7-04-2019
Pablo Escobar - Minha Vida, Minha Prisão,
de Victoria
Eugenia Henao
NOTA DE LEITURA
Já todos ouvimos falar de Pablo Escobar, o Rei da Droga, mas o livro agora publicado pela viúva tem muito material novo para nos
espantarmos.
Pablo Escobar
tinha uma personalidade algo confusa, com um ego tão colossal que
autojustificava as maiores barbaridades. Deu ordem para assassinar
dezenas de pessoas importantes, até o Ministro da Justiça, mas ao mesmo
tempo manobrou cordelinhos para ser eleito Deputado. Claro que durou
muito pouco no cargo, nem podia ser de outra maneira. A sua principal
preocupação (e também de todos os barões da droga) era que fossem
proibidas por lei as extradições para fora do País, a pensar sobretudo
nos Estados Unidos.
A certa altura
aceitou ir para uma cadeia (La Catedral) construída e organizada por
ele. Claro que não resultou. Andou nove anos (1984 – 1993) a fugir às
autoridades perseguido pelos barões da droga chamados Calí e pelos Pepes
(Perseguidos por Pablo
Escobar) até que foi apanhado e morto.
A
sua mulher Victoria foi mais uma vítima dele. Era uma menina inocente de
13 anos quando a seduziu.
Obrigou-a a fazer um aborto aos 14 anos. Amava-a à maneira dele: na sua
presença era a sua querida Tátá, longe dela sentia-se livre para seduzir
todas quantas lhe apetecesse.
Victoria não teve outro remédio que não fosse aguentar até porque todos
os elementos das duas famílias dela e do marido, estavam inseridos no
negócio da droga.
Era, porém, uma mulher inteligente. Aprendeu a fazer compras
interessantes e, como não tinha logo dinheiro para elas, foi-as pagando
a prestações sem o marido dar conta. Infelizmente para ela, perdeu tudo
ou quase tudo quando os adversários patrões do tráfico da droga, lhe
exigiram que os indemnizasse pelas despesas que tinham feito para caçar
e abater o seu marido!...
Viu-se obrigada a fugir da Colômbia, sem saber bem para onde ir. Entre
as hipóteses, foi também para Moçambique com os filhos, mas o ambiente
não lhes agradou de nenhum modo e partiram de novo ao fim de poucos
dias. Conseguiu depois alterar os nomes dela e dos filhos e
estabelecer-se na Argentina, onde também teve pouca sorte, mas pelo
menos, vai sobrevivendo.
Na descrição da família, quem suscita mais pena é a sorte de sua filha Manuela (ou Juana Marroquín) deprimida e desarreigada da vida, com 35 anos, decerto completamente perdida entre a imagem do pai querido e agora do bandido que lhe dizem que ele era.
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As confissões da viúva do maior narcotraficante de sempre
Pablo Escobar como maldição
Victoria casou-se com Pablo Escobar quando tinha apenas 15 anos e ele 26. Depois
da morte do traficante, mudou de nome e de país e desapareceu dos radares do
mundo com os dois filhos. Agora, escreveu um livro para contar a sua vida. Pede
que o leiam, para que estejam esclarecidos, quando (e se) quiserem apontar-lhe o
dedo.
Patrícia Carvalho, 24 de Março de 2019
Victoria Eugenia Henao viveu os últimos 25 anos como María Isabel Santos
Caballero, mas quando decidiu escrever um livro sobre o que foi a sua vida ao
lado de Pablo Escobar assinou-o com o seu primeiro nome. Aquele que tinha
quando, com apenas 12 anos, conheceu o homem que viria a tornar-se o maior
narcotraficante da história e um dos mais violentos assassinos do mundo. O homem
que se tornaria seu marido, quando ela tinha apenas 15 anos e ele 26. Quem a
conhece como “Tata” da série Narcos,
da Netflix, encontrará uma pessoa diferente em Pablo Escobar Minha Vida,
Minha Prisão, mas ela não tem grandes ilusões. Apesar de escrever no
prefácio da obra que espera que este regresso ao passado a ajude a deixar de ser
apenas “a viúva de Pablo Escobar”, admite, em entrevista ao P2: “É muito difícil
terminar com uma história tão complexa como esta e que é conhecida em todo o
mundo. É impossível que desapareça essa qualificação.”
María Isabel fala devagar e fica vários segundos em silêncio antes de começar a
responder às perguntas que lhe chegam pelo telefone. Falou com o P2 a partir de
Buenos Aires, na Argentina, onde vive e criou os dois filhos, desde que deixou a
Colômbia, meses depois da morte de Pablo Escobar, a 2 de Dezembro de 1993. As
primeiras perguntas são dela — se o livro foi lido na íntegra, que idade tem a
pessoa que está do outro lado da linha? “Porque a idade tem que ver com a
compreensão que temos de como é a vida para as mulheres, não é?” No final da
conversa, quer saber se foi clara em todas as respostas, se ficou tudo
esclarecido. Não lhe faltou clareza, mas é improvável que tudo esteja realmente
esclarecido quando se fala de Pablo Escobar e da sua família.
Há sempre dúvidas que persistem, por mais respostas que María Isabel dê. Porque
a história da sua vida é demasiado estranha e irreal para que uma resposta
baste. Ela sabe-o, não restem dúvidas. Seja pelas reacções que obteve quando
decidiu revelar quem era (“perdi muitas amigas e grupos a que pertenci durante
anos, mas muitas pessoas também me acompanham, abraçam-me e reconhecem-me, como
mãe e como mulher”), seja pelo facto de, ainda hoje, as autoridades continuarem
a investigá-la por presumíveis ligações a narcotraficantes.
Com 58 anos, diz que quis, com o livro, dar uma oportunidade às pessoas de
decidirem quem ela é, de forma mais esclarecida. “Dei-me conta de que não podia
continuar a viver escondida. Não me estava a fazer bem à saúde, nem à minha
auto-estima ou ao respeito por mim própria. Tomei a decisão de encontrar uma voz
para contar esta história tão dolorosa para mim e nisto fui sempre apoiada pelo
meu filho. Quis que escutassem a minha voz, para que ao escutar-me cada pessoa
pudesse escolher como opinar acerca da minha vida”, conta.
E a história começou aqui: “A minha primeira recordação dele remonta a 1972:
vejo um jovem que passeia nas ruas do novo bairro La Paz, de Envigado, numa
vistosa moto italiana Vespa, branca e vermelha, que um vizinho lhe vendeu por
3500 pesos e que ele se comprometeu a pagar em prestações mensais de 300 pesos.
O seu sucesso com as mulheres é evidente porque não são poucas as que lhe
sorriem e lhe fazem sinais para que as leve a dar uma volta pela vizinhança. Era
um verdadeiro sedutor, com lábia para os piropos e um pinga-amor, daqueles de
quem as raparigas estão sempre a falar, referindo-se a ele como ‘o rapaz da
moto’. Nessa altura, na verdade, não me interessou saber sequer quem ele era,
embora os rumores da vizinhança tenham tornado impossível não saber: chama-se
Pablo Emilio Escobar Gaviria, tem 23 anos, está a fazer o secundário no Liceu da
Universidade de Antioquia e nota-se a léguas que tem um estilo de vida que
contrasta com o meu, que acabei de fazer 12 anos e tenho de pedir autorização
para sair de casa.”
É Victoria quem escreve estas palavras no livro que chegou a Portugal há poucas
semanas, através da editora Planeta. Segue as pisadas do filho Juan Pablo
(Sebastián Marroquín, na segunda versão das suas vidas), que escreveu dois
livros sobre o pai, mas conta uma história mais íntima, sempre a partir da sua
perspectiva. Primeiro, da criança que é seduzida por um homem mais velho;
depois, da mulher mil vezes traída, mas que se submete às desculpas do marido;
por fim, da viúva que teve de negociar a sobrevivência do filho e de toda a
família com os chefes dos cartéis que se tinham envolvido numa guerra com Pablo
Escobar.
Para o último capítulo guardou o que descreve como “o triste segredo” que
manteve secreto durante 44 anos. O que fala de como, com apenas 14 anos, Pablo a
obrigou a fazer um aborto — sem que ela tivesse sequer a noção de que estaria
grávida, depois do que terá sido o primeiro contacto sexual entre ambos, e que
ela descreve assim: “Um dia abraçou-me, beijou-me e nesse momento senti-me
paralisada, gelada de medo. Não estava preparada, ainda não sentia malícia
sexual, não tinha as ferramentas necessárias para entender o que significava
esse contacto íntimo e intenso.” Foi preciso passar quase toda uma vida para
contextualizar esta experiência. “Nas terapias de trauma que frequento
regularmente, perguntei ao meu médico, depois de lhe dar mais detalhes, e ele
respondeu que aquilo que me aconteceu deve ser considerado como uma violação”,
escreve no livro.
Nada é simples e há passagens na obra que apontam claramente para a estranheza
do mundo em que a família se movimentava, tão distante da do cidadão comum. Como
quando escreve que, no final da vida de Pablo, este se preocupava com “a
progressiva falta de dinheiro”, comentando com um dos seus homens que “apenas
lhe restavam uns quantos milhões de dólares em numerário”. Ou quando descreve
como viajou para a Suíça, quando organizava a primeira comunhão do filho, porque
lhe disseram “que nesse país europeu encontraria os melhores apetrechos para
esse tipo de celebrações”. E como daí foi para Itália, onde comprou, em Roma, “o
fato da primeira comunhão” e, em Milão, os vestidos para ela e a filha, Manuela.
Estava-se, então, em 1986, e se a jovem mulher de Escobar poderia ter ignorado,
no início, as suas actividades, aqui já não lhe podiam restar dúvidas. O
dinheiro entrava a rodos, os jornais tinham publicado, três anos antes, que ele
estivera detido por tráfico de cocaína — o que ditou o fim da sua curta carreira
política — e a violência estava mais do que instalada. O assassinato do ministro
da Justiça, Rodrigo Lara Bonilla, pelos homens de Escobar, já acontecera em
1984, levando a família a fugir para o Panamá. Victoria, nessa altura com 23
anos, estava grávida de Manuela (actualmente, Juana), que acabaria por nascer
naquele país.
Mãe aos 16
anos
Juan Pablo tinha nascido muito antes, quando Victoria tinha apenas 16 anos. Não
tinha passado sequer um ano desde que se casara com Escobar, depois de fugir de
casa, num acto de rebeldia contra a família que se opunha à relação. Os
primeiros anos de casamento passou-os na escola, a terminar os estudos. De novo,
segundo o que escreve no livro, foi preciso enviuvar, mudar de nome, de país e
ver a filha chegar à idade que tinha então para se aperceber da dimensão do que
tinha vivido. Foi na festa do 15.º aniversário da jovem. “Ver a Juana crescer e
sabendo que, com a sua idade, eu já estava casada com o Pablo, foi todo um
choque emocional. Como tinha sido possível que uma criança tivesse mantido uma
relação com um homem tão mais velho que ela? Costumava olhá-la longamente e
surpreendia-me a sua inocência, o seu modo de falar, de comportar-se. Foi aí que
entendi os ralhetes da minha mamã, a minha rebeldia e o sofrimento dos meus pais
ao ver-me a viver aquela relação, sendo tão nova.” Ao P2, acrescenta: “Quem me
dera que a minha mãe continuasse viva por muitos anos para que eu lhe pudesse
continuar a pedir perdão mil vezes por não a ter escutado.”
Foi por isso “uma criança” que se casou em Março de 1976 com um adulto de 26
anos. Pouco mais de dois meses depois, ele era preso e Victoria recebeu a
notícia pela mãe. “Apanharam-no com 26 quilos de pasta de coca”, terá dito a
mulher. “Pasta de coca? O que é isso?”, questionou-se a jovem esposa. Ele,
libertado cinco meses depois, assegura-lhe que foi “ilibado de todas as
acusações”. Ela diz que acreditou.
Como diz que acreditou, depois, nas desculpas que ele lhe daria quando o
dinheiro começou a permitir todas as extravagâncias. “Ele dizia-me que estava a
fazer nesse momento negócios imobiliários muito rentáveis”, diz, enquanto
insiste que não havia muito espaço para perguntas. “Nesta cultura machista, as
mulheres, as esposas de empresários ou políticos, pelo menos na Colômbia, não
têm direito a perguntar o que os maridos fazem no emprego, na política. O que se
sabia era o que era público, o que se falava, mas o Pablo nunca me deu qualquer
espaço para esse tipo de conversa. Nunca me deu autoridade como mulher ou
esposa. Por mais perguntas que fizesse, ele respondia-me sempre que eu não
perguntasse porque disso não entendia nada.”
Um tsunami diário
Mais tarde, quando a violência explodiu com toda a sua força, quando sentia que
vivia “um tsunami” todos os dias, Pablo continuava a tentar manter a
família à margem. María Isabel recorre ao filme A Vida É Bela (de Roberto
Benigni, 1999) para descrever esses anos em que quase não via o marido porque
ele andava fugido à justiça e ela vivia praticamente encerrada com os filhos em
diferentes casas, para evitar um atentado. “Fazia-nos crer que, embora
estivéssemos num campo de concentração, não estávamos nele. Contava-nos muitas
histórias e nós estávamos fechados, não tínhamos muito contacto com o exterior.
Não sabíamos com quem falar nem a quem perguntar”, diz.
E depois, para justificar tudo, está a resposta de que ela ainda hoje não
abdica: o amor. Aguentou tudo e ficou com Pablo Escobar até ao fim “por amor”.
Depois da catarse que poderá ter sido escrever este livro, ainda dá a mesma
resposta? “Realmente, sim. Por amor seria a minha resposta imediata. Às
mulheres, nesta cultura machista, nunca nos ensinaram direitos, sempre nos
ensinaram deveres. Eu senti que cumpri todos os deveres como esposa, como mãe.
Cumpri com todos os deveres da igreja. De ficar ao lado do meu esposo, na
alegria e na tristeza, no desespero também. Eram esses os mandamentos da igreja
e da família, que era muito religiosa e que me pedia para permanecer ali”, diz.
No livro, contudo, acaba por ir um pouco mais longe: “No final desta história de
dor que hoje partilho convosco, sinto que pude reviver a crueldade de Pablo e
meditar sobre se o que realmente me uniu a ele foi o medo ou o amor.”
Depois do assassinato de Rodrigo Lara Bonilla, a espiral de violência provocada
por Pablo Escobar assume proporções de uma verdadeira guerra contra o Estado
colombiano e todos os que se opunham ao líder do cartel de Medellín. Já não é só
o traficante de droga sanguinário que assusta uma nação inteira, é um
terrorista. A 6 de Novembro de 1985 as provas contra ele (e outros) que estariam
guardadas no Supremo Tribunal de Justiça são destruídas, depois da tomada do
edifício pelos guerrilheiros do M-19, com o apoio de Escobar. Mais de cem
pessoas morreram. A 13 de Janeiro de 1988, um carro-bomba explode junto ao
edifício Mónaco, que Victoria tinha ajudado a desenhar e que enchera com as
obras de arte que comprara em todo o mundo, transformando dois dos pisos no seu
lar. Ela estava em casa com os dois filhos (Pablo não estava, ao contrário do
que é retratado em Narcos), e os três escapam praticamente ilesos, mas
nunca mais puderam regressar ali. O ataque terá sido orquestrado pelo cartel de
Cali e matou três pessoas.
A 18 de Agosto de 1989 o candidato presidencial Luís Carlos Galán é assassinado
por ordem de Pablo, que, a 27 de Dezembro desse ano, coloca uma bomba a bordo de
um avião da companhia Avianca, onde deveria estar o candidato e futuro
presidente César Gaviria. Morreram 107 pessoas. No ano seguinte, mais de 300
polícias são mortos depois de Escobar oferecer dois milhões de pesos por cada
agente uniformizado assassinado. Seguem-se sequestros, incluindo o da jornalista
Diana Turbay, que acaba por morrer atingida pelas forças de segurança, numa
confusa operação de resgate.
Entre Julho e Setembro de 1990, Victoria não estava na Colômbia para testemunhar
parte destas atrocidades, que deixaram um rasto de corpos ensanguentados,
conduzindo directamente ao seu marido. Nesse período viveu com os filhos na
Suíça, até que Escobar ordenou que regressassem a casa, por suspeitas de que
teriam sido localizados pelos seus inimigos. No ano seguinte, depois de um longo
processo de negociações com as autoridades, o líder do cartel de Medellín entra
na prisão que ele próprio construíra, e que ficou conhecida como La Catedral.
Divórcio?
Estás louca?
Para a Colômbia, iniciava- se um poderoso suspiro de alívio, por uma trégua na
violência. Para Victoria, nascia a esperança de outra coisa. “Finalmente, sete
anos depois de correr e correr, invadiu-me, no início, uma agradável sensação de
tranquilidade porque imaginei que ia recuperar a minha feminilidade, o meu lugar
de esposa, de mãe, de companheira e de amante. Pensei que ele cumpriria muitos
anos de prisão, mas que, sem qualquer dúvida, acabaria por pagar a sua dívida
para com a sociedade”, escreve, para, alguns parágrafos à frente, acrescentar:
“Três semanas. Foi o tempo que durou a ilusão de que a minha vida com Pablo
viria a ter, alguma vez, algum nível de normalidade.”
Porque, rapidamente, se tornou evidente que La Catedral era uma prisão apenas no
nome. Festas, visitas de muitas mulheres, droga, jogo — tudo passava por ali.
Victoria escreve que descobriu que as infidelidades do marido continuavam atrás
dos portões do edifício, ao ler “cartas escandalosas de mulheres que recordavam,
com todo o género de pormenores, os encontros íntimos recentes com ele e que o
convidavam a repeti-los quantas vezes quisesse”. Foi durante esse ano que
Escobar passou detido, antes de fugir a 22 de Julho de 1992, que Victoria deu um
passo que, no momento do casamento, lhe pareceria impensável. “Vou contar-lhe
algo que não conhecem. Quando Pablo estava na cadeia e havia todo aquele mundo
de mulheres, em desfile, eu fui pedir-lhe literalmente o divórcio. Disse-lhe:
‘Não quero saber mais de ti como esposo.’ E que me respondeu? ‘Isso não vai
acontecer nunca. Nunca deixarei o meu lar, em qualquer circunstância. Adoro-vos
e vocês são o mais importante que tenho na vida e a razão pela qual luto.’ Essas
palavras ficaram presas na minha mente e continuam lá.”
María Isabel assegura que esta não foi a única vez que o tema separação surgiu
em conversa — ela que garante ter vivido os últimos dez anos de vida de Pablo
quase sem o contactar, já que ele andava permanentemente em fuga. O tema surge
quase despercebido no livro que agora chegou a Portugal, por iniciativa da
chancela Planeta. Uma frase apenas, quando lembra que, no processo de
negociações com os cartéis, pediu conselhos a um advogado que contactara quando
pensara em separar-se de Escobar. “Ao Pablo muitas vezes lhe disse, lhe pedi, e
ele, na sua sedução, dizia ‘nunca nada nos vai separar, nada nos vai prejudicar
eu vou ficar contigo até à morte’”, conta. O advogado acabou por não ser de
maior auxílio: “Disse-me, ‘Victoria, estás louca? De que separação estás a
falar? Isso é impossível, o que estás a pedir.’” E, assim, o assunto ficou
arrumado.
Pablo Escobar foi baleado pela polícia no seu último esconderijo. Morreu num
telhado, descalço e em fuga. O filho acredita que a última bala, a que o matou,
saiu da arma do próprio pai; que, no final, Escobar se suicidou. Aos 33 anos,
Victoria ficava viúva.
Para o mundo, começava a grande pergunta, que ainda hoje continua a ser
repetida: onde estava a imensa, astronómica e desmesurada fortuna que o
narcotraficante acumulara enquanto inundava o mercado internacional de toneladas
de cocaína? Perguntem quantas vezes quiserem. María Isabel continua a dar a
mesma resposta: não há dinheiro. Pablo era um gastador. Nos tempos áureos, o
rancho Nápoles, onde criou um exótico jardim zoológico, não foi a sua única
excentricidade.
Terá comprado inúmeras propriedades por toda a Colômbia, algumas das quais
usaria como esconderijo e outras, segundo María Isabel, foram colocadas no nome
de colaboradores, sem que a família chegasse a saber exactamente quais e quantas
eram. Carros (incluindo alguns para satisfazer a sua paixão pelas corridas),
aviões, viagens extravagantes, jóias e obras de arte, prendas para a família e
as muitas amantes ajudavam ao sorvedouro. O dinheiro entrava, mas também saía.
E, depois, a guerra contra o Estado colombiano e contra o grupo criado por
outros narcotraficantes e grupos paramilitares, fartos da violência de Escobar,
que os punha a todos em risco, e que se intitulou Perseguidos por Pablo Escobar,
os Pepes, terá custado muitos milhões. Por fim, a apreensão de bens por parte do
Estado e o pagamento feito aos líderes dos cartéis e dos grupos paramilitares,
negociado directamente por Victoria, após a morte do marido e que, segundo ela,
foi a única forma de conseguir garantir a sobrevivência da família, esgotaram os
fundos que restavam. No final, garante, não restava nada.
Nada pelos parâmetros da família, entenda-se. Havia o suficiente para doar “uma
verba considerável” a uma instituição moçambicana, como contrapartida para que
Victoria e os dois filhos se pudessem instalar naquele país, quando mais ninguém
os queria receber. O suficiente para lá chegar, detestar tudo o que viram, e
apanharem, no dia seguinte, um voo de regresso à América Latina. Para se
instalarem, finalmente, em Buenos Aires, já com a nova identidade, obtida
legalmente em colaboração com o Estado colombiano, para garantir a segurança da
família. Para viverem nos anos que se seguiram — Juan Pablo tinha 16 anos quando
o pai morreu, Manuela apenas nove. Para, agora ela, investir no mercado
imobiliário, procurar especialistas, formar-se em coaching.
Perdão e
suspeitas
E, assim, chegou a nova vida de Victoria, Juan Pablo e Manuela. A vida de María
Isabel, Sebastián e Juana. Só que — lá está, nada é linear nesta história — o
que ficou para trás não ficou para trás. Incluindo Pablo Escobar.
Poder-se-ia esperar que com o desaparecimento do homem que tanta dor levou à
família (e María Isabel não se cansa de o repetir) esta procurasse apagar ao
máximo a sua presença na nova vida que construiu. Mas não. María Isabel diz que
ainda hoje fala com ele. É certo que a conversa não é muito agradável, pela
menos a parte que ela revela. “Eu hoje pergunto-lhe: ‘Pablo, de que família
estavas a falar? Qual era o sacrifício que fazias por esta família?’ Passaram 25
anos e parece que foi ontem. Continuamos a pagar um preço impensável neste mundo
por causa dele e porque o nome de Pablo está inexoravelmente relacionado com o
mal. Como somos a sua família, vêem-nos assim”, conta. Há uma passagem no livro
que diz mais ou menos a mesma coisa, quando um dos líderes dos Pepes com quem
Victoria tinha de negociar, lhe diz: “Depois de ter vivido tantos anos ao lado
daquele monstro, a senhora deve ser parecida com ele.”
María Isabel garante que não e que tem passado a segunda metade da sua vida a
combater essa ideia. “Perdão” é uma palavra que sai muitas vezes da sua boca —
pede insistentemente perdão a todas as vítimas do homem que foi seu marido. É
também por elas que diz, depois de um longo silêncio, que não pode incluir-se
nessa lista. “Por respeito às vítimas da Colômbia, não me posso considerar uma
vítima dele. Só por essa razão”, diz.
As outras palavras que mais repete prendem-se com o que diz ser o trabalho
“muito enriquecedor” que hoje desenvolve junto de mulheres maltratadas. “É muito
forte ver-me retratada na dor dessas mulheres que vêm ter comigo. O que me
dedico a trabalhar com elas é o que venho trabalhando comigo nestes 25 anos de
solidão e viuvez: a auto-estima, o auto-respeito e a confiança. Se consegues
impor a tua dignidade, podes ter a força de escolher a vida que vais viver. Há
léguas de distância e travessias gigantes por fazer. Oxalá que nós, mulheres,
nos possamos unir, para podermos cuidar-nos como não fizemos durante décadas”,
diz.
Mas nem todos parecem acreditar que a nova vida da antiga mulher de Pablo
Escobar passa apenas por aqui. Apesar de nunca ter sido acusada de qualquer
crime na Colômbia, María Isabel já se viu a braços com a justiça por duas vezes
desde que se fixou na Argentina. Em 1999, foi detida por lavagem de dinheiro e
passou quase 18 meses na prisão (o filho foi preso na mesma altura, tendo
passado cerca de mês e meio detido em Buenos Aires), mas acabaria absolvida
pelos tribunais argentinos, que condenaram várias pessoas, incluindo um juiz,
por terem montado um esquema incriminatório contra a família.
Uma experiência complicada que María Isabel diz ter sido particularmente dura
para Juana, já que a jovem só descobriu nesta altura a verdadeira história dos
Escobar. “Nunca lhe tínhamos contado o que fazia o pai”, escreve no livro. “A
Juana não conhecia a sua história, tinha-se escondido anos a fio a pedido dos
seus pais, mas nunca tinha perguntado a razão pela qual tinha de esconder-se.
Apenas obedecia. Era muito pequena quando o Pablo desencadeou a nossa tragédia”,
acrescenta.
Agora, mãe e filho voltam a estar sob investigação. A polícia descobriu um
documento que comprova um pagamento feito por Mateo Corvo Dolcet, que as
autoridades acreditam ser um testa-de-ferro do narcotraficante colombiano
Piedrahita Ceballos, à família de Pablo Escobar. María Isabel dedica todo um
capítulo do livro ao tema, garantindo desconhecer as actividades ilícitas de
Ceballos e justificando o pagamento que recebeu como uma comissão por ter posto
os dois homens em contacto para legítimos negócios imobiliários. Ao P2, dá uma
das respostas mais sucintas de toda a entrevista: “À parte da dor que isto
significa, tenho uma absoluta tranquilidade da mulher que sou. Sinto-me
tranquila porque não cometi qualquer delito.”
Ser neto de
Pablo Escobar
A sua preocupação, garante, hoje como sempre, continua a ser a família. Agora
maior, depois da chegada do filho de Sebastián. O neto de María Isabel tem seis
anos e, apesar de conhecer o avô pelos retratos dele que tem em casa, ainda não
conhece a história da família. “Espero que ele possa pelo menos desfrutar da sua
inocência como puderam os meus filhos nessa idade. Falamos-lhe do avô, tem
fotografias em casa e tem tido contacto com ele desde muitos lugares, mas ainda
estamos a trabalhar com profissionais e especialistas em toda esta problemática,
preparando-nos para lhe contar quando chegar a altura”, diz.
Porque María Isabel quer que ele saiba. Quer que esteja preparado para se
defender do bullying que antevê que a criança irá sofrer, quando os
colegas de escola descobrirem as suas raízes. “Há muito bullying nos
colégios. No mundo, todos opinamos e apontamos o dedo. Não sabemos porquê, mas
fazemo-lo. Quero acompanhar o meu neto neste desafio, para o ajudar a perceber
connosco cada uma destas terríveis situações”, explica.
Se calhar é por isso que Pablo continua tão presente no seio da família. Como o
exemplo do que não se deve fazer, do que não se deve ser. É isso, pelo menos,
que María Isabel evoca, quando recorda como, no almoço dos 33 anos da filha, no
ano passado, voltou a chamar o marido à conversa. “Foi muito forte. Disse-lhe:
‘Filha, quero contar-te que aos 33 anos fiquei viúva, com dois filhos e com o
mundo a olhar-me de lado e a morte nas mãos.’ E nesse almoço, ela disse-me:
‘Mamã, não me contes isso.’ ‘Conto’, disse-lhe eu, ‘para que possas diferenciar
o que estás a cumprir aos 33 anos e como os cumpri eu’.”
Pablo Escobar nunca vai passar. A investigação mais recente a María Isabel e
Sebastián ainda decorre. E se ela for arquivada, não há qualquer garantia de que
outra não surja. As séries de televisão e os filmes vão, provavelmente,
continuar a ser feitos. Ela diz que viu pedaços de Narcos, “por
obrigação”, porque sabia que lhe iam fazer perguntas sobre isso nas entrevistas
a que a publicação do livro a obriga. “Custa-me imenso porque a série está muito
fora do contexto. O meu filho já apontou uma série de erros, com os quais
concordo plenamente. Quando me mostram a dizer que o apoio incondicionalmente…
Não é assim. Acompanhei-o como pai dos meus filhos e no meu amor havia uma
incondicionalidade, mas não nas coisas que fazia”, garante.
María Isabel poderá continuar a dizer até ao fim da vida que era uma ingénua
vítima da cultura machista do seu país, inocentemente apaixonada pelo seu marido
e unicamente preocupada em cuidar da família, que haverá sempre quem repita,
como o rancoroso líder dos Pepes: “Depois de ter vivido tantos anos ao lado
daquele monstro, a senhora deve ser parecida com ele.”
Ela pede que leiam o livro — como ela continua a fazer, várias vezes, diz, para
nunca se esquecer da responsabilidade que tem no mundo, a responsabilidade de
cada uma das palavras que ali escreveu. “Peço que me olhem nos olhos e comecem a
distinguir um ser humano que tem responsabilidades. Eu tenho responsabilidades
com os meus filhos, o meu neto de seis anos e as próximas gerações. Tocou-nos
uma história muito dolorosa e tenho trabalhado com muita gente, porque este
fenómeno das drogas é um fenómeno mundial e precisa de muitas vozes para que
possamos transcendê-lo. Estou a ler o livro Trás el grito, do jornalista
britânico Johann Hari [Chasing the scream, no original], sobre a guerra
às drogas e este é um fenómeno que começou 40 anos antes de Pablo Escobar
nascer. Há uma responsabilidade global para que possamos trabalhar entre todos,
para que esta história não se repita”, afirma.
Antes de desligar, María Isabel pára para pensar na resposta a mais uma
pergunta. Se pudesse voltar atrás, o que faria de diferente? Começa por falar
com um suspiro preso às palavras. “Aprendi que uma pessoa precisa de uma vida
para aprender e outra vida para vivê-la.” E, depois, resume tudo, na sua voz
pausada e pesarosa que não consegue esconder. “Esta história foi muito dolorosa
e forte para mim. Fiquei viúva aos 33 anos, mas há dez que vivia sem Pablo
Escobar, porque ele andava fugido à justiça. Posso dizer que desde os 23 anos
que estou sozinha. Tenho 58 anos e o preço que paguei por esta história foi
negar-me a possibilidade de voltar a ter um homem ao meu lado, porque morro de
medo, tenho pânico de me apaixonar e ser responsabilizada pelas decisões de
outra pessoa. Creio que esse preço que pago por não ser mulher, por não poder
voltar a abraçar a vida e o amor, é resposta suficiente para o que me
perguntas.”
patricia.carvalho@publico.pt