6-10-2006

 

Gabriel da Fonseca

(1585-1668)

 

 

Tal como acontece com seu tio Rodrigo da Fonseca, também Gabriel da Fonseca, médico ilustre do Papa Inocêncio X, é pouco conhecido em Portugal e celebérrimo no estrangeiro.

Nasceu ele em Lamego (alguns dizem que em Viseu), filho de Diogo Fonseca, e deverá ter feito estudos preparatórios algures, ainda em Portugal.

Saiu para o estrangeiro ainda muito jovem, pois matriculou-se em Pisa em 1603, onde se doutorou em 1609. Estas datas sugerem que terá nascido por volta de 1585.  Partiu para Pisa, certamente atraído por seu tio, prestigiado médico e Professor e possivelmente também por ser cristão novo, logo, sem perspectivas de futuro em Portugal. Mas nunca se lhe conheceram tendências judaizantes.  

Foi Professor de Lógica na Academia de Pisa nos anos lectivos de 1609/10 e 1610/11. Daqui foi para Roma onde foi Professor de Medicina na Universidade “La Sapienza” durante vinte e oito anos.

Em 1623, publicou em Roma o seu livro Medici Oeconomia, In qua omnia quae ad perfecti medici munus attinent breuibus explanantur, Romae: apud Andream Phaeum, uma espécie de tratado de deontologia médica.

 
 

Em Roma habitou na Praça de S. Maria sopra Minerva, onde, em 1626, contratou Orazio Torregiani para lhe construir um Palácio que ainda hoje existe e é o Hotel Minerva, cujo exterior está, porém, despojado da decoração original.

Juntamente com o Cardeal Juan de Lugo, teólogo espanhol, Gabriel Fonseca foi um dos primeiros incentivadores do consumo do “quinino” em Roma, como cura para a malária. A droga era confeccionada a partir da casca de uma árvore denominada “chichona”, originária do Peru, trazida para a Europa por missionários jesuítas e chamada por eles de “quina quina”, nome dado pelos indígenas sul-americanos. A casca era cozida ou dissolvida num fino pó, em muitas farmácias de Roma. O Cardeal Lugo pediu a Fonseca que examinasse a droga que lhe fora remetida pelos seus confrades Jesuitas. Uma das primeiras remessas de quinino do Peru coincidiu com um surto de malária em 1645, em Roma. Era conhecido como o “pó dos Jesuítas” e era distribuído de graça aos pobres.

Depois que Inocêncio X (antes, Cardeal Giovanni Battista Pamphili), foi entronizado em 4 de Outubro de 1644, Gabriel da Fonseca foi contratado seu médico pessoal, com principesca remuneração. Testemunha do prestígio ( e do proveito que dele tirava) de Gabriel da Fonseca foi, por exemplo, Vicente Nogueira que, em carta de 18-9-1651, dirigida a D. João IV, dizia "... o seu (do Papa) médico Fonseca, e nosso, português de Lamego e riquíssimo...".  Entre o Papa e o seu médico havia uma relação de estima e confiança que parecia indestrutível, tanto que o Papa considerava Gabriel da Fonseca, para além de médico, também seu conselheiro privado. Esta amizade durou oito anos até que, em 28 de Março de 1654, o Papa, que era de feitio muito irascível, expulsou o médico do Palácio e não quis mais vê-lo. Segundo Giacinto Gigli (1594-1671),  [Diário Romano –(1608-1670)], a azeda troca de palavras surgiu porque Fonseca respondera ao Papa “não sei quê” em defesa de um barbeiro que fizera sangue ao Pontífice.

Gabriel da Fonseca decidiu então passar tranquilamente o tempo que lhe sobrava de vida e empregar as enormes somas que ganhara ao serviço do Papa num empreendimento que considerava (e foi de facto) importante. Em 1660, encarregou o artista Gian Lorenzo Bernini (1598-1680), de reconstruir e decorar para ele a Capela de Santa Maria Anunciada na Igreja de S. Lourenço in Lucina. A obra foi acabada em quatro anos, portanto ainda antes da morte de Fonseca. No altar, uma cópia da Anunciação de Guido Reni da Capela da Anunciada – Palácio do Quirinal (1610), executada por Ludovico Gimignani em 1664. À esquerda do altar, um busto de Fonseca, executado por Bernini, que deve ter sido acabado só depois da morte de Gabriel da Fonseca (em 1668). Uma obra prima, na opinião geral (ver foto). O Guia Michelin considera-a demasiado teatral, certamente porque o redactor não acredita que Gabriel da Fonseca fosse tão devoto e religioso como Bernini o representou.  Ainda do lado esquerdo, um busto de Aloísio de Witten (falecido em 1868) que adquiru a capela quando, no sec. XVIII, se extinguiu a Família Fonseca. É provável que, anteriormente, no local deste busto, estivesse um outro alusivo à família do médico, tal como os dois bustos que se encontram do lado direito e que deverão ser obra de discípulos de Bernini.

Vale a pena transcrever a apreciação da Capela por um perito americano: 

For the papal physician Gabriele Fonseca's memorial chapel, dedicated to the Annunciation, he conjured up a vision - a chamber variation on his theme at Sant' Andrea. From the Holy Spirit in the lantern a stucco descant evolves into full-bodied bronze angels elevating the altar- piece, a copy of Guido Reni's Annunciation in the Quirinal palace. The donor portrait - a work of the early 1670s - emerges from the side, as if from a triptych wing, and into our own space. Clutching a rosary, his other hand pressed to his breast, Gabriele turns toward the altar: his profile parallels his namesake Gabriel's at the moment of Incarnation. This "praying likeness" - the distillation of Catholic piety - is the climactic resolution of a motif Bernini had introduced a half-century earlier with the "speaking busts".

(De: Transfigurations: Bernini's Last Works, Charles Scribner, III, Proceedings of the American Philosophical Society, Vol. 135, No. 4 (Dec., 1991), pp. 490-509)

Deste modo, ficou imortal o nome de Gabriel da Fonseca, para além do seu papel na difusão do quinino. A Capela deixou de ser de Santa Maria Anunciada para passar a ser designada sempre de Capela Fonseca. É este o nome referido sempre que se escreve sobre as obras de Bernini.

No seu testamento, Gabriel da Fonseca, volta à sua Capela: “Depois da minha morte, quero que o meu corpo seja sepultado na Venerada Igreja de S. Lourenço in Lucina, na qual estão sepultadas a minha querida mãe, Senhora Isabel Cardosa Fonseca e a minha dilecta irmã, Senhora Isabel Cardosa Violana Fonseca, na sepultura da minha Capela de Santa Maria Anunciada, que mandei reconstruir e aperfeiçoar, e ordeno que os restos mortais daquelas (mãe e irmã) sejam transportados para a mesma sepultura da minha Capela, depois de obtida a autorização de quem de direito. Sobre a sepultura deverá fazer-se uma inscrição com o meu Sobrenome, Pátria, etc. e também especificar as honras e cargos que me foram concedidos pela fidelíssima memória de Inocêncio X e o Professorado que exerci em La Sapienza de Roma.”

O testamento prossegue encarregando o filho Gaspar Fonseca de tratar de todos os assuntos respeitantes à Capela e, na sua falta seu filho Baltasar. Os filhos não cumpriram, pois, ao que se sabe, a lápide não foi feita, a menos que tenha desaparecido.

O historiador Ângelo Fabroni, na sua Historia academiae Pisanae (3 vols.), refere-se assim a Gabriel da Fonseca, a propósito da sua passagem por Pisa (tradução algo livre do latim):

No conjunto dos médicos portugueses, mas não do mesmo tempo, incluem-se Damião Dias e Gabriel Fonseca. Como referido noutro lugar, de Portugal vieram até nós professores de jurisprudência, de filosofia e de medicina, com conhecimentos e agudo engenho de muita valia. Mas, nascidos noutra língua e noutros costumes, acabavam por não ser muito frequentados pelos alunos e muitas vezes a sua inconstância dava ocasião para repreensões.

.........................

Foi mais célebre (do que Damião Dias) Fonseca (Gabriel) , veemente nas discussões, ácido, acutilante, não desprovido de palavras, nem banal, e que virá a ser considerado óptimo filósofo e médico, se esperares um tempo. Saiu a sua obra com o título Medici Oeconomia em Roma, em 1623, dedicada ao Cardeal Bórgia; e, exercendo medicina em Roma, foi mais tarde declarado Médico do Rei de Espanha.

A 20 de Maio de 1668, Gabriel da Fonseca falecia em Roma.

 

 

LIVROS PUBLICADOS

 

Gabrielis A Fonseca Lusitani, Medici oeconomia. In qua omnia quae ad perfecti medici munus attinent breuibus explanantur. Romae : apud Andream Phaeum, 1623

Notas:

1 - Existem exemplares pelo menos na British Library e na Biblioteca Nazionale Centrale, de Florença.

2 - É-lhe atribuída a autoria de Historia Medica, Consultationes et  Febrium Pestilentium e Convivia Medicinalia, mas não consegui comprová-la.

 

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

Bibliotheca lusitana historica, critica, e cronologica : na qual se comprehende a noticia dos authores portuguezes, e das obras, que compuserão desde o tempo da promulgação da Ley da Graça até ao tempo presente, por Diogo Barbosa Machado (1682-1772), 4 vols., 1741. Transcrito aqui.

 

Nicolau António, Bibliotheca Hispana noua : sive Hispanorum scriptorum qui ab anno MD ad MDCLXXXIV floruere notitia / auctore D. Nicolao Antonio ; tomus secundus, Madrid, Apud Joachimi de Ibarra., 1788. Online aqui (págs. 541 do software).

 

Angelo Fabroni (1732-1803), Historia academiae Pisanae, Excudebat Cajetanus Mugnainius, 1791. Online aqui.

 

Estêvão Rodrigues de Castro, Obras poéticas em português, castelhano, latim, italiano, texto editor e inéditos coligidos, fixados, prefaciados e anotados por Jacinto Manuppella, Coimbra, Imprensa da Universidade, 650 págs.

 

Giuliana Volpi Rosselli, I portoghesi nell’Ateneo Pisano in epoca medicea (1543-1737) in

Toscana e Portogallo, miscellanea storica nel 650o aniversario dello Studio Generale di Pisa, Studi del Departimento di scienze della politica dell'universita di Pisa, ETS, Pisa, 1994, 376 págs.

  

Vicente Nogueira, Cartas inéditas ou dispersas, prefácio e notas por Andrée Crabbé Rocha, Faculdade de Letras, Coimbra, 1972.

 

Judy Dobias, Gian Lorenzo Bernini's Fonseca Chapel in S. Lorenzo in Lucina, Rome, in The Burlington Magazine, Vol. 120, No. 899 (Feb., 1978), pp. 65-71

Online: http://jstor.org

Fabio Barry, New Documents on the Decoration of Bernini's Fonseca Chapel, The Burlington Magazine, Vol. 146, No. 1215, Decorative Arts (Jun., 2004), pp. 396-399

Online: http://jstor.org

 

Jesuits bark - Catholic Encyclopedia

 

Jesuits bark - Wikipedia

 

University of Minnesota

 

 

 

GABRIEL DA FONSECA natural da Cidade de Vizeu, e sobrinho do Doutor Rodrigo da Fonceca Cathedratico de  Medecina em a Universidade de Pisa em cuja Arte fez taes progressos  que podia ser emulo de seu Tio, chegando a ser Lente em a mesma Universidade, e depois em a Sapiencia de Roma onde pelo judicioso methodo com que triumfava das infirmidades mais perigosas, foy Medico dos Summos Pontifices Innocencio X. e Alexandre VII. merecendo distinctas estimaçoens das principaes pessoas da Curia Romana onde falleceo em 20. de Mayo de 1668. Jaz sepultado na Igreja de S. Lourenço in Lucina na Capella dedicada à Encarnação do Verbo Divino primorosamente fabricada. Delle se lembrão com Elogios Nicol. Ant. Bib. Hisp. Tom. 1. pag. 387. col. 1. Abrah. Mercklin. Lind. Renovat.Vander Lindeu Scrip. Med. Leo Allatius Apes Urbanae. pag. 157.

  

Compoz.

  

Medici Oeconomia.  Romae apud Andraeam  Phaeum 1666.  8.

 

Historia Medica.  A esta obra allega Pedro Servio Dissert. de unguento Armario n. 20. intitulando a seu author  Medicum praestantissimum.