; depois do que se torne a ver seu processo em Mesa e com o assento que nele se tomar, se envie ao Conselho. Mandam que assim se cumpra. Lisboa, 27 de Junho de 1730.”

22-8-1730 – Sessão in specie – Está transcrita acima.

15-9-1730 – img. 1587 – Admoestação antes do libelo

img. 1589 – Libelo. Lido e ouvida a sua leitura pelo réu, este disse que não tinha defesa com que vir, pelo que “os Senhores Inquisidores o lançaram e houveram por lançado da defesa com que pudera vir”.

16-9-1730 – img. 1615 – Citação da prova da justiça. O réu disse que não quer nomear Procurador e também não quer que as testemunhas sejam reperguntadas.

16-9-1730 – img. 1617 – O Promotor requer a publicação da prova da justiça.

16-9-1730 – img. 1619 – Admoestação antes da publicação da prova da justiça

img. 1621 – Publicação da prova da justiça – 78 testemunhas . Ouvida a leitura, o réu disse que não tinha contraditas com que vir e “os Senhores Inquisidores o lançaram e houveram por lançado das contraditas com que pudera vir”.

16-9-1730 – img. 1697 - Assento da Mesa – Pareceu a todos os votos que as confissões do réu estavam em condições de ser recebidas. Aos mesmos votos, excepto os Deputados Francisco de Almeida Caiado e Manuel Nobre Pereira, pareceu não haver lugar qualquer outra diligência, tendo o réu confessado integralmente suas culpas, “nem tinha diminuição nem tenção que houvesse de purgar no tormento, porque não teve mais pacto que o que confessa podia haver implícito; ou o expresso que resulta da ajuda que pediu; (…) também se expende que o réu não podia fazer pacto com o demónio pelo modo ordinário de lhe dar a alma e reconhecê-lo por Deus, quando ele prometia ao mesmo Demónio salvá-lo; e usando este da sua infernal astúcia para o obcecar e confirmar mais no seu erro, o adorava e publicava por Deus por boca dos endemoninhados, que o réu exorcizava obrando coisas extraordinárias e preternaturais…”. O réu deve pois ser recebido com cárcere e hábito penitencial perpétuo sem remissão e vá ao auto da fé, ouça a sua sentença e abjure publicamente as suas heresias. Aos mesmos votos, excepto os Deputados João da Costa Leitão e Giraldo Pereira Coutinho pareceu que, embora o réu seja heresiarca e dogmatista não devia levar carocha nem mordaça, porque esta se costuma pôr apenas às pessoas vis, sendo impróprias para o estado sacerdotal ou religioso. Os dois deputados referidos tinham opinião contrária. Aos Deputados Francisco de Almeida Caiado e Manuel Nobre Pereira pareceu que ele deveria ser levado a tormento por não confessar pacto expresso com o demónio, sendo o primeiro de opinião que ele tivesse um tracto esperto e o segundo, um tracto corrido.

28-11-1730 – img. 1707 – Assento do Conselho Geral

E assentou-se que ele seja recebido ao grémio e união da Santa Madre Igreja com cárcere e hábito penitencial perpétuo, sem remissão; vá ao Auto público da Fé com carocha e rótulo de Heresiarca e Dogmatista, nele ouça sua sentença, e abjure publicamente seus heréticos erros em forma; e que incorreu em sentença de excomunhão maior, de que será absoluto in forma Ecclesiæ, em confiscação de todos os seus bens para quem de Direito pertencer; seja privado para sempre do exercício de suas ordens; tenha penitências espirituais, instrução ordinária e reclusão irremissível nos cárceres do Santo Ofício. Mandam que assim se cumpra e dê execução”. Lisboa Ocidental, 28 de Novembro de 1730.”

1-5-1731 – fls. 14 – O réu foi transferido para Lisboa e deu entrada nesta data nos Cárceres da Inquisição.

img. 1711 – Sentença.

img. 1772 – Foi publicada a sentença no auto da fé de 17 de Junho de 1731.

img. 1775 – Abjuração em forma.

18-6-1731 – img. 1777 – Termo de segredo

img. 1781 – Conta de custas: 30$330 réis

22-11-1754  - img. 1789 -  Fé dos Notários – Dão fé que o réu faleceu nos cárceres secretos da Inquisição de Lisboa às 11 horas da noite do dia 20-11-1754 de morte natural, de uma febre defluxionária.

 

 

Pessoas condenadas por idolatrar o Padre António Guilherme Hebre de Loureiro

 

A Inquisição de Coimbra instaurou processos a todos os que tinham reverenciado o Padre António Guilherme. Entre estes, os jovens que se tinham ajoelhado, apenas por fazerem os que os outros faziam. Quanto aos que lhe beijaram os pés, foram em geral degredados, uns para mais longe e outros para mais perto das suas terras. Tudo isto era ainda mais penoso, porque eram notificados para ir a Coimbra, a quase 200 km. de distância.

Muitos processos não foram acabados, terminaram com o Assento da Mesa. Depois, em Setembro de 1737, partiu uma convocatória para 14 pessoas irem a Coimbra ouvir a sua sentença na Mesa da Inquisição, mas alguns não foram. Em Dezembro de 1742,  foi ainda pedida a notificação de Maria dos Santos, Ana Ribeira e Ana da Costa de Jesus, para irem a Coimbra depois dos Reis, para o mesmo efeito, uma burocracia que não servia para nada.

A título de exemplo, um extracto da sentença de Maria de Aguiar (Pr. n.º 8356), de 13 anos, uma das que que foram apenas repreendidas:

 

… e que todos se puseram de joelhos; ela ré ajoelhava também diante da dita pessoa, e assim estivera quase por tempo de meia hora, porém que nunca tivera credulidade no que a dita pessoa dizia e que estas eram as culpas que tinha que confessar (…)

O que tudo visto e o mais que dos autos consta, atendendo à pouca idade da Ré, e a ser pessoa rústica e ignorante, deixando o rigor do direito que por suas culpas merecia,

Mandam que a Ré Maria de Aguiar ouça sua sentença na Mesa do Santo Ofício, perante os Inquisidores, um Notário e duas testemunhas, e a repreendem asperamente dos erros em que caiu dando a uma pura criatura o culto e adoração que só se deve a Deus verdadeiro e lhe advertem que se tornar a cometer as ditas culpas ou outras semelhantes, há-de ser castigada com todo o rigor e pague as custas.

 

 

AUTO DA FÉ DE 9 de Maio de 1728

 

ABJURAÇÃO DE LEVI

Pr. n.º 5860 – Manuel de Almeida, de 60 anos, moleiro, natural de Souto de Penedono, morador em Ranhados – Cárcere a arbítrio, degredado 2 anos para o Bispado do Porto

Pr. n.º 8830 - Maria Fernandes, de 50 anos, viúva de Domingos Fernandes, o Lindeza de alcunha, moleiro, natural e moradora em Freixo de Numão – cárcere a arbítrio, degradada 2 anos para o Bispado de Miranda.

 

ABJURAÇÃO DE VEHEMENTI

Não aparece o processo - Apolónio Brás, de 18 anos, solteiro, sem ofício, natural e morador em Alcarva – Penedono - Cárcere a arbítrio e degredado 5 anos para Mazagão, hoje Marrocos.

Pr. n.º 61 – Maria Lopes, de 25 anos,  casada com Gaspar Rodrigues, moleiro, natural de Souto de Penedono e moradora em Ranhados  - Cárcere a arbítrio e degredada 2 anos para Castro Marim – é filha de Daniel Rodrigues e de Maria Lopes – tem uma irmã chamada Francisca Lopes outra Úrsula Lopes – a mãe tem os moinhos do Rio Torto

Pr. n.º 3344 - Maria de Meireles, de 40 anos, casada com Jose de Fonseca, trabalhador natural e morador em Ranhados – Cárcere a arbítrio e degredada 7 anos para o Reino do Algarve.

 

Na Mesa, em 25 de Junho de 1728

Pr. n.º 5042 – Ana Francisca, a Bochecha, solteira, filha de Pedro João, serralheiro, natural e residente em Ranhados. Processo inacessível, por estar em mau estado. 

 

AUTO DA FÉ DE 29 de Maio de 1729

 

NÃO ABJURAM NEM LEVAM HÁBITO

Não aparece o processo - Isabel Fernandes, de 17 anos, solteira, filha de Domingos Fernandes, o Lindeza de alcunha. natural e moradora em Freixo de Numão – degredada 1 ano para o Bispado de Viseu

Não aparece o processo - Ana Martins, de 21 anos, solteira, filha de António Antunes, lavrador, natural de Souto de Penedono e moradora em Sodavim, hoje, Cedovim - degredada 1 ano para o Bispado de Viseu

 

ABJURAÇÃO DE LEVI

Não aparece o processo - Gaspar Rodrigues, de 26 anos, moleiro, natural e morador em Ranhados  - por culpas de idolatria, reconhecendo divindade em uma pessoa humana – cárcere a arbítrio, degredado 2 anos para o Bispado da Guarda.

Não aparece o processo  - Manuel Fernandes, de 28 anos, lavrador, natural e morador em Cedovim – idem – cárcere a arbítrio, degredado 3 anos para o Bispado de Miranda.

Não aparece o processo - Maria de Crasto, de 31 anos, solteira, filha de Domingos de Crasto, natural e moradora no lugar de Poço do Canto, termo de Ranhados – Cárcere a arbítrio e degredada 1 ano para o Bispado de Viseu

Pr. n.º 3068 – Bernarda Maria, de 22 anos, viúva de Francisco Mendes, a Sardinha, de alcunha, natural e moradora em Ranhados – Cárcere a arbítrio e degredada 2 anos para o Bispado da Guarda

Não aparece o processo - Maria Lopes, de 51 anos, casada com Manuel de Almeida, natural de Souto de Penedono e moradora em Ranhados – Cárcere a arbítrio e degredada 3 anos para o Bispado de Miranda.

Não aparece o processo  - Mariana Cardoso, de 19 anos, solteira, filha de Francisco Cardoso, natural e moradora em Ranhados – Cárcere a arbítrio e degredada 3 anos para o Bispado do Porto

Não aparece o processo  - Maria Dias, de 51 anos, casada com Francisco Lourenço, natural e moradora em Souto de Penedono – Cárcere a arbítrio e degredada 3 anos para o Bispado de Miranda

 

ABJURAÇÃO DE VEHEMENTI

Não aparece o processo - Manuel Afonso, de 36 anos, lavrador, natural e morador na vila da Horta – cárcere a arbítrio e degredado 3 anos para o Algarve.

Pr. n.º 9078 - Ana Francisca, de 22 anos, solteira, filha de Francisco Rodrigues, Pastor, natural e moradora em Ranhados – cárcere a arbítrio, degradada 2 anos para o Reino do Algarve

Pr. n.º 3070 – Maria Fernandes, de 36 anos, casada com Manuel Afonso, natural e moradora na vila da Horta - cárcere a arbítrio, degradada 3 anos para o Reino do Algarve –- é irmã da Ana da Horta.

Não aparece o processo - Francisca Lopes, de 21 anos, solteira, filha de Daniel Rodrigues, natural de Souto de Penedono e moradora em Ranhados - cárcere a arbítrio, degradada 2 anos para o Reino do Algarve

Não aparece o processo - Joana Dias, de 26 anos, solteira, filha de Francisco Lourenço, natural e moradora em Souto de Penedono - cárcere a arbítrio, degradada 2 anos para o Reino do Algarve

Não aparece o processo - Úrsula Lopes, de 24 anos, solteira, filha de Daniel Rodrigues, natural de Souto de Penedono e moradora em Ranhados - cárcere a arbítrio, degradada 4 anos para o Reino do Algarve

Pr. n.º 7359 - Ana Fernandes, de 31 anos, solteira, filha de Manuel Fernandes, natural e moradora em Ranhados - cárcere a arbítrio, degradada 5 anos para Castro Marim – no processo é conhecida por Ana da Horta. Uma testemunha chama-a Ana Amorosa. Apresentação em 3-12-1727 – assento de 5-2-1729-auto da fé de 29-5-1729

1.º documento do processo - Em 26-11-1727, o P.e Abrantes, Abade de Souto de Penedono  denuncia Manuel Afonso, a mulher Maria Fernandes e a irmã desta, Ana Fernandes, como os que poderiam melhor informar sobre o padre.

 

Em 30 de Janeiro de 1730

Pr. n.º 8710 – Maria Ribeira, viúva de Manuel Martins, de 60 anos, natural de Pereiros e moradora na vila da Horta. O processo termina com o Assento da Mesa de 30-1-1730. Não tem sentença. Foi só repreendida. Faleceu conforme indicação do processo de Maria de Aguiar (n.º 8356): o encarregado de a notificar em 22-9-1737 diz que ela tinha falecido (Pr. n.º 8356).

 

Em 7 de Fevereiro de 1730

Pr. n.º 9049 – Maria Ramos, de 40 anos, filha de Manuel Gomes Ferrador, natural e moradora na vila da Horta. O processo termina com o Assento da Mesa de 7-2-1730- foi apenas repreendida.  Não tem sentença. Faleceu conforme indicação do processo de Maria de Aguiar (n.º 8356): o encarregado de a notificar em 22-9-1737 diz que ela tinha falecido (Pr. n.º 8356).

 

Em 1 de Abril de 1730

Pr. n.º 3418 – Caetana da Fonseca, de 18 anos, casada com Manuel Monteiro, natural e residente em Ranhados. O processo termina com o Assento de 1-4-1730. Não tem sentença. Disse que não adorou o padre. Foi só repreendida.

 

AUTO DA FÉ DE 8 de Outubro de 1730

 

ABJURAÇÃO DE LEVI

Pr. n.º 327 - João Lopes, de 24 anos, solteiro, filho de Miguel de Seixas, natural e morador na vila de S. João da Pesqueira - Cárcere a arbítrio e degredado 2 anos para o Arcebispado de Braga.

Pr. n.º 3557 - Manuel de Aguiar, de 20 anos, alfaiate, solteiro, filho de Manuel  de Aguiar, natural e morador na vila da Horta - Cárcere a arbítrio e degredado 2 anos para o Bispado de Viseu.

Não aparece o processo - António de Aguiar, de 23 anos, moço de servir, filho de Brás de Aguiar, natural da vila da Horta e morador na de Sernancelhe - Cárcere a arbítrio e degredado 2 anos para o Bispado de Miranda.

Pr. n.º 3527 - João da Fonseca, de 34 anos, lavrador, natural e morador na vila da Horta – Cárcere a arbítrio e degredado 3 anos para o Bispado de Leiria

Não aparece o processo - Manuel da Fonseca, de 22 anos, natural e morador na vila da Horta - Cárcere a arbítrio e degredado 4 anos para o Bispado de Miranda.

Pr. n.º 7212 - Luísa de Sousa, de 20 anos, solteira, filha de João de Sousa Lopes, escrivão, natural e moradora na vila de São João da Pesqueira – degredada 2 anos para fora do Bispado.

Não aparece o processo - Maria Lopes, de 56 anos, a Maneirinhas de alcunha, viúva de Domingos Vilela, natural e moradora na vila de São João da Pesqueira - degredada 2 anos para fora do Bispado

Pr. n.º 9551 - Catarina Fernandes, de 24 anos, casada com António da Abrunhosa, natural de Linhares e moradora na vila de Muxagata – cárcere a arbítrio e degredada 2 anos para o Bispado da Guarda.

Não aparece o processo – Maria de Aguiar, de 37 anos, viúva de António Pinto, natural e moradora na vila da Horta - cárcere a arbítrio e degredada 2 anos para o Bispado da Guarda.

Não aparece o processo - Maria Pinta, de 30 anos, solteira, filha de António Pinto, natural e moradora na vila da Horta - cárcere a arbítrio e degredada 2 anos para o Bispado da Guarda.

Não aparece o processo - Isabel Pinta, de 18 anos, solteira, filha de António Pinto, natural e moradora na vila da Horta - cárcere a arbítrio e degredada 2 anos para o Bispado da Guarda.

Não aparece o processo - Maria Gonçalves Castanheira, de 34 anos, casada com João da Fonseca, natural da freguesia de S. Gregório das Flores, moradora na vila da Horta - cárcere a arbítrio e degredada 2 anos para o Bispado de Miranda

Pr. n.º 7339 - Luisa da Fonseca, de 32 anos, solteira, filha de André da Fonseca, natural e moradora na vila da Horta - cárcere a arbítrio e degredada 3 anos para o Arcebispado de Braga

Pr. n.º 9547 - Catarina João, de 31 anos, solteira, filha de José Gonçalves, natural e moradora na freguesia dos Pereiros - cárcere a arbítrio e degredada 3 anos para o Bispado de Miranda

 

Em 30 de Novembro de 1730

Pr. n.º 6996 – Maria dos Santos, solteira, de 16 anos,  filha de Manuel Veiga, natural e moradora na vila de São João da Pesqueira. O processo termina com o Assento de 30-11-1730. Porque tinha só 14 anos, abjuração de levi e pague as custas. Não tem sentença.

 

Na Mesa, em 3 de Outubro de 1737

Pr. n.º 6627 – António Pinto, de 33 anos, solteiro, filho de António Pinto e de Maria de Aguiar, natural e morador na vila de Horta. Processo inacessível por estar em mau estado.

 

Na Mesa, em 3 de Outubro de 1737

Pr. n.º 9054 – Maria Ribeira, de 21 anos, casada com Manuel da Fonseca, lavrador, natural e residente na vila da Horta- Apresentada em 6-9-1729. Assento de 30-1-1730. apenas repreendida. Ouviu a sentença na Mesa em 3-10-1737 – sentença praticamente igual à de Maria de Aguiar.

Pr. n.º 8356 – Maria de Aguiar, solteira, filha de Brás de Aguiar e de Ana Ribeiro, natural e residente na vila da Horta. Ao P.e Cura de Horta, Manuel Rodrigues Jorge, foi pedido pela Inq. de Coimbra em 28-9-1729, notificasse Ana Ribeira, v.ª de Brás de Aguiar  e sua filha Maria de Aguiar para se apresentarem em Coimbra no prazo de 2 meses. Maria apresentou-se em 16-11-1729. Tinha então 14 anos. Assento da Mesa de 28-1-1730. Foi apenas repreendida. Chamada em Setembro de 1737 para ir a Coimbra ouvir a sentença na data indicada de 3-10-1737.

 

Na Mesa, em 12 de Outubro de 1737

Pr. n.º 7026 – Manuel de Almeida, solteiro, de 15 anos, filho de Manuel de Almeida, natural e morador em Ranhados.  Apresentou-se em 15-9-1729. Assento de 7-2-1730. Abjuração de levi. penitência e pague as custas. Foi chamado mais tarde para completar o processo com a sentença lida na mesa na data indicada – tinha então 23 anos.

 

 

 

 

Já escreveram alguns autores que a Inquisição foi relativamente benigna com os condenados por bruxarias e superstições. Está certo, porque tudo é relativo. Há poucas condenações à morte neste sector. Mas a verdade é que a Inquisição Portuguesa até era bastante parca em relaxar os réus ao braço secular. Mais que à gravidade das culpas, a Inquisição ligava ao comportamento dos réus. Se se mostravam arrependidos, humildes e rebaixados, conseguiam escapar com vida. Se continuavam de peito feito, orgulhosos, aparentemente seguros de si, já aumentavam as possibilidades de caírem nas mãos do carrasco.

Mas, neste caso, os Inquisidores de Coimbra não foram nada meigos com os sequazes do padre António Guilherme Hebre de Loureiro. O degredo para longe das próprias terras era quase por certo uma condenação à miséria.

Quanto ao Padre, certamente que não era herético, sabia muito bem que estava a dizer baboseiras, mas a verdade é que acreditavam nele.  Nem penso que ele acreditasse que as suas pacientes estavam possuídas do demónio. Ficou embasbacado de vaidade, quando viu que conseguia atrair para si tanta gente e começou a enaltecer-se até dizer que ele próprio não era humano, mas divino. Claro que ele próprio não acreditava nisso. Mas o maior afrodisíaco é o poder e o P.e António Guilherme sentia-se o maior quando via dezenas de pessoas, especialmente mulheres, a venerá-lo e até a adorá-lo.

Não era certamente um homem muito inteligente e por isso, durante algum tempo, pensou que conseguiria enganar os Inquisidores, com os seus poderes de prestidigitador, mas Fr. José Caetano deverá tê-lo desiludido, com o argumento de que, se continuasse assim,  iria mesmo acabar no cadafalso. A Mesa da Inquisição teve razão em o condenar a prisão perpétua. Ficando ele preso, não tinha possibilidade de arrebanhar sequazes, perdia todo o interesse nas suas fantasias, que anteriormente lhe permitiam que tanto o venerassem.

O demónio não tem aqui grandes funções a desempenhar. Por isso, os Inquisidores, por maioria, não quiseram pô-lo a tormento para ele dizer se tinha feito pacto com o demónio. Ficariam encravados, quer ele dissesse que sim ou que não, ou mesmo se não dissesse nada.  A Inquisição Portuguesa condenava não por os réus terem pacto com o demónio, mas apenas por suspeita que tivessem pacto com o demónio. Há suspeitas em relação ao além, mas não pode haver certezas. 

 

ADENDA - 11-01-2013 - Nas Listas dos Autos da Fé, de António Joaquim Moreira, a pgs. 373 da numeração do software (da versão digitalizada), está um relatório aparentemente do Alcaide dos Cáceres sobre a doença, morte e funeral do P.e Hebre de Loureiro. Foi sepultado na Igreja de S.ta Justa.

Conta do funeral:

Oferta ao Padre Prior de S.ta Justa         1$200

Aluguer do caixão                                         $300

Ao coveiro                                                      $480

Aos mariolas                                                  $480

                                                             -------------------

Total                                                             2$460

 

Aparentemente, só o corpo era enterrado; o caixão ficava para outra vez.