2-12-2014

 

 

Bento Teixeira (1561 - 1600) na Inquisição

 

 

É muito interessante o volumoso processo de Bento Teixeira, nascido no Porto, mas criado no Brasil e, como todos os jovens brancos, educado pelos Jesuítas. Infelizmente, quem tem escrito sobre ele não leu o processo com a devida atenção e encontrei lapsos importantes (como referirei na devida altura) nos dois historiadores principais que sobre ele escreveram: Sónia Aparecida Sequeira e José António Gonsalves de Mello. Cada vez me convenço mais que os processos não podem ser lidos por alto, devem ser vistos do princípio ao fim e daí a necessidade de partir de uma versão digital completa. Infelizmente, o processo de Bento Teixeira não foi transcrito totalmente pelos brasileiros, como fizeram, por exemplo com os processos do Padre Manuel de Morais e de António José da Silva. Mas a Doutora Eneida Beraldi Ribeiro (Univ. de S. Paulo, 2006) transcreveu na sua Tese todos os textos de Bento Teixeira que estão no processo.

Barbosa Machado chama-o Bento Teixeira Pinto, mas parece que não tem razão ao acrescentar-lhe este último sobrenome. Dá-lhe na Biblioteca Lusitana a autoria da Prosopopeia, poema com 94 oitavas, o que hoje também se tem por correcto. Estranhava eu que no processo nunca se fale do poema, mas certamente já não o tinha consigo quando deu entrada nos Estaus, porque, nesse caso, teria sido apreendido pela Inquisição. Certamente, quando foi libertado em 30-10-1599, foi-o buscar junto de alguém que lho teria guardado e terá sido assim que foi ter à Tipografia de António Alvarez, que em 1601 o imprimiu como segunda parte do texto (que não é de Bento Teixeira), “Naufrágio que passou Jorge de Albuquerque Coelho, Capitão e Governador de Paranambuco”, intitulando-o “Prosopopea, dirigida a Jorge de Albuquerque Coelho,  Capitão e Governador de Paranambuco, nova Lusitânia, etc.” Quando saiu a lume, já ele tinha falecido, como veremos.

Muitos títulos têm sido atribuídos a Bento Teixeira, sobretudo no Brasil: poeta, letrado, literato, intelectual, “primeiro brasileiro”. O Arquivo da Torre do Tombo chama-lhe Mestre e este é correcto porque a profissão dele era ensinar a ler e a contar, mais o catecismo e uns rudimentos de Latim.  Não me pronuncio sobre a qualidade da sua poesia, mas até gosto de ler algumas das oitavas do poema; outras, nem tanto.

Bento Teixeira era cristão novo e terá nascido no Porto por volta de 1561. Ainda de colo, foi  com os pais para Lisboa, para onde iam à procura de melhor vida. Ficou no Porto a ser criado por pessoa amiga um seu irmão, pouco mais velho que ele, e que, aos 20 anos, foi também para o Brasil. Quando tinha 5 ou 6 anos, embarcou para o Brasil com os pais, que se estabeleceram na capitania do Espírito Santo na Tapera, junto à Vila de Vitória e depois na própria vila. Já aí começou a receber lições dos Jesuítas, diz ele. Em 1567, foram todos para o Rio de Janeiro, onde não ficaram muito tempo, porque voltaram a partir para a Baía, onde de certo modo se fixaram, pois acabaram por aí falecer.

Na Baía, Bento Teixeira passava por dificuldades económicas, ou porque seu pai tenha falecido muito cedo, ou porque não tinha mesmo meios de vida. Foi ajudado pelo Bispo do Brasil, D. António Barreiros, que lhe dava de comer e o sustentava e também por Cosmo Rangel, Ouvidor Geral. Devem ter apreciado a inteligência viva do rapaz e a sua imaginação quase delirante.

Bento Teixeira frequentou o Colégio dos Jesuítas durante muitos anos em Artes e Filosofia. A certa altura, andava já com as vestes de clérigo, mas dizia a todos que nunca quereria ser padre. Um dos seus professores, o Padre Manuel de Barros, aconselhou-o a interromper os estudos, porque se chegasse a ser letrado, poderia dar em herege, pois argumentava com muitas dúvidas e opiniões.

Por volta de 1579, faleceu sua mãe, tinha ele 18 anos. Deverá ter-se sentido bastante desamparado.  No seu dia a dia, criava com muito maior facilidade inimigos do que amigos. Tinha até dificuldade em sustentar as amizades. Tinha consciência de ser cristão novo, mas não gostava de conviver com eles, preferia a companhia dos cristãos velhos. Porém, gostava de conversar e nisso, por vezes, era algo desbocado, resultado também, de querer dar nas vistas. Versejava com facilidade, lia e falava espanhol e lia bem Latim.

O seu complexo de cristão novo deve tê-lo levado a procurar mulher cristã velha. Foi assim que aos 22 anos casou nos Ilhéus com uma menina de 14, chamada Filipa Raposa, dos Ilhéus, filha de André Gavião e de Violante Galvoa, irmã de Martim Leitão, Ouvidor geral. Como  já não estudava, teria de arranjar uma ocupação para ganhar a vida, e foi assim que se fez professor de ler, escrever e contar (e catecismo). Foi então para Olinda, onde começou a dar aulas para 60 alunos. Sua mulher ficou então em Ilheus. Teriam já um menino e uma menina, que devem ter falecido crianças.

Passado algum tempo, mandou vir sua mulher para vir viver com ele. Porém, ele recebia uma tença da Câmara para ensinar e o Ouvidor Martim Leitão, tio de sua mulher, quando soube da vinda desta, cortou-lhe a pensão. Foi ele então para Igarassu, onde abriu outra escola e nela ensinou durante muito tempo.

Sua mulher, porém, andava insatisfeita com ele e para bem o mostrar começou a cometer adultério com uns e outros. Queria que ele a deixasse sair de casa, no que ele não consentia.

Mudou mais uma vez de terra e veio para Marim, mas sua mulher continuou a portar-se mal, a “adulterar” com uns e com outros.

Veio então para o Cabo de Santo Agostinho onde abriu outra escola.  Era uma zona com poucos habitantes, quase nenhuns brancos e esperava ele que sua mulher sossegasse. Mas não. Foi ela “adulterar” com o Vigário da freguesia, o Padre Duarte Pereira…

As discussões dentro de casa seriam frequentes. Bento Teixeira deverá ter perdido a cabeça e espetou uma faca na mulher. Ela agonizou durante dois dias e depois morreu. Ele refugiou-se no Mosteiro de S. Bento em Olinda, onde seria vedado às autoridades prendê-lo. Não estava lá o Presidente do Mosteiro, Fr. Damião da Fonseca que tinha ido à Ilha de Itamaracá encontrar-se com o Visitador Apostólico, o Inquisidor Heitor Furtado de Mendonça. Quando regressou repreendeu o frade que tinha acolhido o assassino, mas não disse nada a Bento Teixeira. Tenho dificuldade em situar no tempo o assassinato da mulher, mas deverá ter sido no início de 1595, ou então, no final de 1594.

 

A VISITAÇÃO

 

Entretanto, estava em curso no Brasil desde 1591 a Visitação Apostólica conduzida pelo Inquisidor Heitor Furtado de Mendonça, destinada a punir todos os desvios da Fé. O Inquisidor era homem inteligente, mas muito cheio da sua importância. Montou no Brasil uma filial da Inquisição de Lisboa, julgou, condenou, fez o que quis.  Temos ainda 9 livros das Visitações na Baía e em Pernambuco (Denunciações, Confissões, Ratificações), mas perderam-se alguns (por ex. o 2.º livro de confissões onde estava a de Bento Teixeira, felizmente trasladada para o processo n.º 5206).

O nome de Bento Teixeira deve ter chegado muito cedo aos ouvidos do Visitador. Tinha um vício estúpido de blasfemar, jurando pelas partes pudendas da Virgem e disso foi acusado por várias pessoas. Já em 1589, tinha havido uma queixa contra ele a um Juiz, mas nessa altura o caso não seguiu porque o Juiz despachou que aquilo era matéria para a Inquisição; foi de facto parar ao processo n.º 5206).

No período da graça, toda a gente corria para o gabinete do Visitador para denunciar e ou confessar. O próprio Bento Teixeira, para além da confissão referida, fez também uma denunciação em 21 de Janeiro de 1594, a que a Inquisição não deu qualquer importância e não copiou para o processo (Está a fls. 88 v  img. 184 e ss do 4.º livro das denunciações - Livro PT/TT/TSO-IL/038/0781 – reprodução digital).

Na minha opinião, Bento Teixeira não tinha nem convicções judaicas, nem católicas. Fazia actos de católico, porque a isso todos eram obrigados. Mas também de judeu só tinha um vago sentimento da raça, ligado ao afecto à mãe. Estudando com os jesuítas, sendo inteligente e imaginativo, teria dificuldade em aceitar mistérios e dogmas, não explicáveis, pois derivavam só da Revelação. A Inquisição não quis saber. Sabia que ele de vez em quando se manifestava como judeu, tinha de ser preso e condenado. Nem lhe importava muito que ele tivesse assassinado sua mulher. Seria preso por judaísmo.

Foi preso para a cadeia da Visitação em 20 de Agosto de 1595. Não perdeu tempo. Redigiu uma longa defesa articulada, juntando a cada artigo o nome das testemunhas de defesa ou das que deveriam provar as contraditas que iria arguir. Para as contraditas, indicou o nome dos seus inimigos.  Requereu por escrito ao Visitador que interrogasse desde logo as testemunhas que ele indicava e de facto foram algumas interrogadas. Os depoimentos assim como as cópias dos depoimentos da Visitação que lhe diziam respeito, foram para Lisboa no mesmo barco.

Partiu do Recife para Lisboa numa urca em 22 de Outubro de 1595. Com ele iam outros presos do Santo Ofício: Diogo Lopes (Pr. n.º 12364), Rui Gomes, ourives (Pr. n.º 1971), André Pedro, alemão (Pr. n.º 1061), Alberto Carlos, escocês (Pr n.º 6633), Afonso Fidalgo (Pr. n.º 11473), Diogo Henriques (Pr. n.º 6349) e outros. Chegaram a Lisboa no 1.º do ano de 1596.

 

NOS ESTAUS

 

O processo diz que ele entrou nos Estaus em 1-1-1596, mas já vi noutros lados que foi no dia 8 do mesmo mês. Isto é muito possível, pelo que ele diz adiante das liberdades que davam os guardas aos vindos de fora.

No processo, Bento Teixeira caiu no mesmo erro que todos os presos da Inquisição: o de que era possível defender-se naquele Tribunal. Isso era uma autêntica impossibilidade. Sair dali vivo, só confessando e depois denunciando. A ”contrariedade” ou seja, a contestação por negação nunca era aceite, por mais convincentes que fossem as testemunhas. As contraditas (das testemunhas) valiam muito pouco e contam-se pelos dedos os processos em que serviram para alguma coisa.

Mas Bento Teixeira era muito inteligente e compreendeu isso bem depressa. Entretanto, foi-se divertindo nas celas, fazendo buracos nas tábuas para conversar com os vizinhos e ainda melhor, com as vizinhas, aprendendo a falar pelo A.B.C. e outras diversões que se costumavam por lá.

Como redigia bem e com muita facilidade, foi pedindo papel aos Inquisidores e enviando exposições para a Mesa. Não podia fazer batota, porque as folhas iam assinadas pelo Notário e não poderiam ser usadas para outros fins.

Manteve-se negativo em relação à crença judaica, embora tivesse já confessado os juramentos blasfemos, ter feito traduções da Bíblia para “linguagem” a pedido de diversas pessoas, ter uma vez negado o mistério da SS.ma Trindade, ter uma vez dito que a sua casa era tão sagrada como a Igreja. Mas os Inquisidores queriam mais. Queriam que ele se declarasse crente na Lei de Moisés e dissesse quem lhe tinha transmitido tal crença.

Como era inteligente, acabou por perceber que não havia defesa possível e… começou a confessar em 18-11-1597. Não considero a sua confissão verídica. Ele sabia muito bem o que os Inquisidores queriam que ele dissesse e foi isso mesmo que disse. Que sua mãe lhe ensinara a crença judaica, contra a vontade de seu pai e que a cultivara com ela, enquanto viva.  Como é evidente, a maior parte da confissão é falsa. Ele diz não a verdade mas sim aquilo que ele sabe muito bem que os Inquisidores querem ouvir. Assim era a Inquisição e assim funcionou quase três séculos.

Os Inquisidores queriam agora que ele denunciasse, era a regra do jogo. Disseram-lhe para denunciar por escrito e deram-lhe papel para isso. Escreveu ele então um grande relato do que se passava nos cárceres que encheu 24 páginas (img. 237 e seguintes). O texto demonstra uma mentalidade quase pueril, contando as falas com os presos, as conversas de “namoro” com as mulheres presas, etc.  J.A. Gonsalves de Mello nem referiu este “relatório”, não lhe deu qualquer importância, mas tem-na e muita. Sónia A. Sequeira menciona-o, mas dá-lhe a data errada de 30-12-1598, referindo-se a um falso termo de entrega que se encontra na img. 236. Não. O longo relatório foi concluído em 17-12-1597 e foi entregue no final da audiência do dia 19-12-1597, conforme nota no final da img. 671.

Os Inquisidores leram o relatório e não gostaram muito. Não havia denúncias na forma comum, que pudessem ser transcritas para os processos dos acusados. E puseram um Notário a dizer isso mesmo numa informação (img. 276). Teria de haver uma audiência com o Réu para ele fazer denúncias em forma; isso foi feito na audiência de 18 de Agosto de 1598, que começa assim: “Sobre o papel que o Réu escreveu e que começa: V.S. me mandou. etc.” (img.783).

A atitude de Bento Teixeira nesta altura revela o que aconteceu a seguir. Tinha ele compreendido o funcionamento da Inquisição: não havia defesa possível, era preciso confessar e denunciar. Então, ele passa-se para o lugar dos Inquisidores, quer ser como eles.  Faz mesmo dois textos de “avisos”, sugestões sobre o modo de conduzir os trabalhos da Inquisição (img. 230 e ss. e 265 e ss.). Tem a petulância de oferecer a sua ajuda aos Inquisidores, para, quando o soltassem, ir procurar hereges. Depois começa a pedir audiências para prestar declarações, fazer denúncias. São cerca de 40 audiências que perfazem mais de 300 páginas de texto!...  Tem o cuidado, porém, de não ser muito “perigoso” nas denúncias: uns já tinham falecido, outros já tinham sido presos no Brasil, outros tinham ido para o estrangeiro, não se aproveitava muita matéria de acusação por ali. Mas ele usava da imaginação e falava, falava, enquanto o escrivão escrevia… De certo modo, ele estava a gozar com os Inquisidores, e isso era um jogo perigoso. Não podia durar sempre.

Abro aqui um parêntese. Bento Teixeira conhecera no cárcere o médico Lopo Nunes (Pr. n.º 2179) e ambos concluíram ser ainda parentes. Quando se conheceram, estavam ambos negativos. A Lopo Nunes não lhe apetecia confessar aquilo que não tinha, isto é, a crença judaica. Seu pai fora relaxado, sua irmã tinha confessado e ambos o tinham acusado a ele. Possivelmente, sabendo que isso era falso, os Inquisidores queriam mais provas ou para o relaxar ou, pelo menos para o obrigar a confessar. A relação entre os dois está descrita com muito detalhe no papel que principia na img. 237. Acabaram por se zangar quando o Bento Teixeira decidiu que iria confessar.

Estava nos cárceres uma moça de 17 anos, cristã nova, chamada Maria Cardosa (Pr. n.º 11892) e ela terá dito a Bento Teixeira que estivera para casar com Lopo Nunes. Com toda a evidência a Bento Teixeira foi-lhe pedido dissesse que ela tinha dito que se declarara crente judia com Lopo Nunes. Na audiência de 18-8-1598, Bento Teixeira teve de começar a falar claro como queriam os Inquisidores e a fazer denúncias como eles queriam. E sacrificou o amigo e parente Lopo Nunes.

Maria Cardosa foi ao tormento. Pediu para interromperem o tormento para denunciar, mas nada disse de Lopo Nunes. Mandada de novo ao tormento, disse que sim, que se declarara com ele.

Lopo Nunes, que estava preso desde 14-7-1594, estava agora com grilhões nos pés, de dia e de noite. Em Março de 1600, foi ao tormento no potro, sofrendo ao mesmo tempo o tormento da água. Não aguentou e começou a denunciar toda a gente. Foi ao tormento mais algumas vezes, até que lhe deram a reconciliação. Em 1603, um funcionário da Inquisição encontrou-o na rua sem o hábito penitencial e foi entregá-lo na cadeia do Limoeiro. O pobre Lopo Nunes pediu aos Inquisidores que o fossem buscar e foi por eles repreendido. Desapareceu de Lisboa e não mais se soube dele.

Esta sequência tem um significado. Os Inquisidores não brincavam em serviço. E não permitiam fantasias aos presos como a de Bento Teixeira de se igualar a eles, de certo modo. E não bastava que os Réus confessassem e denunciassem, tinham de o fazer de um modo humilde, tinham de se rebaixar. Foi isso que fizeram ver a Bento Teixeira ao pedir-lhe denúncias concretas. Fizeram com que ele se comportasse como o biltre que era. Por isso, não podemos de modo nenhum considerar que Bento Teixeira saiu vitorioso na sua luta com os Inquisidores. É que a Inquisição não era apenas cruel quando condenava à morte; objectivamente, os reconciliados até sofriam muito mais.

Um mistério do processo é não sabermos a razão por que o Réu, libertado das Escolas Gerais em 30 de Outubro de 1599, foi parar à Cadeia da Corte. Mas não era preciso muito para isso, bastava andar sem o hábito penitencial como vimos acima.

Para mim, outra hipótese seria que ele teria ido para a cadeia apenas para ter de comer, pois estaria em Lisboa sem dinheiro e sem amigos para lho dar. Deve ter passado fome de rato e apanhou a tuberculose, de que faleceu.

A Prosopopeia é pouco conhecida em Portugal. A História da Literatura de Óscar Lopes e António José Saraiva faz-lhe duas referências de sentido contraditório: na primeira, diz que é um pequeno poema de assunto brasileiro, na segunda, que não tem nada de especificamente brasileiro. Mais do que poeta, Bento Teixeira é um versejador, embora haja algumas oitavas agradáveis. Para além disso, o poema de Teixeira denota um estudo muito aturado de “Os Lusíadas”, publicados pouco mais de vinte anos antes.

 

 

Processo n.º 5206, da Inquisição de Lisboa

 

fls. 1 img. - Processo de Bento Teixeira, Cristão novo, mestre de Gramática, viúvo, natural da cidade do Porto, residente na vila de Olinda, Capitania de Pernambuco no Brasil, preso nos cárceres do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa

ao cimo:  “É falecido Bento Teixeira e faleceu andando com a penitência, em o fim de Julho de 600

ao cimo à esquerda:  “Bento Teixeira, Cristão novo, preso o 1.º Janeiro 96

fls. 2 img. 3 – “Certifico eu, João Álvares Pinheiro, médico do Santo Ofício, que eu fui por mandado dos Senhoras Inquisidores à Cadeia da Corte desta Cidade de Lisboa, ver a Bento Teixeira, penitenciado, ao qual achei em cama com febre, tendo lançado algum sangue pela boca, segundo pude julgar de um pano que se me mostrou, e assim me pareceu doente e ter necessidade de se curar. Pelo que fiz esta de 9 de Abril de 600.”

fls. 3 A img. 7 – 19-8-1595 - O Visitador Apostólico, Heitor Furtado de Mendonça, manda que o Meirinho da Visitação prenda o Réu Bento Teixeira e que fique no cárcere da Visitação.

Em baixo: “Foi preso em 20 de Agosto de 1595

fls. 3 A v img. 8 – 1-1-1596 – O preso foi entregue nos Estaus

25-1-1597 – O preso foi entregue a Gaspar Molina da Cunha, que servia de Alcaide dos cárceres.

CULPAS de Bento Teixeira na Visitação em Pernambuco

fls. 4 img. 9 – 18-11-1593 – em Olinda – Depoimento de Francisco Mendes, solteiro, de 29 anos, natural do Porto, morador na freguesia da Várzea, na fazenda de seu irmão Henrique Mendes. Disse que Jorge Tomás na Baía lhe dissera que os pais deles não lhe ensinavam a boa doutrina da Religião.

fls. 5 v img. 12 – 4-6-1594 – em Olinda – Depoimento de Jorge Tomás – Disse que na Baía lhe perguntou Bento Teixeira, o que lhe ensinara seu pai em matéria de Religião. Respondeu que o ensinara a ser bom cristão. Então o Bento Teixeira disse que ele ia errado. Noutra ocasião, falando com o mesmo, disse-lhe ele, Bento Teixeira, para que era tomar o Sacramento, se logo, chegando a casa o “lançava pelo traseiro fora”, com o que ele testemunha se escandalizou muito dele, e expulsou-o de casa, dizendo que não queria ouvir mais heresias.  Mais tarde, ele testemunha chamou-lhe  a atenção por andar em trajes de clérigo e andava para se ordenar de Missa  e o Bento Teixeira respondeu que antes ele arrebentasse que chegasse a ser de Missa.

fls. 10 v img. 22 – 20-8-1594 – Ratificação por Jorge Tomás do depoimento anterior

fls. 12 v img. 26 – sem data – Carta do Bispo do Brasil, da Baía, ao Visitador,  remetendo culpas de Bento Teixeira e de sua mulher Filipa Raposa. A culpa dele, por pessoa que o ouviu, é dizer que no dia do Juízo se saberá qual a melhor Lei, se a dos Judeus, se a dos Cristãos. A culpa da mulher é usar das palavras do Sacramento em o acto desonesto para atrair os homens.

fls. 14 v img. 30 – 18-1-1595 . – Assento da Mesa da Inquisição

Em Lisboa, considera-se que os depoimentos anteriores são suficientes para a prisão de Bento Teixeira.

fls. 15 img. 31 – 30-3-1595 – Assento do Conselho Geral

As culpas são bastantes para o Réu Bento Teixeira ser preso. “O Visitador o mande preso aos cárceres desta Inquisição de Lisboa e se lhe faça Inventário de sua fazenda, conforme ao Regimento e se ajuntem as culpas que diz haver mais contra ele diante do Ordinário e, sendo de qualidade, venham os testemunhos ratificados.

fls. 17 img. 35 – “Papéis da prisão de Bento Teixeira, preso pelo S.to Ofício em Pernambuco, aos 20 de Agosto de 1595”. Elenco dos testemunhos contra o Réu.

fls. 18 img. 37 – “Vejam-se mais os papéis seguintes contra o Réu, Bento Teixeira”. “ Vejam-se mais uns artigos que o Réu me apresentou e as diligências que sobre eles fiz, que tudo vai adiante”.

fls. 19 img. 39 – “Culpas contra este Réu Bento Teixeira do testemunho de Manuel Chorro, cristão velho, que está no 3.º livro das denunciações que veio da Visitação do Brasil.

Está também nas img. 27 e ss do Livro PT/TT/TSO-IL/038/0780

Depoimento de 5-10-1591 – Manuel Chorro, de 30 anos, natural do Sardoal, casado em Abrantes com Isabel Caldeira, cumpre degredo de morte no Brasil, morador em Pernambuco, mas depondo em Salvador da Baía. Disse que há 5 ou 6 meses, em Olinda, ouviu a Bento Teixeira jurar “pelo pintelho da Virgem Nossa Senhora”, do que ficou muito escandalizado. Confirmou com Tristão Barbosa, Advogado da vila de Olinda que também tinha ouvido a mesma expressão. Ouviu também dizer a Álvaro Barbalho, Juiz da vila de Marim de Pernambuco, que, se Bento Teixeira fosse letrado, haveria de fazer grande proveito na Igreja de Deus ou lhe havia de fazer grande dano.

fls. 20 img. 41 – Domingos Fernandes, cristão velho – Livro 4.º das denunciações do Brasil

Está também nas img. 53 e ss do Livro PT/TT/TSO-IL/038/0781

Depoimento de 5-11-1593, em Olinda - Domingos Fernandes, cristão velho, natural do Rio de Janeiro, de 16 para 17 anos, ajudante no Colégio da Vila. Disse que há 6 ou 7 anos saiu da escola de Bento Teixeira, mestre de ler e escrever, e andou ali um ano. Disse que o Mestre não dava aulas ao sábado. É o único Mestre leigo da vila. No colégio dos Jesuítas, não há escola às quartas-feiras.

fls. 21 img. 43 – João da Rosa, no mesmo Livro- img. 54

Depoimento de 5-11-1593, em Olinda – João da Rosa, meio cristão novo, de 32 anos, natural de Olinda, casado com Maria de Carvalho, lavrador. Há um ano, mais ou menos, lhe disse seu irmão, António da Rosa, que estando com Bento Teixeira, cantando alguém

Uno solo y trino

Trino solo y uno

No és otro alguno

Sino Diós divino.

disse ele que a proposição era falsa.

fls. 22 img. 45 – Ana Lins, no mesmo Livro, img. 68

Depoimento de 10-11-1593, em Olinda -  Ana Lins, de 38 anos, casada com Bartolomeu Ledo, lavradores, residentes no arrabalde da vila. Disse que há cerca de 5 anos, Violante Fernandes, já defunta, lhe disse que algumas vezes chamava a sua casa, Bento Teixeira, para lhe “declarar” a Bíblia de Latim em linguagem.

fls. 23 img. 47 – Mateus de Freitas, no mesmo Livro, img. 82

Depoimento de 12-11-1593, em Olinda – Mateus de Freitas, de 25 para 26 anos, natural de Lisboa, cristão velho, casado com Maria de Herédia, morador na vila, e Alcaide-mor da Capitania.

fls. 23 v img. 48 – Brás da Mata, no mesmo livro img. 152

Depoimento de 23-11-1593, em Olinda –Brás da Mata, cristão velho, de 55 anos. pedreiro, natural de Lisboa, casado com Leonor de Semedo, morador na Rua de S.to António, em Olinda - Há cerca de dois anos, estando ele a fazer uma obra na Igreja, foi a casa de Bartolomeu Ledo, que tem um forno de tijolo, para trazer algum tijolo para essa obra. Apareceu Bento Teixeira  e com uma “chuça” na mão, disse que aquele tijolo era para ele, pois já o tinha pago. Discutindo os dois, acrescentou Bento Teixeira que tão sagrada era a sua casa como aquela para onde ele testemunha queria o tijolo; a essa discussão assistiu Ana Lins, mulher de Bartolomeu Ledo.  Disse mais que há quatro ou cinco anos em Igarassu, ouviu Bento Teixeira fazer um juramento “pelas obras vergonhosas de Nossa Senhora”.

fls. 25 v img. 52 – Gaspar Rodrigues, no mesmo livro img. 194

Depoimento de 22-1-1594, em Olinda – Gaspar Rodrigues, cristão novo, de 40 anos, solteiro, natural do Porto e morador no Engenho Velho de Fernão Soares, freguesia de S.to Amaro, lavrador – disse que há 4 ou 5 anos, entrando em casa de Bento Teixeira, encontrou-o a ler o livro “Diana”, de Jorge de Montemor, e repreendeu-o por saber que era proibido. Ele disse que sabia que era proibido e acrescentou que o queimaria.

fls. 26 v. img. 54  - António da Rosa, no mesmo livro img. 321

Depoimento de 14-6-1594, em Olinda – António da Rosa, meio cristão novo, de 31 anos, solteiro,  natural e morador em Olinda. Confirmou o testemunho que prestara seu irmão João da Rosa, que se passou 13 ou 14 anos atrás.

fls. 29 img. 59 – Gaspar Rodrigues, em Olinda, no mesmo livro img. 391

Depoimento de 24-11-1594, em Olinda – Gaspar Rodrigues, meio cristão novo, solteiro, morador na freguesia de S. Lourenço – Disse que há 6 ou 7 anos, foi Bento Teixeira a sua casa pedir-lhe uma esmola e, ficando a conversar com ele, depois que lha deu, disse o visitante que, sendo os homens feitos à imagem e semelhança de Deus, Ele não lhe daria penas depois da morte. Ele testemunha disse-lhe que isso era uma heresia, pois havia Inferno e Purgatório e seriam condenados os pecadores, mas não teve resposta.

fls. 30 v img. 62 – Frei Damião da Fonseca, no mesmo livro img. 502

Depoimento de 6 de Julho de 1595, em Olinda – Fr. Damião da Fonseca, de 33 anos, Presidente do Mosteiro de S. Bento, em Olinda, natural de Braga – Disse que no mês de Dezembro de 1594, estando no Mosteiro “acoutado” por ter morto sua mulher, Bento Teixeira estando com ele testemunha e outro frade chamado Fr. Honório, disse que Adão, mesmo se não pecasse, não deixaria de morrer. Contrariou-o ele testemunha, mas não o convenceu.  Noutro dia, diante de Cristóvão de Alpoim, Bento Teixeira puxou à conversa uma figura do Testamento Velho e quando ele o estranhou, disse “Cada um fala em sua crónica”; considerou ele testemunha que ele estava a alegar o ser cristão novo.

fls. 32 img. 65 – Frei Honório, no mesmo livro img. 508

Depoimento de 18 de Julho de 1595, em Olinda – Fr. Honório Cabral, cristão velho, de 27 anos, natural de Vila Real, residente no Mosteiro de S. Bento, em Olinda – Confirmou o depoimento de Fr. Damião da Fonseca e disse que tal conversa se passou cerca de quatro meses atrás.  Também confirmou a segunda conversa referida por Fr. Damião, quando Bento Teixeira respondeu: “Cada um alega com o seu texto” ou “com o seu breviário” ou “com a sua crónica”, não lhe lembram bem as palavras exactas.

fls. 35 img. 71 – Repetido aqui o depoimento que figura nas img. 9 a 11.

fls. 37 img. 75 – 31-7-1589 – “Auto que o Juiz Gaspar Francisco mandou fazer de Bento Teixeira a requerimento do Licenciado Tristão Barbosa de Carvalho

Requereu o Licenciado que o Juiz mandasse fazer averiguação: “em como publicamente era o dito Bento Teixeira tido por homem mau cristão e de ruim presunção contra a fé de Nosso Senhor Jesus Cristo por falar muitas palavras desonestas e de muito escândalo, pondo a boca indevidamente em Deus Nosso Senhor e em Nossa Senhora, com juramentos que diz por sua boca, pondo-a em Nosso Senhor, jurando pelas partes mais vergonhosas da humanidade de Nossa Senhora, e assim fala palavras com o que ajunta judeus para algum maleficio, dizendo quinta-feira de Endoenças à porta da igreja que tinha um rol com que havia de ir a Marim e alimpar a pauta, aludindo e deferindo estas palavras aos judeus fazerem naquele dia de Endoenças algum malefício os que ele conhecia segundo deu a entender com outras palavras de que ele Tristão Barbosa não é lembrado e as testemunhas o dirão, e assim seus juramentos são graves e de ruim presunção contra a fé por ser um homem cristão-novo e mais honrar-se disso, do que tem esta terra e seus moradores concebido grande escândalo, como muitas pessoas dirão, por ser cousa pública”. E citava como testemunhas a serem ouvidas, como foram, Antonio de Madureira, Gonçalo criado de Manuel Boto, Pedro de Albuquerque, Pero Fernandes do Vale, João Velho do Rego, Luis do Rego, Cosmo Borges e João Martins”.

As alegações do denunciante foram confirmadas pelos depoimentos de Gonçalo Madureira, João Pinto e Gonçalo Martins, transcritos no processo.

fls. 40 v img. 82 – O Juiz Gaspar Francisco despacha “…)”Este caso toca à S.ta Inquisição, eu não posso pronunciar-me (…)

fls. 41 v img. 84 – 2-4-1594 – Diogo do Couto, ouvidor do Eclesiástico, que tinha em seu poder os autos antes referidos que recebera do Juiz da Vila dos Santos Cosme e Damião, foi-os entregar em Olinda ao Visitador.

fls. 44 v img. 88 – 8-6-1595 – D. António Barreiros, Bispo do Brasil, entrega ao Visitador uma folha com mais culpas de Bento Teixeira.

fls. 44 img. 87 – Traslado (sintético) de culpas de Bento Teixeira, compiladas por António Gomes, secretário da Câmara do Bispo do Brasil

Marcos Fernandes e Domiciana Fernandes dizem que por ocasião de certa disputa, Bento Teixeira teria afirmado que no dia do Juízo se saberia qual era melhor se a Lei Cristã se a lei dos Judeus.

fls. 45 img. 91 – 8-6-1595 – O mesmo Bispo entregou mais culpas ao Visitador

António Gomes, Secretário do Bispo, denuncia que o Cónego Gaspar Leitão, ouviu a Bento Teixeira descrever assim i acto sexual entre um homem e uma mulher: “Entrou o Santo Padre no Sacro Palácio e ficaram de fora os Cardeais”.

Esta declaração é confirmada em texto assinado pelo próprio Cónego Gaspar Leitão.

fls. 47 img. 93 – “Petição e artigos de defesa e contraditas do Réu sobre que o Visitador tirou testemunhas antes de o Réu ser acusado” Data a final: 17 de Setembro de 1595.

No final, tem esta nota: “Aos 19 de Setembro de 1595, pediu Bento Teixeira do cárcere que o trouxessem a esta Mesa e trazido a ela, apresentou este papel e logo foi tornado ao cárcere.”

“Ilustríssimo senhor Heitor Furtado de Mendonça, Inquisidor nessas partes do Brasil a heréticas pravidades e apostasia. Eu, Bento Teixeira, homem pobre e necessitado preso pelo Santo Oficio nesta vila de Olinda, capitania de Pernambuco, vendo que há quatro semanas que estou preso e em todo esse decurso de tempo me não manda falar a feito e por algumas conjecturas vou entendendo que V.M. se avia para com o favor divino ir a Portugal, e me levar preso consigo ou mandar, e lá pela larga distância e dificuldades de mar que há a esta capitania estarei no cárcere padecendo até vir de cá minha prova de contraditas e abonação da pessoa par lá em Portugal a não ter, requeiro a V.M. da parte do Santo Ofício coma inquisidor que é e a obrigação que tem de ir recto e como a pai piedoso de benigno peito, e amorosas entranhas me mande perguntar pelos artigos abaixo escritos as pessoas que no fim de cada um nomear em modo que no Tribunal do Santo Oficio em Lisboa metropolitana ante os senhores inquisidores faça fé. “

1-De 5 para 6 anos de idade veio do Reino para a Capitania do Espírito Santo, com seu pai e sua mãe, e foi estudar com os Padres da Companhia o catecismo, ler e escrever e bons costumes. Indicou várias testemunhas das quais apenas foi ouvida pelo visitador Maria Álvares, mulher de Luis Antunes em 23-9-1595 (fls. 50 img. 99).

2-Do Espírito Santo veio com seus pais para o Rio de Janeiro e continuou a estudar com os Padres da Companhia, cujos nomes menciona e sempre viveu como bom católico. Foram ouvidas as testemunhas Isabel Fernandes e marido Simão Fernandes (fls. 52 img. 103) e o P.e Manuel do Couto (fls. 53 v img. 106) em 23-9-1595. Este último conhecera o Réu já no Rio de Janeiro mas depois fora condiscípulo dele na Baía, no Colégio Jesuíta, ano e meio no Latim e uns dois anos nas Artes; que ele era bom estudante e procedia com bom cristão no exterior.

3-Do Rio veio para a Baía, com seus pais, que ali faleceram. O Bispo D. António Barreiros dava-lhe de vestir e sustentava-o, assim como o Ouvidor Geral Cosmo Rangel. Procedia sempre como bom cristão. Isto foi confirmado pelos Padres Manuel do Couto, Calixto da Mota (fls. 54 v img. 108) também condiscípulo do Réu e Licenciado Diogo do Couto (fls. 56 img. 111), embora este último não tenha sido seu condiscípulo pois já cursava Teologia nessa altura. Todos disseram que era bom estudante.

4-Na Baía convivia sobretudo com cristãos velhos e gente nobre, embora lá tivesse alguns familiares cristãos novos, como Henrique Rodrigues Barcelos e Miguel Fernandes.  Era mal visto por muitos cristãos novos e um Tristão Ribeiro mandou um seu irmão e um seu cunhado chamado Manuel de Góis, injuriá-lo na rua dos estudos atirando-lhe com uma garrafa de sujidade; isto foi uma das principais causas para interromper os estudos, ir para os Ilhéu e casar-se com Filipa Raposa, cristã velha, filha de André Gavião, homem nobre, no ano de 1583, quando tinha ele 22 anos e ela 14. Foi ouvido como testemunha Paulo Serrão (fls. 58 img. 115), o qual acrescentou que o mestre de ambos, Padre Manuel de Barros, já falecido, dissera publicamente a Bento Teixeira “que não fosse com o estudo e letras por diante, por que lhe não acontecesse algum mal, porque tinha muitas opiniões e dúvidas em suas argumentações e lhe dizia mais o dito mestre muitas vezes que se ele Bento Teixeira fosse letrado corria risco de dar em herege.” Indicou também como testemunha Fr. Damião da Fonseca, mas dizendo que é seu inimigo.

5-Na Baía, eram seus inimigos João Vaz Serrão e a irmã desta Maria Lopes, viúva de Maria Lopes  (que ele chamava Maria Subtil), viúva de Mestre Afonso, amancebada com o tio do Réu, chamado Henrique Rodrigues Barcelos. Juraram eles que “o poriam em tal estreiteza que só Deus lhe seria bom”.

6-Nos Ilhéus, depois de casado, veio para Olinda, onde pôs escola de ler e escrever e Latim, e ensinou mais de 60 moços por dois anos, mais ou menos, ensinando-lhes também o catecismo, como bom mestre e bom cristão. Comprovaram estas afirmações as testemunhas Pero da Costa (fls. 60 img. 119), Baltazar Leitão (fls. 60 v img. 120) e Ambrósio Fernandes Brandão (fls. 61 img. 121). Sobre a cristandade do Réu, porém, o primeiro acrescentou ter ouvido “que ele em Igarassu fizera um juramento por Nossa Senhora em ruim maneira”. Outras testemunhas por ele indicadas não foram ouvidas.

7-Mandou o Réu então vir dos Ilhéus para Olinda sua mulher. Então, a Câmara que lhe dava uma tenção para a escola, tirou-lha então, por decisão do Ouvidor Martim Leitão. Por isso, ele transferiu-se para Igarassu.

8-Em Igarassu ensinou por muito tempo, continuando sempre a proceder como bom cristão. Porém “andando o tempo, de lanço em lanço, se veio a danar a dita sua mulher Filipa Raposa, adulterando com muitos homens”. Deveriam já ter morrido crianças, os dois filhos que com ela tivera.  Toda a gente em Igarassu a reprovava mas ela “dizia que ele Bento Teixeira não era seu marido; e que se havia de desquitar dele, e que, quando não pudesse, esperava pelo Senhor Inquisidor Heitor Furtado de Mendonça para o acusar de mau cristão e judeu; e que assim ficaria à sua vontade”. Não foram ouvidas pelo Visitador as testemunhas que o Réu indicou para este artigo.

9-Por causa de sua mulher, veio então para Marim, onde continuou a ensinar, de tal modo que os homens da terra tiraram os seus filhos do colégio da Companhia e os puseram na escola dele. Nesta vila, o Padre Simão de Proença, da Baía disse a uma sua concubina, por nome Isabel Lopes, que se tinha vingado dele Bento Teixeira, pondo-o no Santo Ofício, “de maneira que só Deus lhe seria bom”. Este Padre era seu inimigo por palavras afrontosas que tivera com ele em Igarassu. Também não foram ouvidas pelo Visitador as testemunhas que o Réu indicou para este artigo.

10-Porque sua mulher não tinha emenda, mudou-se com ela para o Cabo de Santo Agostinho, onde ensinou mais de 30 moços. Indicou como testemunha  o Vigário da freguesia, Gonçalo de Oliveira que depôs em 25-9-1595 (fls. 63 img. 125). Confirmou que Bento Teixeira foi ali professor das crianças que se portava como bom cristão e costumava dizer mal dos cristãos novos que “são falsos e enganadores”; por isso, os cristãos novos querem-lhe mal e têm-lhe ódio.  Confirmaram também as declarações do Vigário , Pedro Lopes (fls. 64 img. 127), António Gonçalves Montoio (fls. 65 img. 129), Brás Afonso (fls. 65 v img. 130), António Casado (fls- 66 img. 131) e João Pais (fls. 66 v img. 132).

11-A mulher do Réu adulterava com o Vigário do Cabo, Padre Duarte Pereira, e com ódio do Réu, “dizia publicamente que havia de destruir e pôr em erstreiteza a ele dito Bento Teixeira”. Não foram ouvidas as testemunhas indicadas para este artigo.

12 – Ele Réu continuou a viver “católica e exemplarmente”.

13-Sempre fugiu da conversação da gente cristã-nova, e por isso lhe tinham raiva os homens de nação.  Isto foi confirmado pelos depoimentos de Fernão Vaz, cavaleiro fidalgo (fls. 68 img. 135), António do Couto (fls. 69 img. 137), Pero Garro (fls. 69 v img. 138) e Manuel Garro (fls. 70 img. 139).

14-Estando ele Réu homiziado no Mosteiro de S. Bento pela morte de sua mulher, “pelo capital ódio que esta nação cristã nova lhe tem, um caudilho deles por nome Duarte Dias Henriques disse em uma visita que fez a um seu primo Miguel Dias que todo o homem da nação que ia visitar ao dito Bento Teixeira era infame como ele”. Indicou testemunhas que não foram ouvidas.  E cita Latim: “viderunt illum et moverunt capita sua”.

15-Contraditando qualquer futuro testemunho contra ele, aponta seus inimigos, cujo depoimento não deve ser aceite. O primeiro é Fr. Damião da Fonseca, que ele tem por inimigo capital pelo que discutiram no Mosteiro de S. Bento. Há, porém, um testemunho de Fr. Francisco, Irmão Donato de S. Bento, (fls. 71 img. 141 a 26-91595) que diz ter ouvido o Réu a dizer mal de Fr. Damião, mas ele entende que Fr. Damião foi sempre amigo de Bento Teixeira, até porque o acolheu no Mosteiro, quando ele fugia da Justiça.

16-Fr. Damião é dissoluto e foi apanhado de noite com uma Catarina Fernandes.

17-São também seus inimigos Diogo de Meireles, Padre Jerónimo Brás, Margarida Fernandes, viúva de Domingos de Meireles.

18-É seu inimigo Jerónimo Pardo.

19-É também seu inimigo João Luis, cristão novo, cirurgião. Não foram ouvidas as testemunhas que indica.

fls. 73 img. 145 – 20-2-1598 – Documento não inteligível.

fls. 75 img. 149 – 23-2-1598 – Auto de como o Prior D. Bento Pais, Juiz da Vara do Eclesiástico, em Olinda, mostrou uns papéis recebidos da mesa do Santo Ofício diante dos Padres abaixo nomeados.

Assistiram Fr. Rodrigo Monteiro, Vigário Provincial dos Padres de Nossa Senhora do Carmo, de 41 anos, Fr. Pedro Viana, seu companheiro, de 66 anos. Foram abertos os sete volumes que vinham no sobrescrito:

1-Carta dos Inquisidores Bartolomeu da Fonseca e Manuel Álvares Tavares

2-Interrogatórios para interrogar testemunhas nomeadas para prova de contraditas

3-Traslado do auto feito pela Juiz Gaspar Francisco em 1589 de Bento Teixeira e perguntas que se devem fazer a certas pessoas sobre o mesmo

4-Inquirição que se há-de fazer das contraditas do mesmo Bento Teixeira

5-Inquirição de contraditas de Rui Gomes (Pr. n.º 1971)

6-Representação que se havia de fazer a Cristóvão de Alpoim, que está no Reino

7-Inquirição que se há-de fazer de Beatriz Fernandes (Pr. n.º 4580)

fls. 77 img. 153 – 12-9-1597 – Comissão da Inquisição de Lisboa ao Licenciado Diogo do Couto ou quem o tiver substituído, como Ouvidor do Eclesiástico na Capitania de Pernambuco para interrogar o L.do Tristão Barbosa de Carvalho e outras pessoas sobre o auto feito pelo Juiz Gaspar Francisco na sequência de denúncia do mesmo Tristão Barbosa.

fls. 79 img. 157 – Traslado parcial do auto de 31-7-1589 que já se encontra a fls. 37 img. 75.

fls. 81 img. 161 – 7-3-1598, em Olinda – Interrogatório de testemunhas por D. Bento Pais, Ouvidor da Vara do Eclesiástico.

- Tristão Barbosa de Carvalho, de 39 anos – Diz que testemunha de ouvido, e não sabe a data, dia ou hora a que o Bento Teixeira fez os tais juramentos.  Depois da denúncia que fez, o Bento Teixeira ficou danado com ele e nunca mais se “correu” bem com ele.

fls. 82 v img. 164 – 16-3-1598 –

- Pedro de Albuquerque, de 50 anos morador em Igarassu – Disse que Bento Teixeira era homem de muito má  presunção e ele testemunha tinha ruim conceito dele, porquanto um dia, haverá 6 ou 7 anos, em Igarassu, à porta de Gomes Correia, o dito Bento Teixeira se pôs a altercar com um padre da Companhia de Jesus de nome Baptista sobre as almas do purgatório, e indo continuando com a sua altercação o dito padre lhe dissera, indo-lhe com a mão à boca, calai-vos que não sabeis o que dizeis…

- António de Madureira, de 31 ou 32 anos, morador no termo da Ilha de Itamaracá disse que era verdade que ao tempo que Tristão Barbosa requereu o auto contra Bento Teixeira estava ele testemunha presente e antes de entrar a audiência, que seria das 9 as 10 horas do dia, chegara o dito Bento Teixeira e se pusera a altercar com algumas pessoas de que ele testemunha não é lembrado, onde altercando o dito Bento Teixeira jurara pelas partes mais vergonhosas de Nossa Senhora, nomeando-as pelo português e isto lhe ouviu ele testemunha. E igualmente se dizia que o dito Bento Teixeira era um grande cão e ele testemunha por tal o tinha. E que uma vez estando ele testemunha à porta da igreja matriz de Igarassu, que foi uma quarta-feira de Endoenças, estando ali o dito Bento Teixeira e outros homens, chegara um Aires Serrão e entrando para a igreja o dito Bento Teixeira dissera, cuspindo contra o dito Aires Serrão, a que vem cá este judeu de bota caída, que este e outros como ele nos desonram, que eu e outros da minha laia somos judeus honrados e estes patifes, de que ele testemunha se escandalizou e o teve dai por diante em ma conta, por lhe parecer que se prezava de judeu”.

fls. 84 img. 167

- João Pinto, de 35 anos disse que ouvira dizer ao dito Bento Teixeira que a melhor parte que tinha era de cristão novo e assim mais o ouvira jurar muita vezes pelas partes mais vergonhosas da Virgem Nossa Senhora e de Cristo as quais pelo português eram pelas tripas de Cristo nosso Redentor e pelo pintelho pelo pintelho da Virgem Nossa Senhora,  que disto o repreendera ele testemunha muitas vezes, e de se prezar de cristão-novo e o dito Bento Teixeira lhe respondia com desprezo: mas comos me nasçam se não falo verdade.  Isto foi há nove anos pouco mais ou menos.

fls. 85 img. 169 – 17-3-1598

- António (abreviatura desconhecida) – Foi testemunha de ouvir dizer a António de Madureira e seu cunhado João Pinto.

-João Martins, de 40 anos – Foi também testemunhas de ouvir dizer aos mesmos João Pinto e António Madureira.

- Jorge Canelo – Disse que, nos domingos e dias santos de obrigação, Bento Teixeira estava na Igreja só até começar a Missa, depois vinha para sua casa. As pessoas repreendiam-no por isso e também por muito jurar. Ele testemunha tinha-o por mau cristão e um grande cão.

- Paulo de Valcáçova, de 35 anos, morador em Igarassu – Apenas teve conhecimento dos factos por ouvir dizer.

fls. 89 img. 177 – 12-9-1597 -Comissão da Inquisição de Lisboa ao Licenciado Diogo do Couto ou quem o tiver substituído, como Ouvidor do Eclesiástico na Capitania de Pernambuco para interrogar o Fr. Damião da Fonseca, Fr. Honório e outras pessoas sobre uma conversa com Bento Teixeira na Portaria do Mosteiro de S. Bento.

- Não tem aqui sequência

fls. 99 img. 197 – Nota:  “Este papel apresentou o Alcaide António Luis na Mesa, dizendo que fora achado ao Réu Bento Teixeira no dia em que foi recolhido no Cárcere deste Santo Ofício e foi aos 8 dias do mês de Janeiro de 96”.

fls. 100 img. 199 – sem data- Tem 14 páginas

Vendo o pai das misericórdias e Deus de toda a consolação, ante cujos olhos (como diz o Salmista) todas as cousas são nuas e descobertas, que Adão se soltara do preceito que lhe dera, e que o pecado o tinha preso e sua culpa não tinha desculpa para forrar da poena [sic] e castigo que merecia, por não fechar as portas de sua costumada brandura e misericórdia, quis ver a razão que dava. Eu, inda que como humano e pecador tivera cometido grandíssimas culpas, pelas quais sem ser ouvido merecera rigorosamente punido, sei contudo infalivelmente que nesse tribunal supremo do Santo Oficio se me não negará a devida audiência, para em tudo se conformar com Deus que mui particularmente praeside [sic] a ele. E quanto mais vindo preso por testemunhos evidentemente falsos, que os zelos danados e tenções depravadas de meus capitais inimigos contra mim traçaram, só por eclipsarem minha honra e abaterem meu crédito. E para que a verdade, que sempre de semelhantes é odiada, fique com a clareza e evidência que de si tem, e Vossas Mercês neste caso a saibam de raiz, será necessário espraiar-me algum tanto, posto que (longa solent sperni, gaudent brevitate moderni) e o que aqui disser, tocante a meu livramento, protesto provar por pessoas que estão nesta cidade de Lisboa, sendo-me por Vossas Mercês mandado”.

“Vendo-me com o jugo do matrimónio (peso desigual então as minhas forças) e que a enfadonha pobreza nos molestava, fiz viagem a Pernambuco, para ver se nele achava algum meio acomodado à vida. E sendo chegado a dita vila, os magnatas da terra, tendo notícia de mim, instaram com muita eficácia lhes quisesse ensinar seus filhos a Latinidade e mais bons costumes necessários a vida cristã. E eu, condescendendo a seus rogos, me deixei ficar no dito Pernambuco, ensinando publicamente muito tempo assim latim, como doutrina cristã e os demais honestos costumes que um aprovado mestre pode ensinar. E vendo todos em geral quanto imprimia meu ensino e doutrina nos moços, tiravam seus filhos da escola e estudo dos Reverendos Padres da Companhia e mos entregavam; e em todo este discurso de tempo que ensinei, vivi católica e fielmente, frequentando as igrejas e os sacramentos da Santa Madre Igreja, compelindo umas vezes e outras persuadindo a meus discípulos a fazer o mesmo, pelos quais respeito todos em geral tinham de mim bom conceito. É testemunha disto o Reverendo Padre Frei Belchior de Santa Catarina, comissário da Ordem de São Francisco no Estado do Brasil, que me via ensinar publicamente e sabe a opinião que a gente, assim politica como popular, tinha de mim, pelo que lhe ouvia e sabe em todo o discurso de onze anos que ensinei na dita Capitania o que publicamente se dizia do meu ensino e doutrina. Testemunhas leigas: Francisco de Taide, que foi o que me fez ficar em Pernambuco e me ordenou a casa e modo para viver, Francisco Lopes Correia, seu primo Diogo Correia, James Lopes [da Costa], Gaspar de Sousa, Diogo Lourenço, Jerónimo Martins, Águas-mortas por alcunha, Tomás Pinel, que foi meu vizinho muito tempo na Rua Nova, estantes e moradores hoje de presente nesta cidade de Lisboa; e também o dito Padre Frei Belchior velo nesta frota e reside nesta dita cidade”.

Os moradores de Olinda, satisfeitos com o ensino que ministrava a seus filhos fizeram com que lhe fosse atribuída pela Câmara uma tença de 50$000 réis anuais, com a condição de que mandasse vir sua mulher, que ficara nos Ilhéus. Martim Leitão, Ouvidor Geral, porém não concordou e cortou-lhe a tença.

 “E vendo eu tão incerto meu remédio e cortadas as raízes em que prendiam minhas esperanças, me mudei para a vila dos Santos Cosme e Damião, que dista de Pernambuco cinco léguas, aonde pus outra vez escola de ler, escrever, contar e latim, ensinando como dantes a doutrina cristã e os demais regulados e bons costumes àqueles moços que então não tinham mais que o puro natural”.  

“E como o inimigo do homem e semeador da sizânia ande como leão rugindo (segundo diz o Príncipe dos Apóstolos) e buscando todos os meios para seu intento alcançar o fim desejado, entrasse no coração de Filipa Raposa, trazendo-lhe à memória lembranças da passada lascívia e regalada brandura com que era tratada pelos mártires diabólicos de seu amor, fez com ela (deixando à parte a obrigação e vinculo do matrimónio) que adulterasse com muitos homens da dita vila de Igarassu, o que foi causa de se extinguir algum amor que me mostrava, para se verificar o dito do Sulmonês [isto é, Ovidio] (sucessore novo pellitur omnis amor) e as figuras principais com que representava os actos venéreos era um Paulo de Valcáçova, sobrinho de Jorge Camelo, Francisco de Sousa de Almeida, Antonio Lopes Sampaio mulato, por não ficar animal que nela não entrasse, como noutra Arca de Noé, aos quais dizia que seus pecados a ajuntaram comigo, porque era um homem mal acondicionado e que era um cristão novo fedorento e ela cristã-velha de nobre geração, aludindo a isto que se havia de descasar e que  quando Diogo do Couto (que então era Ouvidor da Vara) o não quisesse fazer, esperava pelo Visitador do Santo Ofício Heitor Furtado, para me acusar de mau cristão; o que não somente dizia aos ditos adúlteros, mas a muitas pessoas da dita vila de Igarassu, e principalmente a uma Inês Fernandes, a Pilota, por alcunha, que lhe servia de alcoviteira e a uma mulher por sobrenome Figueireda, que eu tive por amor de Deus em minha casa, estando na mata do Brasil. De como adulterou com os sobreditos em Igarassu, e com muitas outras pessoas, são testemunhas Diogo Correia, James Lopes, que então residiam em Igarassu, Diogo Lourenço, Manuel Carvalho. (…)  ficou o ruim costume facilitando tanto a Filipa Raposa que se em Igarassu fazia seus excessos ocultamente, em Pernambuco a bandeiras estendidas.

Para ver se a mulher sossegava, decidiu ele “cercear-lhe todas as ocasiões com a levar do tráfego de Pernambuco para o Cabo de Santo Agostinho (terras de João Paes) “, onde pôs de novo escola. Mas a mulher, Filipa Raposa, são sossegou e foi adulterar com o Vigário da Paróquia, Frei Duarte Pereira.

“Este Frei Duarte Pereira era um clérigo facinoroso e tão entregue a insultos que veio degredado por sentença definitiva do Prior do Convento de Tomar e dos mais religiosos dele (donde ele foi religioso) por toda a vida para o Brasil e privado do hábito da dita religião e que não tivesse voz activa nem passiva e jejuasse as quartas e sextas-feiras de dois meses a pão e água e que pediam, com toda a eficácia devida, ao Bispo do Brasil, não dispensasse com ele para dizer missa; e isto por dar inteira satisfação ao grande escândalo que dera a todos os religiosos e à nobre vila de Tomar por se sair do Mosteiro uma quinta feira de Endoenças e ser achado em hábito feminil em noite tão santa na companhia de Manuel Vilela, alfaiate da dita vila, que lhe servia de alcoviteiro para umas irmãs suas (…).

“E que adulterasse com a dita Filipa Raposa (sendo sua filha espiritual) a olhos vistos consta dos testemunhos de muitas pessoas de crédito moradoras na dita freguesia de Santo António e principalmente pelo testemunho de Gaspar Dias Centeio, que diz os viu estar em coito carnal ambos, no dito feito de Pero Lopes, de que dará sua fé o escrivão António de Abreu. Veio isto a ser tão descoberto e público, que rompendo-me eu com palavras com Pero Lopes Galego me disse diante de muitas pessoas da dita freguesia: quisera-vos eu valente para cortardes os cornos e matardes o irregular Duarte Pereira, que dormiu com vossa mulher publicamente um milheiro de vezes e eu vendo que o negócio era público e que minha honra andava empenhada por casas alheias e se fazia inventário da minha vida, foi-me necessário, por me conformar com o Poeta, matá-la. E dando-lhe a primeira ferida, sentindo ser mortal... cessei então de lhe dar mais feridas, mas da que lhe dei morreu dali a dois dias, perdendo a fala, sem se poder confessar”. (…)

Bento Teixeira refugiou-se no Mosteiro de S Bento para não ser preso. O Presidente Fr. Damião estava na Ilha de Itamaracá com o Inquisidor Heitor Furtado de Mendonça.  Quando regressou, repreendeu o frade que tinha acolhido a Bento Teixeira, mas a este não manifestou nenhum desagrado. Mas, pouco depois, entrarem em discussões.

Sucedeu que estando um dia em conversação, falando em cousas das divinas letras, o dito Frei Damião (sendo presente um Cristóvão de Alpoim seu parente e Frei Honório, religioso do dito Mosteiro) viesse a dizer que se Adão não pecara inda que Deus o deixara a sua natureza que não houvera de morrer, nem nós seus filhos. Sobre estas palavras, por me parecerem mal soantes, instar eu tomando a divina salva, como às vezes se costuma nas escolas falando em matérias graves. E disse: Padre, servatis servandis, quero provar que, inda que Adão não pecara se Deus o deixara à sua natureza, que houvera de morrer. E argumento assim: tudo aquilo que tem dentro de si a causa de sua corrupção é corruptível. Adão tinha em si a causa de sua corrupção, que eram as contrárias qualidades, logo Adão de sua natureza era corruptível et ex consequenti deixado à sua natureza por tempo havia de vir a se corromper. Respondeu o Padre então: não diga isso, porque é heresia de Pelágio e par tal condenada. Repliquei eu então dizendo: Padre se ela é heresia eu a não a sustento mas só argumentandi gratia o faço; mas se o não é toma Vossa Reverência fraco escudo para se defender do argumento e confesse que não sabe responder more scholastico e entendo que é certa levada de idiotas aprovarem ou reprovarem as cousas sem  darem o guia, nem o propter quid. Porque se Aristóteles não perdoou inda  a Moisés (falando uma verdade abonada por Deus) só porque não provava o que dizia, porque não chamarei a V. R. o que quiser, pois reprova e calunia meu argumento sem dar razão nem Concílio que tal reprove. Respondeu o Padre: eu não tenho que dar razão às heresias de Pelágio nem doutros. Quando vi o Reverendo tão ferrado com isto lhe disse: Padre se os legistas dizem erubescimus cum sine lege loquimur quanto mais se há-de correr um Pregador que se alfaia de Teólogo, como V. R., não dar razão do que diz”.

O Frade beneditino ficou “escandalizado por o arguir de idiota diante do parente”.  Daí a dias, teve nova discussão com Fr. Damião. O Frade teria dito “que Deus Nosso Senhor destruíra o mundo com dilúvio porque vira que os filhos de Deus desejaram as filhas dos homens. Perguntei-lhe eu então, Padre que se entende pelos filhos de Deus? Respondeu que dizia São João Crisóstomo que se entendiam os filhos de Enoc; disse eu então essa exposição leva caminho e parece boa e não uma que diz que deram os autores antigos dizendo que naquele passo pelos filhos do Deus se entendiam os Anjos, que parece cousa mal soante e que contradiz a razão. Disse então o Padre: em toda a Escritura se não acha que os Anjos se chamem filhos de Deus. Respondi eu então: Padre, não faça essa proposição tão geral, porque a mim me lembra que no 1.º capítulo de Jó diz a Sagrada Escritura que vinham os filhos do Deus e entre eles Satanás, donde parece que ali pelos filhos de Deus se entendem os Anjos, e assim me parece que o ouvi já a homens teólogos. Acolheu-se então a seu costumado valhacouto, dizendo, Isso é heresia, sem mais razão nem prova.” (…)

Tivera ainda palavras com Frei Damião por dizer publicamente que havia de meter todo seu cabedal para fazer queimar toda a nação cristã-nova de Pernambuco e que rogasse a Deus não fosse eu um deles. E o respeito por que o dito Frei Damião concebeu contra a dita nação indiferentemente ódio foi pelo acharem de noite, vestido à indiática, em casa assim de mulheres solteiras como casadas, alguns mancebos da dita nação e jogarem com ele as punhadas, como foi um Tomé de Mercado e Duarte Dias de Flandres e publicamente se dizia que o dito frade tinha acesso com uma Isabel Raposa e Ana Lins, mulheres casadas, e com outras muitas, comprando coura [isto é, gibão de couro] de 6 e 7$000 para trazer de noite”.

Prossegue enunciando outras pessoas que considera seus inimigos: Cristóvão de Alpoim e o cunhado deste, Pero Lopes Galego, o Padre Simão de Proença, João Luis, cirurgião, e Estêvão Ribeiro. E acrescentou: “Se fora destes meus inimigos aqui nomeados neste papel e no caderno da minha acusação e artigos feitos a Heitor Furtado de Mendonça, houver alguma pessoa ou pessoas que com zelo cristão viesse à mesa do Santo Oficio a denunciar de mim alguma cousa, requeiro a Vossas Mercês, da parte de Cristo Jesus e da do Santo Oficio, me declare o que é que cometi e quando e aonde, porque como estive em toda a costa do Brasil poderia falar como frágil e humano alguma cousa de que não estou advertido, e sendo-o dela protesto desdagora pedir misericórdia a Vossas Mercês nessa Santa Mesa, como fiel católico e verdadeiro cristão”.

E quase a concluir:  “Peço a Vossas Mercês não respeitem ser eu cristão novo pois não nisso, senão em ser bom cristão está o negócio; que se antes que eu nascesse me perguntaram qual queria, se ser filho de cristão-velho se de novo, merecera ante Vossas Mercês castigo. Mas se Deus Nosso Senhor foi servido que meu pai fosse cristão-novo e eu seu filho, que culpa tenho eu?

fls. 107 img 213 – 27-7-1594 - Traslado da ratificação do testemunho de Domingos Fernandes contra Bento Teixeira em 5-11-1593 (fls. 20 img. 41).

fls. 107 v img. 214 – 14-5-1594 - Traslado da ratificação do testemunho de Ana Lins contra Bento Teixeira em 10-11-1593 (fls. 22 img. 45).

fls. 108 v img. 216 – 16-9-1594 - Traslado da ratificação do testemunho de Brás da Mata, pedreiro, contra Bento Teixeira em 23-11-1593 (fls. 23 img. 48).

fls. 109 v img. 218 – 22-5-1594 - Traslado da ratificação do testemunho de António da Rosa contra Bento Teixeira em 14-6-1594 (fls. 26 img. 54).

fls.110 v img. 220 – 27-11-1594 Traslado da ratificação do testemunho de Gaspar Rodrigues contra Bento Teixeira em 24-11-1594 (fls. 26 img. 59).

fls. 111 v img. 222 – 18-7-1595 - Traslado da ratificação do testemunho de Fr. Damião da Fonseca contra Bento Teixeira em 5-7-1595 (fls. 30 img. 62).

fls. 112 v img. 224 – 18-7-1595 - Traslado da ratificação do testemunho de Fr. Honório contra Bento Teixeira em 18-7-1595 (fls. 32 img. 65).

fls. 115 img. 230 – 22-12-1597 – JESUS, MARIA – Ilustríssimos e Reverendíssimos Inquisidores:

Depois de iniciar as confissões (em 18-11-1597), o Réu pretende ser “colaborador” da Inquisição e vem neste papel de 7 páginas fazer cinco avisos aos Inquisidores. Este documento está trasladado duas vezes no maço 32 da Inquisição de Lisboa – imgs. 567 a 592 – parece que os Inquisidores lhe deram alguma importância.

“(…) e para que, soltando-me das cadeias e laços em que o Leão infernal me tinha posto pudesse lá fora fazer alguns serviços, sendo benemérito desta santa casa, buscando  meios acomodados para reconciliar muitos errados e apartados de sua santa fé com essa mesa sagrada (...)

Avisos:

1-Quando os presos da Inquisição vêm de fora do Reino, devem ser conduzidos logo para os Estaus. João Nunes, vindo do Brasil, pagou 300 cruzados ao mestre do navio para que o deixasse andar 4 ou 5 dias a tratar de negócios que trazia pendentes.  Dois flamengos marinheiros da urca em que Bento Teixeira veio do Brasil, ofereceram-se-lhe para o levarem para uma nau que estava para partir para Itália, a troco de 50 patacas; e disseram que, se ele não tinha dinheiro, aceitariam também uma ordem dele para um familiar ou amigo que ele tivesse em Lisboa.  Acusa ainda Francisco Martins e Geraldo da Costa, que, quando o foram buscar para o trazer preso, foram comer e beber com ele.

2-Os presos escrevem bilhetes que entregam aos que estão para sair nos autos, ou porque já foram ao tormento ou já confessaram. Se não têm papel, engomam pano de pinho delgado. Depois cosem os papeis nos forros dos casacos.

3-Leonor de Caminha (pr. n.º 5498) disse a sua filha Francisca Ximenes (Pr. n.º 12688), que tinha dado em Diogo Lopes (Pr. n.º 12364), que está na companhia de Nicolau Nunes (Pr. n.º 6991) e de Gil Lopes (Pr. n.º 2031). Disse também à filha que, se a apertassem muito no tormento daria no parente delas, que é rico, de nome Ximenes. A filha ficou aflita, pois tinha muita consideração por esse seu tio e disse à mãe que seria melhor que ela morresse no tormento do que denunciar o tio. Afinal, ainda que desse no tio, isso não “aproveitava” nada, diz Bento Teixeira, porque esse Ximenes tinha um escrito do Papa para não ser preso na Inquisição, mas que fosse enviado a Roma para ser julgado.

4-Refere a última parte do “aviso” anterior dos cristãos novos ricos que têm escritos do Papa, para não poderem ser presos.

5-Os cristãos novos que estão presos devem ser desenganados de esperar pela vinda do Messias e obrigados todos a confessar.

fls. 118 v img. 236 – 30-12-1598 – Termo de entrega de um papel de 24 páginas entregue pelo Réu.

Nota: Este termo é falso. O documento foi entregue depois de escrito 2 dias após a data indicada a final: 17 de Dezembro de 1597. Depois de começar a confessar, o Inquisidor Manuel Álvares Tavares disse ao Réu que escrevesse aquilo de que se lembrasse. Em 18-5-1598 (fls. 393 img. 783) é referido este papel, pois o Inquisidor quer elementos mais concretos que os que aqui constam; por isso já lho havia entregue antes.

Bento Teixeira enche 24 páginas com os ditos do cárcere. Quer mostrar-se bem informado e ajudar os Inquisidores na sua tarefa, como se já fosse um deles.  Vou referir praticamente apenas o que ele diz de Lopo Nunes, que é um bom indicador do carácter do Bento Teixeira.  Mas ele fala de muito mais gente: de Manuel Lopes, o marchante (Pr. 11983), e de seus irmãos, Diogo Gomes (Pr. 12363), Beatriz Gomes (Pr. 8990) e Inês Lopes (Pr. 12767); de Antão de Castro (Pr. 10915) e de sua mulher Beatriz Mendes (Pr. 8993); Diogo de Horta (Pr. 229) e filho António Pereira Homem (Pr. 9568) e parente Gaspar Pereira Homem (Pr. 8543); Nicolau Nunes (Pr. 6991); Brás Dias, de Évora (Pr. 15344); Adrião Alvarez (Pr. 12999).

Chegaram a fazer um buraco para “namorar” com as mulheres, nesse grupo: Pedro Vaz (PR. 655), Gregório Lopes, de Beja (Pr. 2017), Leonor de Vera (Pr. 3640), Inês Alvarez (Pr. 9217) e Margarida Duarte (Pr. 11672).  Bento Teixeira  prometeu casar com uma viúva, Maria Henriques, de Salvaterra (Pr. 12262).

Tendo encontrado no cárcere a Lopo Nunes (Pr. 2179), médico, preso desde 14-7-1594, chegaram à conclusão que eram primos.  Estiveram juntos cerca de 15 dias, mas foram depois separados. Mais tarde voltaram a juntar-se. Diz o Réu que Lopo Nunes esteve um mês de cama sem lhe falar; estava ele negativo e pensava que os Inquisidores os tinham juntado para o Bento o convencer a confessar. Lopo Nunes negava  ter algum pensamento de Judeu; rezava como Católico. Dizia: “(…) porque homens tão cegos da razão que sem culpa nenhuma me têm aqui há três anos, padecendo tantas violências e desventuras e forçando-me o próprio alvedrio, e tirando-me as demais potências de seu curso natural, não consentindo que em uma só noite destes três anos tenha este afligido corpo um pequeno de repouso, tirando-me o vinho e o mais necessário e, no cabo destes três anos, mandarem-me lançar ferros, que se pode presumir deles senão que, tendo só o nome de Cristãos, são piores que os mesmos hereges de Inglaterra”? Bento Teixeira já tinha confessado e tentava defender os Inquisidores: “Não podia haver em homens consciência tão desalmada que tivessem aqui alguém sem culpa”. Mas Lopo Nunes não se convencia (estava agrilhoado). Disse Lopo Nunes que seus pais (ambos) quiseram-no persuadir a ser judeu, mas ele resistiu sempre. Bento Teixeira disse admirar-se de ele não ser Judeu quando seu pai, sua mãe e sua irmã o eram. Disse daí a dias Lopo Nunes “(…) porque eles não querem ver homem de nação que saiba, senão eles sós querem ser no mundo; se não vede o que fizeram aqui ao Travaços antigamente, com ser cristão velho(…)”. Acabaram por se zangar um com o outro: Bento Teixeira, considerando-se como um grande filósofo e Lopo Nunes,  a acusá-lo de baixezas.  A terminar disse Bento: “Homem, vai-te acusar logo à Mesa, senão ir-te-ei eu acusar”. De facto acabou por o denunciar.

Com o barulho da discussão, veio o Alcaide Gaspar de Molina e disse “Meus irmãos, não quereis estar quietos, não queirais que converta minha brandura em rigor, lançando-vos a cada um seu gato!”.

fls. 131 img. 261 – Apontamentos de Bento Teixeira, com nomes de testemunhas.

fls. 133 img. 265 – 7-1-1598 - Mais “avisos” de Bento Teixeira aos Inquisidores

1-Não se deve juntar no cárcere um preso novo com um velho negativo

2-Quando as mulheres vão ao tormento, perguntam-lhes: já pariste? Se a Ré diz que sim, dizem-lhe: então, faz de contas que são dores de parto; se diz que é ainda donzela, dizem-lhe: então fazei de conta que vos tiraram a honra e depois engravidastes e tens de dar à luz.   Diz ele que foi assim que aguentaram o tormento as filhas de Gregório Lopes (Pr. n.º 2017), Beatriz Lopes (da Silveira) (Pr. n.º 8991) e irmã Helena Lopes (Pt. n.º 12162), e também Leonor de Vera (Pr. n.º 3640), Inês Alvares (Pr. n.º 9217) e outras.

3- O que dizem depois do tormento (na ideia de Bento Teixeira):  “Já entreguei a vida a sacrifício”; “Lá deixo com dor mas meninas dos meus olhos”; “Lá me fica com dor a carne e o sangue”; ”Lá me ficam com dor as asas do meu coração”; “tanto puxaram pela caravela, até que rebentou a pruna”; “com dor, lá me ficam os dentes”, conforme o seu parentesco com aqueles a quem denunciaram.

4- Antes de mandarem mulheres ao tormento, têm de mandar ver se estão menstruadas, porque Leonor de Vera e Inês Álvares foram nesse estado e estiveram muito mal.

5- Volta a falar de Lopo Nunes.

6- Há no Brasil cristãos novos, que estão ricos e que, se Sua Majestade não conceder o perdão, pensam em se embarcar nas urcas para a Flandres.

fls. 136 v img. 272 – 10-1-1598 – Termo de entrega do papel que antecede

fls. 138 img. 273 – 22-6-1598 – Reconhece ter escrito os seguintes textos:

1-fls. 115 img. 229, datado de 22-12-1597 – 7 páginas

2-fls. 119 img. 237, datado de 17-12-1597 – 24 páginas

3-fls. 131 img. 261, sem data – Apontamentos numa só página, sem data

4-fls. 133 img. 265 – 7 páginas, datado de 7-1-1598

fls. 139 v img. 276 – Papel não assinado, nem datado, mas que se afigura ser redigido por um Notário:

No longo depoimento de fls. 119, são dadas culpas a muitas pessoas, mas de um modo que não permite a sua transcrição para os processos. Pede-se aos Srs. Inquisidores que ouçam o Réu para relatar as ditas culpas “e o que delas depuser em forma curial e que o Réu declare o dia, mês e ano em que cada uma aconteceu porquanto de algumas o não diz e lhe sejam feitas as perguntas necessárias acerca das ditas culpas porque o Réu diz que pelas letras do A, B C, falava com algumas das ditas pessoas, de cujo conhecimento não dá razão (…)”

fls. 142 img. 281 – Apontamento cifrado sobre as culpas do Réu

fls. 143 img. 283 – 5-2-1598- O Alcaide Gaspar de Molina disse que o Réu entregou 500 réis para crédito do t.º da sua receita.

20-2-1598 – O Réu entregou 100 réis para comprar fruta que foram registados no t.º da Pauta.

fls. 145 img. 287 – Traslado da confissão que fez Bento Teixeira, cristão novo, no tempo da graça na Visitação de Pernambuco (um mês, que se iniciou em 24-10-1593)

Nota: Extraviou-se o livro n.º2 das Confissões da Visitação de Baía e Pernambuco em que figuraria esta confissão.

Traslado da confissão que fez Bento Teixeira, cristão novo, no tempo da graça em Pernambuco.  

“Aos 21 dias do mês de Janeiro de 1594 anos nesta Vila de Olinda Capitania de Pernambuco, as casas da morada do Senhor Visitador do Santo Oficio Heitor Furtado de Mendoça, perante ele pareceu sem ser chamado, dentro no tempo da graça, Bento Teixeira. E por querer confessar suas culpas recebeu juramento dos Santos Evangelhos em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual prometeu dizer verdade. E disse ser cristão-novo natural da Cidade do Porto, filho de Manuel Alvares de Barros, cristão novo, e de sua mulher Leonor Rodrigues, cristã nova, defuntos, de idade de 33 anos, casado com Filipa Raposa, cristã velha, mestre de ensinar moços o latim e ler e escrever, morador ora nas terras de João Paes no Cabo, freguesia de Santo António.  

“E confessando disse que haverá 12 ou 13 anos que na Bahia de Todos Os Santos, na cidade do Salvador, costa deste Brasil, sendo ele estudante das artes traduziu do latim em linguagem português o Deuteronómio, por dinheiro, a instância de Antonio Teixeira,  cristão novo seu sobrinho, filho de sua prima  co-irmã, mercador, que então seria de idade de alguns 30 anos,   que depois disso foi à India com mercancia e ora dizem estar já em Lisboa, sobrinho de Rui Teixeira, mercador de Lisboa, primo : dele confitente, o qual António Teixeira lhe deu dez cruzados pela tradução do dito Deuteronómio, e depois de lhe ele assim ter traduzido o dito Deuteronómio ele mesmo lhe pediu mais que lhe traduzisse também o Levítico, o qual Levítico ele confessante começou também a traduzir, e tendo já traduzido alguns capítulos dele lhos furtaram ou se lhe perderam e por isso desistiu disso e o não quis traduzir . A qual tradução fez ao dito Antonio Teixeira por lhe ele dizer que sabia pouco latim e que não entendia muitos vocábulos e que a queria para entender a Escritura e para levar consigo para Lisboa.

E o principio sobre que ele lhe disse isso foi, que estando um dia ele dito Antonio Teixeira lendo pela Bíblia leu essas  palavras non facias calvitium super mortuum e não entendeu o que queria dizer, e perguntou a ele declarante e ele confessante   lhe ensinou o que queria dizer, segundo lhe parecia, não arrancareis os cabelos da cabeça quando pranteardes os defuntos, e então lhe pediu a dita tradução, como dito tem, a qual lhe fez sem ter dele nenhuma ruim tenção e sem lhe parecer que ele lha   : pedia senão assim simplesmente, sem malícia, e não sabe dele cousa porque o tenha em ruim conta de mau cristão

“Confessou mais que na Vila de Igaraçu sendo ele nela morador, haverá 4 anos, pouco mais ou menos, um dia não lhe lembra qual, nem a que hora, estando na rua junta de sua porta com cólera jurou pelas partes vergonhosas de Nossa Senhora, e acabando do dizer o dito juramento blasfemo, que só uma vez disse foi repreendido pelos circunstantes e ele, calando-se, se recolheu para casa, os quais circunstantes eram João Pinto a moço, filho de João Pinto o velho, e António de Madureira, cunhado do mesmo João Pinto, moradores no mesmo Igaraçu, e outras mais pessoas de que ora não é lembrado.

“Confessou mais que muitas vezes, e uma só vez se afirma na Ilha de Itamaracá, estando à porta do Capitão Pero Lopes, praticando com grande concurso de gente da mesma Ilha, disse’ uma cousa da qual não é lembrado e alguns dos circunstantes duvidaram de ela ser verdadeira, então ele confessante lhes disse que cressem porque o que eles lhes dizia era Evangelho de São João e sendo repreendido por eles respondeu que São João escreveu verdade e ele naquilo lhes falava verdade.  

“Confessou mais que haverá três anos, pouco mais ou menos, tendo ele comprado uma soma de tijolo para uma obra, no forno de Bartolomeu Ledo,, no arrabalde desta Vila, foi aí Brás da Mata, pedreiro, para o tomar dizendo que era para a igreja, que era sagrada, pelo que ele confessante com agastamento respondeu que também a sua casa, para que ele havia mister o tijolo era sagrada. e que assim eram sagradas todas as casas dos homens honrados casados, e então não foi repreendido de ninguém, nem ele disse essas palavras mais que uma só vez que lhe lembre, e disse que dessas culpas está arrependido e pede perdão e misericórdia nessa mesa e que se mais lhe lembrarem ou lhe forem advertidas as confessará nela, porque é bom cristão e pela nossa santa fé Católica por a vida. E foi-lhe mandado pelo Senhor Visitador que depois de acabado esse tempo da graça torne a esta mesa e assim o prometeu e assinou com o Senhor Visitador aqui. E do costume disse ser António Teixeira seu sobrinho filho de sua prima co-irmã, como já tem dito, e como tais eram amigos, mas que tem dito a verdade”.  Manuel Francisco, Notário do Santo Ofício nesta Visitação, o escrevi.  a) Bento Teixeira a) Heitor Furtado de Mendonça.

fls. 148 img- 293 – 28-2-1596 – 1.ª sessão (negativo)

Disse chamar-se Bento Teixeira, que tem 35 anos, é viúvo,  nasceu no Porto, veio para Lisboa com 2 anos, esteve aqui 3 anos e foi depois para o Brasil com 5 ou 6 anos, tendo lá falecido seus pais.  Disse que não tem mais culpas que as que confessou no Brasil no tempo da graça na Visitação. Disse que foram os seus inimigos que o acusaram falsamente. Como inimigos, elencou sua ex-mulher, defunta, e os amantes dela, Fr. Duarte Pereira, Francisco de Sousa, de Tomar, António Lopes Sampaio, Paulo de Valcáçova e Jorge Camelo, e ainda Fr. Damião da Fonseca.

fls. 149 img. 295 – 5-5-1597 – 2.ª sessão de Genealogia (negativo)

Disse ser filho de Manuel Álvares de Barros e de Leonor Rodrigues e que residia em Pernambuco no Brasil, tendo morado antes na Capitania do Espírito Santo, no Rio de Janeiro, em Salvador da Baía, onde faleceram seus pais. Não tem avós paternos nem maternos e não sabe os seus nomes. Estudou Artes na Baía. Tem um irmão chamado Fernão Rodrigues da Paz, solteiro, mais velho um ano que ele, que ensina gramática na ilha de Itamaracá.  Foi casado com Filipa Raposa, defunta, e não tem filhos nenhuns.  Foi admoestado para confessar.

fls. 150 v img. 298 – 3-9-1597 – 3.ª sessão (admoestado, negativo)

Admoestado para confessor, disse que lhe propusessem as suas culpas, que ele as confessaria achando-se compreendido. O Inquisidor (Bartolomeu da Fonseca) disse-lhe que é bom conselho confessar as culpas antes de lhas proporem.

fls. 151 v ing. 300 – 5-9-1597 – 4.ª sessão

Perguntado há quanto tempo tem crença na Lei de Moisés, disse que nunca teve, mas que sempre teve crença em Cristo Senhor nosso. Perguntado que cerimónias judaicas fez, disse que nenhumas. Negou que alguma vez tivesse negado algum mistério da Fé Católica. Negou que não quisesse ensinar os seus alunos aos sábados. 

Ao fazer o interrogatório sub specie, o Inquisidor mencionou alguns dos factos que ele Réu tinha referido na confissão na Visitação, no período da graça e ele chamou a atenção para esse facto. Negou todos os outros factos de que o acusavam.

fls. 153 v img. 304 – 9-9-1597 – Admoestação antes do libelo.

fls. 155 img. 307 – Libelo.  Apenas aceitou como verdadeiras as culpas que tinha confessado na Visitação. Disse que o resto contestava por negação, queria defender-se e queria procurador.

fls. 158 v img. 314 – 13-9-1597 - O L.do Manuel Cabral aceitou a procuração do Réu

fls. 159 img. 315 – 16-9-1597 – O procurador reuniu-se com o Réu.

fls. 160 img. 317 – Traslado do libelo devolvido pelo procurador.

fls. 161 v img. 320 – 16-9-1597 – Defesa.

1-Ele Réu foi sempre bom cristão

2-O Réu sempre rezou, sempre ensinou a doutrina cristã, confessava-se e comungava

3-Confessava-se e comungava amiúde.

4-Sempre trabalhou aos sábados, nunca os guardou

5-Fez sonetos, tercetos e outras poesias à SS.ma Trindade em quem plenamente acreditava.

6-Sempre foi muito devoto da Virgem Maria

7-Sempre sentiu bem da Igreja Católica e das suas Instituições.

8-Sempre teve a Lei de Cristo por boa

9-No mais, reporta-se ao que nesta Mesa tem declarado.

Indicou testemunhas.

fls. 163 v img. 324 – 20-9-1597 –

O Réu declarou que os sonetos, tercetos e mais poesias que menciona estão nos papéis que no Brasil lhe apreendeu o Inquisidor Heitor Furtado de Mendonça, assim como um livro em Latim de obras de devoção da autoria de um Padre da Companhia.

fls. 163 v img. 325 – sem data – Despacho do Inquisidor Bartolomeu da Fonseca recebendo a “contrariedade” do Réu.

fls. 165 img. 327 – 24-10-1597 – Defesa do Réu Bento Teixeira, cristão novo. Testemunhos.

-Padre Fr. Belchior de S.ta Catarina, Guardião do Mosteiro de S.ta Catarina. Religioso da Ordem de S. Francisco, de 45 anos – Esteve 11 anos em Pernambuco, mas apenas um ano, coincidiu com a estada ali de Bento Teixeira. Nada sabe dos artigos da defesa, pois apenas ouviu dizer que o Réu tinha o costume de jurar per verenda Virginis.

15-10-1597 – Francisco de Ataíde, mercador, de 47 anos – Conheceu o Réu há 14 ou 15 anos em Pernambuco, de o ver ensinar meninos e por falar com os Padres da Companhia, mas nada sabe dos artigos da defesa.

- Diogo Correia, mercador, de 38 anos, natural do Porto e morador em Lisboa há dois anos – Disse que residiu 16 ou 17 anos em Pernambuco, onde conheceu o Réu de comerem e beberem juntos.  Via que o Réu se confessava e comungava e não guardava os sábados de trabalho.

fls. 167 v img. 332 – 12-11-1597 – P.e Fr. Bernardo da Anunciação, de 46 anos, da Ordem de S. Francisco, Província de S. António, morador no Mosteiro da Carnota, termo de Alenquer, que esteve sete anos nas partes do Brasil – Disse que conheceu o Réu, que lhe ouviu recitar trovas e poesias de sua autoria e que lhe viu fazer alguns actos de católico. Ouviu-lhe dizer mal dos cristãos novos.

fls. 169 img. 335 – 26-9-1597 – O Promotor de Justiça veio sugerir e requerer aos Inquisidores que se fizesse já a publicação da prova da justiça pois, tendo ele vindo com contrariedade e defesa e havendo que solicitar ao Brasil a respectiva prova, se viesse com contraditas, poderia pedir-se juntamente a prova de uma e outras. O Notário fez termo deste pedido.

fls. 169 v img. 336 – 3-10-1597 

fls. 170 img. 337 – Publicação da prova da justiça – São 10 culpas. Ouvida a leitura, disse o Réu que é falso tudo o que vai além do que ele tem confessado nesta Mesa. Quer arguir contraditas e para isso quer estar com procurador.

fls. 171 v img. 340 – 6-10-1597 – Foram entregues as contraditas redigidas pelo Licenciado Manuel Cabral.

fls. 172 img. 341 – Traslado da publicação da prova da justiça devolvido pelo procurador.

fls. 174 img. 345 – O procurador pede que sejam indicados os lugares e os tempos em que são dadas as culpas ao Réu. São-lhe referidos os lugares para cada culpa e os tempos aproximados.

fls. 174 v img. 346 – Arguição de contraditas. Pelo seu procurador, o Réu diz que são seus inimigos: Gonçalo Veloso de Barros, morador na baixa do Salvador, Tristão Ribeiro, morador no mesmo lugar, Manuel de Góis, cunhado do anterior, Maria Lopes, viúva de Mestre Afonso, Maria de Peralta (Pr. n.º 10746) e Tomás Babintão, seu marido, Padre Simão de Proença, Estêvão Ribeiro, cirurgião em Igarassu, L.do Tristão Barbosa, Francisco de Sousa de Almeida, que adulterou com sua mulher, assim como Paulo de Valcáçova, e Matias Martins, ambos de Igarassu, António Lopes Sampaio, de Igarassu, Crisóstomo Borges, Maria Martins, mulher de Gonçalo Dias, Brás da Mata, pedreiro, Filipa Raposa, sua mulher defunta, Padre Duarte Pereira, amante de sua mulher, Pero Lopes Galego, Fr. Damião da Fonseca, Jorge Tomás, António Barbalho, Bartolomeu Ledo, oleiro, Pero Lopes Camelo, Jerónimo Pardo, João Luis, cirurgião, Ana Lins, mulher de Bartolomeu Ledo, Maria Maciel, António de Valadares, Diogo de Meireles e mulher Filipa de Medeiros.

fls. 183 v img. 364 – 7-10-1597 – Indica testemunhas às contraditas.

fls. 190 img. 377 – 9-10-1597 – O Réu pede para arguir mais contraditas

fls. 191 img. 379 –Argui contraditas contra o L.do Diogo de Barbuda, clérigo beneficiado em Olinda, que adulterou com sua mulher, e Cosmo Neto, filho do Padre Gaspar Neto, de Ipojuca.

fls. 191 v img. 380 – 9-10-1597 – Indica testemunhas às 2.ªs contraditas.

fls. 192 v img. 382 – 11-10-1597 – Despacho de recebimento das contraditas – Foram apenas recebidos os artigos 8.º, contra Tristão Barbosa, 15.º contra Brás da Mata, 21.º e 22.º contra Fr. Damião da Fonseca, 23.º contra Jorge Tomás e 26.º contra Ana Lins. Os restantes não foram recebidos ex causa.

fls. 193 img. 383 – 14-10-1597 - Comissão da Inquisição de Lisboa ao Licenciado Diogo do Couto ou quem o tiver substituído, como Ouvidor do Eclesiástico na Capitania de Pernambuco para interrogar as testemunhas do Réu na arguição de contraditas.

fls. 197 img. 391 – 25-2-1598 – Audição das testemunhas às contraditas em Olinda, por D. Bento Pais

- Manuel Cardoso Milão, mercador, de 26 anos- disse que o Réu lhe dissera que havia tido palavras com Fr. Damião sobre não lhe querer escrever uma farsa.

- Luis de França, de 35 anos, disse que não sabia coisa alguma do artigo de contraditas e só acrescentou que o Réu era homem de má língua, e quando não tinha que dizer dos outros, dizia de si mesmo, como é pública voz e fama e que cada dia pelejava com uns e com outros.

- Manuel Rodrigues, o “Lava-pau”, de 65 anos – disse nada saber do art.º 15 das contraditas

fls. 199 img. 395 – 27-2-1598 –

- Manuel Carvalho, mercador, de 37 anos – Sabe que o Réu discutiu com Jorge Tomás e daí em diante não mais se deram.

fls. 199 v img. 396 – 28-2-1598

- Jerónimo Fragoso de Albuquerque, de 23 anos – Nada se lembra do artigo 26 das contraditas,  mas adiantou que o Réu era brigoso e revoltoso com suas porfias e solto de língua, pela qual razão tinha muitas vezes diferenças com muitas pessoas.

fls. 200 v img. 398 – 10-3-1598

- Manuel de Albuquerque, de 50 anos – Interrogado pelo artigo 26 das contraditas, disse que nunca tal ouvira.

- Gonçalo Rebelo, tabelião, de 60 anos – Perguntado pelo artigo 15 das contraditas, disse que nada sabia.

fls. 201 v img. 400 – 12-3-1598 –

- Cosme Vaz, cristão velho, irmão de António de Albuquerque, de 25 anos – Perguntado pelo artigo 26, disse que nada sabe.

- Francisca de Figueiredo, de 80 anos, que mora em casa de António de Albuquerque disse que “haverá 30 anos pouco mais ou menos conhecia ao dito Bento Teixeira e que pousara em sua casa com sua mulher uns cinco meses pouco mais ou menos” e “que a Réu era homem de má língua e os de Igarassu se alevantaram contra ele por ser tal, e principalmente Francisco de Sousa e o Madeirão e outros muitos, e a causa disto fora por em Igaraçu Francisco de Sousa chamar ao Réu cornudo haverá sete anos pouco mais ou menos”.

fls. 203 img. 403 – 17-3-1598

- Gaspar Francisco, Juiz, de 45 anos – perguntado pelo artigo oitavo das contraditas, disse “que o Réu era homem inquieto, falador e revoltoso”, confirmando no entanto que o Réu era inimigo de Tristão Barbosa de Carvalho.

- Pedro Fernandes do Vale, de 44 anos, morador em Igarassu, sobre o artigo oitavo das contraditas, disse “que o Réu era mal ensinado, revoltoso e que com muitas pessoas tivera brigas e diferenças, das quais não é lembrado, mas que com estes se tornara logo a amigar, porque era tão desavergonhado que, chamando-lhe muitas pessoas cornudo e outras injúrias semelhantes a estas, logo se tornava a comer com eles”.

fls. 207 img. 411- 18-11-1597 -  Incipit confiteri  (começa a confessar) – 1.ª confissão de Judaísmo

Disse o Réu que quando tinha 13 ou 14 anos, quis ir numa procissão a disciplinar-se como recomendavam os padres mas sua mãe lhe disse que não fosse porque os pregadores eram uns gentios idólatras. Aceitou o que sua mãe lhe disse e começou a fazer jejuns judaicos com ela “e ele confitente veio a crer o que a dita sua mãe lhe disse, e creu e teve por certo quo a lei de Moisés era melhor que a  de Nosso Senhor Jesus Cristo e que nela se havia de salvar (...)  e que esta crença da dita lei de Moisés começou ele confitente a ter haverá 24 anos, pouco mais ou menos, para cá, pela conta que tem lançado à sua idade, e lhe durou até agora, mas haverá dois meses pouco mais ou menos tinha tenção de confessar suas culpas e teve grandes trabalhos consigo em se resolver a confessar suas culpas, por amor da infâmia que disso lhe resultaria e por não denunciar de algumas pessoas que sabe andarem apartadas da nossa santa fé Católica, das quais dirá adiante (…) e disse que ele estava muito arrependido de se afastar da fé de Cristo Nosso Senhor e de se passar à lei de Moisés e disso pede perdão e misericórdia e protesta viver e morrer na fé de Cristo Nosso Senhor e da Igreja Romana”.

fls. 209 v img. 416 – 19-11-1597 – Continua a confissão

Sua mãe proibia-lhe de comer carne afogada que não fosse antes perfeitamente sangrada, mas depois que ela faleceu (há dezassete anos e poucos meses) passou a comer carne afogada e peixe sem escama sem remorsos de consciência.  Sua mãe disse-lhe também para rezar os Salmos, mas sem lhe acrescentar o Gloria Patri no final.  Quando seu pai soube que a mãe lhe tinha ensinado a crença dos judeus ficou muito zangado e tratou sua mãe “muito mal, dando-lhe muitas pancadas e chamou a ele confitente e o açoitou asperamente e com um cabo de enxada lhe fez a ferida que tem sobre a fronte e o repreendeu de ser judeu e lhe deu razões muito eficazes para que fosse Cristão”. Então o Réu ficou bastante confuso.

fls. 214 v img. 426 – 19-11-1597 – de tarde – Continua a confissão

Disse que 18 anos trás, toda a família se mudou do Rio de Janeiro para a Baía, “assim por ele confitente poder ouvir as Artes como por eles serem pobres e terem aí parentes que lhes escreveram que se viessem para aí e lhes fariam bem, os quais parentes eram da parte de sua mãe”, um dos quais era Antonio Teixeira, sobrinho de sua mãe, a pedido de quem traduziu o Deuteronómio para a português por 4$000. Constatou então que ele era crente na Lei de Moisés. António Teixeira é filho de uma sobrinha de sua mãe, cujo nome não sabe e esta é irmã de Rui Teixeira, o qual tem um filho chamado também António Teixeira.  Antes de o primeiro António Teixeira seu segundo primo, vir para o Reino,  disse ele a Pedro Álvares: “Aqui lhe deixo este parente que é bom bicho no segredo”.

Há 17 anos, na Baía, adoeceu sua mãe, e vieram para a curar João Vaz Serrão, cirurgião, e sua mulher Leonor da Rosa. E esta disse que era o mês de jejuar como manda a Lei. Vieram também Gonçalo Nunes e sua mulher , filha de João Vaz Serrão, cujo nome não sabe.

fls. 219 img. 435 – 20-11-1597 – Continua a confissão

Denuncia Jorge Tomás, Francisco Mendes e continua a referir João Vaz Serrão e mulher Leonor da Rosa.

fls. 221 img. 439 – 20-11-1597 – De tarde

Disse que há 17 anos, falecendo sua mãe, Leonor Rodrigues, João Vaz Serrão e sua mulher Leonor da Rosa, a amortalharam ao modo judaico., lavando-lhe o corpo e embrulhando-a em lençol novo.

fls. 224 v img. 446 – 21-11-1597 –

Na Baía fez amizade com Fernão Ribeiro de Sousa, com quem estudou italiano. Teve uma discussão com ele porque ele dormia com uma irmã de sua mulher e dizia que nenhum mal via nisso.

fls. 229 img. 455 – 22-11-1597 –

Disse que há 15 anos foi da Baía para a Capitania de Ilhéus e aí conheceu Pero Henriques, cristão novo, médico, casado com uma mulher pobre de sobrenome Duarte (não se lembra do nome). Cita então Símbolo da Fé, de Frei Luis de Granada e De Nobilitate Christiana, de Jerónimo Osório. Denuncia o médico. Falando de seu irmão Fernão Rodrigues da Paz, diz que é “Cristão Católico”, e se criou no Porto em casa de um cristão velho até à idade de 20 anos, em que foi para o Brasil.

fls. 232 img. 461 – 24-11-1597

Na Capitania dos Ilhéus fez amizade com Pedro Fernandes Rafael, cristão novo. Conheceu também Francisco da Costa, viúvo, que depois veio há três anos para o Reino e lhe parece que é falecido.

fls. 235 v img. 468 – 24-11-1597 – De tarde

Francisco da Costa resolveu um diferendo entre Salvador da Maia e sua mulher Domingas.

fls. 239 v img. 476 – 26-11-1597 –

Diz o Réu que há 12 anos mais ou menos se mudou da Capitania dos Ilhéus para Pernambuco e abriu escola para ensinar crianças e jovens. Era vizinho de Diogo de Meireles que se intitulava cristão velho, mas era cristão novo. Conversando com ele e Diogo de Meira falaram da “bula da Cruzada” e Diogo de Meira disse que não era Bula mas burla.  Diogo de Meireles falou-lhe depois em Francisco Prado, Rabino, que estivera muito tempo em Roma e em Nápoles  e em Diogo Rodrigues de Elvas, mercador cristão novo . Francisco Prado é natural de Lisboa e era lavrador de cana no Brasil, mas faleceu há dois anos e era homem já para 70 anos.  Diogo Rodrigues de Elvas era parente de Fernão Rodrigues de Elvas, de Lisboa e veio de Pernambuco para Lisboa há cerca de 11 anos mais ou menos.

fls. 244 img. 485 – 26-11-1597 – de tarde

Disse que pediu a Diogo de Meireles para o apresentar a Francisco Prado e Diogo Rodrigues de Elvas  Ele apresentou-lhe Francisco Prado e foram comer juntos.

fls. 248 img. 493 – 28-11-1597 – Audiência conduzida pelo Inquisidor Manuel Álvares Tavares

Relata ainda conversas com Francisco Prado e Diogo de Meireles.

fls. 252 img. 501 – 29-11-1597 – Audiência com o mesmo Inquisidor

Prossegue a narração de conversas com os mesmos.

As imagens 509 e 510 pertencem ao final do processo. O dia 30 de Novembro de 1598 foi domingo.

fls. 257 v img. 512 – 29-11-1597 – de tarde

Foi a casa de Violante Fernandes (falecida há dois anos) e estava ali Andresa Jorge (Pr. n.º 6321), mulher de Fernão de Sousa,  e a irmã dela Beatriz Fernandes (Pr. n.º 4580), solteira. O Réu denuncia estas como judias.

Continua na img. 547. Falta aqui texto (talvez 1 fólio).

 

Os documentos de fls. 81 img. 161 a fls. 88 img. 175  estão repetidos depois (numa 2.ª via ) em fls. 259 img. 515 a fls. 266 img. 529.

Do mesmo modo os documentos de fls. 197  img. 391 a fls. 205 img. 407 estão repetidos depois (numa 2.ª via) em fls. 267 img. 531. a fls. 274 img. 545.

fls. 276 img. 549 – 1-12-1597 –

Há 12 anos em Pernambuco nas casas que eram de Diogo de Meireles em que ele Réu vivia com sua mulher Filipa Raposa, que “ensinava algumas moças a ler e escrever e a coser”, entre as quais uma Inês Fernandes, filha de Maria de Paiva meia cristã nova e de Agostinho de Holanda alemão e português que não tem nada de cristão novo”. Acusa todas estas de judaísmo.

fls. 280 img. 557 – 2-12-1597 

Foi na barca de Luis Gomes à Ilha de Itamaracá e narra as conversas que teve com ele, com Gabriel Pinto e outros.

fls. 283 v img. 564 – 3-12-1597

Denuncia Gabriel Pinto e Pedro Vieira.

fls. 286 v img. 570 – 5-12-1597 –

Disse “que por volta de 1587 mudou-se para Igaraçu, onde viveu quatro anos, ensinando moços a gramática e a ler e escrever e nesse tempo tinha já um filho e uma filha de Filipa Raposa”.  Exigia ele que sua mulher respeitasse os preceitos da Lei de Moisés na comida e na limpeza da casa.

fls. 290 v img. 578 – 6-12-1597

Denuncia Catarina Fernandes.

fls. 294 img. 585 – 9-12-1597 –

Em casa de Manuel Ribeiro, lavrador, repreendeu ele a mulher deste, Helena Jorge, por lhe ser infiel ao que ela respondeu que o que fazia não era pecado por seu marido ser mourisco e que Filipa Raposa, mulher do Réu também fazia isso porque ele era judeu. Maria de Peralta (Pr. n.º 10746)  cristã nova, mulher de Tomás Babintão, inglês, pediu-lhe para traduzir os sete salmos penitenciais de David.

fls. 298 img. 593 – 11-12-1597 –

Disse que a certa altura ficou doente e veio curá-lo um médico e cirurgião chamado Manuel Esteves, natural de Viana, cristão novo que usou de práticas judaicas para o curar.

fls. 302 v img. 602 – 12-12-1597

Fala de Ana Lins, de Pedro Lopes Camelo, cristão velho. Este tinha um caso com Bárbara Denande casada com Diogo Barreiros e dizia que lhe metia o Papa no Palácio Sacro e deixava os Cardeais à porta, dizendo o Réu que tinha aprendido com ele esta expressão.

fls. 307 v img. 612- 12-12-1597 – De tarde

Com Jerónimo Rodrigues, fala de João Nunes.  Fala de Gonçalo Mendes Pinto e de seu irmão Leonel Mendes Pinto e de Diogo Fernandes Neves.

fls. 310 img. 617 – 13-12-1597 –

Refere a discussão de práticas judaicas com os mesmos antes referidos.

fls. 313 img. 623 – 13-12-1597 – De tarde

Denuncia práticas judaicas de Guiomar Mendes, sua filha Mor Paredes e Bartolomeu Fernandes, sapateiro.  Diz que este último falou de um Rafael Rodrigues, da Covilhã que tinha poderes espirituais.  O mesmo disse também que a fornicação simplex era coisa natural como comer e beber.

fls. 315 v img. 628 – 13-12-1597

Termo de como se deram ao Réu três folhas de papel, rubricadas pelo Notário Manuel Marinho.

fls. 316 img. 629 – 15-12-1597

Continuou a expor as ideias de Bartolomeu Fernandes, há cerca de catorze anos.  Depois, referiu as práticas judaicas de Guiomar Mendes e de sua filha Mor Paredes.

fls. 320 v img. 638 – 15-12-1597

Termo de como se deram ao Réu mais duas folhas de papel.

fls. 329 v img. 638 – 15-12-1597 – de tarde

Referiu um grupo de cristãos novos que na Capitania do Espírito Santo 23 anos atrás, convivia com sua mãe Leonor Rodrigues.

fls. 323 v img. 644 – 16-12-1597

Refere as práticas judaicas de sua falecida mãe.

fls. 327 v img. 652 – 16-12-1597 –

Termo de como se deram ao Réu mais duas folhas de papel.

fls. 328 img. 653 – 17-12-1597

Fala de 22 anos atrás, quando sua mãe se mudou dos arredores para a própria Vila do Espírito Santo, e da amizade que ali tinha com vários cristãos novos, em especial um Diogo de Escobar.

fls. 332 v img. 662 – 19-12-1597

Continua a referir as amizades de sua mãe 22 anos atrás com cristãos novos. Na vila do Espírito Santo vivia também um seu primo co-irmão chamado Rui Teixeira que agora vive em Pisa, com toda a sua casa.

Nesta audiência, apresentou o Réu as 7 folhas de papel escritas (são as que se encontram a fls. 119 img. 237)

fls. 337 v img. 672 – 20-12-1597

Diz que há 19 anos, tendo-o seu pai mandado ir a Pernambuco passou por Porto Seguro, onde foi hospedado pelo Padre Simão de Proença, cristão novo,  seu conhecido e muito amigo de seu primo Rui Teixeira. Viu que o Padre vivia amancebado com Leonor Gomes e repreendeu-o por isso. O padre teria dito que não era pecado, por ser cristã nova.

fls. 341 img. 679 – 20-12-1597

Termo de como foram dadas ao Réu mais duas folhas de papel.

fls. 341 img. 679 – 22-12-1597

Denuncia um Rodrigo da Costa, de Porto Seguro, indicando convicções e práticas judaicas. Disse que, regressado à Vila do Espírito Santo, esteve uns dias em casa de Francisco Gomes Pereira, com quem tratou das coisas da Lei de Moisés.

fls. 345 img. 687 – 30-12-1597 –

Disse que há 16 anos, na Baia, quando cursava Artes, veio a ter trato e amizade com Baltasar Pereira, cristão novo, “o qual por amor de Deus sustentava a ele confitente no estudo, dando-lhe de vestir e outras cousas necessárias, e muitas vezes de comer, e o fazia assim por entender ser ele confitente cristão-novo”, e o próprio Baltasar Pereira tinha práticas judaicas.

fls. 348 img. 693 – 5-1-1598

Denuncia mais para a mesma época de 16 anos atrás, Gaspar Rodrigues e Pedro Álvares, que tinham práticas judaicas.

fls. 351 v img. 700 – 5-1-1598

Termo de como lhe foram dadas mais duas folhas de papel.

fls. 351 v img. 700 – 10-1-1598

Continuou a descrever as práticas judaicas dos já referidos.

fls. 357 img. 711 – 10-1-1598

O Réu entregou escritas as folhas de papel que lhe tinham sido dadas e estão neste processo a fls. 133 img. 265.

fls. 357 img. 711 – 14-1-1598 –

Referindo-se ainda a 16 anos atrás, na Baía, denuncia Álvaro Pacheco, já defunto e o médico L.do João Vaz, de Évora.

fls. 363 v img. 724 – 26-1-1598

Prossegue a denúncia contra os mesmos.

fls. 365 v img. 728 – 26-1-1598

Termo de como foram dadas ao Réu mais duas folhas de papel.

5-2-1598 – O Réu entregou escritas as folhas de papel que lhe haviam sido dadas e que se encontram no processo já a seguir.

fls. 366 img. 729 – 26-1-1598

Nota: Quando o texto fala de "peças", trata-se de escravos.

Começa por dizer que, “pelo receio que tinha de me acontecer algum caso onde perdesse a vida, como fraco e mortal, e desejoso enfim de conservar a vida para reformar as quebras do passado e fazer outra nova, deixava de acabar minha confissão perfeitamente, pelas razões e causas que neste papel apontarei, as quais quis manifestar a VV. SS. nesta sagrada mesa do Conselho, aonde (como suprema) se pode dar o remédio mais facilmente aos inconvenientes que se podem seguir que em outra nenhuma.

Com fazendo princípio digo.

Que na Capitania de Pernambuco do Brasil está um mercador castelhano cristão novo, que se chama João Baptista, o qual me disse ser dos conversos de Castella, aonde me diz ter muitos parentes ricos, e principais, Com o qual João Baptista vindo eu a ter comércio e amizade mui particular, depois de nos declararmos por muitas vezes por sequazes da lei de Moisés, vim eu, depois que faleceu minha mulher Filipa Raposa, ter a casa do dito João Batista,o qual me disse o seguinte in terminis: hermano de mis entrañas, hezistes mui bien de matar vuestra mujer porque no solamente os lo merecia por adultera, sino porque os tenía enclavado en la lnquisición. E eu espantado de ouvir tal lhe perguntei donde sabia aquilo e quem lhe dissera, e ele me disse que António de Ponte, criado do Visitador Heitor Furtado, lhe dissera, e que também Frei Damião e Cristóvão d’Alpoim me tinham posto no Santo Ofício. E perguntando-lhe eu que remédio me dava para escapar de ser preso, me disse que vendesse as melhores peças que tinha de Guiné e que ele me empregaria o dinheiro delas em fazenda e que me iria com ele para o Peru ou Tucumão, para onde estava o dito João Batista de caminho, e que as outras peças que ficassem ele se obrigava a mas levar no navio em que fosse, sem nenhum frete, e que não tinha necessidade de fazer matalotagem para minha pessoa, que eu passaria como ele. E eu, parecendo-me bem o conselho que o dito João Batista dava, tomei 4 peças de Guiné de 9 que tinha entreguei-as ao dito João Batista, as quais 4 peças ele vendeu por serem ladinas e boas serviçais por 400 patacas de oito reales cada uma, que vem a ser 128$000; e andando ele para empregar o dito dinheiro em ruões, holandas e panos pardos e fazendo-se prestes para partir no mês de Abril (este que embora vem faz três anos) e eu com ele fugindo da Inquisição, com pressuposto de mudar o nome e me chamar Júlio Batista, fazendo-me sobrinho por parte de pai do dito João Batista, e sendo isto no més de Março, sucedeu no Abril próximo virem os Ingleses e saquearem a fazenda da nau India, por onde se suspendeu por então a nossa ida. E no Junho próximo, querendo o dito João Batista prosseguir sua viagem, vieram novas que Sua Real Majestade proibia sob graves penas que nenhuma pessoa do Brasil nem doutra parte fosse ao Tucumão pelo Rio da Prata, que é pela costa do Brasil, mas que só os do Tucumão pudessem vir ter ao Brasil para poderem passar o seu dinheiro por letras e assim vir seguro, por amor dos ingleses, o que foi causa do dito João Batista desistir e eu com ele da ida que fazíamos.

E logo depois disto, em 20 de agosto próximo, que este agora vem faz três anos, fui eu preso pelo Santo Oficio e sendo eu embarcado para este Reino aos 22 de Outubro este que vem faz três anos, o dito João Batista me foi visitar à boca de noite e já me tinha visitado no Recife dois dias antes, e ali vieram os parentes de todos quanto presos para cá vinham, porque os criados de Heitor Furtado, que comiam e jogavam connosco, não o tolhiam nem defendiam; e depois de o dito João Batista chorar muitas lágrimas comigo e me fazer presente de algumas cousas do Reino que eu não trazia para matalotagem, me metia na mão uma letra para um seu respondente, a qual era de 140$000, a saber 128$000 dos que me tinha em seu poder, e 12$000 que me dava grátis, a qual letra eu não quis aceitar, dizendo que tanto me levaria o diabo que deixasse ficar as 400 patacas em seu poder, porque ali debaixo de sua fé, amizade e confiança estavam seguras do Santo Ofício e melhor que em minha mão. O que vendo o dito João Batista disse que não vivia eu enganado, e que agora acabava de entender a firmeza e fé do amor que nós tínhamos um ao outro, e que sendo caso que Nosso Senhor fizesse de mim alguma cousa o que Ele não permitisse, ele jurava ao Senhor Deus verdadeiro de Israel de entregar as ditas 400 patacas a meu irmão Fernão Rodrigues, de papel, como o legitimo herdeiro delas, e que saindo bem, como esperava no mesmo Senhor, por cujo amor e honra eu vinha preso, que fizesse de conta que as tinha na mão”. E, depois de praticarmos dobre o segredo, fé, e lealdade, que um ao outro éramos obrigados a ter, me disse:

(Continua a pôr na boca de João Baptista um arremedo de espanhol): Hermano de mis entrañas aveis de saber que ides para el más riguoroso juizio, que hai en el mundo adonde no solamente  os es necessário de hazer después de os encomendardes al señor que os dió el ser, tener humildad, fuerças, saber, paciencia, y promptitud de voluntad, humildad, para no os tardés contra nungun ministro de la Inquisición, fuerças para resistir a los combates ordinários, extraordinários, que os han de dar los inquisidores para que confesseis, saber para os saberdes regir, e governar, e dizer, no, no, no, paciencia para sofrir las injurias, e afrontas que os han de dizer los ministros, los inquisidores, que os han de llamar de judio, e dizir mil otras injurias, y promptitud de voluntad para os offrecerdes a todo el mal que sucediere y sobre todo os encomiendo que, después de cumplido todo esto, que a las vezes no aprovecha  que tal es la prision, si os apertarem hablad con los muertos, por que si hablais con los vivos, principalmente comigo, ellos y yo passaremos algun tiempo mal como vos, mas a la fin vos os arrependireis de lo que avieredes hecho, porque os hago a saber que en Castilla, y en Portugal, tengo parientes a los quales no aveis de escapar, ni en el vientre de la Balena. Mas sobretodo si llegardes al trance de manos atadas e os fuere necessário dar en todos los que convosco trataron lo que yo traté, para yo saber que haveis dado en mi, haréis esto: diréis que en mi poder os han quedado debaxo de confiança quatrocientos pesos, yo quando viexe que el Fisco me los pide, por parte del Santo Officio haré calças de Villa Diego, y hablaré con los Cardenales, y entonces véngame el Diablo tomar e por resolução me fez jurar al Señor que caió el cielo, tierra, mal y axenas de cumplir todo lo suo dicho muy interamente sin discrepar un solo punto.”

E terminava assim: “E lembro a V.V. S.S. em resolução o que diz o Doctor Angelico: Sit erranti medicina confessio, e pois eu da minha parte tenho correspondido em forma com as condições da boa e verdadeira confissão, resta agora a VV. SS. não faltarem da sua, com a qual nunca faltarão a quem faz o que deve nesta santa mesa.”

fls. 369 img. 735 – 5-2-1598 – Termo de entrega do papel que antecede

fls. 369 v img. 736 – 7-2-1598 – Audiência determinada pelo Inquisidor

Denuncia uma declaração de judaísmo em forma dele, Pedro Álvares e Lopo Fernandes, há 15 anos na Baía.  Denuncia também Sebastião de Faria de auditu.

fls. 376 v img. 750 – 4-3-1598 – Pediu audiência

Denuncia uma declaração de judaísmo em forma dele, Sebastião de Faria e Fernão Ribeiro de Sousa.  Denuncia expressamente o seu amigo castelhano, João Baptista.

fls. 380 img. 757 – 26-3-1598 – Audiência determinada pelo Inquisidor

Há 22 anos no Rio de Janeiro, encontrou em casa com sua mãe, a Maria Álvares, que agora vive com seu marido Luis Machado de Loureiro, na Capitania do Espírito Santo.  Maria Álvares pediu a Leonor Rodrigues para lhe ensinar a fazer um jejum para conseguir ter um filho de seu marido.

fls. 382 img. 761 – 14-4-1598 – Pediu audiência

Há 13 anos em Olinda, com João Luis, cirurgião, declararam-se como crentes na Lei de Moisés.

fls. 384 v img. 766 – 1-6-1598 – Ratificação primeira dos testemunhos do Réu

fls. 387 v img. 772 – 5-6-1598 – Ratificação segunda dos testemunhos do Réu

fls. 389 img. 775 – 22-6-1598 – Ratificação

fls. 390 v img. 778 – 4-7-1598 – Ratificação que o Réu fez da sessão atrás e dos testemunhos que deu em certos escritos seus, que andam nestes autos de que abaixo faz menção

Elenca 23 pessoas que denunciou no papel datado de 17-12-1597, a fls 119 img. 237, dizendo apenas os nomes.  Isto ratificou.

fls. 393 img. 783 – 18-8-1598 – “Sobre o papel que o Réu escreveu, que começa: V.S. me mandou. etc.” Dirigiu a audiência o Deputado Diogo Vaz Pereira.

Disse o Deputado que era necessário que ele repetisse as acusações de forma mais breve. Disse ele então que em Outubro de 1597 falou com Beatriz Gomes, mulher de Duarte Lopes por uma fenda na parede e deu-lhe um recado para ela de Manuel Lopes, marchante e era que confessasse, porquanto ele Manuel Lopes havia dado nela e nos irmãos e irmãs. Beatriz Gomes disse que o faria, mas que os Srs. Inquisidores queriam que se desse nos seus filhos, maridos e mais obrigações. Disse mais ela que seu genro João Gomes lhe dissera que não confessasse ainda, porque se esperava que viesse de Madrid o perdão geral. Poucos dias depois, Diogo de Horta passou-lhe um recado de Inês Lopes, para a mesma Beatriz Gomes, sua irmã, dizendo que ela Inês dera em todos os irmãos e irmãs, mas não em seu marido e pedia que Beatriz Gomes fizesse o mesmo.

Disse mais que agora é lembrado que em Março próximo passado falando ele nestes cárceres da décima casa do corredor do meio com Maria Cardosa que disse ser solteira, natural de Ponte de Lima, a qual estava na cozinha do dito corredor, por uma fenda da parede que os dividia lhe perguntou a dita Maria Cardosa por Lopo Nunes médico preso nestes cárceres que foi seu companheiro na dita décima, digo, na nona casa, e declarando-lhe ele Réu, a dita Maria Cardosa lhe respondeu que era seu parente e estiveram ambos concertados para casar, e perguntou a ele confitente se estava o dito Lopo Nunes negativo ou confessado? ao que lhe respondeu que negativo, perguntando-lhe se sabia ela dele alguma coisa! ao que a dita Maria Cardosa respondeu que, quando estiveram em Ponte de Lima para casar, ambos se declararam que criam na lei de Moisés e a guardavam, e que vindo para dizer isto na mesa, lhe esqueceu, porém o faz agora por passar na verdade e lhe vir à memória”.

fls. 395 v img. 788 – 19-8-1598 – Audiência com o mesmo Deputado Diogo Vaz Pereira

Confirmou o que tinha dito no papel datado de 17-12-1597 sobre Diogo de Horta, irmão de Fernão de Horta, ambos filhos de Manuel de Horta, com Gaspar Lopes Homem.  Disse que não pode ter certeza absoluta dos nomes, pois apenas conhece estas pessoas dos cárceres. Assim rectifica o nome que deu de João Gomes, genro de Beatriz Gomes, mulher de Duarte Lopes, o qual se chama na realidade Rui Gomes.

fls. 397 v img. 791 – 20-8-1598 - Audiência com o mesmo Deputado Diogo Vaz Pereira

Referiu que , estando ele e Lopo Nunes, médico, na nona casa do pátio há cerca de 13 meses, se reconheceram  por parentes, por sua mãe Leonor Rodrigues ser parente do pai dele Tomás Nunes. Disse-lhe então Lopo Nunes, que  Adrião Álvares (Proc. n.º 12999, de Lisboa) lhe “dissera vindo do auto da fé onde saiu que Tomás Nunes pai dele, Lopo Nunes, padecera, e que sua  irmã Antónia Nunes saíra com hábito e lho tiraram logo no mesmo auto,  e que sua mãe saíra com hábito e confessara, e que uns parentes seus (que lhe nomeou) lhe mandaram dizer que confessasse suas culpas e que não quisesse vir ao estado de seu pai.”  Disse Lopo Nunes que não confessara e não havia de confessar,  mas “que bem sabia que seu pai, mãe e Antónia Nunes e Miguel Vaz que veio do Brasil, seus irmãos, eram judeus e judaizavam e que o dito seu pai o procurou fazer judeu com argumentos, autoridades e razões muito subtis, e sua mãe com mimos, e branduras, mas que nunca o puderam convencer, dizendo-lhe mais que estava preso sem culpa (…)”.

fls. 398 v img. 794 – 19-10-1598 - Audiência com o Inquisidor Manuel Álvares Tavares

Ratificou os depoimentos de 18 e 19 de Agosto de 1598.

fls. 399 v img. 796 – 3-12-1598 – Processo concluso

fls. 400 img. 797 – 3-12-1598 -  Assento da Mesa da Inquisição

“(…) e pareceu a todos os votos que, visto como o Réu na sua confissão satisfaz as informações da Justiça e assenta na crença, dando provável auto de seu judaísmo e diz de muitas pessoas com quem comunicou a crença da lei de Moisés, com outras considerações que no caso se tiveram, que o Réu seja recebido à reconciliação da Santa Madre Igreja, com cárcere e hábito perpétuo, visto confessar, depois de ser acusado e ter publicação dos ditos das testemunhas, e que incorreu em confiscação de seus bens e excomunhão major, e que vá no auto na forma costumada”.

fls. 401 img. 799 – 31-1-1599

Sentença.  Foi publicada  “no auto público da Santa Fé que se fez na sala desta Inquisição de Lisboa domingo 31 dias do mês de Janeiro do ano de 1599, o qual auto se fez no dito lugar e se houve por público e por tal se declarou às pessoas que nele saíram, por uma provisão do Senhor Licenciado Manuel Alvares Tavares, Inquisidor que só reside na mesa, e que se publicou no dito auto por razão do mal da peste, de que Deus nos guarde, que no dito tempo nesta Cidade e em todas as partes dela havia e a não se poder fazer no lugar costumado ou em outro lugar público desta cidade”.

fls. 402 v img. 802 – sem data – Abjuração em forma

fls. 403 img. 803 – sem data – Termo de segredo

(…) e logo foi mandado levar aos cárceres das Escolas Gerais para nele ser instruído nas cousas da fé necessárias para salvação de sua alma”.

Desaparecido um documento  referido por José António Gonçalves de Mello no livro citado (pag. 114) com uma  declaração de seu catequista, o Capelão Domingos Fernandes, datada de 21 daquele més e ano. Com essa declaração pediu a sua libertação. O documento dizia que “o suplicante sabe a doutrina e assim está confessado e sacramentado e instruído na fé .”

img. 509 (fora do lugar) – 30-10-1599 – Documento assinado pelo Inquisidor Manuel Álvares Tavares

“(…) mandou vir perante si Bento Teixeira, cristão novo, preso que foi nestes cárceres, e que estava cumprindo sua penitência nos das Escolas Gerais e, sendo presente, por lhe constar que ele estava suficientemente instruído nas coisas da fé necessárias para salvação de sua alma e que sabia a doutrina cristã, estando confessado e comungado o mandou soltar e que tomasse casa para nela morar no bairro de Santa Marinha e lhe assinou a dita cidade [de Lisboa] por cárcere para nela acabar de cumprir sua penitência e lhe mandou que se não saísse dela sem licença desta mesa e trouxesse sempre seu hábito penitencial descoberto sobre todos seus vestidos e fosse muito continuamente na Igreja de Nossa Senhora da Graça nos domingos e dias santos de guarda e nos mais que pudesse as missas do dia e pregações; e lhe foram impostas as penitências espirituais seguintes: que se confessasse as quatro festas do ano, Natal Páscoa, Espírito Santo e Assunção de Nossa Senhora e nelas recebesse o Santíssimo Sacramento da comunhão de conselho de seu confessor e no cabo do ano mandasse certidão a esta mesa de como se confessou as ditas quatro festas, e jejuasse seis sextas-feiras e em todas rezasse em cada uma delas cinco vezes a oração de Pater Noster e Ave Maria e fizesse todos as mais actos de fiel e Católico Cristão e se apartasse da comunicação de pessoas suspeitas na fé e lhe pudessem causar dano em sua alma e cumprisse tudo o que em sua abjuração tinha prometido.”

fls. 404 v img. 806 – Conta de custas: 9$258 réis.

 

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

 

Bento Teixeira, Prosopopéia

Online: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000056.pdf

 

Bento Teixeira, Prosopopéa

Online: www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/01904700

 

Bento Teixeira, Prosopopéa (1873)

Online: www.archive.org

 

António de Castro, 15---1603, Naufragio, que passou Jorge Dalbuquerque Coelho, capitão, & governador de Paranambuco / [Antonio de Crasto]. - Em Lisboa : por Antonio Alvarez : vendemse em casa de Antonio Ribeyro libreyro em a Rua Nova, 1601. - [58] f. : il. ; 4º (19 cm) – Na 2.ª parte, está a Prosopopeia

Online: http://purl.pt/22627

 

José António Gonsalves de Mello, Gente da Nação – Cristãos novos e judeus em Pernambuco, 1542 – 1654, Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, Recife, 1989 ISBN 85-7019-192-8

 

Sónia Aparecida Siqueira, O cristão novo Bento Teixeira – cripto judaísmo no Brasil Colónia

Sep. da Revista de História, vol. 90 (São Paulo, Universidade de São Paulo, 1972, pags. 395-467

 

Gilberto Vilar de Carvalho, O Primeiro Brasileiro, Editora Marco Zero, São Paulo, 1995 ISBN 85-279-0190-0

Kênia Maria de Almeida Pereira, O poeta e professor Bento Teixeira:transgressão e censura no brasil do século xvi

Online: http://www2.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/351KeniaPereira.pdf

 

Eneida Beraldi Ribeiro, Bento Teixeira e a Escola de Satanás – Tese de Doutoramento apresentada à Universidade de S. Paulo – Dezembro de 2006

Online: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-11072007-101238/publico/TESE_ENEIDA_BERALDI_RIBEIRO.pdf

 

Lúcia Helena Costigan, “A experiência do converso letrado Bento Teixeira: Um missing link na história intelectual e literária do Brasil-Colónia”, in Revista de Crítica Literária Latino-Americana, Ano XX, n.º 40, Lima-Berkeley, 2.do semestre de 1994, pp. 77-92

 

António Baião, Correspondência inédita do Inquisidor-Geral e Conselho-Geral do Santo Ofício para o primeiro Visitador da Inquisição no Brasil, in Brasília, 1942, n.º 1

 

 

 

ANEXO

 

fls. 115 img. 229 do Pr. n.º 5206

Jesus Maria

Ilustríssimos e Reverendíssimos Senhores

 

Diz o sábio rei da Palestina que todos os rios nascem do mar e a ele tornam; e pois, o princípio de minha confissão se originou desta santa Mesa do Conselho (centro de onde saem as direitas linhas da verdade para a circunferência da Cristandade), parece conveniente a razão que, como o rio, torne a acabar nela, como em mar, donde posso dizer que nasci de novo e onde recebi da misericordiosa mão de Nosso Senhor Jesus Cristo tão afluentes bens, como foram deixar o Adão velho do Judaísmo pelo homem novo (que é o mesmo Cristo Jesus), as trevas palpáveis do Egipto pelo sol da justiça, às cebolas e aos alhos de Memphis pelo maná celestial, a figura pelo figurado, a aparência pela existência, a matéria pela forma, a mentira já agora pela verdade permanente, a lei carregada e de tantas cerimónias pela evangélica e de jugo suave e leve de Cristo Redentor nosso. E, se os matemáticos (quando provam que a perfeição da figura circular está em ser redonda), dizem que por isso é perfeita, porque começa onde acaba e acaba onde começa (donde diz o Psalmista ) benedices coronae anni benignitatis tuae, à imitação do rio, da figura circular e do ano, quis acabar onde comecei, que enfim no acto do amor santo e singelo que há de haver reciprocação, e pois V.V. S.S., de sua parte, nunca faltam com a fineza e quilates deste, quero eu também de minha parte corresponder com o que devo, posto que, para chegar a pôr a raiva onde o amor, zelo, caridade de V.V. S.S. (que e apostólica ) a põem, é necessário ser outra Aguia caudal de Ezequiel, que subiu ao Monte Líbano e tirou a medula do cedro.

Mas, pois, não posso (por minhas carregadas penas dos pecados me impedirem) voar tão alto, farei para responder com o muito que devo a Nosso Senhor Jesus Cristo e a essa santa Mesa e probática piscina (onde sarei da enfermidade e aleijão do judaísmo, em que estive entrevado vinte e tantos anos à imitação do paralítico) e que fez o patriarca Jacob, fugindo de Labão, e foi enterrar os ídolos que lhe trouxe ao pé de uma árvore chamada terebinto, que se interpreta confissão. Assim eu, depois de deixar o povo antigo e de me esquecer da casa de meu pai, e fugir da observância da lei Velha, a quem servi não catorze anos como Jacob, mas vinte e quatro, não pela formosa Raquel (que a lei e graça dá, que é a glória), mas pela remelosa Lia (que é a terra da promissão que os judeus enganados com temporalidade falsa e vãmente esperam), enterrarei aos pés de V.V. S.S. (que como árvores plantadas no jardim da Igreja Católica florescem no fruto de boas obras em flores de maravilhosas virtudes e doutrina exemplar) todos os mais ídolos que me ficaram de Labão, porque, se for caso, quem venha após de minha alma alguma lembrança do passado (como Labão veio atrás de Jacob) não ache dentro de mim cousa que conheça por sua. E isto farei por dois respeitos: o primeiro e principal, por honra do Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua santa fé católica. E o outro, porque V.V. S.S. entendam que, quando o bom Jesus foi servido olhar-me com seus divinos olhos de misericórdia, não foi para os tirar logo de mim, nem para eu fazer de presente minha confissão ordinária, senão verdadeira e inteira. E para que soltando-me das cadeias em laços em que o Leão infernal me tinha posto, lhe pudesse lá fora fazer alguns serviços, sendo benemérito desta Santa casa, buscando meios acomodados para reconciliar muitos errados e apartados de sua Santa Fé com essa mesa sagrada. E, posto que este ofício seja apostólico, e como tal reservado a V.V. S.S. e Deus Nosso Senhor não comunique suas verdades senão por instrumentos mais acomodados aos ouvidos de homens que eu, sei contudo que Saúl, guardando asnas, foi depois profeta e que uma asna foi parte para desviar a Balam do mau caminho e zelo que levava para maldizer o povo de Deus, o qual depois bem disse. Assim, quererá o verbo etemo filho de Deus vivo, que é Jesus Cristo que à imitação de outra asna de Balam tire aqui alguns e lá fora muitos do ruim caminho que levam, para que assim bendigam o seu Criador, que os salvou e remiu com seu imaculado e precioso sangue e para todos ganhou de condigno a glória, fazendo eles de sua parte o que devem.

(…)

22 de Dezembro de 1597.