5-12-2015

 

Queimar Vieira em estátua

 

Manuscritos inéditos do Inquisidor António Ribeiro de Abreu em resposta ao P.e António Vieira (1608-1697).

Transcrição, Anotação e Introdução por Herman Prins Salomon. Prefácio de António M. Feijó

Editores: Cátedra de Estudos Sefarditas "Alberto Benveniste" da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Rede de Judiarias de Portugal

Lisboa, 2014 -- ISBN 978-989-96236-5-1

 

 

O Professor Herman Prins Salomon tem dedicado a sua vida ao estudo da Inquisições ibéricas, em especial a de Portugal. Publicou manuscritos importantes como:

      - Tratado da verdade da lei de Moisés : escrito pelo seu próprio punho em Português de Saul Levi Mortera, na Universidade de Coimbra em 1988.

      - Exame das tradições phariseas, de Uriel da Costa, em 1993

Para além disso, tem publicado inúmeros artigos e livros sobre a Inquisição portuguesa, todos da maior importância para o seu estudo. Entre estes, destaco a recensão crítica  (ver bibliografia) ao livro David Martin Gitlitz, Secrecy and deceit: the religion of the Crypto-Jews, 699 pages,  University of New Mexico Press (April 12, 2002), ISBN 978-0826328137, que impressiona pelo tamanho (699 páginas), mas não pelo conteúdo fantasioso, baseado também nas invenções dos cristãos novos para salvarem a vida na Inquisição.

Do maior relevo, foi, porém, a sua iniciativa de traduzir e aumentar o livro de António José Saraiva, Inquisição e Cristãos Novos, com o título The Marrano Factory : the Portuguese Inquisition and its New Christians 1536-1765, publicado em 2001. A sua intervenção valorizou muito o original, juntando-lhe os conhecimentos provindos do estudo de muitos processos inquisitoriais, o que faltava no livro original de Saraiva.

Saiu agora o livro em epígrafe, em que o Prof. Salomon transcreveu vários manuscritos do Inquisidor António Ribeiro de Abreu (1675 -1750, por aproximação), trazendo para o título a ideia peregrina deste de julgar de novo o Padre António Vieira, que fora já de vez para o Brasil, condenando-o  e queimando-o em estátua como ausente. Representa isto a mentalidade típica de Inquisidor, e da maldade sem limites. Felizmente para o Padre, tal não era possível porque ele conseguira em Roma um salvo conduto do Papa a defendê-lo da Inquisição.

  

O livro contém:

 

pág. 13 – Palavra prévia – Agradecimentos

 

pág. 15 – Prefácio do Prof. Doutor António M. Feijó

 

pág. 21 – Introdução de Herman Prins Salomon

 

pág. 83 – Apenso I –As cartas do Inquisidor de Coimbra para o Inquisidor de Lisboa, António Ribeiro de Abreu

Estas cartas, sobre assuntos diversos, encontram-se no segundo processo de António Monteiro (n.º 6990-1, da Inq. de Lisboa), nas imagens 760 a 784 da versão digitalizada em http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=2307059

 

pág. 93 – Apenso II – Oito “exames”. ou seja, confrontações entre o Inquisidor António Ribeiro de Abreu e o réu António Monteiro: 13 de Julho de 1734. 27 de Outubro de 1734

É um extracto do mesmo processo, das imagens 497 a 653.

 

pág. 135. Resposta ao Livro Notícias Recônditas e Póstumas do P. António Vieira [1738-1740]

É o documento CXIII/1-23d da Bib. Pública e Arquivo Distrital de Évora, cujo catálogo tem esta nota:

Traz a dedicatória «Aos Muito ilustres snrs. Inquisidores apostólicos», datada de 15 de Novembro de 1738.

O titulo da obra é: Resposta ao livro Noticias recônditas e posthumas ou libelo difamatório do Santo Oficio fabricado pelo Padre António Vieira nos seus papeis a favor dos cristãos novos, de que se fez compilação e colecção n'este livro e aos quais já se tinha respondido nos dois livros que têm por titulo Falsidade do Padre Vieira Convencida, e o outro o Padre Vieira Frauduloso, acrescentando-se só de novo a esta infernal sátira a extensão para o Santo Ofício de Castela. Refere-se ao impresso em 1722, ao qual todo se dirige a refutação.

A respeito do A. das Noticias recônditas diz o impugnador a fls. 100 v. «Diz o prólogo deste livro que o A. dele foi secretário da Inquisição de Portugal, que se foi a Roma dar conta do mal que se obrava nela no ano de 1672, e com tão bom sucesso que no de 1674 alcançou se suspendesse em Portugal o Santo Ofício, cuja suspensão durou até 1681. É testemunho falso que o Padre Vieira com os seus sequazes levantou ao infeliz secretário Pedro Lupina Freire; se faltou ás obrigações do seu ofício não foi por modo tão exorbitante e tão contrario à pureza da fé, etc.»

Continua atribuindo a obra ao Padre Vieira, que transcreveu para ela todos os seus papéis a favor dos cristãos novos.

O Bispo do Pará, D. Frei. João de S. José Queiroz atribui as Noticias Recônditas a certo Lampreia, secretário da Inquisição de Évora; vejam-se as memorias daquele Bispo publicadas e anotadas pelo sr. Camilo Castelo Branco, Jornal do Comercio n.º 4:017.

  

pág. 241 - Resposta ao Livro Notícias Recônditas e Póstumas do P. António Vieira [1743-1744]

É o livro 396 da Torre do Tombo (PT/TT/TSO-CG/025/396), digitalizado em http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=4509233

 

pág. 721 - Apêndice I – Título e Preâmbulo do Livro 176 do Conselho Geral (versão abreviada do “Papel 1743”)

É o livro 176 da Torre do Tombo (PT/TT/TSO-CG/025/176), digitalizado em http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=4509200

 

pág. 725 – Index

 

pág. 753 – Bibliografia

 

pág. 761 – Noticias Reconditas y Posthumas – fac-simile

 

pág. 841 – Índice geral

 

As badanas do livro contêm uma síntese do livro em inglês escrita pelo Prof. Herman Prins Salomon, que está também transcrita na Internet em http://www.albany.edu/llc/Salomon_book.pdf.

 

Em geral, concordo com as ideias do Prof. Salomon sobre a Inquisição. Não posso, porém concordar com a ideia dele de querer investigar as crenças dos condenados, para saber se eles eram judeus ou crentes católicos. Ninguém tem nada com isso, acreditavam no que bem lhes parecia.

Diz ele também no ultimo texto referido: “He  [o Inquisidor António Ribeiro de Abreu] believes in the efficacy of his organization and in its divine mission”. Não concordo. O Inquisidor revela-se homem inteligente nos seus escritos. Sem qualquer dúvida, teria consciência plena da palhaçada que representava a Inquisição, ao condenar pessoas que nada tinham já de judeus, a não ser uma parcela mínima de sangue que lhes vinha dos seus antepassados. Sabia perfeitamente que o processo da Inquisição estava totalmente falseado com denúncias fantasiosas, que serviam apenas para livrar da morte aqueles que as faziam. Tudo o que ele diz é pura hipocrisia.

Na minha opinião, a Inquisição acabou a sua razão de ser ainda no séc. XVI, depois que todos os que queriam continuar a proceder como judeus, tinham já abandonado o País.

Quando Pombal deixou a Inquisição sem ter que fazer, uma boa parte da população portuguesa tinha sangue judeu nas suas veias, os cristãos novos que não tinham fugido estavam há muito totalmente assimilados. A assimilação começa com o primeiro casamento misto, coisa que a Inquisição nunca reconheceu.

Gente que queria viver em paz, que queria esquecer aquela gota de sangue judeu que lhes corria nas veias e que as punha em perigo de serem presos ou mortos, viram-se perseguidos por aquele monstro de que não conseguiam fugir. Depois, tinham de representar a farsa que lhes pouparia a vida (confessar e denunciar falsidades), e que era o único modo de escapar à morte.

As próprias leis de Pombal em 1773 revelam que a Inquisição foi um equívoco de dois séculos.

 

 

Observações a alguns passos do livro:

 

1 – O anotador, Prof. Salomon, cita na bibliografia as Listas dos Autos da Fé de António Joaquim Moreira, mas não as utiliza para computar os condenados. Apesar de não serem documentos oficiais, em geral merecem fé. Por exemplo, os últimos condenados por judaísmo foram-no no final de 1768 (na sala) e não em 1765:

 

Pr. n.º 4253 – Isabel Violante Rosa sentença de 22-12-1768

Pr. n.º 14075 – Manuel Borges – sala –22-12-1768

Pr. n.º 7034 – Feliciana Joaquina de Carvalho, mulher do anterior- 22-12-1768

Pr. n.º 216 – Rafael Borges de Carvalho – mandado embora em 22-7-1768

 

Deveria fazer-se um estudo para completar as listas oficiais dos condenados. Desde logo, deveriam juntar-se ali todos os que têm processo e não estão nas listas. Estas deveriam ser informatizadas. Trabalhos a fazer pelos Arquivos.

 

2 – Muito importante o texto e nota 84 a pgs. 60 : apesar de todo o palavreado de Inquisidor, ele nem sequer menciona nenhum dos 17 processos que são referidos nas Notícias Recônditas.

 

3 – Nota 124 a pgs. 284: Ao contrário do que refere o Prof. Salomon, Catarina Soares Brandoa, a “perra perdigueira” que denunciou 83 pessoas que estavam na festa de um casamento foi objecto de um processo, resultante da sua apresentação nos Estaus, depois de casada: tem o n.º 10124. As suas denúncias estão profusamente transcritas em muitos processos, como por exemplo, nos dos pais de António José da Silva, o Judeu: João Mendes da Silva (Pr. n.º 11806) e Lourença Coutinho (Pr. n.º 3458, 3458-1 e 3458-2).  Por sua vez, o marido dela, Inácio Correia da Cunha, esteve também preso – Pr. n.º 3044.

Quem narrou em detalhe as aventuras da “perra perdigueira” foi João Lúcio de Azevedo em “O poeta António José da Silva e a Inquisição”, in Novas Epanáforas – Estudos de história e de literatura, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1932, pags. 137-218.

 

4 – Nota 35 a pgs. 37 – O Prof. Salomon diz que lhe tinha escapado a identificação de 4 processos das Notícias  Recônditas em The Marrano Factory (Pag. 67, nota 6). Eu entendo que são 6, a saber:

 

10095 Évora—Joana Baptista. – 1.º caso

9043  Évora – Maria Juliana  - 1.º

4575 Évora – Gaspar Coelho 12.º

7150  Évora – Maria Coelho  12.º

445 Évora –Lourenço Coelho Delgado – 12.º

4732 -Lisboa - Manuel Lopes Subtil – 12-º

 

5 – Nota 31 a pags. 152 - O caso Lupina Freire – O Padre Pedro Lupina Freire saiu de Portugal para Roma poucos meses antes do final do ano de 1672. A Mesa da Inquisição em 15 de Novembro de 1672 queria prendê-lo de novo por ele dizer que fora injustamente punido com o degredo para o Brasil; na mesma data, o Conselho Geral decidiu que fosse apenas chamado e repreendido. Não foi encontrado. Fora para Roma ao serviço dos cristãos novos, disso não há dúvida, e teve contactos com o Padre António Vieira.

Sabemos quando veio embora.  Uma carta dele de 12 de Agosto de 1674, escrita em Génova, dirigida a um Inquisidor ou mesmo ao Inquisidor-Geral diz que embarcará para Espanha antes do dia 20 do mês. A carta está no maço de cartas de Jerónimo Soares, representante da Inquisição para as andanças em Roma por causa da suspensão da Inquisição.

Da carta, vê-se perfeitamente que Lupina Freire tinha já mudado de patrão, ultimamente tinha estado a trabalhar para os Inquisidores, prestando informações que ele julgava importantes. Afinal, tinha de comer e para isso precisava de dinheiro. Recebeu de Jerónimo Soares na altura 70 patacas para pagar a viagem. Pode ler-se a carta aqui.

Lupina Freire ficou uns tempos em Madrid e só regressou a Lisboa no final de 1675 ou princípio de 1676.

Segundo Barbosa Machado, faleceu em 13 de Novembro de 1685.

 

6 – Nalguns passos do livro, o Inquisidor António Ribeiro de Abreu tira a máscara e revela toda a perversidade que lhe vai na alma.

Na pag. 371, o Inquisidor inventa que o livro Notícias Recônditas fora impresso no sec. XVII e vendidos muitos exemplares, o que é uma mentira completa. O livro só teve a edição em Inglaterra de 1722 e a segunda em 1821, aquando da extinção da Inquisição. Em versões manuscritas, porém, teve alguma difusão em Roma e em Lisboa.

Na pag. 395, diz ele: “E por isso hoje são  mais os relaxados que no tempo passado, animados pelo P. Vieira e pelos seus sequazes”. É preciso ser muito malvado para atirar as culpas da Inquisição para cima do pobre Vieira! Mas como diz a nota do Prof. Salomon, pelo menos reconhece, ainda que indirectamente,  a exacerbação da Inquisição no séc. XVIII.

 

7 – O Prof. Salomon deve ter tido alguma dificuldade em decifrar alguns passos do manuscrito e identificar os livros e os processos citados. Por vezes, o autor deverá também ter escrito sem consultar os documentos originais, porque dá referências erradas.

Pag. 316 – Nota 189 – O nome correcto do médico de Pinhel é Fernando da Fonseca Chacon e tem o n.º 2148 da Inquisição de Coimbra. Não aparece nenhum processo da esposa, Leonor da Fonseca (nome com que figura na ficha do marido).

Pag. 339  Nota 234 – Ao contrário do que diz o Inquisidor, André Gonçalves, de Bragança não foi relaxado. Tem os processos 1697 e 1697-1 de Coimbra; no último, foi condenado a ir cinco anos para as galés. Como já não havia galés, foi fazer trabalhos pesados na Cadeia Civil de Lisboa.

 

8 – A utilização do Google Books teria permitido identificar correctamente alguns livros, o que o Anotador não conseguiu:

Pag. 267 Nota 83 – O livro é Compendium vitae hominis, de Ildefonso Perez de Lara, Lyon, 1672

Pag. 272 Nota 95 – É In pugna e De receptatoribus de Eliseo Danza di Montefuscolo, Trani, 1636.

Pag. 297 Nota 158 – É De polygamia et polyviria libri III, de Diego Garcia de Trasmiera. Panhormi (Palermo), 1638.

Pag. 402 Nota 371 -  É o Padre Jesuíta Domenico Viva, autor do Cursus Theologicus, Pádua,  1719

Pag. 512 Nota 561 – É Martin Ortiz, autor de Caduceus theologicus et crisis pacifica de examine thomistico, Madrid, 1741

Pag. 529, Nota 589 – É Juan Luis Vives, em Latim, Ioannes Ludovicus Vives, autor de De veritate Fidei Christiane,  Basiliae, 1543.

 

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

 

João Lúcio de Azevedo, História dos Cristãos Novos Portugueses, Clássica, Lisboa, 1975.

 

João Lúcio de Azevedo, História de António Vieira, 2 volumes, 3.ª Edição, Clássica Editora, 1992.

 

José Pedro Paiva, Representar e negociar a favor da Inquisição. A missão em Roma de Jerónimo Soares (1674-1682), in  Estudos em homenagem a Joaquim Romero Magalhães, ed. lit., de Álvaro Garrido, Leonor Freire Costa e Luis Miguel Duarte. Coimbra, Almedina, 2012, 634 pgs. ISBN 978-972-40-4803-1, pgs. 145-156.

Online: http://www.uc.pt/chsc/recursos/jpmp/jpp_economia.pdf

 

João Lúcio de Azevedo, O poeta António José da Silva e a Inquisição, in Novas Epanáforas – Estudos de história e de literatura, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1932, pags. 137-218.

 

António José Saraiva, The Marrano Factory: the portuguese Inquisition and its New Christians, 1536-1765, translated, revised and augmented by H.P. Salomon and I.S.D. Sassoon. - Leiden Boston Koln : Brill, 2001. - 402 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 90-04-12080-7

 

Herman Prins Salomon, Novos Pontos de Vista sobre a Inquisição em Portugal, Porto, 1976

 

Leoni, Aron di Leone, e Salomon, Herman Prins, “Mendes, Benveniste, De Luna, Micas, Nasci: the state of the art (1532 – 1558)”, in The Jewish Quarterly Review 88, n.º 3-4 (January – April 1998B), p. 135 – 211.

 

Herman Prins Salomon,  Crypto-Judaism or Inquisitorial Deception?, Review of Secrecy and Deceit: The Religion of the Crypto-Jews by David M. Gitlitz, in The Jewish Quarterly Review, New Series, Vol. 89, No. 1/2 (Jul. - Oct., 1998), pp. 131-154, Published by University of Pennsylvania Press

Online: http://www.jstor.org

 

Hans Prins Salomon, «O que tem de judaico a Menina e Moça?», in Cadernos de Estudos Sefarditas n.º 4 (2004), p. 185-223

  Hans Prins Salomon, Deux études portugaises. Two portuguese studies. Braga., Barbosa & Xavier, 1991.