4-8-2006

 

AUGUSTA CRUZ

(1869 - 1901)

 

 

Em 6 de Janeiro de 1901, faleceu em Lisboa, uma senhora de 31 anos, Maria Augusta Correia da Cruz Carneiro, de profissão cantora lírica (soprano), que tivera um êxito muito assinalável em palcos de Itália, Polónia, México, Cuba e Brasil. Um certo mistério envolve os últimos tempos e a doença da actriz.

Nasceu em Viseu a 13 de Agosto de 1869, filha de António Coelho da Cruz e de Júlia Correia da Cruz. Muito nova, aprendeu canto em Viseu com Luis Dalhunty, e depois em Lisboa com Artur Pontecchi, maestro do Teatro Nacional de S. Carlos. Apresentou-se pela primeira vez em público no Teatro de S. João, no Porto, numa representação do Fausto, fazendo o papel de Siebel; tinha na altura apenas 19 anos. Foi tal o sucesso, que o Governo tomou a iniciativa de lhe conceder uma bolsa para ir estudar em Itália.  Partiu depois para Milão em Agosto de 1889. No início de 1891, estreou-se em Pádua com Il Trovatore, que logo depois cantou também em Veneza. Mas logo a seguir, em Abril, teve um enorme êxito interpretando a mesma ópera no Teatro Dal Verme em Milão.

Em Agosto de 1891, foi contratada para o Teatro Nacional de Roma e, no ano seguinte, faz a época de Outono no Teatro Vittorio Emanuelle, de Turim, onde cantou La Forza del Destino e a Cavalleria Rusticana.

 

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Em Maio de 1893, vai a Varsóvia, onde obtém grande sucesso. Parte a seguir para a América, actuando sucessivamente na cidade do México, em Havana e no Rio de Janeiro. Volta a Itália, passando por Portugal de corrida (não foi sequer a Viseu) e prossegue a sua carreira de êxitos. Em 1899, vem para Portugal, e casa em Coimbra com Manuel Carneiro da Costa em 24 de Junho de 1899.

Nesta curta biografia, seguimos o artigo da Grande Enciclopédia Luso-Brasileira e também o artigo da revista "O Occidente", que transcrevemos aqui. Porém, em 2001, o Dr. Artur Valente da Cruz, de Viseu, publicou uma biografia mais desenvolvida, que pode (e deve) ser lida em

http://www.ipv.pt/millenium/Millenium22/22_5.htm .

No texto, porém, lamenta-se de não ter podido aprofundar a história da infeliz soprano, nomeadamente a causa da sua morte. Isso despertou a minha curiosidade e … pus-me a caminho da Torre do Tombo, de onde transcrevi o registo de óbito:

 

Livro de óbitos n.º 32, da freguesia de S. José (Caixa 30),

a fls. 2, Registo n.º 5  D. Maria Augusta da Cruz Carneiro

 

Aos seis dias do mês de Janeiro do ano de mil novecentos e um, pelas duas horas da tarde, no primeiro andar da casa número cinquenta e sete, da Rua e Freguesia de S. José, d’esta cidade de Lisboa, faleceu um indivíduo do sexo feminino, por nome DONA MARIA AUGUSTA DA CRUZ CARNEIRO, de trinta e um anos de idade, baptizada na Egreja da Sé da Cidade e Diocese de Viseu, filha legítima de António Coelho da Cruz e de Júlia Corrêa da Cruz, também naturais de Viseu; casada com Manuel da Costa Carneiro e moradora na referida casa. Não recebeu os Sacramentos e não consta que testasse, nem que deixasse filhos, e no dia seguinte foi sepultada em jazigo do Cemitério Público do lado oriental. E para constar, lavrei este termo em duplicado, que assigno. Era ut retro. O Coadjutor, P.e Manuel Pedro dos Santos.

 

Depois, fui à Biblioteca Nacional e encontrei um pequeno artigo do “Novidades” na edição de 9 de Janeiro de 1901 (págs. 2), que diz:

 

Augusta Cruz

 

A ilustre cantora portuguesa, cujo cadáver ficou ontem sepultado no cemitério dos Prazeres, era natural de Viseu.

Tendo reconhecido que possuía voz de boa qualidade, resolveu tomar lições com o maestro Pontechi, fazendo a sua primeira apresentação em público no Porto em 1888 ou 1889, no Teatro do Príncipe Real. Cantava-se o “Fausto”, em que Augusta Cruz fazia o pajem “Siebel”, e, tão distintamente, que a imprensa, em artigos de rasgado e merecido elogio, estimulou-a a abraçar a carreira lírica. Um ano depois da récita do Porto, Augusta Cruz partiu para Itália, subsidiada pelo Ministério do Reino. Tendo concluído os estudos, teve muitos contratos, recebendo aplausos em todas as récitas em que tomou parte. Foi depois ao Brasil, onde conquistou muitos triunfos, regressando em seguida pela primeira vez a Portugal. Acompanhava-a então o tenor De Marchi, que com ela partilhara calorosos aplausos. De Marchi vinha cantar no Teatro de S. Carlos, de Lisboa, e Augusta da Cruz vinha repousar, em casa da família, duma longa e ininterrupta carreira teatral. Voltou ainda à Itália e há pouco mais de ano e meio casou com o sr. Manuel Carneiro, que tinha residido muitos anos em Milão, fazendo os seus estudos de música para dedicar-se à carreira lírica como tenor, do que desistiu, regressando a Lisboa.

Augusta Cruz, pouco depois de casar, começou a manifestar sintomas de um bócio exoftálmico, que depois de a torturar durante muito tempo, a matou no domingo. Era muito formosa e a sua fisionomia reflectia a pureza e bondade da sua alma. De Marchi que viera com ela do Brasil pela primeira vez a Portugal, numa convivência alegre, de viagem, na sua segunda visita a Lisboa (*) veio encontrá-la agonizante.

(*) À data do óbito, o tenor preparava-se para em S. Carlos interpretar a Cármen, que estreou dia 9 de Janeiro de 2001.

 

 A revista "O Occidente" publicou também a notícia do óbito na edição de 30 de Janeiro de 1901, assim como outros jornais.

Entretanto, constatei que a biografia da cantora está bastante bem documentada, nomeadamente no texto de págs. 187-216 do 2.º volume do livro Cantores de Ópera Portugueses, de Mário Moreau, 1981-1985, 3 vols. Lisboa, Bertrand, ISBN 972-25-0975-6.

Voltei-me, depois, para a Internet a ver se encontrava notícias da cantora viseense. Apareceu-me um artigo no México, que fala da sua participação na cidade do México  na récita da ópera Falstaff, em 7 de Outubro de 1893, como Alice Ford, sem mais considerações:

http://www.weblaopera.com/articulos/arti28.htm

Mas, depois, de surpresa, apareceu-me um site que lhe faz inúmeras referências. No final de 1894, Augusta Cruz foi contratada pelo Teatro Regio de Parma , para cantar na temporada de Carnaval (apesar do nome, a temporada ia desde o Natal até fins de Fevereiro).  O site actual do Teatro Régio tem uma secção de “Cronologia” em que descreve, com óperas, intérpretes, récitas efectuadas, a tal temporada de Carnaval 1894/1895, nesta página:

http://www.lacasadellamusica.it/cronologia/1894-1895_carnevale.htm

Lá está Augusta Cruz, que interpretou Desdémona em 14 récitas do Otello e Leonora em 9 de Il Trovatore, ambas óperas de Verdi.

Mas (surpresa maior) o site contem uma espécie de diário do director do Teatro, Giulio Ferrarini, que arquivou também recortes de jornais e fotografias respeitantes aos espectáculos e aos seus intérpretes:

http://www.lacasadellamusica.it/ferrarini/

Giulio Ferrarini é bastante sintético nas suas observações. Nas biografias, a de Augusta Cruz diz apenas:

Actuou com sucesso apreciável no final do século passado. No seu reportório figuravam: Otello, Lohengrin, Ugonotti (Les Huguenots), Aida, Roberto il diavolo (Robert le Diable), Le Villi, Cavalleria Rusticana, I Pagliacci, Il Trovatore, Ruy Blas.

Os recortes dos jornais, porém, sobre a temporada no Teatro Régio, de Parma, levam Augusta Cruz às nuvens, ver

http://www.lacasadellamusica.it/ferrarini/altrevoci4.htm#14

Na crónica do dia 15-12-1894. a "Gazzetta di Parma" troca o nome de Augusta por Avelina Cruz, mas o lapso não se volta a repetir. Sobre a estreia de Augusta Cruz no Otello (ver libretto, aqui), no dia de Natal, diz o jornal: “A senhora Cruz foi uma Desdémona de voz delicada, suave, agradável. De afinação impecável, revelou-se uma artista segura e eficaz.”

Sobre a segunda récita, o jornal é mais entusiasta: “O quarto acto, que é um poema musical, marcou o ponto culminante do êxito, até pelas esplêndidas interpretações da Cruz e de Galli. A Cruz, depois da Canção do salgueiro e especialmente ao rebentar do Adeus Emília! – e depois da Ave Maria que ela cantou com um sentimento tão doloroso e tanta delicadeza que teve de a repetir – recebeu aplausos e aclamações mais do que merecidos.

Os encómios repetem-se nas récitas seguintes.

Em relação a Il Trovatore (ver libretto aqui), os comentadores são mais comedidos, mas positivos: “A senhora Cruz – num papel não muito adaptado aos seus meios – soube igualmente mostrar o seu valor. A preciosidade e pureza do seu canto, a consistência da sua voz, fizeram com que o público a aplaudisse calorosamente após as árias principais”.

 

Antes de acabar a temporada, foi realizada em 16 de Fevereiro de 1895, uma récita em benefício da cantora portuguesa. Foi um sucesso. Foi-lhe entregue um soneto, que me abstenho de traduzir, seria tempo perdido:

 

Come lieve carezza d'un'amante,
così lieve è il tuo canto. - La dolcezza
sta ne lo sguardo tuo, quando, implorante
pallida, triste ne la tua bellezza -

 

chiedi al Moro la vita. - Affascinante,
quando pregusti de l'amor l'ebbrezza,
e tutta, a chi t'uccise, palpitante
abbandoni la lieta giovinezza.

 

Salgon le note limpide, argentine,
salgon le alate melodie, divine,
come in un bosco, trilli d'usignolo.

 

E quel tuo canto, quella voce arcana,
dolcissima, nel cor sveglia una strana
voglia di pianto. Il pianto del tuo duolo!

 

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Foi a poesia publicada no jornal, com a seguinte nota:

"Publicamos com prazer o soneto que entregámos à exímia artista na sua soirée de honra. Agora já toda a gente sabe que o Otelo foi a ópera mais conseguida e melhor executada, pelo que, tendo sido representada muitas noites como pilar da temporada, nós, conhecendo embora os méritos da Sr.ª Cruz, não esperávamos um teatrão… Palcos, poltronas, reservados, tudo ocupado! À sua aparição, foi a genial artista acolhida por um aplauso entusiástico interminável. No final do primeiro acto, foram-lhe oferecidos presentes, flores e sonetos e, por fim, na Ave Maria, ária que teve de repetir no meio de ovações entusiásticas, foram sem conta os presentes oferecidos. Poucas vezes de facto artistas tiveram tanta honra no nosso Teatro Régio e, embora na presente temporada, o inteligente público Parmense tenha sido bastante indulgente para certos artistas, a Menina Cruz não será decerto incluída entre estes, já que a sua correcção e segurança, a voz doce, melodiosa e afinadíssima são seus méritos indiscutíveis. Unimo-nos aos nossos colegas que justamente assinalaram os verdadeiros triunfos que ela obteve noutras cidades e, desejosos de voltar a ouvir a exímia artista, dizemos-lhe agora um sentido e sincero “Até à próxima!”

 

Os arquivos do Director Giulio Ferrarini incluem ainda duas interessantes fotografias de Augusta Cruz, que aqui se reproduzem, com a devida vénia, uma tirada em Milão em 3-11-1895 e outra em Parma, em 16-1-1895, oferecida a Mário Ferrarini, Advogado, filho do Maestro Giulio Ferrarini.

Nesta temporada em Parma, Augusta Cruz teve a companhia da portuguesa Maria Júdice da Costa, de seu nome completo, Maria Bárbara Bicker Júdice da Costa, cantora lírica (mezzo soprano) de mérito, que felizmente viveu o triplo dela (1870-1960) e actuou com muito sucesso um pouco por todo o mundo. Em Itália foi também conhecida por Giudice Caruson Maria, por ter casado em 12-11-1894 com o tenor Guglielmo Caruson (que ficara viúvo da soprano Aurelia Cattaneo), de quem teve três filhos, mas depois se separou, em 1902. Ela e Augusta Cruz estiveram juntas em diversas temporadas em Itália. Os papéis de Giulio Ferrarini fazem-lhe algumas referências e também guardam uma fotografia dela, de 1895 (ver biografia a págs. 223-371 do 2.º volume do citado livro de Mário Moreau, Cantores de Ópera Portugueses).

Os arquivos de Giulio Ferrarini têm ainda mais interesse pelo facto de a digressão da cantora a Parma em 1894/1895 estar relativamente pouco desenvolvida no livro citado de Mario Moreau. 

 

 

AUGUSTA CRUZ NO MÉXICO, EM CUBA E NO BRASIL

 

No Carnaval e na Quaresma de 1893 esteve contratada como prima-donna absoluta no Teatro Filarmonico, de Verona, para cantar As Vésperas Sicilianas. A direcção do teatro, porém, decidiu substituir esta ópera pela Carmen, donde resultou que Augusta Cruz não chegou a cantar nessa temporada, embora tivesse recebido integralmente o vencimento estipulado.

Em seguida estreou-se no Teatro Imperial de Varsóvia. Nesta cidade encontramo-la a cantar em Março, mas quase seguramente a estreia foi anterior, dado que, inicialmente, estava previsto que o contrato terminaria em 16 daquele mês. De qualquer modo, esse contrato foi depois prorrogado até 15 de Abril. Augusta Cruz estreou-se em Varsóvia com a Cavalleria Rusticana e, «apesar de confrontos muito para recear, saiu vitoriosamente» (Amphion, 1-Abril-1893). Depois cantou A Força do Destino, Os Huguenotes e Lohengrin.

 

O  modo como a Sr.ª  Cruz trata a parte de «Santuzza”, sem gritos e sem declarações exageradamente acentuadas, não é de molde, talvez, a impor-se ao grande público, mas toda a tortura da heroína desta ópera é interpretada por ela com calma resignação, não destituída duma originalidade e duma individualidade verdadeiramente artísticas.

A parte de «Elsa”, do Lohengrin, adapta-se ainda melhor a tal tipo de interpretação. É verdadeiramente uma heroína germânica, na qual a paixão adquire facilmente um colorido de sentimentalismo. No 1.ºacto, a cena do julgamento revelou-nos a Sr.ª Cruz como uma grande artista. (Gazeta Polska; trad. na Rivista Teatrale Melodrammatica, 23-Abril-1893)

  

Logo após a temporada no Teatro Imperial de Varsóvia, Augusta Cruz voltou a Milão, onde se manteve até meados de Agosto (de 1893), partindo então para a Cidade do México, integrada numa companhia lírica. Do princípio de Setembro até ao fim de Novembro cantou no Teatro Nacional daquela cidade as óperas Cavalleria Rusticana, Os Palhaços, O Trovador (com o tenor Vincenzo Biellotto), Ruy Blas («Maria de Neuburg»), Fausto e Falstaff («Alice Ford”), esta última em estreia no México.

 

Ruy Blas — No fim  do 1.º acto apresentou-se a Sr,ª Augusta Cruz e no 2.º deliciou-nos com as esplêndídas notas da sua voz privilegiada, que é como o mel de Himeto.

A Sr.ª Cruz tem uma boca lindíssima e uns olhos ardentes que... Deus nos defenda! (Mercúrio; trad. na Rivista Teatrale Melodrammatica, 15.Jan-1894)

 

Fausto — A Sr.ª Cruz foi uma bela e brava «Margarida» e cantou muito bem. De cada vez que ouvimos esta gentil artista sentimo-nos mais atraídos pela sua beleza e pelo timbre simpático da sua voz. (Coliseo; trad. na Rivista Teatrale Melodrammatica, 15-Jan.-1894)

 

Falstaff - A Sr.ª Cruz, fresca, alegre, brincando com as notas como com um colar de ouro, não canta árias, nem duetos, nem romanzas; tudo é diálogo vivo, encantador, cintilante e cheio de vocalização cristalina. «Alice» é um papel dificílimo, que requer suma habilidade, fina destreza, brio e graça. A Sr.ª  Cruz foi uma «cruz» esplêndida de brilhantes! (Partido Liberal; trad. na Rivista Teatrale Melodrammatica, 15-Jan.-1894)

 

Em fins de Novembro, Augusta Cruz partiu com a mesma companhia para o Teatro Tacón, de Havana, onde cantou as mesmas óperas e ainda Os Huguenotes. Dos restantes artistas só sabemos que o tenor do Ruy Blas foi Raffaele Grani.

 

O Trovador — A Sr.ª Cruz desempenhou com grande segurança a parte de «Leonor». A sua voz extensa e bem timbrada impressionou imensamente o público, que a aplaudiu repetidas vezes. É uma artista valorosa e bela, que cativou todas as simpatias. A Sr.ª Cruz, ontem, agradou muito, mais do que todos. Que «cruz» esplêndida, senhores! Se me crucificassem numa «cruz» destas, deixar-me-ia crucificar! (Avis; trad. na Rivista Teatrale Melodrammatica, 1-Fev.-1894)

 

Ruy Blas — Com o Ruy Blas acontecia-me uma coisa curiosíssima: não conseguia ouvir aquela música sem adormecer. Ontem à noite escutei-a com muito interesse e devo isso ao talento e ao valor da Sr.ª Cruz e do Sr. Grani.

A Sr.ª  Cruz é, ao mesmo tempo, uma lindíssima mulher e um soprano de grande mérito, verdadeira jóia da arte lírica. Pelo menos, como tal se mostrou no ingrato papel de «Maria de Neuburg». A minha pena só tem hoje grandes elogios para ela, porque soube dar vida, colorido e relevo à enamorada «Rainha». No dueto com o tenor, no 3.º acto, foi esplêndida e inspirada, e em toda a ópera soube manter a orgulhosa dignidade de rainha. (República; trad. na Rivista Teatrale Melodrammatica, 8-Fev.-1894)

 

Falstaff Muítissimo bem a encantadora Sr.ª Cruz. A magnífica artista fez uma verdadeira criação da «Alice» de Shakespeare-Boito. Já tínhamos verificado noutras ocasiões os singulares e excepcionais dotes que, como artista e como cantora, possui a Sr.ª Cruz. A «Alice» é um dos tipos mais bem caracterizados por ela e é, indubitavelmente, a «Alice» sonhada pelo autor do Falstaff. A cantora interpreta maravilhosamente o seu papel: reveste-o duma graça provocante e dum colorido de audácia e demonstra, sobretudo, que na comédia se faz uma outra comédia. (Siglo; trad. na Rivista Teatrale Melodrammatica, 15-Fev.-1894)

 

A temporada em Havana terminou em fins de Janeiro de 1894, com Cavalleria Rusticana e Os Palhaços, em festa artística de Augusta Cruz, que obteve mais um êxito apoteótico e foi alvo das mais carinhosas homenagens. 

Logo em seguida a artista regressou a Milão, onde chegou em meados de Fevereiro, mas em fins de Maio partiu novamente para o continente americano, desta vez com destino ao Teatro Lírico do Rio de Janeiro, integrada numa companhia de que faziam parte Adalgisa Gabbi, Virginia Guerrini, Palmira Ramini e Emilio De Marchi. A companhia estreou-se no Rio de Janeiro em 2 de Julho, com La Gioconda, e Augusta Cruz fez a sua primeira apresentação ao público fluminense poucos dias depois, em 7, no papel titular da Aida, com Virginia Guerrini, o barítono Eduardo Camera e o baixo Giuseppe Tisci-Rubini («Ramphis»).

 

O atractivo principal da noite foi a estreia da «prima-donna» portuguesa Augusta Cruz, que fez recentemente em Havana a mais honrosa temporada para o crédito duma cantora. (...) Cantou ontem toda a parte de «Aida» com muitíssima correcção e sentimento, fraseando bem, terminando sempre com mimo e doçura as belas frases do seu papel. A sua voz não é muito volumosa; é pálida no registo grave; não tem, pelo carácter da sua emissão, aliás espontânea, o vigor e a bravura dum verdadeiro soprano dramático; mas é puríssima e de uns timbre suave que, por vezes, acaricia os ouvidos, bastante igual e extensa. Não impressiona pelas vibrações da voz, atirada com ímpeto dramático, mas comove e seduz pela meiguice da expressão, pela doçura da frase, que pende dos seus lábios com muito mimo. É um género de voz inteiramente diferente da de Adalgisa Gabbi; com dois bons sopranos de índole tão diversa, não nos parece arrojado profetizar deliciosas e variadas noites líricas.

A Sr.ª  Cruz emite delicadamente os sons à flor dos lábios e desenha bem as frases do seu canto. Essas boas qualidades compensam a falta de sonoridade da sua voz. Correcta como cantora, é distinta como actriz, (Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 8-Julho-1894; transcr. n’O Primeiro de Janeiro, 28-Julho-1894)

 

Madame Augusta Cruz est une artiste parfaite; elle a saisi son rôle sur le vif et nous a donné une «Aida« idéale. Le rôle d’«Aida» ne comporte pas d’éclats ni d’impétuosités. «Aida» est une jeune captive timide, plutôt sentimentale, et ce rôle ne saurait guère être mieux tenu que par Madame Augusta Cruz. Sa voix est douce, suave, caressante, limpide, et son timbre oh, son timbre! — eminemment sympathique; son registre est, en outre, assez étendu; dans la seconde moitié supérieure chaque note est une perle et dans son quart le plus élevé toutes ces notes se distinguent et se détachent parfaitement bien dans les ensembles. Dans la deuxiéme moitié inférieure de son régistre, la voix perd graduellement en íntensité, tout en conservant les qualités que nous avons enumerées, et dans les ensembles sa voix est couverte par celles de ses collégues.

San jeu atteint la perfection même et sa diction est pure. (L’Écho du Brésil; transcr. n’O Primeiro de Janeiro, 28-Julho-1894)

 

Depois da Aída, Augusta Cruz cantou Ernani, O Guarani (estreia, muito provavelmente, em 31 de Julho) e Lo Schiavo (estreia em 22 de Agosto).

Augusta Cruz tem nesta ópera o seu melhor papel. Foi ela quem alcançou os primeiros aplausos do público no «cantabile» «Ei partirá lasciandomi nel cuore l’acuto stral d’un disperato amore”, que foi cantado com muita ternura e sentimento, próprio à melodia, terminando esse mimoso trecho. Merece ainda ser citada na ária «O ciel di Parahyba», assim como no dueto que se segue com o barítono. (O Paiz; transcr. no Diário de Notícias, 14-Set.-1894)

Esta mesma crítica informa-nos que «o maestro Mancinelli foi alvo de grandes ovações». Infelizmente, não viria a ter muitas mais. Marino Mancincíli era irmão do compositor e maestro Luigi Mancineili e ele próprio muito notável chefe de orquestra, com actuações nos grandes teatros europeus, inclusive no Teatro de S. Carlos, onde foi repetidamente contratado de Janeiro de 1886 até Março de 1893. Foi nos fins deste ano que resolveu organizar uma companhia de ópera para levar à América Central, ao Rio de Janeiro (onde daria vinte e quatro récitas) e a São Paulo. Não imaginava Mancinelli que estava preparando para si próprio um trágico fim. De facto, a época não era propícia, pois o Brasil atravessava uma séria crise política, o dinheiro desvalorizava-se e o público não acorria ás bilheteiras. Espectáculo após espectáculo ia-se acentuando o descalabro económico de Mancinelli e também o de Adalgisa Gabbi, sua companheira, que neste empreendimento tinha igualmente investido todos os seus capitais. Um subsídio de 50 contos concedido pelo Governo brasileiro foi ajuda insuficiente para suster a derrocada. Mancinelli ainda tentou um contrato para São Paulo, mas aí as perspectivas que se ofereciam não eram mais animadoras. E assim, às 8.40 horas de 3 de Setembro de 1894, após ter recebido notícias de que a possibilidade de levar a companhia a São Paulo se tinha gorado, Mancinelli fechou-se no seu gabinete do teatro e suicidou-se com um tiro na cabeça. Tinha então cinquenta e dois anos, pois nascera em Orvieto em 16 de Junho de 1842.

Junto de Mancinelli foram encontradas as seguintes três cartas dirigidas, respectivamente, aos seus artistas, a Adalgisa Gabbi e a seu irmão Luigi (trad. na Amphion, 1-Out.-1894):

É melhor morrer do que sobreviver à vergonha de um desastre enorme e irreparável. Não roubei. Perdoem-me, se podem. Não culpem a Sr.ª  Gabbi. É a mais infeliz e a mais sacrificada, sabem-no tanto como eu; confio-a à protecção dos meus amigos. Socorram-na. Um aperto de mão a todos. Adeus.

Marino

 

A maldição, com toda a sua ferocidade, caiu sobre os meus actos; um minuto mais de vida seria um irreparável desastre; mato-me. Sei que não podes perdoar-me, nem deves; morro desesperado com o teu nome nos lábios. Adeus.

Marino

 

Meu bom Luigioni — tu, que tudo sabes e que assististe aos meus esforços e lutas, facilmente compreenderás o passo que vou dar.

O câmbio desastrado arruinou-me completamente, Quem o teria previsto? Quem seria capaz de imaginar que terminada a revolta desceria ele ao ponto em que está?

Ora, a esperança de receber dinheiro de São Paulo também está perdida... Como arrostar todas estas dificuldades?

Bati a todas as portas... Negativas sempre... Que fazer?

O mais que posso é arrancar a própria vida.

Adeus, Luigioni. Socorre a desgraçada Adalgisa, recomendo-ta. É digna de toda a piedade. Socorre-a e... perdoa-me. Adeus.

Marino

 

O corpo de Mancinelli foi colocado no camarim de Adalgisa Gabbi e depois no de Augusta Cruz, transformado em câmara ardente. Foram muitos milhares de pessoas que desfilaram perante o cadáver de Mancinelli e que depois o acompanharam ao cemitério, entre as quais o cônsul da Itália no Rio de Janeiro.

Com a morte de Mancinelli a situação da companhia tornou-se ainda mais difícil. Reunidos todos os artistas para decidir sobre as soluções a adoptar, foi resolvido que se dariam cinco representações, sendo duas em beneficio dos coros e da orquestra, uma em benefício da família de Mancinelli, uma em benefício do tenor De Marchi (que cedeu a sua parte em favor da companhia) e a última em benefício de Adalgisa Gabbi. As quatro primeiras récitas realizaram-se sem novidade, rendendo um total de 27 000$000.

Na véspera da quinta, porém, os músicos da orquestra comunicaram que se recusavam a tocar se não lhes fosse feito, adiantadamente, o pagamenro de 5 000$000, o que significa pura e simplesmente uma quebra no compromisso assumido na referida reunião. Por intercedência do maestro Podesti, ainda a orquestra acedeu a descer a sua exigência para 2 500$000, mas a partir dai mostrou-se inamovível. Adalgisa Gabbi não teve outro remédio senão ceder ao ultimato e a sua récita acabou por realizar-se.

Os seguintes excertos duma notícia sobre este caso, publicada num jornal do Rio de Janeiro, são bem elucidativos quanto à reacção provocada na imprensa brasileira:

 

Os professores da orquestra da ex-companhia lírica Mancinelli anunciam para hoje um concerto.

E como eles apelam para a generosidade do público, alegando as precárias condições em que os deixou a morte do maestro Mancinelli, nós precisamos, à vista do procedimento inqualificável que eles ontem tiveram, informar minuciosamente o público do que se passou(...).

Os professores da orquestra não são obrigados a trabalhar sem remuneração, bem o sabemos Mas a exigência que ontem fizeram deviam-na ter feito na reunião em que todos os artistas se com prometeram a tomar parte em cinco espectáculos. Não deviam ter-se utilizado dos cenários e do guarda-roupa que a Sr.ª Gabbi pôs à sua disposição; tomar parte em quatro representações e no dia da última fazer aquela exigência é revoltante.

Eles realizam hoje o seu concerto; o público, justo como é, que os recompense como eles merecem. (Transcr. na Amphion, 16-Out-1894)

 

Quanto a Augusta Cruz, a atitude digna que assumiu durante todos estes acontecimentos mereceu-lhe do cônsul italiano a seguinte carta de agradecimento:

 

Rio de Janeiro, 21 Settembre 1894

 

Illustrissima Signora

É per me un dovere di esprimere alla S. E. Illustrissima, ufficialmente, la mia profonda riconoscenza per la generositá e bontá d’animo colle quali ElIa si é compiaciuta di prestare l’opera sua nelle cinque rappresentazioni che sono state fatte aí Teatro Lyriro in favore delle masse e dell’orchestra della sciolta compagnia Mancinelli, della Signora Gabbi e della famiglia dell’illustre maestro direttore d’orchestra, Cav. Marino Mancinelli. Sono sicuro d’interpretare cosi i sentimenti di tutta colonia italiana nonché quelli del Governo che ho l’onore di servire.

Com profonda osservanza

Il Reg. Console

Gherardo Pio di Savoia

Em fins de Setembro, Augusta Cruz, com mais alguns elementos da companhia, embarcou no Thames com destino à Europa. Chegou a Lisboa em 9 de Outubro, tendo certamente desembarcado, pois o Thames seguiu para Southampton (aliás, a Rivista Teatrale Melodrammatica, no seu número de 15 de Outubro de 1894, dá a artista como domiciliada então em Lisboa). Não sabemos quanto tempo ficou Augusta Cruz na nossa capital, mas não foi muito, certamente, pois em 25 de Dezembro apresentou-se em Parma, na inauguração da temporada do Teatro Regio, cantando o OtelIo com o tenor Eugenio Galli e o barítono Guglielmo Caruson sob a direcção do maestro Arnaldo Conti.

(Transcrito de Mário Moreau, Cantores de ópera portugueses, Liv. Bertrand, 1981-1985, ISBN 972-25-0975-6, vol. II, Págs. 196-202)

 

 

 

 

Revista “O Occidente”, de 1 de Novembro de 1893

 

AUGUSTA CRUZ

 

É principalmente aos seus artistas líricos que Portugal deve a afirmação incontestável feita perante os principais centros da Itália, da França, da Áustria, da Inglaterra, etc., de que é possuidor de magníficas organizações inspiradas da Arte, rivais temíveis das que de lá se nos mostram revestidas da mais pura celebridade. Afirmaram-se primeiramente os irmãos Andrades, e logo se lhe seguiram, ciosos de tamanha honra, a Paccini, Nascimento, Salvaterra, Rosa e Maria Júdice. Recentemente, porém, abriu-se súbito a alma lírica nacional e uma estrela nova, de brilho fulgurante, surgiu a aumentar o encanto do pequenino céu em que aqueles astros de primeira grandeza já se ostentavam. Era D. Augusta Cruz.

D. Augusta Correia da Cruz nasceu em Viseu em 13 de Agosto de 1869, sendo seus pais António Coelho da Cruz e D. Júlia Correia da Cruz. A gentilíssima cantora conta hoje, portanto, vinte e quatro primaveras, a idade favorável ao desenvolvimento completo das faculdades físicas e intelectuais, nela, em verdade, já evidenciadas brilhantemente. Ainda criança, começou de manifestar a sua especial aptidão para o belo canto, numa voz admirável e numa assídua aplicação à música, que levavam a profetizar-lhe os que a observavam, um futuro todo animado de homenagens e ovações. A artista revelava-se, e os que assistiam a este sereno desabrochar do tímido talento ainda embrionário, quanto prometedor, aconselhavam os pais dela a dispensar-lhe sem demora a educação artística da qual se ia tornando credora.

Foi então que o grande afecto paternal deu origem às maravilhas resultantes duma luta prodigiosa, ciclópica, digna de ser admirada por esses que não suspeitam de quanto é capaz a vontade inquebrantável, animada pelas intuições honestas e de alcance proveitoso a todos. O amor imenso e o desejo tenaz dos progenitores da ilustre viseense obraram acções heróicas, e de tal maneira conseguiram sustentar-se firmes no combate, que o seu triunfo foi tão completo como glorioso.

Foi Luís Dalhunty, o hábil músico, que a esse tempo residia em Viseu, o professor que primeiro iniciou Augusta Cruz nos segredos da música e a preparou para o prefácio da sua obra artística que teve lugar em 1887 numa soirée de famílias realizada nos salões do Grémio. A ovação calorosa dos circunstantes cimentava os primeiros mármores da mansão da sua nova existência. Em 8 de Maio do ano seguinte saía ela para Lisboa a receber as profícuas lições de Arthur Pontéchy, regente da Orquestra do Real Teatro de S. Carlos. A lapidação do diamante fazia-se rapidamente, com todos os requintes de cuidado e delicadeza empregados nas jóias de subido valor. Meses depois, os professores do Conservatório, Melchior Oliver e Napoleão Vallerany, ouviam e classificava, de admirável a sua voz, pelo belíssimo timbre e notável extensão que a caracterizavam, concluindo: “É uma garganta privilegiada!”.

Deu-se então no Teatro de S. João do Porto, (Outubro de 1888) essa esplêndida festa de caridade que ficou  gravada a oiro nos anais do teatro lírico português, e na qual tomaram parte os mais distintos amadores de canto do País e com eles a nossa biografada. Cantou-se o Fausto, o spartitto finíssimo de Gounod, a Augusta Cruz envergou o travesti gentil de Siebel, o pálido sentimentalista apaixonado que só às florinhas mansas confiava o seu amor por a loira Margarida.  Da maneira original e brilhante empregada pela novel cantora, para melhor evidenciar o seu personagem, , que fale agora a parte da imprensa portuense:

A Epocha – “Terminou o acto do jardim. Siebel surpreende a plateia pela frescura e timbre da voz. Repete-se a ária que canta como nunca se ouviu em S. Carlos.” O Jornal da Manhã: “A estrofe le parlate d’amor foi cantada com esmero, merecendo as honras de bis. A inteligente senhora possui uma deliciosa voz, muito igual, suave e doce, e uma vivacidade e disposição para a cena realmente admiráveis.” O Commercio Portuguez – “Foi o que se pode chamar encantadora, no modo correctíssimo como cantou toda a sua parte, especialmente a canção do 3.º acto, dita com toda a expressão  e esmaltada com uma fina graça. Tem recursos para muito: é de certo modo uma vocação brilhantíssima”.

Reconhecida publicamente a especial aptidão da simpática viseense para a cena lírica, o governo português dispensou-lhe logo um subsídio a fim de ela poder ir à Itália aperfeiçoar-se na música clássica, em pleno convívio artístico dos grandes maestros. Em 17 de Agosto de 1889, partia Augusta da Cruz para Milão, acompanhada por sua mãe, e com recomendações especiais para o nosso Cônsul naquela cidade, o qual se apressou logo a apresentá-la ao famoso professor António San Giovani do Conservatório, e regente do Scala. Sob a direcção do sábio mestre, a educação musical de Augusta Cruz ficou completa, permitindo-lhe o seu debute na noite de 11 de Novembro de 1890 no Teatro Garibaldi, de Pádua. Cantou o Trovador e o êxito obtido foi esplêndido. No dizer de Don Falcuccio de Milão. A geral reputação artística da cantora estava feita.

A Arte abriu-lhe de par em par o seu portão de marfim e sorria-lhe com a sua alma de fino oiro, encaminhando-a para a carreira dos triunfos ininterruptos. Cantou depois em Veneza a ópera Romeu e Julieta, de Gounod, - “um triunfo”, diz L’Indipendente. Em Milão exibiu-se no Dal Verme, onde cantou o Trovador com a mesma correcção notada pelo público de Pádua. Passados tempos, o Teatro Lírico Nacional de Roma admitia-a em seu seio para a interpretação do Ruy Blas – “em que se tornou célebre” afirma o jornal Carmen. Da Itália passou a talentosa soprano à Áustria e debutou em Trieste cantando o Ruy Blas, Cavalleria Rusticana, Lohengrin e outras óperas, “sendo aplaudidíssima”. Voltando ao formoso país dos mais puros céus azuis que se conhecem, continuou ela a evidenciar-se mais e mais distintamente.

O mais alto relevo artístico que em Savona soube imprimir ao seu personagem da Cavalleria Rusticana, foi deveras notabilíssimo. “Augusta Cruz – escreve L’Indipendente – naquela esplêndida obra de Mascagni, causou assombro no público”. “Mostrou-se uma artista excepcional, uma insuperável Santuzza”, acrescenta o Carmen. A sua festa artística em Savona, dada na noite de 21 de Fevereiro do ano findo, foi tão encantadora que os jornais daquela cidade escreveram: “Savona registará nos anais do seu Teatro Lírico o nome de tão ilustre artista”.

No Vittorio Emanuele, de Turim, e no Teatro Lírico de Génova, a apresentação de Augusta Cruz foi igualmente auspiciosíssima. Da mesma forma em Macerata, onde causou verdadeiro delírio ao cantar o Roberto do Diabo, a severa composição do glorioso Meyerbeer, ao lado de Gambardella, Sabellico António, Buti Giuseppina e outros artistas de raça. O jornal Don Falcuccio publicou o seu retrato e dedicou-lhe um artigo em prosa cheio de entusiasmo. Os mais recentes triunfos artísticos da notável cantora foram obtidos no Teatro Imperial de Varsóvia, Rússia polaca.

As óperas Cavalleria, Lohengrin, Força do Destino, Huguenottes, Le Villi, de Puccini, confirmaram-lhe plenament os seus créditos de artista de primeira ordem. Não podiam ser mais lisongeiros para ela os importantes periódicos varsovianos Gazeta Polska, Kurjer Porannz,e Kurjer Warszanvsti, dos quais possuímos transcrições fieis sobre o assunto, que bem provam que a Arte é universal.

Enfim, todos estes factos avolumam desmesuradamente o nosso vaticínio, de que a gentil cantora portuguesa encontrará manifestações de profunda consideração iguais, se não maiores, nos palcos líricos do México e da Havana para onde acaba de ser escriturada vantajosamente.

Setembro, 1893.

 

A. Campos