8-1-2002
GIUSEPPE VERDI
(1813 - 1901)
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Teatro alla Scala, Milano |
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Giuseppina Strepponi |
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Verdi e o Risorgimento
A unificação de Itália
Verdi tornou-se um símbolo do Risorgimento, primeiro pelo ênfase patriótico que
dava em vários libretos e também pela sua reputação de liberal.
O Risorgimento (ressurreição) foi o movimento italiano de tomada de consciência nacional contra a dominação estrangeira e a favor da unificação política, que culminou na fundação do estado de Italia em 1861. Este movimento ideológico e literário ajudou a despertar a consciência nacional do povo italiano, e levou a uma série de acontecimentos políticos que libertaram os estados italianos que estavam sob domínio estrangeiro e anexaram os que eram autónomos.
Embora o
Risorgimento tivesse alcançado o estatuto de mito nacional, o seu significado
essencial continua a seu uma questão controversa. A interpretação clássica
(expressa nos textos filosóficos de Benedetto Croce) vê o Risorgimento como o
triunfo do liberalismo, mas visões mais recentes criticam-no como uma revolução
aristocrática e burguesa que falhou em incluir as massas.
O principal impulso para o Risorgimento veio das reformas introduzidas pelos
franceses quando dominavam a Italia durante o período da Revolução Francesa e
das guerras napoleónicas (1796-1815). Alguns estados italianos foram brevemente
consolidados, primeiro como repúblicas e depois como estados-satélite do imperio
francês. Outro factor importante foi o crescimento da classe média italiana e o
seu acesso ao novo poder.
Depois da derrota de Napoleão em 1815, os estados italianos foram devolvidos aos
seus antigos governantes. Sob a tutela da Áustria, estes estados assumiram um
carácter conservador. Sociedades secretas, como a Carbonaria, opunham-se ao
desenvolvimento das décadas 1820 e 30. O primeiro grupo manifestamente
republiano e nacional foi a Jovem Itália, fundada por Giuseppe Mazzini em 1831.
Esta sociedade, que representava o aspecto democrático do Risorgimento, esperava
educar o povo italiano para um sentido de nacionalidade e encorajar as massas
para se revoltarem contra os regimes reacionários existentes.
Após o insucesso das revoluções liberal e republicanas em 1848, a liderança
passa para Piemonte. Com a ajuda francesa Piemonte derrotou os austríacos em
1859 e
uniu a maioria da
Itália
sob sua administração em 1861.
"A Itália está feita, o que agora é preciso é fazer os italianos", disse na
altura o nacionalista Massimo D'Azeglio. Nesse mesmo ano Victor Emmanuel II é
proclamado rei de Itália. A coincidência de as iniciais de "Victor Emmanuel Re
D'Italia" formarem a palavra VERDI, torna o grito "VIVA VERDI" comum na boca dos
populares e nos "grafitti" que enchem as paredes.
A anexação da Venécia em 1866 e de Roma em 1870 marcou o final da unificação de
Itália e, por este motivo, o fim do Risorgimento. Verdi ficou conhecido como
simbolo nacional, que unificava o povo através da música.
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Recordando Callas e Kraus em São Carlos
Por SIDÓNIO DE
FREITAS BRANCO PAES
PUBLICO Sábado, 27 de Janeiro de 2001
Aquela noite de 25
de Março de 1958 (se bem me lembro) foi uma noite mágica. Por felicidade são
muitas as noites de glória que posso recordar em São Carlos. Mas aquela noite de
Primavera tinha um gosto especial, porque era a Callas que cantava, pela
primeira vez em Lisboa. O resto do elenco era duvidoso: o tenor era um tal
Alfredo Kraus, um jovem espanhol desconhecido, o Pai Germont era o nosso já
conhecido Mário Sereni, de modestos talentos, e o maestro Franco Ghioni,
competente sem dúvida também não trazia a fama de vedeta. Mas Maria Callas essa
sim. Os jornais davam-lhe superlativos mas não escondiam anedotas de súbitos
furores, de espectáculos cancelados, da cura de emagrecimento que afectara a
voz, de cabalas e ferozes recontros entre os seus "tifosi" e os da Tebaldi.
Para mim, que já a ouvira na rádio era já um ídolo. Mesmo através dos maus altifalantes da minha telefonia, passava um temperamento de grande actriz, um domínio da voz ao serviço não só do canto como da representação de personagem vivas pela música. Mas nada dessas emoções substituía a de vê-la naquele palco de tantas passadas delícias e na "Traviata", um dos papéis em que a supunha insuperável. Com todas estas esperanças e emoções lá estava cedo na sexta ou sétima fila da plateia, do lado direito, encantado com uma sala que se enchia, a transbordar na parte detrás da plateia e em muitas senhas de camarotes. O ambiente era de festa e grande expectativa: será que a Callas vem mesmo? E estará bem de voz?
Não havendo aviso em contrário, Ghione atacou o sublime Prelúdio, e aberto o pano, a festa começou no "salon" de Violetta Valéry. Mas a verdadeira festa começou quando ela apareceu em cena, e bastou a maneira como aquele corpo esguio se mexia para nascer a tal magia. As primeiras notas foram correctas: "Flora, amici, la notte che resta d'altre gioie qui fate brilar." E que alegrias, que brilhos nos esperavam... Entretanto entra Alfredo (Kraus) na sua elegante sobrecasaca romântica e foi muito agradável de maneiras: ao menos, fisicamente estavam um para o outro. E chega o momento tão esperado dos brindes: Alfredo abre a boca - "libiamo, ne' lieti calici che la belezza inflora, e la fuggevol ora s'inebri a vollutá". Como as palavras dizem, foi um inebriamento, uma volúpia musicais. Eu já ouvira grandes tenores, o Schipa, o Gigli, o Alcaide: e esta voz, esta representação não ficavam atrás de nenhum deles! Que par então, que Alfredo para uma tal Violeta!
A confirmação veio no dueto de amor seguinte, no "Un dì felice", dele, e logo na "Ah, si ció é fuggitemi," dela e foi um delírio na sala. Na grande ária, "È strano! "a Callas foi de facto inexcedível, no canto e no gesto que o sublinhava com aquela arte que tinha de os conjugar emocional e dramaticamente. Mesmo uma ligeira imperfeição na nota final, não impediu que a casa viesse abaixo.
Mas veio também abaixo, se é possível ainda mais, no 2.º acto, quando o Kraus cantou o belo recitativo e "cavatina", "Lunge da lei/De' miei bollenti spiriti". A ovação foi tal que até se podia temer que a Callas tivesse ciúmes...
Não vou continuar a recordar "pari passu" essa noite a dois títulos mágica. Mas direi que esse 2.º acto, no que seguiu foi todo da Callas. No dueto com Germont, a forma como compôs os diverso "affetti" por que essa conversa horrível nas intenções dele a faz passar foram de fazer chorar uma pedra e ferver de furor mesmo inerte. E quanto ao Sereni, até se transcendeu. O acto, é claro, culminou em glória com a explosão romântica de Violetta, "Amami, Alfredo, quant'io t'amo", mas também com o grande brado de desespero de Alfredo.
Nos intervalos era penoso falar sobre estas experiências inefáveis. E havia sempre uns "entendidos" que tinham achado isto e aquilo. Mas o espanto das pessoas sensíveis não era só para a Callas mas para o Kraus. O último acto foi a expansão das emoções extremas de alegria, de esperança e de aniquilamento a que Verdi deu expressão nunca superada. A leitura da carta e a exclamação: "È tardi!" foram aterradores, e o dueto dos amantes agora reunidos, uma antevisão do paraíso, agora possível.
Perdoem-me os superlativos, mas há momentos (poucos) em que até são incapazes de dar ideia da realidade. Em suma, aquela noite de ópera lisboeta, não foi só a da "Traviata" da Callas, mas de um ser hermafrodita: Callas+Kraus. E a estreia deste em Portugal, que lhe abriu uma gloriosa carreira internacional (em que muitas vezes cá voltou) não é menor evento que o da primeira vez (e única) que a Callas cantou em Portugal.