2-5-2018 

 

 

Isabel Lobo, de Montemor-o-Velho, relaxada em 14 de Junho de 1671

 

Isabel Lobo, conhecida também por Isabel Loba ou Isabel de Figueiredo, nasceu em Montemor-o-Velho. Por curiosidade, encontrei em www.tombo.pt o seu registo de baptismo na Paróquia da Carapinheira (orago Santa Susana) em 21 de Fevereiro de 1636 (fls. 36 do Livro 1617 – 1745). Tinha pois 31 anos quando foi presa e não trinta como declarou. De família abastada, casou com um qualquer fidalgo que tinha o título de Visconde da Baía (daí o tratamento por Dona), mas não tinham filhos. Por azar dela, tinha um antepassado cristão novo, embora a sua família negasse tal facto. E quando a Inquisição atacou em força na localidade, foi presa ela e a família toda: a mãe viúva e todos os filhos: o mais velho, sacerdote católico, cujo processo correu em Lisboa, mais os dois irmãos e as três irmãs.

Isabel teve a ilusão de que conseguiria defender-se e provar a sua fé católica. Mas apareceram 38 testemunhas que depuseram contra ela. Entre as testemunhas, sua própria mãe e todos os seus irmãos. A Inquisição até considerava mais fidedignos os testemunhos dos parentes mais próximos. O seu irmão mais velho, o Padre Luis de Azurara, também a denunciara num momento de fraqueza, pois teve durante o processo um comportamento titubeante. Depois arrependeu-se e revogou todos os testemunhos (falsos) que tinha feito. A Inquisição não aceitou a revogação, disse que carecia de causalidade; considerou o testemunho de judaísmo válido.

Como sempre na Inquisição não havia defesa possível. Era preciso confessar e depois também acusar. Isabel Lobo manteve-se firme e nada confessou.

Recorreu depois às contraditas, para desvalorizar os depoimentos alegando que as testemunhas eram suas inimigas. Apresentou seis séries de contraditas que lhe serviram de pouco ou nada. Viveu presa mais dois anos que sua mãe e seu irmão, enquanto eram ouvidas as testemunhas às contraditas que apresentou.

A Inquisição deixava que os presos apresentassem contraditas à vontade, alongando com isso os processos. Utilizavam esse sistema querendo provar que permitiam a defesa dos réus. Não era verdade. As contraditas não serviam de nada.

O irmão mais velho, o padre, foi condenado à morte em Lisboa e foi morto no auto da fé de 31 de Março de 1669. A sua mãe, cujo processo ainda não consegui estudar por estar em mau estado, morreu no auto da fé de 26 de Maio de 1669, em Coimbra.  Os irmãos mais novos, dois rapazes e três meninas, utilizaram o único expediente possível para sobreviverem: confessaram o credo judaico e denunciaram todos os cristãos novos que conheciam, incluindo a mãe e a irmã mais velha.

Transcrevo aqui agora as peças mais importantes do processo 9885, isto é, os Assentos que condenaram Isabel Lobo:

 

Genealogia, em 30 de Abril de 1667 – fls. 3 r.

“… e disse:

Que a ela como dito tem, chamam Dona Isabel Loba, que se tem em conta de cristã velha, sem embargo de ouvir dizer, de cinco anos a esta parte, que um lavrador chamado Domingos Gonçalves Dourado, casado com Sebastiana Fineza, morador na vila de Montemor, chamara em ausência cristã nova à mãe dela declarante, por ser seu inimigo, a qual por isso lhe demandou uma injúria e saiu condenado não sabe em quanto.

E que ela é da idade de trinta anos… “

Pais: Gaspar Lobo de Azambuja e Cristina Figueiredo de Azambuja, a qual se tem em conta de cristã velha, naturais e moradores em Montemor.

Avós paternos: Luis de Azurara de Azambuja e Maria Loba, naturais e moradores em Montemor, já defuntos .

Avós maternos: João de Bairros Pinto ou de Figueiredo, e Isabel Giroa de Azambuja, já defuntos, moradores na vila de Montemor.

É casada com Francisco Pereira Coutinho e não tem filhos.

 

Fls. 104.r.

Assento de 12 de Julho de 1969

 

Foram vistos na Mesa do Santo Ofício estes autos e testemunho do Padre Luis de Azurara, contra sua irmã, D. Isabel Loba, Ré presa neles conteúda, e a revogação que o mesmo fez das suas confissões, estando de mãos atadas. E pareceu a todos os votos que, visto o testemunho ser de irmão, e de pessoas cuja mãe e cinco irmãos confessaram culpas do mesmo judaísmo, e tempo em que fez a dita declaração e não alegar nem provar causa concludente para ela; que, sem embargo da dita revogação, se devia fazer à Ré, publicação do dito testemunho.

Coimbra em Mesa, 12 de Julho de 1969.

Seguem-se 7 assinaturas.

 

Fls. 124 r.

Assento de 20 de Março de 1670

 

Foram vistas as 4.ªs, 5.ªs e 6.ª contraditas com que veio por seu procurador a Ré D. Isabel Loba e pareceu que das 4.ªs se recebessem os artigos 1.º e 2.º por Catarina Fernandes Rebela testemunha da justiça enquanto irmã de Isabel Fernandes Rebela, contraditada; e das 5.ªs, por Antónia Lucas e Natália Lucas, per si e enquanto sobrinhas de Tomás da Costa; e filhas de Maria Lucas contraditadas; e das 6.ªs, o 1, 2 e 3, pela dita Catarina Fernandes Rebela per si e enquanto irmã de António Fernandes Rebelo;  e dita Isabel Fernandes contraditados; e de umas e outras se não achou mais que receber, vista sua matéria; para prova das recebidas se perguntem as testemunhas nomeadas; e para isso se passem as ordens necessárias. E em razão dos testemunhos do Padre Luis de Azurara, Maria Coelha de Faria, Francisca Rodrigues, boticária, Manuel Lobo, Cristina de Figueiredo, José Coelho Negrão, Antónia Simões, Maria Portugal, Maria Loba, de Vila Nova de Anços;  Natália Lucas e Geraldo de Bairros, que de novo lhe acresceram e de que ultimamente se lhe fez publicação, foram vistas as 1.ª, 2.ª e 3.ª contraditas com que a Ré havia vindo, e pareceu que das ditas 1.ªs, se recebessem os artigos 6.º e 7.º, por Maria Portugal, testemunha da justiça, enquanto filha e sobrinha; e de Antónia Ferreira e Maria Ferreira contraditadas; 8.º pela mesma Maria Portugal enquanto sobrinha da dita Isabel Fernandes Rebela contraditada; e das ditas 2.ªs e 3.ªs se não achou que receber, vista sua matéria; e que para os ditos 6.º, 7.º e 8.º das 1.ªs se não faça prova de novo, visto estar feita.

Coimbra em Mesa, 20 de Março de 1670

Seguem-se três assinaturas.

 

Fls. 140 r.

Assento de 4 de Setembro de 1670

Foram vistos na Mesa do Santo Ofício em 4 de Setembro de 1670 estes autos e culpas de D. Isabel Loba, que tem parte de cristã nova, casada com Francisco Pereira Coutinho, que vive da sua fazenda, natural e moradora da vila de Montemor, Bispado de Coimbra, Ré presa neles conteúda sendo primeiro chamada, ouvida e admoestada. E pareceu a todos os votos que a Ré estava em termos de ser havida por convicta no crime de heresia e apostasia por que foi presa e acusada, visto deporem contra a Ré trinta e oito testemunhos de culpas de declaração de judaísmo em forma, das quais são Cristina de Figueiredo, mãe, Manuel Lobo, António Lobo, o Padre Luis de Azurara (cujo testemunho deste pareceu se lhe publicasse, e dele se lhe fizesse cargo sem embargo de o haver revogado de mãos atadas) Maria Loba, Teresa Loba, Martha Loba, irmãos; Valentim de Bairros, tio; e Geraldo de Barros, primo; e muitas das mais de igual qualidade, e todas de bom crédito, excepto os de Cristina de Sá e Maria Portugal que o têm com alguma diminuição. E ficar ainda prova bastante, posto que provasse alguns revés de inimizade, que não são capitais; que alegou contra Lourenço de Sá e em consequência, de Cristóvão de Sá, D. Isabel de Faria, D. Catarina de Sá, filhos do mesmo, nos artigos 1, 2, 3, 4, 5, 10 e 11 das 1.ªs contraditas em razão das dúvidas e demandas que o dito Lourenço de Sá teve com os pais dela, Ré; contra Catarina Fernandes nos artigos 6, 7 e 8; e contra Francisca Ponce e Antónia Ponce no 9.º das mesmas; e contra Antónia Lucas e Natália Lucas no artigo 2.º das 5.ªs e 1.º das 6.ªs, a respeito da dita Catarina Fernandes; e que pelo tanto a Ré, como herege apóstata da nossa Santa FéCatólica, convicta, negativa e pertinaz, devia ser entregue à Justiça secular, servatis servandis; e que incorreu em sentença de excomunhão maior, e em confiscação de todos seus bens, para o Fisco e Câmara real e nas mais penas de direito, e que devia ser havida por herege pela prova da justiça mais concludente, do mês de Maio de 1664 em diante; mas que antes de se executar este Assento, seja levado ao Conselho Geral na forma do Regimento. E assistiu a este despacho pelo Ordinário de sua comissão o Deputado D. Luis de Sousa.

Seguem-se 7 assinaturas.

 

 

Assento do Conselho Geral de 22 de Setembro de 1670

 

Foram vistos na Mesa do Conselho Geral estes Autos e culpas contra Dona Isabel Lobo que tem parte de cristã nova, mulher de Francisco Pereira Coutinho, natural e moradora na vila de Montemor-o-Velho, neles conteúda, e assentou-se que é bem julgado pelos Inquisidores, Ordinário e Deputados em determinarem que ela está convicta no crime de heresia e apostasia, e que como herege apóstata da nossa Santa Fé Católica, convicta, negativa e pertinaz, seja relaxada à Justiça secular servatis servandis e que incorreu em sentença de excomunhão maior e confiscação de seus bens, para o Fisco e Câmara real e nas mais penas de Direito; confirmam sua sentença por seus fundamentos e pelo mais dos Autos, mandam que assim se cumpra e dê execução. Lisboa, 22 de Setembro de 1670.

Seguem-se 6 assinaturas.

 

Foi garroteada no Auto da Fé realizado em Coimbra em 14 de Junho de 1671.