08-1-2003

 

EZRA LOOMIS POUND

(1885-1972)

                               Ezra Pound reads the poem

 

Canto XLV

WITH USURA

With usura hath no man a house of good stone
each block cut smooth and well fitting
that design might cover their face,


with usura

hath no man a painted paradise on his church wall
harpes et luthes
or where virgin receiveth message
and halo projects from incision,


with ursura

seeth no man Gonzaga his heirs and his concubines
no picture is made to endure nor to live with
but it is made to sell and sell quickly


with usura, sin against nature,
is thy bread ever more of stale rags
is thy bread dry as paper,
with no mountain wheat, no strong flour


with usura the line grows thick

with usura is no clear demarcation
and no man can find site for his dwelling
Stone cutter is kept from his stone
weaver is kept from his loom

WITH USURA


wool comes not to market
sheep bringeth no grain with usura
Usura is a murrain, usura
blunteth the needle in the the maid's hand
and stoppeth the spinner's cunning.

Pietro Lombardo came not by usura
Duccio came not by usura
nor Pier della Francesca; Zuan Bellin' not by usura
nor was "La Callunia" painted.


Came not by usura Angelico; came not Ambrogio Praedis,
No church of cut stone signed: Adamo me fecit.


Not by usura St. Trophime

Not by usura St. Hilaire,

Usura rusteth the chisel
It rusteth the craft and the craftsman
It gnaweth the thread in the loom
None learneth to weave gold in her pattern;
Azure hath a canker by usura; cramoisi is unbroidered
Emerald findeth no Memling


Usura slayeth the child in the womb
It stayeth the young man's courting
It hath brought palsey to bed, lyeth
between the young bride and her bridegroom

CONTRA NATURAM


They have brought whores for Eleusis
Corpses are set to banquet

at behest of usura.

Com a usura

 

 

Com a usura nenhum homem tem casa de boa pedra

cada bloco talhado liso e bem ajustado

para que o conjunto dissimule as partes,

 

com a usura

nenhum homem tem paraíso pintado na parede da igreja

harpes et luthes

ou onde a virgem recebe a mensagem

e o halo se projecta do entalhe,

 

com a usura

 

nenhum homem vê Gonzaga, os herdeiros e as concubinas,

nenhum quadro é feito para que dure ou se viva com ele

mas sim para vender e vender depressa

 

com a usura, pecado contra a natureza,

o teu pão é cada vez mais farrapos bolorentos

o teu pão é seco como o papel,

sem o trigo do monte e a farinha rica

 

com a usura a linha fica espessa

 

com a usura não há nítidos limites

e nenhum homem acha terreno para habitação.

A pedra é sonegada ao canteiro

O tear sonegado ao tecelão

 

COM A USURA

 

a lã não chega ao mercado

a ovelha não produz riqueza com a usura

A usura é uma gafeira, a usura

embotaa agulha na mão da moça

e tolhe a destreza da fiandeira.

 

Não foi a usura que trouxe Piero Lombardo

não foi a usura que trouxe Duccio

ou Piero della Francesca; Zuan Bellini não foi feito pela usura

nem por ela foi pintada La Calunnia.

 

Não foi a usura que trouxe Angelico; nem Ambrogio Praedis

Nem trouxe igreja de pedra talhada e assinada: Adamo me fecit.

 

Não foi a usura que fez S. Trofimo

 

Não foi a usura que fez Santo Hilário,

 

A usura enferruja o cinzel

Enferruja a arte e o artífice

Corrói o fio no tear

Não se aprende a tecer ouro em seu molde;

O azul do céu tem cancro de usura; o tecido carmesim está por boldar

A esmeralda não acha nenhum Memling

 

A usura mata a criança no útero

Empata o jovem no seu cortejar

Trouxe a paralisia ao leito, aloja-se

Entre a noiva e o noivo

 

CONTRA NATURAM

 

Levaram prostitutas a Elêusis

Prepararam cadáveres para o banquete

 

por ordem da usura.

 

 

 

PORTRAIT D'UNE FEMME

  

    Your mind and you are our Sargasso Sea,
         London has swept about you this score years
     And bright ships left you this or that in fee:
         Ideas, old gossip, oddments of all things,
     Strange spars of knowledge and dimmed wares of price.
         Great minds have sought you -- lacking someone else.
     You have been second always. Tragical?
         No. You preferred it to the usual thing:
     One dull man, dulling and uxorious,
       One average mind -- with one thought less, each year.
   Oh, you are patient, I have seen you sit
       Hours, where something might have floated up.
   And now you pay one. Yes, you richly pay.
       You are a person of some interest, one comes to you
   And takes strange gain away:
       Trophies fished up; some curious suggestion;
   Fact that leads nowhere; and a tale for two,
       Pregnant with mandrakes, or with something else
   That might prove useful and yet never proves,
       That never fits a corner or shows use,
   Or finds its hour upon the loom of days:
       The tarnished, gaudy, wonderful old work;
   Idols and ambergris and rare inlays,
       These are your riches, your great store; and yet
   For all this sea-hoard of deciduous things,
       Strange woods half sodden, and new brighter stuff:
   In the slow float of differing light and deep,
       No! there is nothing! In the whole and all,
   Nothing that's quite your own.
               Yet this is you.

 

PORTRAIT D’UNE FEMME

 

 

 

O teu espírito e tu são o nosso mar de Sargaços,

Londres passou rápida por ti durante todo este tempo

E barcos brilhantes deixaram-te isto ou aquilo em paga:

Ideias, velhos mexericos, restos banais de tudo,

Estranhos mastros de sabedoria e baças mercadorias de valor.

Grandes espíritos te procuraram – à falta de outrem.

Sempre ficaste em segundo lugar. Trágico?

Não. Preferias isso ao costumeiro:

Um espírito mediano, com um pensamento a menos cada ano.

Oh, tu és paciente, tenho-te visto sentada

Durante horas, onde algo poderia Ter vindo à superfície.

E agora pagas. Sim, pagas muito bem.

Tu és uma pessoa com algum interesse, quem te procura

Retira um estranho lucro:

Troféus recuperados do mar; uma qualquer sugestão curiosa;

Factos que a nada conduzem; e uma história ou duas,

Prenhes de mandrágoras ou de qualquer outra coisa

Que podia vie a ser útil, e, contudo, nunca o é,

Que nunca se arruma a um canto nem mostra utilidade,

Nem vê chegar a sua hora no tear dos dias.

Antigas coisas sem brilho, vistosas, admiráveis;

Ídolos e âmbar pardo e raros embutidos,

São estes os teus bens, a tua grande riqueza; e contudo,

Apesar de todo este tesouro marinho de objectos caducos,

Estranhas madeiras meio molhadas e novas bugigangas mais berrantes,

No lento boiar de diferente profundidade e luz,

Não! Não há nada! No conjunto de tudo,

Nada que seja propriamente teu.

          Contudo, isto és tu.

 
 

Traduções de João Ferreira Duarte, em "LEITURAS

poemas do inglês", Relógio de Água, 1993.