6-4-2018
ESTUDOS FINANCEIROS
Inova-Artes Gráficas, Porto - 1980, separata de Portugal Judiciário
Portugal Judiciário n.º 42, de 15-3-1980, pags. 12 a 14
A INTRODUÇÃO DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO, UMA EXIGÊNCIA DA ADESÃO À CEE
Como é sabido, a adesão de Portugal à Comunidade Europeia (CEE) implica a aceitação do direito comunitário em vigor nos países do Mercado Comum, designado vulgarmente por “acquis communautaire”: é possível, porém, acordar nas negociações de adesão num período transitório, durante o qual serão permitidas algumas derrogações a certas normas, período que poderá variar conforme os campos a que se aplica.
Em matéria fiscal, verifica-se que a harmonização no interior da CEE se encontra mais avançada no campo da tributação indirecta, tendo culminado na adopção de uma base tributável uniforme para o imposto sobre o valor acrescentado, em vigor em todos os países membros - 6.a Directiva de 17 de Maio de 1977 (JOCE. L 145, de 13 de Junho de 1977).
Antes de averiguar as implicações que terão para Portugal as directivas em matéria de impostos sobre as transacções, convirá saber por que se encontra tão adiantada a harmonização nesse campo, quando é sabido que os Estados são particularmente lentos a implementar qualquer modificação do sistema fiscal e especialmente avessos a abdicar da sua soberania nesta matéria, em favor de normas supra-nacionais.
Ora o que aconteceu foi que aos países do Mercado Comum se apresentaram duas exigências sucessivas em matéria de impostos sobre as transacções, que não deixaram aberta outra via que não fosse a da harmonização. A primeira resulta directamente da criação da União Aduaneira; a segunda, da criação de um imposto comunitário.
a) A adopção do imposto sobre a valor acrescentado nos países da CEE — exigência da União Aduaneira,
Quando em 25 de Marco de 1957 foi assinado o Tratado de Roma, jà todos as países signatários lançavam impostos sobre as transacções, mas de modos bastante diversos. A Alemanha, a Luxemburgo e a Holanda adoptavam um imposto em cascata, pelo qual as produtos eram tributados sempre que fossem objecto de transacção, no decurso do processo produção-distribuição. 0 total do imposto dependia pois do comprimento do circuita produção-distribuição, ou seja, da maior au menor integração das empresas que nele intervinham. Daqui resultava a enorme dificuldade de saber exactamente a montante do imposta pago par cada produto final.
A Itália e a Bélgica lançavam um imposto do mesmo género, mas, em relação a muitos produtos acabaram par o substituir por impostos de taxa única na produção ou na venda par grosso, a que tomava a tributação indirecta particularmente complexa, devido à multiplicidade de impostos e taxas, diferenciados por produtos.
Apenas a França tinha já em vigor um imposto sobre o valor acrescentado, embora limitado aos produtores e comerciantes por grosso: era depois completado por um imposto local sobre o consumo e outro sobre as prestações de serviços.
A entrada em vigor da União Aduaneira fez surgir dois problemas: o cálculo das restituições à exportação e a influência da fiscalidade sobre a concentração das empresas, distorcendo a concorrência.
O art.º 97.º do Tratado de Roma permitia a restituição aos exportadores dos impostos em cascata incorporados nos produtos, calculados a partir de taxas médias. Ora, se esse cálculo era fácil no caso do imposto sobre o valor acrescentado francês, era já bastante mais difícil ou mesmo impossível em relação aos outros cinco países, onde era preciso entrar em linha de conta com o comprimento médio do processo-distribuição.
De qualquer modo, era sempre possível um erro no cálculo do reembolso do imposto a fazer aos exportadores. E o mais provável era que esse reembolso fosse efectivamente superior aos impostos incorporados nas mercadorias, constituindo deste modo um subsídio encoberto à exportação: era a verdadeira negação de uma União Aduaneira.
Para além disso, o imposto em cascata favorece, como já dissemos acima, as empresas integradas e é deste modo uma distorção grave da concorrência, de origem fiscal; daí a adopção de sucessivos impostos únicos na Bélgica e em Itália.
Foi por estes motivos que a Comissão das Comunidades Europeias instituiu em 5 de Abril de 1960, um Comité Fiscal Financeiro, encarregado do estudo dos problemas de politica fiscal e financeira na CEE; este apresentou em Julho de 1962 as suas conclusões (Relatório Neumark) nas quais recomenda a adopção do imposto sobre o valor acrescentado em todos os países do Mercado Comum como solução para as inconvenientes antes descritos.
Será preciso no entanto esperar por 1967 para que sejam adoptadas as duas primeiras directivas em matéria de impostos sobre as transacções (11 de Abril de 1967 — traduzidas em Ciência e Técnica Fiscal n.° 147, Março de 1971, págs. 117-144).
A primeira directiva impõe aos Estados membros a adopção do imposto sobre o valor acrescentado, substituindo os impostos sobre as transacções em cascata, com o objectivo de conseguir uma tributação neutral em face do concorrência, já que, no interior de cada pais, as mercadorias suportam todas o mesmo imposto, seja qual for o comprimento do circuito económico e, nas trocas internacionais, é aplicado uniformemente o principio do tributação no país do destino, saindo todas as mercadorias desoneradas de qualquer imposto (mas também não beneficiando de qualquer subsidio) do país do origem.
A segunda directiva determina a estrutura e as modalidades que deve revestir o sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, deixando porém uma grande margem de manobra aos legisladores nacionais.
Assim se concretizou a primeira etapa da harmonização dos impostos sobre as transacções; o seu objectivo era bem limitado: tratava-se de suprimir as distorções fiscais, susceptíveis do falsear o jogo da concorrência. Será preciso uma exigência do outra ordem, para que os países do CEE se decidam a ir mais longe.
b) A harmonização dos impostos sobre o valor acrescentado — exigência do financiamento das despesas comunitárias.
Como todas as instituições, as Comunidades Europeias têm as suas despesas que é preciso financiar.
Nesse campo, há que distinguir entre a CECA por um laso e a CEEA, por outro. De facto, a CECA é financiada por uma taxa sobre a produção comunitária de carvão e aço, que não poderá exceder 1 % (n.º 2 do art.º 50.°); trata-se, portanto, de autênticos recursos próprios da CECA, num quadro orçamental submetido ao controlo do Parlamento. O caso era diferente para a CEE e a CEEA.
Os dois Tratados da Roma de 25 de Marco de 1957 que instituíram a CEE e a CEEA previam que o orçamento das duas instituições fosse financiado em função das despesas a efectuar, por contribuições dos Estados membros, a repartir segundo uma chave prevista no n.º1 do art.° 200.° do Tratado CEE e do n.º 1 do art.º 172.º do Tratado CEEA. Estas contribuições cobriam não apenas as despesas de funcionamento, mas também as despesas de intervenção na economia, feitas a partir dos órgãos comunitários.
A situação começou a modificar-se com a entrada em vigor da Politica Agrícola Comum. O aumento das despesas do FEOGA (Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola) veio evidenciar a conveniência de substituir as contribuições dos Estados membros por recursos próprios, de modo a conseguir o financiamento integral dos orçamentos das Comunidades Europeias, como já se previa no art.° 201.º do Tratado que instituíra a CEE.
Foi a decisão de 21 de Abril de 1970 (J.O.C.E. L 94, de 28 de Abril de 1970), tomada pelo Conselho de Ministros em aplicação dos. art.°5 201.º/CEE e e 173.º /CEEA que por fim atribuiu às Comunidades Europeias recursos próprios, aptos a permitir-lhes a cobertura integral das despesas. Tal decisão permite às Comunidades Europeias ter autênticas receitas fiscais, constituídas por:
1) Taxas, imposições compensatórias e direitos lançados no quadro da Politica Agrícola Comum;
2) Direitos alfandegários, estabelecidos nos termos da Pauta Exterior Comum, nas relações comerciais com terceiros países;
3) Uma fracção do imposto sobre o valor acrescentado, cobrado por cada Estado membro, que não excederá 1 % da base tributável determinada de um modo uniforme pelos Estados membros, segundo regras comunitárias. Quer dizer: o imposto sobre a valor acrescentado financiaria a parte do orçamento das Comunidades que as outras receitas não cobrissem.
4) Havia pois que estabelecer regras comunitárias para a determinação de uma base tributária uniforme do IVA em todos os países membros. É nesse sentido que a Comissão propõe ao Conselho, em 29 de Junho de 1973, uma 6.ª Directiva em matéria de harmonização dos impostos sobre as transacções—sistema de IVA—base tributável uniforme, publicada depois no suplemento n.º 11/73 do Boletim das Comunidades Europeias. A proposta uniformizava a base tributável pelo estabelecimento de regras comuns, preconizando um mesmo campo de aplicação do imposto em todos os países, no que respeita aos sujeitos passivos, operações tributáveis a isentas, modos de determinação da matéria colectável, regimes particulares, etc.
5) Atrasou-se porém o procedimento para a aprovação da directiva e a base tributável não pôde ser uniformizada ate 1 de Janeiro de 1975, como estava previsto. Houve pois que fazer vigorar o n.° 3 do art.° 4.° da Decisão de 21 de Abril de 1970, que previa neste caso que a contribuição financeira de cada Estado Membro para o orçamento das Comunidades é determinada quota-parte do seu produto nacional bruto (aos preços de mercado) em relação à soma dos produtos nacionais brutos dos Estados membros”. Não são ainda receitas fiscais, mas contribuições dos Estados membros. O art.º 23.º do Regulamento CEE,EURATOM, CECA n.º 2/71 do Conselho (J.O.C.E. L 3, de 5 de Janeiro de 1971) declara que, para o efeito, produto nacional bruto aos preços de mercado, será a média aritmética dos três primeiros anos do período que precede o exercício em causa. Este sistema de cálculo é baseado nas paridades declaradas ao FMI e faz acrescer de um modo artificial o PNB dos Estados cuja moeda se encontra desvalorizada de facto, condenando-os a uma contribuição maior para o orçamento das Comunidades.
Entretanto, chegou-se em 17 de Maio de 1977 à aprovação da 6.ª Directiva que, como todas as directivas comunitárias, nos termos do art.° 189.° IV, do Tratado CEE, obriga os Estados membros quanto aos resultados a atingir, deixando-os livres quanto aos meios e forma utilizados. As legislações nacionais deveriam ter sido adaptadas a esta Directiva até 1-1-1978, prazo depois adiado para 1-1-1979; mas a Alemanha, Irlanda e Luxemburgo apenas fizeram tal adaptação no decurso de 1979. Por isso, a contribuição destes três países para o orçamento das Comunidades de 1979 foi ainda calculada em proporção ao seu PNB no conjunto dos nove países (2.° Orçamento de 1979), no J.O.C.E. L 157, de 25 de Junho de 1979). Mas as contribuições dos outros seis países basearam-se já na base tributável determinada nos termos previstos nos Regulamentos financeiros n.ºs 2891/77 e 2892/77, de 19 de Dezembro de 1977 (J.O.C.E. L 336, de 27 de Dezembro de 1977).
c) A adopção por Portugal, do imposto sobre o valor acrescentado.
Portugal deve, pois, introduzir a imposto sobre o valor acrescentado após a sua adesão a CEE, porque a base tributável deste imposto deverá servir para a cálculo da sua contribuição financeira para o orçamento das Comunidades.
Dadas as dificuldades para a determinação de regras uniformes para a determinação da matéria colectável do imposto, a Alemanha havia ainda proposto em Junho de 1974, que tal base tributável fosse determinada apenas estatisticamente, com base nos dados das contas nacionais, isto é, sem exigir a harmonização das legislações dos Estados membros, mas tal proposta não foi aceite.
Há pois que introduzir entre nós o imposto sobre o valor acrescentado.
Mas quando?
Desde a data da adesão?
Como em muitíssimos outros campos, certamente também aqui nos será permitido um período transitório. É que o imposto de transacções, em vigor entre nós, não tem o grande inconveniente dos impostos em cascata, isto é, não é distorcivo da concorrência internacional, visto que não são efectuados quaisquer reembolsos ou subsídios aos exportadores: as mercadorias exportadas não pagam imposto.
Diferente é o caso da Espanha, onde é cobrado um imposto cumulativo em cascata (impuesto general sobre el tráfico de empresas), de que são feitos reembolsos aos exportadores; ate ao presenta, a Comissão das Comunidades Europeias tem mantido a exigência de que a Espanha tenha o imposto sobre a valor acrescentado a vigorar no dia da adesão. Refira-se, porém, que ali estão mais adiantados as estudos para o lançamento do imposto: são feitos estudos sobre o IVA desde há uma dúzia de anos e foi aprovado no Conselho de Ministros de 14 de Abril de 1978 o Projecto de Lei do IVA (impuesto sobre el valor añadido) que se encontra nas Cortes para discussão.
Por sua vez, a Grécia deverá introduzir o imposto até 1 de Janeiro de 1984, já que lhe foi concedido um período transitório de três anos a contar da data da adesão. Ate lá, a sua contribuição financeira será calculada em função da quota-parte do seu PNB em relação à soma dos PNB dos Estados membros (n.° 3 do art.º 4.º da Decisão de 21 de Abril de 1970). Certamente o mesmo acontecerá com Portugal, durante o período transitório em que se mantiver em vigor o actual imposto de transacções, monofásico no grossista.
Convém, porém, assinalar que a cálculo da nossa contribuição com base no PNB nos pode trazer desvantagens de vulto, à uma porque a nossa moeda se encontra desvalorizada de facto, e também porque da base tributável do imposto sobre a valor acrescentado é excluído o valor acrescentado pelas empresas com menos de 10000 unidades de conta de volume de negócios, cujo número será proporcionalmente mais elevado entre nós do que nos países mais ricos do Mercado Comum.
Como curiosidade, refira-se que o PNB português, pelas médias de 1974 a 1976, representou 1,0958 % da soma do PNB dos nove países do Mercado Comum com o nosso, percentagem que, aplicada as despesas a CEE do ano de 1979, hipoteticamente nos exigiria uma contribuição de 72 787 645 unidades de conta.