7-7-2000
Quando era menino e moço (11-12 anos) mandaram-me decorar "A lua de Londres" de João de Lemos e eu gostava de a declamar.
Fica aqui para eu a reler.
Quando tinha sete anos e estava a acabar a 1.a classe, o professor mandou-me decorar uma poesia, de que me não lembro o autor, mas sei que falava de "fazer anos". Depois declamei-a numa "festa" em que me deram uma caneta Parker, por ser o melhor aluno da classe.
30-07-2000
Consegui hoje o texto da poesia completo, copiando-o na livraria Assirio & Alvim, dos Kings.
A Zeferino Brandão
Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos, que tolo!
Ainda se os desfizesse,
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!
Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado...
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo. Coitado!
Não faça tal; porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa; que, em suma,
Não fazer coisa nenhuma,
Também não lhe aconselho.
Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los queira ou não queira!
JOÃO DE DEUS
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É noite. O astro saudoso
rompe a custo um plúmbeo céu,
tolda-lhe o rosto formoso
alvacento, húmido véu,
traz perdida a cor de prata,
nas águas não se retrata,
não beija no campo a flor,
não traz cortejo de estrelas,
não fala de amor às belas,
não fala aos homens de amor.
Meiga Lua! Os teus segredos
onde os deixaste ficar?
Deixaste-os nos arvoredos
das praias de além do mar?
Foi na terra tua amada,
nessa terra tão banhada
por teu límpido clarão?
Foi na terra dos verdores,
na pátria dos meus amores,
pátria do meu coração!
Oh! que foi!... Deixaste o brilho
nos montes de Portugal,
lá onde nasce o tomilho,
onde há fontes de cristal;
lá onde viceja a rosa,
onde a leve mariposa
se espaneja à luz do Sol;
lá onde Deus concedera
que em noite de Primavera
se escutasse o rouxinol.
Tu vens, ó Lua, tu deixas
talvez há pouco o país
onde do bosque as madeixas
já têm um flóreo matiz;
amaste do ar a doçura,
do azul e formosura,
das águas o suspirar.
Como hás-de agora entre gelos
dardejar teus raios belos,
fumo e névoa aqui amar?
Quem viu as margens do Lima,
do Mondego os salgueirais;
quem andou por Tejo acima,
por cima dos seus cristais;
quem foi ao meu pátrio Douro
sobre fina areia de ouro
raios de prata esparzir
não pode amar outra terra
nem sob o céu de Inglaterra
doces sorrisos sorrir.
Das cidades a princesa
tens aqui; mas Deus igual
não quis dar-lhe essa lindeza
do teu e meu Portugal.
Aqui, a indústria e as artes;
além, de todas as partes,
a natureza sem véu;
aqui, ouro e pedrarias,
ruas mil, mil arcarias;
além, a terra e o céu!
Vastas serras de tijolo,
estátuas, praças sem fim
retalham, cobrem o solo,
mas não me encantam a mim.
Na minha pátria, uma aldeia,
por noites de lua cheia,
é tão bela e tão feliz!...
Amo as casinhas da serra
coa Lua da minha terra,
nas terras do meu país.
Eu e tu, casta deidade,
padecemos igual dor;
temos a mesma saudade,
sentimos o mesmo amor.
Em Portugal, o teu rosto
de riso e luz é composto;
aqui, triste e sem clarão.
Eu, lá, sinto-me contente;
aqui, lembrança pungente
faz-me negro o coração.
Eia, pois, ó astro amigo,
voltemos aos puros céus.
Leva-me, ó Lua, contigo,
preso num raio dos teus.
Voltemos ambos, voltemos,
que nem eu nem tu podemos
aqui ser quais Deus nos fez;
terás brilho, eu terei vida,
eu já livre e tu despida
das nuvens do céu inglês.
JOÃO DE LEMOS
(1819 - 1890)
A VICENTE ARNOSO
Il pleure dans mon coeur Comme il pleut sur la ville. VERLAINE.
Batem leve, levemente, Como quem chama por mim... Será chuva? Será gente? Gente não é certamente E a chuva não bate assim...
É talvez a ventania Mas há pouco, há poucochinho, Nem uma agulha bulia Na quieta melancolia Dos pinheiros do caminho...
Quem bate assim levemente, Com tão estranha leveza Que mal se ouve, mal se sente? Não é chuva, nem é gente, Nem é vento, com certeza.
Fui ver. A neve caía Do azul cinzento do céu, Branca e leve, branca e fria... – Há quanto tempo a não via! E que saudade, Deus meu!
Olho-a através da vidraça. Pôs tudo da cor do linho. Passa gente e, quando passa, Os passos imprime e traça Na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais Da pobre gente que avança E noto, por entre os mais, Os traços miniaturais Duns pezitos de criança..
E descalcinhos, doridos... A neve deixa inda vê-los Primeiro bem definidos, – Depois em sulcos compridos, Porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador Sofra tormentos, enfim! Mas as crianças, Senhor, Porque lhes dais tanta dor?!... Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza, Uma funda turbação Entra em mim, fica em mim presa. Cai neve na natureza.. – E cai no meu coração.
AUGUSTO GIL (Luar de Janeiro) |
Recitada pela actriz Emília Adelaide Pimentel no teatro de D. Maria II na noite de seu benefício
Corria a branda noite; o Tejo era sereno; a riba, silenciosa; a viração subtil; a lua, em pleno azul erguia o rosto ameno no céu, inteira paz; na terra, pleno Abril.
Tardo rumor longínquo; airoso barco ao largo bordava áureo listão do Tejo ao manto azul; cedia a natureza ao celestial letargo; traziam meigos sons as virações do sul.
Ó noites de Lisboa! Ó noites de poesia!
Se a triste da judia ousasse ter desejo
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Corria branda a noite; imersa em funda mágoa fui assentar-me triste e só no meu jardim: ouvi um canto ameno! e um barco ao lume d’água vogava brandamente. A voz dizia assim:
“Dormes? e eu velo, sedutora imagem,
Dorme! eu descarto a acalentar-te os sonhos, virgens, risonhos, que te vêm dos céus: dorme, e não vejas o martírio, as mágoas que eu digo às águas e não conto a Deus!
Anjo sem pátria, branca fada errante, perto ou distante que de mim tu vás, há-de seguir-te uma saudade infinda, hebreia linda, que dormindo estás.
Onde nasceste? onde brincaste, ó bela;
mundo infinito, e tu sem berço?! oh! sim,
folha que o vento da fortuna impele, flor que num vaso se alimenta, cresce, ri, desaparece, e nunca mais voltou!
Filha dum povo perseguido e nobre, que ao mundo encobre o seu martírio, e crê: sempre Ashevero a percorrer a esfera! desgraça austera! inabalável fé!
porque há-de o lume de teus olhos belos, mostrar-me anelos d’infinito ardor? porque esta chama a consumir-me o seio? Deus de permeio nos maldiz o amor!..
Peito! meu peito, porque anseias tanto? pranto! meu pranto, basta já, não mais!
é sina, é sina! remador voltemos;
Dorme, que eu velo, sedutora imagem,
Sumiu-se a barca e eu chorava debruçada sobre o Tejo: a aragem trouxe-me um beijo que nos meus lábios tomei… ergui-me cheia d’afecto; vi cintilar ainda a esteira da barquinha feiticeira, e disse às auras: “Correi! trazei-mo! quero contar lhe o fundo tormento enorme da judia que não dorme a penar d’ignoto amor! Voai! trazei-me o seu nome, o seu retrato, o seu canto, uma baga do seu pranto que venha o meu trovador!…
Ai, não! que há na minha história que lhe suavize a tristeza? Nasci na triste Veneza, onde perdi minha mãe; acalentaram-me lágrimas que derramava a saudade, na desgraçada cidade que não tem pátria também Cresci; meu pai uma noite Disse-me: “É já tempo agora;
ergue-te ao romper da aurora vamos partir amanhã; vamos ver as terras santas, sepulcros de teus monarcas; a pátria dos patriarcas, desde o Egipto ao Chanaan,, Fui; corri o mapa imenso das montanhas da Judeia; ai pátria da raça hebreia! ai, desditosa Sião! que extensos montes sem relva! que paragens sem conforto, onde se estende o Mar-Morto e onde serpeia o Jordão!…
Aqui, de Hemor os vestígios; de Sife, além o deserto, longe, o Sinai encoberto; d’Horeb o morro, ainda além; deste lado, o Mar Vermelho; daquele... nada! uns destroços: ruínas, campas sem ossos, e, ao fundo, Jerusalém.
Meu pai chorava, e eu chorava, vendo morta e sem prestígio, terra de tanto prodígio, maldita agora de Deus. Tudo silencioso, estéril tudo vastos cemitérios onde ruínas d’impérios ficaram por mausoléus!
- “Meu pai - disse eu - tenho sede… -“Vê , filha, a aridez do monte: só Deus dava ao ermo a fonte em que bebia Ismael.” “Pai, cansei; mostra-me a pátriaquero dormir sem receio…, “Filha, encosta-te ao meu seio, que não tem pátria Israel….
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Em rodo o mundo estrangeiro, toda a vida peregrina! Vede se há mais triste sina: Ser rica e não ter um lar! Sempre a lenda do Ashevero! sempre o decreto divino! sempre a expulsar-me o destino, como Abraão à pobre Agar!
Que pode valer à hebreia sentir n’alma chama infinda, como a linda Ester ser linda e amada como Raquel? Se o coração da judia se entreabre do amor aos lumes não lhe dá tempo aos perfumes o seu destino cruel.
Ai, trovador nazareno, não voltes! tenho receio. Dizes que é Deus de permeio? não, blasfemaste: Deus, não. Pôs o mundo esse impossível entre o desejo e a ventura; o amor chama-lhe — loucura, e o preconceito razão
Deus é Deus, e um só existe; cego é o mundo, e vária a crença; mas esta cúpula imensa é tecto de todos nós: este ambiente que respiro, da lua e do sol os brilhos, hão-de ser de nossos filhos, foram de nossos avos.
Mas se a crença nos separa e o mundo exige o suplício, dê-se o amor em sacrifício, deixando se o pranto à dor; eu, cerro o peito à ventura; tu, esmaga o teu desejo; não mais virei junto ao Tejo... não voltes mais, trovador!
Lisboa, Abril de 1864
TOMÁS RIBEIRO |
Pobre tísica
Quando ela passa à minha porta,
Magra, lívida, quase morta,
E vai até à beira-mar,
Lábios brancos, olhos pisados:
Meu coração dobra a finados,
Meu coração põe-se a chorar.
Perpassa leve como a folha,
E, suspirando, às vezes olha
Para as gaivotas, para o Ar:
E, assim, as suas pupilas negras
Parecem duas toutinegras,
Tentando as asas para voar!
Veste um hábito cor de leite,
Saiinha lisa, sem enfeite,
Boina maruja, toda luar:
Por isso, mal na praia alveja,
As mais suspiram com inveja:
«Noiva feliz, que vais casar...»
Triste, acompanha-a um "Terra Nova"
Que, dentro em pouco, à fria cova
A irá de vez acompanhar...
O chão desnuda com cautela,
Que "Boy" conhece o estado dela:
Quando ela tosse, põe-se a uivar!
E, assim, sozinha com a aia,
Ao Sol, se assenta sobre a praia,
Entre os bebés, que é o seu lugar.
E o Oceano, trémulo avozinho,
Cofiando as barbas cor de linho,
Vai ter com ela a conversar.
Falam de sonhos, de anjos, e ele
Fala d'amor, fala daquele
Que tanto e tanto a faz penar...
E o coração parte-se todo,
Quando a sorrir, com tão bom modo,
O Mar lhe diz: «Há-de sarar...»
Sarar? Misérrima esperança!
Padres! ungi essa criança,
Podeis sua alma encomendar:
Corpinho d'anjo, casto e inerme,
Vai ser amada pelo verme,
Os bichos vão-na desfrutar.
Sarar? Da cor dos alvos linhos,
Parecem fusos seus dedinhos,
Seu corpo é roca de fiar...
E, ao ouvir-lhe a tosse seca e fina,
Eu julgo ouvir numa oficina
Tábuas do seu caixão pregar!
Sarar? Magrita como o junco,
O seu nariz (que é grego e adunco)
Começa aos poucos de afilar,
Seus olhos lançam ígneas chamas:
Ó pobre mãe, que tanto a amas,
Cautela! O Outono está a chegar...
António Nobre,
Só
O Menino da sua Mãe
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado-,
Jaz morto, e arrefece
Raia-lhe a farda o sangue
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos
Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe».
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve
Dera-lhe a mão. Está inteira
É boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece")
Jaz morto, e apodrece,
O menino de sua mãe.
1926
Fernando Pessoa, Obra Poética e em Prosa, ed. António Quadros. Porto, Lello & Irmão, 1986.
Calçada de Carriche
Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada..
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
ANTÓNIO GEDEÃO (*)
Poesias Completas (1956-1967)
(*) Pseudónimo do Professor do liceu Rómulo de Carvalho (1906 – 1997)