2-5-2005
Laura Riding
(1901 - 1991)
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Poem in prose: "Poet: a lying word", with Portuguese translation
Article: Laura Riding to the World: "What shall we do?"
Article: "Celebration of Failure":The Influence of Laura Riding on John Ashbery
Ensaio de Rodrigo Garcia Lopes
Brasil: recensão do livro "Mindscapes"
The Wind, The Clock, The We
The wind has at last got into the clock – Every minute for itself. There’s no more sixty, There’s no more twelve, It’s as late as it’s early.
The rain has washed out the numbers. The trees don’t care what happens. Time has become a landscape Of suicidal leaves and stoic branches – Unpainted as fast as painted. Or perhaps that’s too much to say, With the clock devouring itself And the minutes given leave to die.
The sea’s no picture at all. To sea, then: that’s time now, And every mortal heart’s a sailor Sworn to vengeance on the wind, To hurl life back into the thin teeth Out of which first it whistled, An idiotic defiance of it knew not what Screeching round the studying clock.
Now there’s neither ticking nor blowing. The ship has gone down with ifs men, The sea with the ship, the wind with the sea. The wind at last got into the clock, The clock at last got into the wind, The world at last got out of myself.
At last we can make sense, you and I, You lone survivors on paper, The wind’s boldness and the clock’s care Become a voiceless language, And I the story hushed in it – Is more to say of me? Do I say more than self-choked falsity Can repeat word for word after me, The script not altered by a breath Of perhaps meaning otherwise?
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O Vento, O Relógio, O Nós
O vento penetrou por fim no relógio – Cada minuto por si próprio. Já não há sessenta, Já não há doze, É tão tarde quanto cedo.
A chuva dissipou os números. As árvores não cuidam do que se passa. O tempo tornou-se uma paisagem De estóicos ramos e folhas suicidas – Tão depressa pintados quanto despintados. Ou talvez seja demais dizer isso, Com o relógio a boiar em si próprio E os minutos de licença para a morte.
O mar não é de todo imagem. Para o mar, pois: agora é tempo, E cada mortal é um marinheiro Que jurou vingança contra o vento, Arrojar a vida de novo aos finos dentes De onde lhe saiu o primeiro silvo, Um estúpido desafio de não se sabe o quê, Guinchando em redor do relógio examinante.
Agora não existe sopro ou tiquetaque. O barco afundou-se com os homens, O mar, com o barco, o vento, com o mar. O vento penetrou por fim no relógio, O relógio penetrou por fim no vento, O mundo saiu por fim de si próprio. Por fim, fizemos sentido, tu e eu, Tu, solitário sobrevivente no papel, O ousar do vento e o cuidar do relógio Tornado uma língua sem voz, E eu, a história aí silenciada –
Há de mim algo mais a dizer? Digo eu mais do que a hesitação estrangulada de si A repetir-me palavra por palavra Sem que uma pausa altere o guião, Ou talvez querendo dizer outra coisa?
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Tradução de João Ferreira Duarte, em "LEITURAS poemas do inglês", Relógio de Água, 1993. ISBN 972-708-204-1 |
Afternoon
The fever of afternoon Is called afternoon, Old sleep uptorn, Not yet time for night-time, No other name, for no names In the afternoon but afternoon.
Love tries to speak but sound So close in its own ear. The clock-ticks hear The Fever fills where throats show, But nothing in these horrors moves to swallow While thirst trails afternoon To husky sunset.
Evening appears with mouths When afternoon can talk. Supper and bed open and close And love makes thinking dark. More afternoons divide the night, New sleep uptorn, Wakeful suspension between dream and dream – We never knew how long. The sun is late by hours of soon and soon – Then comes the quick fever, called day. But the slow fever is called afternoon. |
Beyond
Pain is impossible to describe Pain is the impossibility of describing Describing what is impossible to describe Which must be a thing beyond description Beyond description not to be known Beyond knowing but not mystery Not mystery but pain not plain but pain But pain beyond but here beyond |
And I
And I, And do I ask, How long this pain? Do I not show myself in every way To be happy in what most ravages?
When I have grown old in these delights, Then usedness and not exclaiming Mail well seem unenthusiasm.
But now, in what am I remiss? Wherein do I prefer The better to the worse?
I will tell you. There is a passing fault in her: To be mild in my very fury. And “Beloved” she is called, And pain I hunt alone While she hangs back to smile, Letting flattery crowd her round – As if I hunted insult not true love.
But how may I be hated Into true love’s all of me? I will tell you. The fury will grow into calm As I grow into her And, smiling always, She looks serenely on their death-struggle, Having looked serenely on mine.
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The World and I
This is not exactly what I mean
Any more than the sun is the sun.
But how to mean more closely
If the sun shines but approximately?
What a world of awkwardness!
What hostile implements of sense!
Perhaps this is as close a meaning
As perhaps becomes such knowing.
Else I think the world and I
Must live together as strangers and die—
A sour love, each doubtful whether
Was ever a thing to love the other.
No, better for both to be nearly sure
Each of each—exactly where
Exactly I and exactly the world
Fail to meet by a moment, and a word.
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Mortal
There is a man of me that sows There is a woman of me that reaps. One for good, And one for fair, And they cannot find me anywhere.
Father and Mother, shadowy ancestry, Can you make no more than this of me? |
Mindscapes: Poemas de Laura Riding
Tradução e apresentação da poeta modernista
norte-americana Laura Riding
São Paulo: Editora Iluminuras, 2004
PÚBLICO – MIL FOLHAS – 11 de Março de 2006
Eduardo Prado Coelho
A espiritualidade do mar
Quem é Laura Riding? Duvido que haja portugueses que a conheçam, os franceses não fazem a menor ideia de quem seja e mesmo os americanos só a descobriram recentemente. O livro que a revela em português é uma antologia com selecção, tradução e introdução de Rodrigo Garcia Lopes.
Andava eu pelas livrarias do Rio do Janeiro e entrei ao acaso numa que fazia parte do meu itinerário habitual. De repente, houve um livro que me saltou aos olhos. Correspondia a um título inesperado, “Mindscapes” e era um conjunto de poemas de uma autora que não eu não conhecia. A gente folheia, encontra páginas desconcertantes e de repente tem a noção de que acaba de descobrir uma autora. Uma verdadeira autora.
Quem é Laura Riding? Duvido que haja portugueses que a conheçam, os franceses não fazem a menor ideia de quem seja e mesmo os americanos só a descobriram recentemente. O livro que a revela em português é uma antologia com selecção, tradução e introdução de Rodrigo Garcia Lopes. Estas páginas de critica são absolutamente extraordinárias e não somente dão os elementos biográficos necessários para ficarmos a saber de quem se trata, e como viveu, como se trata de um verdadeiro ensaio sobre uma das obras mais interessantes da poesia do século XX.
Nasceu em 16 de Janeiro de 1901. O pai estava inscrito no Partido Socialista Americano e desejava imenso que a filha se viesse a tornar a Rosa Luxemburgo americana. Não foi. Frequentou a Universidade de Cornell e em 1918 começou a escrever poemas. Entre os seus colegas estava Louis Gottschalk, estudante de História com quem viria a casar. Os seus poemas começaram a aparecer em várias revistas. A dada altura, o casamento acabou e ela passou a chamar-se apenas Laura Riding. Conheceu então o poeta Robert Graves que a convidou a escrever um livro sobre a poesia moderna. Laura Riding tinha uma concepção muito acentuada sobre a poesia contemporânea: era anti-simbolista, recusava a expansão dos poemas dominados pelas metáforas, tinha uma poesia anti-imagista. A sua visão do mundo passava pela dimensão conceptual.
Foi até aos Estados Unidos da América, mas depois regressou a Inglaterra, onde desenvolveu uma relação a três com Robert Graves e a sua mulher Nancy. Depois, conheceu o poeta irlandês Geoffry Phibb. Talvez fosse demais. Num momento dramático, atirou-se de uma janela. Sobreviveu com ferimentos, mas nunca conseguiu recuperar da queda.
Viveu em Maiorca. Publicou livros de ficção, de crítica e de poesia. Hoje sabe-se que Paul Auster tinha razão quando disse “a primeira poetisa norte-americana a ter concedido ao poema o valor e a dignidade de uma luta”. Ou devemos concordar com o que disse Charles Bernstein: é indispensável colocar a obra de Laura Riding “entre as maiores proezas de qualquer outro modernista americano”. Ler Laura Riding foi para mim uma experiência inesquecível.
Curiosamente, pouco depois de 1938 renunciou á escrita. Durante vinte anos manteve um silêncio rigoroso. Só em 1943 voltou a escrever sobretudo ensaios, alguns publicados postumamente. Mas só nos anos 60 regressou verdadeiramente á literatura com o nome de Laura Jackson. Morreu com 90 anos em 1991. Nessa altura, a crítica começa a valorizá-la e situa-a como um autor da qualidade de Wallace Stevens (de que falei há semanas), Pound (de que não gosto excessivamente de falar), de e.e.cummings ou de Eliot. Isto mostra a importância (quase apagada) de Laura Riding. Gertrud Stein (com a sua poética da repetição) aproxima-se por vezes dela.
Laura Riding escreve uma poesia do pensamento. Mas pensar é aqui algo de muito especial: a capacidade para inventar expressões envolventes é imensa: daí que se possa falar na “espiritualidade do mar”. Isto é a forma de ser poema. E aquilo que trava o processo de reflexão. Ela escreve:
Não fosse isto um poema
Eu falaria sobre o falar
Escreveria sobre olhar (e sobre o escrever)
Que se guardaria para o outro, outros
Se constituiria para todo o mundo
Ou para ninguém, contendo em si sua força viajante
Sem precisar de nenhuma graça do tempo
Para resgatá-lo
De uma perda total.
Ou eu lidaria, escreveria assim
Esforçando-me para construir, quero dizer
Algo ligando nossos entendimentos
Numa realidade de palavras, de eus, de outros
Mais dizível, mais penetrável, habitável, aberta
Anote-se: o objectivo seria de metalinguagem: falar sobre o falar. Há expressões que têm uma dimensão metafórica: “força viajante”. E que é a poesia que se pensa ou o pensamento que se poetisa? Algo que liga, uma religião no sentido cósmico, uma forma de estabelecer elos poéticos, a força dos entendimentos. E depois a realidade é de abertura expansiva: palavras, em primeiro lugar, eus, outro, que têm um certo número de qualidades: poder-se falar mais dessa realidade, penetrá-la mais fundo, sendo penetrar uma forma de habitar porque ela é mais aberta.
Um dos grandes temas de Laura Riding é o tema da morte. Mas a morte é sempre vista da forma mais inesperada:
“A morte é mesmo um muro. Passar por muros, topar com muros, é um morrer e um aprender. Morte é um saber-de-morte. A morte que se sabe é a verdade vista na parada. A boca que se morte-move esquece a palavra. E a primeira página é a última da morte. E seja dada a nossa pressa, ou então o muro parecerá não se desmoronar, e continuar falsamente. E na primeira página se lê: ‘Seja dada a nossa pressa.’ E na primeira página se lê: ‘Vai devagar, esta é só a primeira página.’ Vai devagar é só a página antes da primeira página, não é preciso pressa. A página antes da primeira página relata morte, pressa, lentidão: quão verdadeira é a verdade agora no virar da página, em tempo de relatar. Verdade atrás de verdade seria verdade.”
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Death is a very wall. The going over walls, against walls, is a dying and a learning. Death is a knowing-death. Known death is truth sighted at the halt. The name of death passes. The mouth that moves with death forgets the word. And the first page is the last of death. And haste unto us both, lest the wall seem to crumble not, to lead mock-onward. And the first page reads: 'Haste unto us both!' And the firt page reads: "Slowly, it is the first page only.' Slowly, it is the page before the first page only, there is no haste. The page before the first page tells of death, haste, slowness: how truth falls true now at the turn of the page, at time of telling. Truth one by one falls true.
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Um dos grandes temas de Laura Riding é o tema da morte. Mas a morte é sempre vista da forma mais inesperada:
“A morte é mesmo um muro. Passar por muros, topar com muros, é um morrer e um aprender. Morte é um saber-de-morte. A morte que se sabe é a verdade vista na parada. A boca que se morte-move esquece a palavra.
E a primeira página é a última da morte. E seja dada a nossa pressa, ou então o muro parecerá não se desmoronar, e continuar falsamente. E na primeira página se lê: ‘Seja dada a nossa pressa.’ E na primeira página se lê: ‘Vai devagar, esta é só a primeira página.’
Vai devagar é só a página antes da primeira página, não é preciso pressa. A página antes da primeira página relata morte, pressa, lentidão: quão verdadeira é a verdade agora no virar da página, em tempo de relatar. Verdade atrás de verdade seria verdade.”
Reparem nas notas obsessivas: morte/muro; Morte e saber a morte. Morte e verdade. “a boca que se morte-move” (criação de um verbo). As páginas, a primeira e a última. A página antes da página, a verdade antes da verdade. A repetição, a duplicação.
E ainda: a velocidade de cada um de nós, vida, morte, pressa, lentidão.
Veja-se ainda um poema extraordinário do amor e do tempo, outro tema de Laura Riding:
“Mas quanto dura um dia? Tanto quanto o amor, dizem uns. Mas o amor vai embora cedo, Antes que o amanhã e a morte se manifestem. E quanto tempo dura o dia-a-dia? Uns dizem desde sempre. Mas começando quando?
No mesmo instante em que pela primeira vez os olhos se arregalaram e não viram tudo - Num não tão tarde quando, pela última vez O tempo durou não mais que um dia, Um dia de adivinhar: Por quanto tempo é permitido Chamar de tanto o que é tão pouco?
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But how long is a day?
From the poem: "and a day" |