6-10-1892
O naufrágio do "Roumania" no Gronho, em 1892
O naufrágio do vapor “Roumania” ou S.S. Roumania, junto da Foz do Arelho, no sítio denominado “Gronho”, deverá ter sido um dos maiores desastres ocorridos na costa portuguesa em termos de perda de vidas humanas. Ocorreu na noite de 27 para 28 de Outubro de 1892. Ambas as datas costumam ser indicadas, mas será mais correcto indicar o dia 28, pois, segundo o testemunho dos sobreviventes, o navio terá encalhado perto da uma da manhã deste dia.
Na altura, os jornais noticiaram que o navio transportava muita carga e 122 pessoas entre passageiros, tripulação e Lascares (embarcadiços indianos que prestavam serviço nos navios ocidentais). Do inquérito feito em Fevereiro de 1893, porém, consta que o navio transportava
- 46 passageiros, incluindo 3 crianças e 5 bebés (infants), considerando como tais os que tinham até 3 anos;
- 18 tripulantes Europeus;
- 50 Lascares, sendo 21 ajudantes de convés, 19 da casa das caldeiras e 10 criados e cozinheiros.
Estranhamente, o inquérito fala a seguir de 115 pessoas a bordo, quando a soma dá 114. As listas de nomes publicadas na altura (Anexo 1) dão números ligeiramente diferentes.
Apenas se salvaram dois passageiros, militares, e sete Lascares. Pereceram todos os tripulantes Europeus.
Os passageiros eram sobretudo militares, missionários e funcionários civis ou familiares destes, que se dirigiam para a Índia, na altura, sob o domínio Inglês.
O S.S. Roumania era um vapor de 3 385 t. de tonelagem bruta e 2 207 t. de carga. Havia saído dos estaleiros de D. & W. Henderson, em Glasgow, em Dezembro de 1880. Tinha motores de 480 C.V. e media de comprimento 364 pés (110,95 m), de largura máxima, 38 pés (11,58 m) e de profundidade 28 pés (8,53 m). Atingia 24 nós (44,448 km.).
O navio saiu em 19 de Outubro, quarta-feira, de Glasgow para Liverpool para embarcar a carga e os passageiros. Deixou Liverpool com destino a Bombaim no sábado, dia 22, à meia noite. No farol de Point Lynas (cerca de 60 milhas a oeste de Liverpool), o piloto de Liverpool (piloto de barra) deixou o barco; diz o Times que o piloto que o substituiu e pereceu no naufrágio deverá ter sido um de Lisboa, mas é possível que não tenha embarcado nenhum.
Quando chegou à altura da Península Ibérica, o navio encontrou forte tempestade. Para além disso, na noite do acidente, poderia ter acontecido que não fossem muito visíveis os faróis, nem o das Berlengas, nem o do Cabo Carvoeiro. Seja como for, é impossível conhecer as causas reais por que o navio se desviou da sua rota.
Possivelmente para poupar combustível, foi escolhida a rota entre as Berlengas e o Continente, quando seria muito mais seguro passar ao mar largo a umas dezenas de milhas a oeste das Ilhas Berlengas.
Independentemente das causas do acidente, o que se sabe é que, na noite do dia 27, o navio se desviou da sua rota cerca de 20 milhas e, por volta da uma da manhã, com um pequeno estremeção, tocou na areia no Gronho, pouco a sul da Foz do Arelho. Os motores trabalharam mais alguns segundos ou minutos e depois encalhou de vez. Alguns testemunhos dizem que, antes disso, batera em rochedos, o que provocara rombos no barco, que começou a meter água.
A situação tornou-se irremediável quando o navio foi partido pela força das ondas. Quanto tempo depois de encalhar, é difícil determinar. Um testemunho falou em uma hora e meia, mas é tempo demais. Alguns Lascares disseram que foi apenas um quarto de hora, mas deve ser mais aceitável o espaço de uma hora, conforme testemunho no inquérito do Cap. Hamilton. O pânico apoderou-se de passageiros e tripulantes. Procuraram-se coletes salva-vidas, ninguém os conseguiu encontrar. Tentaram descer os botes para o mar, não conseguiram. As ondas, muito altas, invadiam o convés. Pouco a pouco, apagaram-se todas as luzes e tudo ficou às escuras. Um oficial da tripulação, ele sim, já com um colete salva-vidas, aconselhou os passageiros a permanecerem sossegados nas suas cabinas (!). A força do mar acabou por partir o navio e engolir quase toda a gente. O capitão do navio, que aparecera no convés em pijama, foi dos primeiros a ser levado pelas ondas. Disseram alguns que terá querido suicidar-se, ao dar conta do desastre; mas é impossível saber o que aconteceu realmente.
Os sete Lascares, que se salvaram, prestaram mais tarde testemunhos muito contraditórios; diziam que teriam encontrado um bote a boiar e que a ele se agarraram até chegar à praia. O mais provável é que, mais desembaraçados, tenham conseguido descer um bote e nele se meteram para salvar a pele; no primeiro depoimento deles aos jornalistas, afirmaram isso mesmo. Depois negaram, certamente com medo de serem acusados de não terem tentado salvar passageiros e oficiais da tripulação. Entre os Lascares que se salvaram, um Português de Goa, Francisco Xavier Moreno, que falava algum português.
Para que o leitor tenha uma ideia mais aproximada da realidade de como ocorreu o naufrágio, transcrevo a seguir o depoimento recolhido pelo Times dos dois passageiros sobreviventes. (No Anexo 3, os depoimentos prestados pelos mesmos à comissão de inquérito).
Capitão Hamilton
“I had been in bed all day, for I am not a good sailor, when, about 1 o’clock m the morning, Lieutenant Rooke, who was sharing my cabin, came down. He had undressed, and was just about to get into bed when the vessel struck. I jumped up at once, and then the vessel struck again, and the engines stopped working. Hastening into the passage, which was already crowded with passengers, I saw my wife, and then I went forward up the companion and across the bridge to amidships. I saw none of the officers there, but only some Lascars who were trying to lower a boat on the port side. It was drizzling at the time. I saw that I could do nothing, so I found my way aft again. The sea now began to break over the ship, and some of us went into the saloon. Soon after this the skylight of the saloon was broken, and we all moved up the passage further aft. My wife asked me about the life-belts, and I went into three cabins, but did not succeed in finding any. I had just found an ulster for my wife when the third officer came down and told us to remain below. The water began to put the lights out one by one until, at last, only one solitary lamp was left. At length that, too, went out, and we were left in utter darkness. From that moment the scene almost beggars description. So long as I live I shall be unable to efface from my memory the awful horror of that time. Volumes of water came crashing through the cabin walls, and the agonized shrieks of the women and children rang through the darkness. We were dashed about the cabins, and were unable to offer any resistance to the power of the waves. Then I felt a terrible blow on my head, and I became insensible. I remember nothing more until I found myself floating on the water on the seaward side of the ship. I succeeded at length in getting a desperate hold on a board which had been driven against me, but the force with which I was dashed against the wreck compelled me to relinquish my grasp. I floated about at the mercy of the waves; and, in order to allow of freer action in swimming, I cast off my clothes. I was tossed about for some time, and at length a wave carried me on to the beach. When I got ashore it was low tide, and the waves on the shoreward side of the vessel were by no means strong. I am thoroughly convinced that if there had been any organization on board the boats might have been lowered and the passengers saved. Our inability to find life-belts in the cabins deprived us of another means of escape. I should like to mention that the ladies behaved in a splendid manner. Until the last light was extinguished in the cabins not a sound escaped their lips.” |
"Eu tinha estado na cama o dia todo, porque não sou um bom marinheiro, quando, por volta da 1:00 m da manhã, o tenente-Rooke, com quem partilhava a minha cabina, entrou. Ele tinha tirado a roupa, e estava prestes a ir para a cama quando o navio tocou no fundo. Levantei-me logo, e então o navio tocou de novo o fundo, e os motores pararam de funcionar. Correndo para a passagem, que já estava cheia de passageiros, vi minha mulher, e depois subi a escada do convés e fui pela ponte até à meia-nau. Não vi ali nenhum dos oficiais, mas apenas alguns lascarins que estavam tentando fazer baixar um barco a bombordo. Na altura, caía chuva miudinha. Eu vi que não podia fazer nada, por isso voltei para a ré. O mar começou a então a bater forte no navio, e alguns de nós entrámos no salão. Logo a seguir, a clarabóia do salão foi quebrada, e fomos todos para a passagem até à ré. Minha mulher perguntou-me pelos cintos de salvação, e eu fui a três cabinas, mas não consegui encontrar nenhum. Eu tinha acabado de encontrar um impermeável para minha mulher quando o terceiro oficial desceu e nos disse para nos mantermos em baixo. A água começou a apagar as luzes, uma a uma, até que, por fim, ficou apenas acesa uma lâmpada solitária. Depois, também essa se apagou e ficámos em completa escuridão. A partir desse momento, o cenário tornou-se indescritível. Enquanto eu viver, serei incapaz de apagar da minha memória o horror daqueles momentos. Ondas enormes batiam nas paredes da cabina, e os gritos de agonia das mulheres e crianças soavam através da escuridão. Éramos atirados de um lado para o outro dentro das cabinas, incapazes de oferecer qualquer resistência ao poder das ondas. Então senti um golpe terrível na minha cabeça, e perdi os sentidos. Não me lembro de mais nada até que me encontrei a flutuar na água junto do navio do lado do mar. Consegui finalmente agarrar-me desesperadamente a uma tábua que tinha vindo contra mim, mas a força com que fui atirado contra os despojos do barco, obrigou-me a largá-la. Eu flutuava à mercê das ondas, e, de modo a permitir maior liberdade de acção na natação, tirei a minha roupa. Fui arremessado de um lado para o outro por algum tempo, até que uma onda me levou para a praia. Quando cheguei a terra era maré baixa, e as ondas no lado de terra do navio não eram fortes. Estou plenamente convencido de que se tivesse havido alguma organização a bordo, os barcos poderiam ter sido baixados e os passageiros salvos. A nossa incapacidade em encontrar cintos de salvação nas cabines retirou-nos um outro meio de escapar. Gostaria de mencionar que as senhoras se comportaram de um modo esplêndido. Até que a derradeira lâmpada luz se apagou nas cabinas, nem um som saiu dos seus lábios " |
Tenente Rooke
“Since our start we had experienced nothing but strong head winds, accompanied by excessively rainy weather. On Thursday, however, the wind abated and we all thought we were in for a good time. In Friday, about 1 in the morning, the weather was what I may describe as squally. We had all turned in to our berths, and I was undressing, when suddenly the vessel, which was proceeding in a leisurely fashion struck. Thinking some accident had occurred in the engineer's department I put on my dressing-gown and went on to see what was the matter. I found that the ladies had all rushed out of their cabins, in a wild state of alarm, eager to learn what had happened. I tried to reassure them by saying that it was, in all probability, nothing serious, but they remained unconvinced, and I was unable to avail their fears. I then hailed the bridge, and, as no answer was made to me, I went on deck. By this time enormous seas were breaking over us, and tons of water were pouring down the companion ladders. I found, to my horror, that the foot-bridge communicating with the hurricane deck had been already smashed to pieces by the action of the waves. Descending to the main deck I watched my opportunity and then, by making a sudden rush, I succeeded in reaching the hurricane deck. Then, for one brief moment, I saw the captain standing on the bridge, clad only in his pyjamas. The next minute he was washed overboard. In a few seconds, as it seemed, the bridge, too, was washed away. The Lascars lay about the deck moaning in their terror. Three English sailors made a desperate attempt to launch the forward boat on the port side, but their efforts were useless, and they were compelled to abandon the attempt. From where I stood I could distinctly see that we were close into the shore, for there were was no fog or rain at the time, and the night was not particularly dark. As I heard no orders given I resolved to return to the cabins and tell the passengers that I feared all was over with the ill fated ship, and that each must do his best to reach the shore. On my way, however, an enormous wave washed me overboard, and, although I am by no means an expert swimmer, I soon felt my legs touch the ground. In a few seconds I was standing on the shore. I must then have fallen asleep, for on coming to myself I could see no trace of the vessel. I went along the beach to try and find some of my comrades in distress, and soon came across a Lascar, by whose side I sat down and rested. Afterwards I continued my search and found six more Lascars. We all sat down and waited anxiously for the dawn, when we were able to make a complete search. We found Captain Hamilton and a second Lascar, who had been severely injured. I think the reason of the others not escaping death is that they could find no life-belts. Then, again, they were so knocked about in their cabins—where they were all told to remain by one of the ship’s officers—that they had no strength to swim ashore. Another reason was that the ship had heeled over seawards, so that as soon as they were plunged into the water they were probably dashed back again against the vessel’s side.“ |
"Desde a nossa partida havíamos tido fortes ventos de proa, acompanhados por tempo excessivamente chuvoso. Na quinta-feira, no entanto, o vento amainou e todos nós pensámos que viria bom tempo. Na sexta-feira, por volta da 1 da manhã, o tempo era o que eu posso chamar borrasca. Tínhamos todos regressado aos nossos beliches, e eu estava a despir-me, quando de repente o navio, que estava a navegar normalmente, bateu. Pensando que algum acidente tivesse ocorrido no departamento do engenharia, vesti o meu roupão e fui ver qual era o problema. Descobri que as senhoras todas tinham saído das suas cabinas, alarmadas, ansiosas para saber o que tinha acontecido. Tentei tranquilizá-las, dizendo que era, com toda a probabilidade, nada de sério, mas elas não ficaram convencidas, e eu era incapaz de as acalmar. Eu, então, clamei para a ponte de comando, e, não tendo recebido qualquer resposta, fui para o convés. Por esta altura, vagas enormes estavam a quebrar em cima de nós, e toneladas de água caíam em cima da clarabóia. Verifiquei horrorizado que a ponte de passagem para a coberta superior já tinha sido feita em pedaços pela acção das ondas. Descendo para o convés principal, apanhei uma oportunidade e, dando um salto, consegui chegar à coberta superior. Então, por um breve momento, vi o Capitão de pé sobre a ponte, vestido apenas de pijama. No minuto seguinte, ele foi arrastado pela água borda fora. Em poucos segundos, ao que parece, a ponte foi também destruída. O lascarins estavam deitados no convés gemendo aterrorizados. Três marinheiros Ingleses fizeram uma tentativa desesperada de lançar o barco da frente do lado do porto, mas os seus esforços foram inúteis, e eles foram obrigados a abandonar a tentativa. De onde eu estava, podia ver distintamente que estávamos perto da praia, pois não havia então neblina ou chuva, e a noite não estava particularmente escura. Como não ouvi que fossem dadas quaisquer ordens, decidi voltar para as cabinas e dizer aos passageiros que eu temia que tudo estava acabado com o malfadado navio, e que cada um deveria fazer o seu melhor para chegar a terra. No meu caminho, no entanto, uma enorme onda atirou-me ao mar, e, embora eu não seja de modo nenhum um nadador exímio, depressa senti as minhas pernas a tocar o chão. Em poucos segundos, eu estava de pé na praia. Devo então ter caído no sono, pois, quando vim a mim, não consegui ver nenhum vestígio do barco. Caminhei ao longo da praia para tentar encontrar alguns dos meus companheiros da desgraça, e logo deparei com um Lascarim, ao lado de quem me sentei e descansei. Depois, continuei minha busca e encontrei mais seis Lascarins. Sentámo-nos todos e esperámos ansiosamente pelo amanhecer, quando pudemos fazer uma busca completa. Encontrámos o capitão Hamilton e um segundo Lascarim, que tinha sido gravemente ferido. Penso que a razão de os outros terem perecido foi não conseguirem encontrar cintos de salvação. Depois, eles tinham sido tão atirados de um lado para o outro nas cabinas – tinham-lhes dito para ali ficarem por um dos oficiais do navio - que já não tinham forças para nadar até a praia. Outra razão foi que o navio se tinha inclinado para o lado do mar e assim, logo que mergulharam na água, foram provavelmente atirados novamente para trás contra o lado do navio. " |
Tem muito interesse uma narrativa publicada pelo Correspondente do Times no jornal de 1 de Novembro, descrevendo a sua primeira ida ao lugar do naufrágio na companhia do Tenente Rooke, em viagem de burro, desde Peniche até lá:
“Although suffering intensely Lieutenant Rooke mounted a donkey, and left with us for the sole purpose of identifying bodies. While we journeyed across some 12 miles of deserted dunes and sandy shore before reaching the ship, Rooke described what happened to him after he was washed ashore. He was naked on the sands till daybreak, when he saw seven Lascars clustered together, all more or less knocked about, and another Lascar, who died shortly afterwards. He sent one Lascar northwards, while he went southwards in search of a house and about 1 o’clock in the afternoon met a fiscal guard, who returned with him to the scene of the wreck. He was afterwards left alone in the niche of a cliff while the guard went to Óbidos to inform his superiors: but the guard did not return until next day. In the meantime Rooke strolled about in a nude state and met Captain Hamilton, who, in greatest grief, soon left him, and went in another direction. Hamilton was shortly afterwards met by someone from Peniche, and was taken to the hospital there. The next day (Saturday), meeting a cart drawn by oxen, Rooke and the Lascars were also taken to Peniche, after passing two days and nights in the open air. While they were on the shore, bands of savages pillaged the cargo washed on there, and carried away tons up the hills. “ |
"Embora sofrendo intensamente, o Tenente Rooke montou num jumento, e partiu connosco com o único propósito de identificar corpos. Enquanto viajávamos por cerca de 12 quilómetros de dunas desertas e praias de areia, antes de chegar ao navio, Rooke descreveu o que aconteceu com ele depois de ter sido atirado para terra. Ficou deitado nu na areia até ao amanhecer, quando viu sete Lascarins juntos, todos mais ou menos abatidos, e outro Lascarim, que morreu pouco depois. Ele mandou um Lascarim para Norte, enquanto ele próprio foi para Sul em busca de uma casa e por volta da uma hora da tarde encontrou um guarda fiscal, que voltou com ele para o local do naufrágio. Ele depois foi deixado sozinho no cimo de uma falésia, enquanto o guarda foi a Óbidos para informar os seus superiores, mas o guarda não voltou até ao dia seguinte. Entretanto, Rooke passeava em um estado de nudez e encontrou o capitão Hamilton, que, na maior tristeza, logo o deixou, e foi noutra direcção. Hamilton foi pouco depois encontrado por alguém de Peniche, e foi levado para o hospital de lá. No dia seguinte (sábado), num carro puxado por bois, Rooke e os Lascarins foram também levados para Peniche, depois de terem passado dois dias e duas noites ao ar livre. Enquanto eles estavam na praia, bandos de selvagens saquearam a carga largada pelo navio, e levaram toneladas pelas colinas acima." |
Quando o Capitão Hamilton veio a si na praia, estava em estado de choque. Durante dias ficou incapaz de acreditar que a esposa tinha perecido no naufrágio. Todos tinham escoriações e dois dos Lascares estavam gravemente feridos; tinham as roupas esfarrapadas e alguns estavam praticamente nus.
A notícia do naufrágio chegou a Peniche e um grupo de pessoas dirigiu-se para o local. Como referido na descrição acima, os sobreviventes foram levados para Peniche em carro de bois. Os Lascares foram levados para o Hospital, mas os dois Europeus quiseram ficar no hotel, apesar da oferta das autoridades para darem entrada no Hospital Militar.
Quem primeiro deu conta do naufrágio, foi sem dúvida o populacho sem moral que veio para as praias roubar os destroços do navio e da carga. O povinho defendia ali a peregrina teoria de que tudo o que o mar deita fora não tem dono, é de quem o apanhar, incluindo jóias e dinheiro no corpo dos náufragos. Iniciou-se assim uma luta das autoridades contra os abutres daquelas aldeias, que teve repercussões na imprensa portuguesa e internacional. Foram mobilizados militares para guardar os despojos. Houve mesmo rapinadores que morreram afogados ao tentar apanhar mercadorias derramadas pelo Roumania no mar.
Transcrevo de O Século, de 3 de Novembro de 1892:
Selvageria e roubos
Quando a notícia do naufrágio se espalhou, de todas as populações próximas acudiu o povo à praia, na intenção única de roubar.
A villania chegou a ponto que, para se arrancar os brincos a uma pobre morta, lhe foi rasgada uma orelha!
Os fardos de fazendas foram abertos, e toda aquella turba roubou peças de seda, de chitas, de pannos, caixas de vinhos da Madeira e do Xerez, tudo enfim, quanto lhe appetecia a cubiça desenfreada.
Achavam-se ali 20 praças de Caçadores 6 e alguns guardas fiscaes, mas tudo isso era pouco para manterem respeito aquelles selvagens, que, de cima das rochas, aggrediam à pedrada os soldados, que não podiam defender-se.
O mar tem arrojado para terra mais de 200 contos de fazendas, e o povo tem já roubado algumas dezenas de contos de réis! D’esta selvageria é responsável o administrador do concelho, porque devia ter requisitado forças militares e devia ter feito guardar toda a costa. “
Havia agora que identificar os corpos que o mar lançava nas praias e dar-lhes depois sepultura o mais condigna possível.
Os despojos do navio e da sua carga, e os cadáveres dos náufragos espalharam-se pela costa à altura do Gronho, Serra do Bouro, Vau, Óbidos, Baleal e Peniche. Chegaram a aparecer despojos na Ericeira.
De um modo geral, as autoridades locais portaram-se correctamente e fizeram todos os possíveis para rapidamente identificar os náufragos e dar-lhes sepultura. Apenas o Administrador de Óbidos tardou mais a tratar do assunto, pois, sabendo do naufrágio desde sexta-feira, só na terça-feira seguinte é que iniciou diligências.
O Administrador-interino de Peniche, Pedro Lourenço Barruncho, foi inexcedível no zelo e dedicação com que tratou de todos os assuntos. A 5 de Novembro, Francis H. Cooper, Cônsul de Inglaterra em Lisboa, dirigiu a esta autoridade um caloroso ofício agradecendo todos os cuidados que ele prestara aos súbditos ingleses.
Deslocou-se a Peniche o Cónego F. Godfrey P. Pope (da Cúria Anglicana de Gilbraltar), Capelão da Embaixada Britânica em Lisboa que prestou a ajuda possível, sobretudo na identificação dos corpos.
Por coincidência, encontrava-se também na Embaixada o Bispo Anglicano de Gilbraltar, Dr. Charles Waldegrave Sandford (1828 – 1903), que viera a Lisboa celebrar uma confirmação. E, também por infeliz coincidência, um seu sobrinho, Charles Douglas Sandford (n. 1865), filho de seu irmão, tinha perecido juntamente com a esposa no naufrágio. O Bispo recebeu um telegrama de condolências da Rainha Vitória.
O Bispo com o Cónego Pope dirigiram-se para Óbidos, logo que tiveram conhecimento da triste notícia e os dois eclesiásticos celebraram aí o primeiro serviço religioso fúnebre no dia 30.
Entretanto, o Embaixador Britânico em Lisboa, Sir Georgle Flynn Petre (1822-1905), dirigiu-se ao Governo Português pedindo fossem tomadas medidas para proteger os cadáveres e as suas propriedades, bem como a carga que se encontrava a bordo do navio. Estava ele em fim de mandato, pois, logo no fim do ano de 1892, foi substituído por Sir Hugh Guion MacDonnell (1832–1904).
Sete corpos foram sepultados também dia 30 no cemitério da Serra do Bouro. Um Senhor Mendonça, fotógrafo amador, tirou fotografias aos cadáveres para futura identificação. E, de facto, esse grupo foi identificado e encontra-se hoje numa zona separada do cemitério (talhão inglês), com as campas identificadas:
- Com um monumento funerário, Mrs. Burgess e o filhito, Arthur William
- Em campas rasas:
- Mrs. Beatty, com uma menção à Dr.ª Mary MacGeorge, companheira de viagem e de cabina, cujo corpo não foi recuperado;
- Miss Ida M. Pisanni
- Kathleen, esposa de Eric Lee
- Gladys Pollard, de 2,5 anos;
- Joyce Pollard, de 1 ano.
(NOTA: Efectuei a identificação das campas, servindo-me das fotos de Rui Manuel C. Prudêncio, aqui. )
Existem também três monumentos funerários no Museu Municipal de Peniche, que reproduzo a seguir e devem respeitar a corpos não encontrados.
Houve a preocupação de utilizar caixões de zinco, quando os corpos não estavam identificados, para que pudessem ser trasladados em qualquer altura. Quando era conhecida a identificação, utilizaram-se caixões de madeira; nesse caso, informa o Times, a trasladação só era possível após cinco anos.
No total, apenas foram recuperados menos de meia centena de corpos. Os restantes levou-os o mar. Entre estes, o corpo de Mrs. Hamilton, com grande desgosto do inconsolável viúvo.
Logo nos primeiros dias de Novembro, chegaram a Portugal familiares e amigos das vítimas que vinham procurar os corpos e/ou localizar as sepulturas.
Entretanto, as autoridades desencadearam buscas à carga e pertences dos náufragos que haviam sido roubados, tendo sido recuperada uma boa parte da carga roubada. Um dos esconderijos descobertos foi dentro da Igreja de Arelho.
O naufrágio teve grande repercussão. Pelo menos cinco dos náufragos eram ligados ao mundo missionário anglicano e, por isso, muito conhecidos nos meios religiosos.
Foram escritos vários poemas sobre o desastre (Anexo 2); aos transcritos, acresce o poema “The wreck of the Roumania” de Margaret Mortimer, publicado em 1893 no Weekly Irish Times, que não consegui localizar.
No final de Dezembro de 1892, ainda não tinha sido decidido efectuar qualquer inquérito ao naufrágio do S.S. Roumania, como informa o Times de 21 desse mês. Possivelmente porque, tendo morrido toda a tripulação, não haveria ninguém para ser punido, se se provasse que tinha havido negligência. Mas, em meados de Janeiro de 1893, foi decidida uma investigação ao caso, em que depuseram os representantes do armador, pilotos e autoridades marítimas, representantes das vítimas e, sobretudo, os dois europeus sobreviventes, Foi dispensado o testemunho dos Lascares que se haviam salvado, os quais tinham já regressado à Índia.
As testemunhas depuseram nas sessões de 13, 14, 15 e 20 de Fevereiro; a decisão final foi proferida no dia 22 de Fevereiro quarta-feira.
Como é natural, os representantes do armador quiseram demonstrar que o navio estava devidamente equipado e com a sua manutenção em dia, o que conseguiram, mas não totalmente. O navio levava 120 cintos salva-vidas, mas o Cap. Hamilton não conseguiu encontrar nenhum, procurando em três cabinas (o navio tinha 11 cabinas). Foi dito que os cintos terão sido retirados para arranjar espaço para as bagagens dos passageiros. Tem de se dizer, porém, que o 3.º oficial que apareceu aos passageiros com o cinto salva-vidas posto, faleceu também no naufrágio.
O navio tinha 6 botes, que deveriam chegar para 202 pessoas. Mas só os Lascares é que conseguiram fazer baixar um; numa inspecção realizada semanas antes do acidente, no porto, foi necessário um quarto de hora para descer um bote.
Ficou provado que, naquele dia, e naquele local, havia uma corrente muito forte, puxando para terra. Outros navios, alguma horas antes ou depois, viram as embarcações desviarem-se da rota uma dezena ou mais de milhas, tendo de corrigir o rumo.
Quanto aos faróis, foi dito que o farol das Berlengas tinha boa luz, mas só dava o clarão de 3 em 3 minutos. Este intervalo era muito longo. Se havia uma nuvem a passar tapando um clarão, ficava-se 6 minutos sem o ver.
Alguém aventou a hipótese de que os tripulantes tenham confundido o farol do Cabo Mondego com o das Berlengas, enganando-se assim na posição e na rota do navio.
Ficou claro que, depois de o navio encalhar, os oficiais de bordo não se capacitaram da perigosíssima situação em que o navio se encontrava e, por isso, não alertaram os passageiros.
No inquérito, foi ainda discutida a opção de contratar tripulantes Lascares (muito mais baratos), em vez de Europeus, que eram bastantes mais eficientes. Os Lascares não eram operacionais em situações de perigo e, sobretudo, em águas frias.
Foi conclusão da comissão de inquérito que “o navio estava devidamente equipado e com a sua manutenção em dia. Mas que tais navios deveriam levar mais Contramestres Europeus” e ainda que “os oficiais de bordo subestimaram o perigo depois que o navio encalhou e que o naufrágio se deveu a uma forte corrente em direcção a terra”.
PASSAGEIROS E TRIPULANTES DO S.S. ROUMANIA
TRIPULANTES
W.S. Young – Capitão
A.W. Loupitt – Imediato
John Stuart – 2.º Oficial
J. M’Millan – 3.º Oficial
James MacReadie – Engenheiro Chefe
Dr. Ginders – Médico
J. Ryorkman – Contramestre
Edward Murphy – Contramestre
James Watson – Contramestre
Angus Kennedy – Contramestre
J. Russell – segundo engenheiro
Ernest Brown – terceiro engenheiro
Henry M’Kay – quarto engenheiro
John Ross – Chefe dos criados
W. Rowe – carpinteiro
Jane Bald – criada
T. Bowman – Praticante
J. Hughes – Praticante
+ 50 Lascares
PASSAGEIROS
MRS. BEATTY E DR.ª MARY MACGEORGE
Mrs. Beatty (em solteira, Fanny Wallace), de Belfast, era esposa de William Beatty e ia para junto de seu marido que era missionário da Igreja Presbiteriana Irlandesa na Índia. Deixou 7 filhos, que estavam na Irlanda ao cuidado de familiares. Após a sua morte, o marido pediu a sua amiga, Mrs. George T. Rea, que escrevesse um livro sobre a vida dela, que saiu com o título A Broken Journey (ver bibliografia). Refere-se ali que viajavam na mesma cabina, Mrs. Beatty, Miss MacGeorge, Mrs. Lee e Mrs. Hamilton (as esposas iam separadas dos maridos).
Miss MacGeorge, médica, era também missionária da mesma Igreja e regressava ao seu posto de trabalho onde já estivera de 1885 a 1890, após um período de férias na Irlanda.
Após o naufrágio, a Igreja Presbiteriana Irlandesa enviou a Lisboa um seu membro, o Pastor Robert Jeffrey, para identificar os corpos das duas senhoras. Este dirigiu-se sem parar nem pernoitar a Lisboa, onde chegou na terça-feira, dia 1 de Novembro. Foi ele que identificou na fotografia do Senhor Mendonça Mrs. Beatty, mas, como já referi, o corpo de Miss MacGeorge não foi encontrado.
CAPITÃO GEORGE FREDERICK DASHWOOD HAMILTON E ESPOSA
O Capitão Hamilton pertencia ao Bengal Staff Corps e tinha na altura 32 anos. Viera de férias a Inglaterra e ali casara em 17 de Setembro de 1892 com Frances Maud Bellingham-Smith. Acompanhado pela esposa,que pereceu no naufrágio, regressava a Kurvachee, via Bombaim. É referido no livro The Register of Tonbridge School, 1820 to 1893 (ver bibliografia). Mais tarde, casou de novo em 18 de Outubro de 1899, com Margaret Muir Wolff. Ver Genealogia, aqui.
TENENTE B.P.S. ROOKE
Militar do 5.º Regimento de Cavalaria de Bombaim
TENENTE CHARLES DOUGLAS SANDFORD E ESPOSA
Charles D. Sandford (n. 1865) pertencia ao Indian Staff Corps. Tinha casado no mês de Junho anterior com sua prima, Miss Westmacott. Regressava ao seu posto, na Índia, depois das férias em Inglaterra.
MR. S. NICHOL
Mr. Nichol, de 23 anos de idade, ia ocupar um lugar em Calcutta na firma W. Graham and Co. Primeiro, comprou uma passagem no navio Algeria, directo a Calcutta. Mas depois mudou de ideias e decidiu ir via Bombaim e comprar a viagem no Roumania. É mencionado neste site.
MISS IDA MABEL BURBIDGE
Era filha do Cónego Burbidge, de Liverpool, e ia visitar sua irmã na Índia.
MISS DUNLOP
Viajava ao cuidado de Mrs. Burgess para ir visitar seus pais em Hyderabad, onde o seu pai tinha o posto de Inspector General of Revenue do Governo do Nizam.
MRS. BURGESS (LILLIE HAY), FILHO (ARTHUR WILLIAM) E AIA
REV. JOSEPH EDGE MALKIN
Mrs. Burgess era esposa do missionário William Burgess e regressava a Hyderabad, na Índia, depois de uma visita a seus filhos em Plymouth. Era uma mulher muito dinâmica e com muitas qualidades. Refere-se à actividade dela e de seu marido, o livro Vision and Venture (ver bibliografia).
O Rev. Joseph Edge Malkin era um jovem missionário que ia coadjuvar William Burgess.
MR. F. LITTLEWOOD
Era um jovem nascido em 1871, que ia tomar posse de um lugar como funcionário na Índia.
MRS. EDITH BLANCHE KNIGHT BOUTFLOWER, SEUS TRÊS FILHOS, DE 8, 4 E 2 ANOS, A AIA E AINDA SUA FILHA, MISS CATHERINE BOUTFLOWER (n. 1880) |
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Texto no monumento: “Consagrado à memória de WILLIAM OSWALD BOUTFLOWER de 4 annos e 2 mezes de idade, e de ESMEE MARJORIE BOUTFLOWER, de 1 anno e 8 mezes de idade, os quaes adormeceram a bordo do vapor inglez ROUMANIA, perto do Cabo Peniche em 28 de Outubro de 1892. Jesus disse: Deixae vir a mim os pequeninos.”
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Era esposa de William Nolan Boutflower, Inspector das Escolas na Índia. Este perdeu toda a família, com excepção de um filho que estava a estudar em Inglaterra. A família é referida neste site.
MRS. E. A. LEE (KATHLEEN)
Era esposa de Mr. E. A. Lee, funcionário superior na Índia. Regressava de uma estadia de seis meses em Inglaterra.
MRS. W. C. POLLARD, DUAS FILHAS E AIA
Era esposa de um Capitão do Exército em Bombaim. Terminara também uma estadia de seis meses em Inglaterra.
MR. ARTHUR HENRY ROOPER |
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Texto no monumento: “ARTHUR HENRY ROOPER born July 9, 1858, drowned in the wreck of the ship ROUMANIA off Peniche on October 28, 1892, eldest son of Major Rooper, of Huntingdonshire, England.”
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Tinha 34 anos, era fazendeiro em Ootsey, Mujerabad, Mysore, desde 1881, e tinha vindo a Inglaterra para umas férias de Verão. É referido neste site.
CAPITÃO JOHN EDGAR BARRY E ESPOSA (KATHLEEN ANNIE FRENCH)
Ele nascera a 24 de Junho de 1861. Pertencia ao 19.º Regimento de Infantaria de Bombaim. São referidos neste site.
MR. ARTHUR ERNEST HEALD
Nascido em 1869, viajava por motivos de saúde. Tinha ao seu cuidado Mrs. Horsford, de quem ia ser hóspede em Benares. Tem uma referência no livro Uppingham School Roll 1824 to 1894 (ver bibliografia).
MRS. HORSFORD
CAPITÃO BERNARD HERVEY RANDOLPH E ESPOSA MARY FRANCES PHELPS |
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Texto no monumento: “In loving memory of BERNARD HERVEY RANDOLPH, Captain in her Britannic Majesty’s Worcestershire Regiment and of Mary Frances his wife, who were drowned in the ship ROUMANIA, Oct. 28, 1892. R I P.”
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Tinham casado em 7 de Julho de 1892; a esposa era Mary Frances Phelps, de Waterpark-Limerick-Irlanda. Ele (de Londres) era irmão do Rev. Berkeley William Randolph (1858-1925), professor de teologia e escritor de livros de Religião. São referidos neste site e no livro citado de Sir Bernard Burke, pag. 562.
MISS MAUD VIOLET KIERNANDER
Deslocava-se ao Bangladesh para visitar o seu irmão Frederick Dudley Kiernander.
TENENTE EDMUND WARD THOMPSON E ESPOSA (LILIAN CLARA)
Ele tinha 23 anos e pertencia ao P.W.O. de Granadeiros de Bombaim. Tinham casado no dia 24 de Setembro de 1892. Há uma referência no livro Annals of Sandhurst (ver bibliografia).
TENENTE B.B.S. COOK
MR. J. G. HEATON E ESPOSA
MR. MALCOLM FLEMING
MR. J. H. HOLROYD
LADY JOHNSON, FILHA E AIA
Em solteira Ella Dyson, era casada com Sir Henry Allen William Johnson, 4.º Bt. de Bath (U.K.). É referida no livro Dod's peerage, baronetage and knightage (ver bibliografia)
MRS. KELLY
MRS. DE LANGE
MISS GERTRUDE MURRAY
MISS IDA M. PISANNI
LINES ON A LIFE-BELT.
(After Waller's “On a Girdle.“)
["According to the evidence of the only two witnesses who sailed with her, no Life-belts were forthcoming, when the Life-belts might have given many of those on board a last chance of life.”—The “Times” on the Inquiry into the Wreck of the “Roumania.”]
Shipwrecked Passenger loquitur:—
That which would give me ease of mind,
And hope of life, I cannot find.
No monarch but would give his crown
For a Life-belt, when ships go down.
It
would relieve extremest fear,
That circlet light, that cork-lined sphere;
But in dark nooks below above,
The careless crew such trifles shove!
A
narrow compass, and yet there
Dwells safety, but for want of care.
Give me the Belt, which can't be found,
And I might live, who must be drowned!
(PUNCH, OR THE LONDON CHARIVARI – March 4, 1893)
THE WRECK OF THE ROUMANIA
by William Cryer (from the book "Lays after Labour, or Evening Songs", 1902)
We speak with bated breath
Of comrades gone to death
Through awful scenes that baffle tongue
or pen;
We mourn the loved and brave
O'erwhelmed beneath the wave,
For sympathetic yet are Englishmen.
The bridegroom and the bride
Just from the altar's side,
The chorus of good wishes in their ears;
Together go to sleep
Where mighty billows leap,
Alas, for all our mortal hopes and fears !
Who will not mourn the young,
Whose artless, prattling tongue
The soul of parent shall delight no more ?
Mother and child were there,
And nurse with guardian care,
All dashed with fury on that rocky shore !
Shall we not mourn the crew
With skin of darker hue ?
Sad hearts in vain shall sigh for their return;
No kindly hand to close
Their eyes in death's repose,
Brave toilers of the deep, your fate we mourn !
Not less we grieve for them,
Whose bitter flood to stem,
Shall many a heart-hot word of love be said;
Brother on foreign strand,
In faith we take your hand,
And sorrow with you for your honoured dead.
Roumania ! Fatal word !
How will the soul be stirred,
When after years shall ring the tragic name;
But doubt not, deeds of grace,
In that dread moment's space,
Shall yet be blazoned on heaven's scroll of
fame !
Thou great and awful sea !
Dreadful in mystery,
What hearts beneath thy cruel rage have bled !
But thou shalt know the hour
Of thy Creator's power,
And thou shalt hear Him say," Give up thy
dead !"
ON THE LOSS OF MRS. BEATTY AND DR. MARY MAcGEORGE IN THE S.S. "ROUMANIA."
by Harriet Glasgow Acheson (from the book “Modern Irish Poets”, 1894)
God, we bow beneath thy stroke,
Thy people's first despairing "Why?"
Is hushed it was the Master spoke
In the wild gale and tempest high.
The Lord who calmed the sudden wave
For trembling hearts on Galilee,
Still swift to hear, and strong to save,
Was there amid the raging sea.
And when they cried for life was dear
An answer fast their hopes was given,
"Come home ! Your harbour is not here:
Ye ask for earth; I give you heaven."
But to our eyes the glory's veiled;
That shore seems far, a vision dim;
We can but think of hopes that failed
When sorrow stilled faith's soaring hymn.
The clouded homes, the hearts that bleed,
The Church's courts with mourners filled,
These are our share: the heathen's need
Calls for the labourers brave and skilled.
Yet still the Lord Jehovah reigns,
And he whose grace was strong in these
Can call from Erin's hills and plains
A host to serve Him if He please.
Can make our mourning Zion rise
With love new-kindled, sorrow-stirred,
Can bid her view with startled eyes
The heathen waiting for the Word.
TEXTOS CONSULTADOS
Jornal The Times
1892
Outubro – 29 e 31
Novembro – 1, 2, 3, 4, 5, 7, 11, 17 e 22
Dezembro – 19 e 21
1893
Janeiro – 3
Fevereiro – 14, 15, 16, 21, 23
Jornal The New York Times
1892
Outubro – 29, 30 e 31
Novembro – 1
Estão online em http://query.nytimes.com/mem/archive-free/
Jornal O Século
1892
Outubro – 31
Novembro – 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7
Mrs. George T. Rea, A broken journey, Memoir of Mrs. Beatty, wife of Rev. William Beatty, Indian Missionary, London, James Nisbet & Co., 1894
Online: www.archive.org
Lady MacDonell, Reminiscences of diplomatic life being stray memories of personalities & incidents connected with several European courts, also with life in South America fifty years ago, Adam & Charles Black, London, 1894.
Online: www.archive.org
Punch, or the London Charivari, March 4, 1893
Online: www.archive.org
W.J. Paul, Modern Irish Poets, Belfast, 1894.
Online: www.archive.org
G.G. Findlay, D.D. e W. W. Holdsworth, M.A., B.D., The history of the Wesleyan Methodist Missionary Society, Vol. V., London, The Epworth Press, 1924
Online: www.archive.org
William Cryer, Lays after Labour, or Evening Songs, London, 1902
Online: www.archive.org
James Croil, The Noble Army of Martyrs and Roll of Protestant Missionary Martyrs from a. d. 1661 to 1891, Presbyterian Board of Publication, Philadelphia, 1894
Online: www.archive.org
Uppingham School Roll 1824 to 1894, London: Edward Stanford, (o.u.), 1894
Online: www.archive.org
Rev. F. Golyer Sackett, Vision and Venture, a record of fifty years in Hyderabad, 1879-1929
London, The Cargate Press, 1930
Online: www.archive.org
Augustus Ferryman Mockler-Ferryman, Annals of Sandhurst: A Chronicle of the Royal Military College, London, William Heinemann, 1900.
Online: www.archive.org
The Register of Tonbridge School, 1820 to 1893, edited by W.O.- Hughes-Hughes, M.A., Richard Bentley and Son, London, 1893.
Online: www.archive.org
Dod's peerage, baronetage and knightage of Great Britain and Ireland for 1915, including all the titled classes (1918)
Online: www.archive.org
Sir Bernard Burke, A genealogical and heraldic history of the landed gentry of Ireland (1912), Harrison & Sons, London, 1912
Online: www.archive.org
Depoimentos no inquérito, do Cap. Hamilton e do Tenente Rooke, dia 14 de Fevereiro de 1893, terça-feira – THE TIMES, de 15-2-1893
CAPITÃO HAMILTON
Captain George Frederick Hamilton, one of the two European survivors, was the next witness. He said,— I am a captain in the Indian Staff Corp. and I engaged a passage in the Roumania for myself and wife. I understood that the ship would sail at 5 p.m. on October 22, and we reached Birkenhead shortly before 5, when we learnt she would not leave before midnight. When we got on board there was nobody to show us our berths. Our tickets were numbered, and I went and found them myself. Each cabin had four berths, and in my cabin I had the top berth on the left hand side looking forward. Mrs. Hamilton occupied the corresponding berth in the cabin opposite. I saw our luggage put into the cabins. I went to bed at about 10 o’clock. The ship sailed at midnight and when I went on deck the next morning I saw some land, which I was told was the Welsh coast. I was very seasick during nearly the whole of the voyage, and was not much on deck. I never joined the party in the saloon. I never saw any life-belts in my cabin, and neither of the stewards, nor anybody else connected with the ship, ever spoke to me about life-belts. I had a box in the cabin, and it was placed under the lower berth on my side. Each of the other three passengers in my cabin also had a box. The four boxes were stowed under the lower berths — two on each side. I have seen the tray, or rack, of life-belts that has been produced in this inquiry, but I never saw anything of the kind in my cabin. After we lost sight of the Welsh coast, I did not hear of any other land or lights being seen. The wind seemed to be in much the same direction during the whole of the voyage; it was a head wind. On the afternoon of the day before the wreck, Mrs. Hamilton spoke to me about the life-belts. She said, as far as I recollect, that they had taken the life-belts out of her cabin to make room for the luggage and she asked me if there were any life-belts in my cabin. I made a search in the cabin and found the boxes stowed away underneath the lower berths, but I saw nothing of any life-belts. At about 1 a.m. on the 28th, Lieutenant Rooke, who had one of the berths in my cabin, came down for the purpose of turning in. I had already turned in. Lieutenant Rooke was in the act of undressing, when we felt the vessel strike something. It was a very slight blow, a graze. I got up, and, having put on my overcoat, went out of the cabin, when I found that the other passengers had also come out of their cabins. They were all in the main passage and in the passages between the cabins. I went up on to the deck to see if I could find out what had happened. There was nobody belonging to the ship among the passengers at the time. I went on to the poop deck and across the gangway to the bridge house deck where I saw a lot of Lascars trying to get out one of the boats on the port side. Indeed they seemed to be at all the boats; they were making a great noise and fighting among themselves. At this time the ship was lying quite still, and the sea was not washing over her. She was quite upright. There were no Europeans among the Lascars, and while I was on deck I heard no Europeans give any orders. After being on deck for two or three minutes I returned to the cabin. I found I could not ascertain anything about what had happened so went back to my wife. I afterwards went with several others into the saloon, where we remained for about a quarter of an hour, but the sea then broke in the skylight of the saloon with the result that a great deal of water came in. Some of the male passengers then went on deck, and the rest of us remained in the passage. An officer afterwards came down, and we asked him how far we were from the shore and what we had better do. After looking round, be replied “you had better stop where you are", and he then went away. Mrs. Hamilton then asked me to go again and see if I could find some life-belts. I went into three cabins but found no life-belts in any of them. When I came back from the cabins I looked at my watch, and it was then a quarter to two. I had altered my watch by the ship’s clock each day. Very shortly afterwards all the lights in the saloon were extinguished, and the passengers in the passage were being drowned out. I then endeavored to help Mrs. Hamilton up through the skylight, when a heavy sea swept us both away. The cabins and the saloons at the time were full of water. The cabin walls also were broken down, and I was buried in the débris. I believe I was struck on the head by a piece of timber, and I thereupon became unconscious. When I recovered consciousness I was floating in the sea. I am a very good swimmer, and the first thing I saw on recovering consciousness was a light, apparently out at sea. I then turned round and saw high cliffs, which seemed to be right over my head. I came across a plank and got on to it, but very shortly afterwards I was carried against the wreck and lost my plank. I then attempted to swim towards the shore, but I found my clothes too heavy, so I took them off. I ultimately reached the shore, and, when I landed, was quite naked. Directly I got on to the beach I lay down where I was. I was in a fearful state. My feet were all cut and I could not walk. After I had been lying down for some time I crawled up towards the bottom of the cliff, but I saw nothing of anybody until Lieutenant Rooke and some Lascars found me the next morning. I was subsequently taken to the hospital at Peniche, where I discovered that my breastbone was broken, and I was spitting blood for a week afterwards. I have had experience of Lascars up on the hills in India and we find them absolutely useless in cold weather; they cannot stand the cold. [Respostas, quando interrogado] By Mr. PICKFORD. - (Representante dos parentes das vítimas) —When the officer came down into the saloon after the ship struck he did not say anything about life-belts, and I did not see any one of the passengers with a life-belt. While I was in the saloon I saw a lady washed overboard out of the passage way. I believe that my wife and I were the last persons alive in that part of the ship. When I went on deck after the stranding it was not foggy. I endeavoured to get Mrs. Hamilton through the skylight, because everybody was then drowning in the ship and it was the only chance I saw of getting away. The place was full of broken timber, with the water up to our waists. [Respostas, quando interrogado] BY Mr. BUCKNILL. - (Representante do armador) — I did not see the crew exercised at fire or boat drill during the voyage. On the Wednesday before the accident the Roumania rolled worse than any ship I have ever been in. When I joined the ship at Liverpool I went straight to my berth. I did not ask anybody to point out my berth; there was nobody to ask. I never spoke to anybody connected with the ship about the life-belts. The saloon skylight was smashed some time before the officer came down. I do not know why he came, and he left us again immediately. I believe that the wave which struck me when I was endeavouring to get my wife through the skylight broke in the side of the ship at that spot. It was a good hour after she struck before the skip broke up. |
Capitão George Frederick Hamilton, um dos dois sobreviventes europeus, foi a testemunha seguinte. Ele disse: - Sou Capitão da Indian Staff Corp. e comprei uma viagem no “Roumania” para mim e minha mulher. Disseram-me que o navio partiria às 5 da tarde de 22 de Outubro, e chegámos a Birkenhead pouco antes das 5, quando soubemos que ele não partiria antes da meia-noite. Quando chegámos a bordo não havia ninguém para nos mostrar os nossos beliches. Os nossos bilhetes estavam numerados, e eu fui e encontrei-os por mim mesmo. Cada cabina tinha quatro beliches, e na minha cabina, eu tinha o beliche superior do lado esquerdo de quem está virado para a frente. A Senhora Hamilton ocupou o beliche correspondente na cabina do lado oposto. Verifiquei a colocação da nossa bagagem nas cabinas. Fui para a cama por volta das 10 horas. O navio largou à meia-noite e quando eu fui ao convés na manhã seguinte, vi terra, que me disseram ser a costa de Gales. Eu estava muito enjoado durante quase toda a viagem, e não fui muito ao convés. Nunca me reuni com os outros no salão. Nunca vi nenhum cinto de salvação na minha cabine, e nenhum dos marinheiros, nem ninguém ligado ao navio, falou comigo sobre os cintos de salvação. Havia uma caixa na cabine, colocada sob o beliche inferior do meu lado. Cada um dos outros três passageiros da minha cabina também tinha uma caixa. As quatro caixas foram arrumadas sob os beliches - duas de cada lado. Eu vi o cabide dos cintos de salvação que foi mostrado neste inquérito, mas nunca vi nada desse género na minha cabina. Depois que perdemos de vista a costa de Gales, não ouvi que se avistasse qualquer outra terra ou luzes. Parecia que o vento soprava sempre na mesma direcção durante toda a viagem, era vento de proa. Na tarde do dia antes do naufrágio, a Senhora Hamilton falou-me sobre os cintos de salvação. Ela disse, tanto quanto me recordo, que tinham levado os cintos de salvação para fora da sua cabina para arranjar espaço para a bagagem; perguntou-me ela se havia alguns cintos de salvação na minha cabina. Eu fiz uma busca na cabina e encontrei as caixas arrumadas debaixo da beliches, mas não vi nada de quaisquer cintos de salvação. Por volta da 01:00 da manhã do dia 28, o Tenente Rooke, que tinha um dos beliches na minha cabina, desceu para se deitar. Eu já estava deitado. Estava o Tenente Rooke a despir-se, quando sentimos o navio tocar em algo. Foi um golpe muito ligeiro, um raspar no fundo. Levantei-me, e, tendo vestido o meu casaco, saí da cabine, e vi que os outros passageiros também tinham saído das suas cabinas. Estavam todos na passagem principal e nas passagens entre as cabines. Subi para o convés para ver se conseguia descobrir o que tinha acontecido. Não havia ninguém da tripulação do navio entre os passageiros nessa altura. Eu fui para a popa e pela escada do portaló até à ponte de comando, quando vi um grupo de Lascarins tentando baixar um dos barcos do lado do porto. Na verdade, eles pareciam mexer em todos os barcos; faziam um grande barulho e lutavam entre si. Nesse momento o navio estava imóvel, e o mar não estava caindo em cima dele. Estava parado, mas inteiro. Não havia Europeus no meio dos Lascarins, e enquanto eu estive no convés não ouvi os Europeus darem quaisquer ordens. Depois de estar no convés dois ou três minutos, voltei para a cabina. Achei que não conseguiria saber nada do que tinha acontecido, por isso voltei para junto de minha mulher. Fui depois ter com vários outros ao salão, onde ficámos por cerca de um quarto de hora, mas o mar, em seguida, quebrou a clarabóia do salão com o resultado de que uma grande quantidade de água veio para dentro. Alguns dos passageiros homens, em seguida, foram para o convés, e o resto permaneceu na passagem. Apareceu depois um oficial e perguntámos-lhe a que distância estávamos da costa e o que é deveríamos fazer. Depois de olhar em volta, ele respondeu "é melhor ficarem onde estão", e foi-se embora. A Senhora Hamilton, então, pediu-me para ir novamente e ver se eu conseguia encontrar alguns cintos de salvação. Fui a três cabinas, mas não encontrei cintos de salvação em nenhuma delas. Quando voltei das cabinas olhei para o meu relógio, e era então 01:45; eu tinha acertado o meu relógio pelo relógio do navio todos os dias. Pouco tempo depois, apagaram-se todas as luzes no salão, e os passageiros na passagem estavam a afogar-se. Então tentei ajudar a Senhora Hamilton a passar através da clarabóia, quando uma onda gigante nos atirou a ambos ao chão. As cabinas e os salões nessa altura estavam cheios de água. As paredes das cabinas foram também partidas, e eu estava enterrado nos escombros. Creio que fui atingido na cabeça por um pedaço de madeira, e fiquei então inconsciente. Quando recuperei a consciência, estava a flutuar no mar. Eu sou um nadador muito bom, e a primeira coisa que vi ao recuperar a consciência foi uma luz, aparentemente fora do mar. Voltei-me então e vi altas falésias, que pareciam estar mesmo sobre a minha cabeça. Encontrei uma prancha e pus-me em cima dela, mas pouco depois fui atirado contra os despojos do navio e perdi a prancha. Tentei nadar para a costa, mas achei a minha roupa muito pesada, e decidi tirá-la. Finalmente cheguei à costa, e deitei-me na areia, totalmente nu. Chegado à praia, deitei-me onde estava. Eu estava num estado lastimoso. Os meus pés estavam todos cortados e não podia andar. Depois de ter estado deitado durante algum tempo, arrastei-me até ao fundo da falésia, mas não vi nada nem ninguém, até que o Tenente Rooke e alguns Lascarins me encontraram na manhã seguinte. Fui posteriormente levado para o hospital de Peniche, onde descobri que tinha uma costela partida, tendo ficado a cuspir sangue durante uma semana. Eu lidei com Lascarins nos montes da Índia e concluímos que eles são absolutamente inúteis em tempo frio; não conseguem suportar o frio.
[Respostas, quando interrogado por Mr. PICKFORD, representante dos parentes das vítimas] . Quando o official desceu para o salão depois que o navio encalhou, não disse nada sobre os cintos de salvação e eu não vi nenhum dos passageiros com um cinto de salvação. Quando eu estava no salão, vi uma senhora lançada borda fora no caminho da passagem. Acho que eu e minha mulher éramos as últimas pessoas vivas nessa parte do navio. Quando eu fui ao convés, depois de parado o navio, não havia nevoeiro. Tentei passar com a Senhora Hamilton através da clarabóia, porque nessa altura todos se estavam a afogar no navio e era a única possibilidade de escapar. Estava tudo cheio de pedaços de madeira, e nós com água até à cintura.
[Respostas, quando interrogado por Mr. BUCKNILL, representante do armador] Eu não vi a tripulação fazer exercícios de fogo ou de baixar os barcos durante a viagem. Na quarta-feira antes do acidente, o “Roumania” navegava pior do que eu alguma vira com outro navio. Quando eu fui para o navio em Liverpool fui directamente para o meu beliche. Não pedi a ninguém para me indicar o meu beliche; não havia a quem perguntar. Nunca falei a ninguém ligado ao navio sobre os cintos de salvação. A clarabóia do salão foi partida algum tempo antes que o oficial descesse. Não sei por que é que ele desceu e ele foi-se logo embora. Penso que a onda que me atingiu quando eu estava a tentar fazer passar minha mulher pela clarabóia atingiu o lado do navio nesse local. Depois que o navio encalhou, passou à vontade uma hora antes que ele se partisse. |
TENENTE ROOKE
Lieutenant Rooke, the other European survivor, said he was going out to India to join his regiment, the 5th Bombay Cavalry. He went on board the Roumania at Birkenhead at about 4 p.m. on the 22d of October, and was shown to his berth by a steward. He had in the cabin with him a steel trunk and a Gladstone bag, which were placed under the lower berth on his own side of the cabin. While he was looking about the ship, neither the steward nor anybody connected with the ship pointed out any life-belts and he did not then see any. He had been on the ship two days previously when he saw the life-belts in racks or frames as had been described, but when no joined the steamer on the 22d he did not see them. On the day after they sailed he saw the coast of Wales, and, although he spent most of his time on deck, he did not see any more land until she struck early on the morning of the 28th. He never saw the crew exercised at either fire or boat drill. On the afternoon of the 27th of October he was speaking to the quartermaster, who was at the wheel in the wheel-house, when he saw chalked up on the wall of the wheel-house “ S. 2 W.” He asked what this meant, and the quartermaster replied, “ South two points west.” The same letters were still chalked up in the wheel-house after the ship struck. On the evening of the 27th he was in the smoking-room from 11 o’clock until about ten minutes to 1 on the 28th. He then went down to his cabin and undressed, and was just about to get into his berth when he felt a jar or a kind of wrench. He put on a dressing gown over his sleeping suit and went out of the cabin. He noticed that the screw had stopped, and he thought there had been some accident to her machinery. He subsequently heard the propeller moving again, and he told some of the lady passengers it was then all right. Very shortly afterward, the sea was washing over the upper desk, and as the ladies were clamouring for information he said he would try and find out what was wrong. He then went to the forward parts of the saloon and hailed the bridge, but could not make out the reply. He afterwards went up the companion, which was more or less obstructed by débris, and when he got to the top he found the smoking-room shattered. At this time he could see the land, but he could not say how far it was off. He then went down the ladder on to the main deck, and ultimately got across to the bridge deck. The seas were now washing over the main deck heavily. He opened the iron door and went into the passage or alleyway under the bridge. He found the alleyway crowded with Lascars, who were simply huddled together doing nothing. He then went on to the upper bridge. The captain was there with one or two others, one of whom was wearing a cork life-jacket. He then saw some Europeans endeavouring to lower the forward lifeboat on the port side, and he went to their assistance. One of the men was holding a blue light, and witness took the light from him and told him to help the others. Witness held the light until it went out and then, so far as he could see, all attempts to lower the boat were abandoned. The seas, by this time were breaking over the ship with increasing violence and a big wave shattered the upper bridge, the chart-house, and the wheel-house. Things on board were now becoming extremely uncomfortable, and he endeavoured to make his way aft to let the people there know that their only chance of saving their lives was to come up on deck. He had got as far aft as the funnel, when a big sea washed him overboard — fortunately on the shore side of the ship. After he had been in the water for some time he got hold of a life-buoy, and, having put it round himself, managed to reach the shore. When he got into the surf he was a good deal knocked about, but was not seriously injured. When he landed, he walked along the shore until he met some Lascars, but, as nothing could then be done, they went into a cleft in the rocks and sat down to wait for daylight. When daylight came they went along the beach until they found Captain Hamilton, who was ultimately taken to the hospital. So far as witness was aware, none of the bodies that were subsequently washed ashore had life-belts on. |
Tenente Rooke, o outro sobrevivente Europeu, disse que ia para a Índia para se juntar ao seu Regimento, o 5.º de Cavalaria de Bombaim. Entrou a bordo do “Roumania” em Birkenhead por volta das quatro horas da tarde no dia 22 de Outubro, e foi-lhe mostrado o seu beliche por um criado de bordo. Tinha na cabine com ele um baú de aço e um saco Gladstone, que estavam colocados sob o beliche inferior do seu lado da cabine. Enquanto ele estava sabendo coisas sobre o navio, nem o criado, nem ninguém ligado ao navio indicou quaisquer cintos de salvação e ele então não viu nenhum. Ele tinha estado no navio dois dias antes, e então viu os cintos de salvação em cabides ou molhos como foi descrito, mas quando foi para o navio no dia 22, não os viu. No dia seguinte depois que largaram, viu a costa do País de Gales, e, embora ele passasse a maior parte do tempo no convés, não viu mais nenhuma terra até que o navio encalhou, na manhã de 28. Ele nunca viu a tripulação a fazer exercício de fogo ou de baixar os barcos salvavidas. Na tarde do dia 27 de Outubro, estava a conversar com o contramestre, que estava ao leme na casa do leme, quando viu escrito a giz na parede "S. 2 W. " Perguntou o que significava aquilo, e o contramestre respondeu: "Sul, dois pontos a oeste." As mesmas letras estavam ainda escritas na casa do leme, quando o navio encalhou. Na noite do dia 27, ele esteve na sala de fumo desde 11:00 até cerca da meia noite e cinquenta do dia 28. Foi então para a sua cabina e despiu-se, e estava prestes a entrar no seu beliche, quando sentiu um raspar ou um ranger do navio. Vestiu um roupão por cima do pijama e saiu da cabina. Notou que a hélice tinha parado, e pensou que tinha havido algum acidente com as máquinas. Em seguida, ouviu a hélice de novo em movimento, e disse a algumas das passageiras que estava tudo bem. Muito pouco tempo depois, o mar estava invadindo o convés superior, e como as senhoras estavam clamando por informações, ele disse que iria tentar descobrir o que havia de errado. Ele então foi para a frente do salão e chamou para a ponte de comando, mas não conseguiu obter resposta. Ele depois foi até à clarabóia, que estava mais ou menos obstruída por escombros, e quando chegou ao topo, encontrou a sala de fumo em pedaços. Nesta altura, podia ver a terra, mas não conseguia saber a que distância. Desceu então a escada para o convés principal, e, a seguir, atravessou para o convés da ponte de comando. As ondas invadiam agora em força o convés principal. Abriu a porta de ferro e entrou na passagem ou corredor sob a ponte. Encontrou a passagem cheia de Lascarins, que estavam amontoados sem fazer nada. Ele foi para a ponte superior. O capitão estava lá com um ou dois outros, um dos quais tinha um colete salva-vidas de cortiça. Viu então alguns europeus tentando baixar o barco salvavidas da frente, no lado do porto, e ele foi lá para dar-lhes assistência. Um dos homens estava segurando uma luz azul, e a testemunha pegou na luz dele e disse-lhe para ajudar os outros. A testemunha segurou a luz até que ela se apagou e, em seguida, tanto quanto ele pôde ver, todas as tentativas para baixar o barco foram abandonadas. As ondas, por esta altura, quebravam sobre o navio com grande violência e uma grande onda quebrou a ponte superior, a casa da navegação, e a casa do leme. As coisas a bordo estavam a tornar-se extremamente desconfortáveis, e ele esforçou-se para fazer o seu caminho até à ré para dizer às pessoas que ali estavam que a única chance de salvar a sua vida era virem para o convés. Ele tinha chegado à chaminé, quando uma grande onda o atirou borda fora –por sorte no lado de terra do navio. Depois de estar na água por algum tempo, conseguiu apanhar um cinto de salvação, e, tendo-o colocá-lo em torno de si, conseguiu chegar à costa. Quando entrou na água, estava um pouco amassado, mas não ferido com gravidade. Quando chegou a terra, caminhou ao longo da costa até que encontrou alguns Lascarins, mas, como nada poderia fazer-se, entraram numa fenda nas rochas e sentaram-se para esperar o dia. Quando amanheceu, foram ao longo da praia, até que encontraram o capitão Hamilton, que acabou por ser levado para o hospital. Na medida em que a testemunha tem conhecimento, nenhum dos corpos que foram posteriormente atirados para terra tinha cinto de salvação. |
Adenda - 25-10-2011 - Encontrei agora na revista Weekly Irish Times de Sábado, dia 12-11-1892, o poema escrito por Margaret Mortimer, de Clonlara, na Irlanda.
Weekly Irish Times, November 12, 1892, page 4
WRECK OF THE ROUMANIA
“In their death they were not divided”
Oh, fearful night!
Of storm, and tempest and deep midnight gloom,
Of anguished waiting for impending doom;
When cheeks grew pale, and hearts stood still with fear,
At the grim thought of death, so near, so near,
Waiting like some dark, evil bird of prey,
To snatch them from each other’s arms away.
And loud and high
Above the roar of waters seething round,
Above the storm-wind’s fierce and angry sound,
Rose woman’s voice, shrill with wild despair,
As the dread summons came to each –
“Prepare
To meet thy God. A few short moments more,
And life for thee will be forever ov’r.”
It came at last.
A brief good-bye; and murmured words of prayer,
As mothers clasped their babes so young and fair,
Close to their hearts with lingering caress,
The last fond act of tearful tenderness,
And then, a quick, short strife with failing breath:
And after that, the silent calm of death.
And as they sank
Beneath the billows, yawning wide and deep,
Drowning their voices, pushing them to sleep,
Until the last faint cry had died away,
And in the dim sky dawned the coming day,
Did heaven’s glories meet their wondering eyes?
Its restful peace fill them with sweet surprise?
Did angels stand
Within the city, at the gate’s wide portal,
To welcome home with joy those souls immortal –
As they passed in, a re-united band,
To greet each other in that happy land;
To see His face, and reign with Him for aye,
In one long, endless, everlasting day?
And those we mourn-
The bridegroom and the bride * whose wedded hands
Were scarcely clasped, until at God’s command,
Their sun set ere ’t was noon, and night came on;
So swiftly did it ring to evensong.
Hushed be our tears; break not their slumber deep,
For “so He giveth His beloved sleep.”
This be our solace,
Jesus knows and feels; He sees it all,
And surely He who gave the final call
Will keep the loved ones safely in His care
Until, when life is o’er, we meet them there
Where earth’s last evening with it’s twilight gray
Shall merge at length to Heaven’s perfect day.
Clonlara MARGARET MORTIMER
*Captain and Mrs. Randolph
Adenda - 21-11-2011 - A Sr.ª Mary Hamilton Weirich de Washington, USA, que é sobrinha-bisneta do sobrevivente Cap. George Frederick Dashwood Hamilton (o bisavô dela era irmão dele), teve a bondade de me remeter cópia de dois textos importantes, de que me autorizou a publicação:
- I - Descrição da figura e personalidade do Capitão Hamilton da autoria de pessoa não identificada que, sem dúvida, o conheceu pessoalmente;
- II – Carta do Cap. Hamilton de 21-12-1892, dirigida ao responsável do Governo pela navegação marítima, pedindo o apuramento das responsabilidades pelo naufrágio. Nesta carta, ele faz acusações evidentes à tripulação que não foram retomadas no inquérito. Terá havido um acordo tácito para não fazer reparos à actuação dos tripulantes; afinal, tinham perecido todos no naufrágio.
I
“He was an exceptionally powerful man who never lost his presence of mind in a difficulty. On that occasion, he was shooting at Gangotri, and was standing with the beaters in jungle flanked by high rocks, when a large bear dashed out from a cave and made straight for the party. As the brute rose on its hind legs to strike, Hamilton hit out with his fist, knocked it down, and then shot it dead at his feet. It is probable that but for his promptness, one or more of the party would have been badly mauled. But apart from sport, Hamilton excelled at all games. He was to the fore in racquets, tennis and cricket and for a long time his sensational catch at Ambala in 1899 was remembered. He held a vicious smack by Brockwell of Jack Hearne’s bowling, although the force of the ball split his hand badly between two fingers.
That was the sort of man he was in his young days, burnt red and brown by the sun from the out-door life he led, and was hard as nails from constant exercise. And that is what he was when he had the misfortune to be one of the passengers on the ill-fated Roumania which was wrecked off the Burlings (*) outward bound. He was returning to India on the expiration of his furlough; he had just married; on board were his bride, her trousseau, all his belongings, in fact, as he said, everything he possessed in the world. He was one of two survivors (note – not including the Lascars). A powerful swimmer, he kept himself going in the heavy seas until he lost consciousness and awoke to find himself washed ashore, naked, cut and bruised and bleeding, owning nothing but himself…
It was a bad start for a fresh tour of service in India, and he was never the same man again. In course of time he so far recovered from his sorrow and the shock that he married again, but the strain had apparently tasked even his splendid physique and constitution beyond endurance. In 1902 he had a premonitory attack of the illness that altogether disabled him seven years later. He had a second stroke in 1909, and from that time he was bedridden, hardly capable of movement, an invalid beyond all hope of recovery. No one can grudge him his release from the sufferings of eighteen years. The pathos only lies in that a man of his vivid vitality should have had to bear them…”
II
Upon his recovery, Capt Hamilton wrote the following letter to the Under Secretary of the Marine Dept. Board of Trade from his address at: Faruoh, Bromley Road, Lee ?, on the 21st of December, 1892:
Sir –
In the matter of the wreck of the “S.S. Roumania” I have been prevented hitherto from tendering my evidence owing to the injuries which I have received and from which I am only now recovering.
I need not refer to the main circumstances of the case, which have been published in the papers; but I wish to urge on your Board the necessity of an enquiry, as a great sacrifice of life was occasioned, in the first place, by gross negligence in the navigation of the vessel, and in the second place, after the accident, from the absolute want of discipline and the absence of the necessary life-saving apparatus. In proof of the above statements, I beg to draw your attention to the following particulars:
As regards the navigation of the ship: The ship, on a fairly clear night, went ashore within 150 yards of the beach and within sight of the light-house of the “Birlings” (*) – this light was visible to me after the break up of the ship and during the rest of the night whilst I was in the water and as I lay on the beach. The lighthouse is distant some 7 miles from the wreck, and I am told that it can be seen for 25 miles. And that the ship was moving at the rate of some 5 or 6 knots an hour, so the light must have been visible for between 2 and 3 hours before the ship struck.
It seems very clear from this that no proper watch could have been kept, and this is further proved by what the “Serang” (?) of the Lascars told me the day following the wreck. His statement was to the effect – that the officer of the watch was “either drunk or asleep”; and that the two lascars who shared his watch, had been brought up from the forecastle to the bridge, where they probably shielded themselves behind the canvas from the rain which was following at intervals. The Birling light, of course, ought, if we were near it, to have been on our Portside, whereas it must have been visible for some time on the Starboard side. Further, if any lookout had been kept, the high cliffs must have been visible for some time before the vessel reached the spot where she struck, as they were clear above me when I was in the water. The fact that the vessel was in this position at all, is proof of negligent navigation; and the fact that I have adduced, simply serves to furnish the explanation that no proper watch could possibly have been kept.
As regards to the want of discipline: I went on deck as soon as possible after the ship struck and found no officers superintending the lowering of the boats, and that the wretched crew of Lascars seemed beyond control, fighting amongst themselves to get at the boats. It is a matter that the owners of the vessel should explain – why these boats could not be lowered immediately. It is evident that there was something wrong with the gear, as the only boat that apparently was lowered, was that in which the Lascars - - ? they got to shore.
Had it been possible to get the boats into the water, I have no doubt that the whole of the crew and passengers might have been saved.
From the time of the sinking of the ship, the greater number of passengers, consisting of helpless women and children, were left below without any attention of the part of the officers of the ship.
The third officer came down for barely a minute about half an hour after she struck, and I had only time to ask him, “How far were we from the shore” and “What we had better do?” to which he replied “You had better stay where you are”, and immediately went away.
As regards the absence of life-saving apparatus, I believe that life-belts had been originally in the cabins, but had been removed to make room for the passenger’s luggage; and this I conclude from the statement of my wife, who, on the day preceding the wreck, had come to me complaining that the life-belts had been taken out of her cabin, and asking if I had any in mine. I was sick at the time, but got up and searched my cabin, but could not find any. At the time of the wreck, and after the officer had come down and gone away, I searched three cabins at my wife’s desire, but could not find any life-belts.
I have no hesitation in saying, that, if the passengers had been provided with life-belts, seeing that we were well within 200 yards of the beach, a great number of lives would have been saved. The fact that I myself swimming without any such help, and Mr. Rooke, with the assistance of a life-buoy, which he chanced upon in the water, were able to get to shore, is sufficient proof of this.
This culpable negligence of one of the most important rules related to passenger ships has beyond any doubt caused the loss of so many lives.
It is my belief that the “Roumania” was carrying more than her proper number of passengers – the main facts above stated will be verified by Lieutenant B. P. S. Rooke, Lind Horse, whose evidence on other points apart from mine is valuable.
As we both have to return to India shortly, may I beg that our evidence may be taken by your Board as early as possible.
I am,
Sir,
Your obedient servant, (*) - Berlengas
George F. D. Hamilton Captain
Indian Staff Corps.