2-5-2001
Johannes Brahms
(1833-1897)
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Ein
Deutsches Requiem op. 45
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Ein Deutsches Requiem. op. 45
Johannes Brahms escreveu o seu Deutsches Requiem em 1866, durante as digressões por várias cidades alemãs e suíças (acompanhando o violinista Joseph Joachim) embora a primeira menção documentada da obra date do ano anterior. Numa carta a Clara Schumann, o compositor disse estar a preparar a composição de uma espécie de Requiem alemão. Os antecedentes longínquos da obra remontam a 1850. Nesse ano, o compositor estava empenhado na composição de uma sinfonia, seguindo aliás os conselhos de Robert Schumann, que acabou por abandonar. Três dos andamentos dessa obra foram reelaborados e integrados no seu primeiro concerto para piano e orquestra, enquanto o último se transformou no ponto de partida do Requiem. A obra teve uma primeira audição parcial em Viena, em 1867, tendo sido escutada pela primeira vez na íntegra no ano seguinte, em Bremen, em duas audições, a primeira das quais foi dirigida pelo próprio compositor. |
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Brahms reviu posteriormente a composição, cuja última versão foi finalmente concluída em Leipzig:, em 1869. Nos meses seguintes voltou a compor música para vozes e orquestra, criando, entre 1869 e 1872 mais quatro peças: Rinaldo op. 50, Rapsódia para contralto op.53, Schicksalslied op.54 e Triumphlied op.55, as quais devem ser somadas à considerável lista de obras corais por ele escritas desde fins da década de cinquenta. Tem-se assinalado a relação que existe entre a obra e alguns episódios da vida do compositor particularmente as mortes de Robert Schumann (1856) e da mãe de Brahms (1865). É inclusive conhecido que este último acontecimento provocou a composição de mais um andamento que foi incluído no quinto lugar da obra. Apesar de os falecimentos impressionarem profundamente Brahms (ele próprio chegou a afirmar que a obra “pertencia” a Schumann), seria limitador apreciar a obra apenas enquanto evocação dos sentimentos pessoais por eles provocados. Com efeito, não podamos ignorar que, no século XIX, a presença directa da morte no dia-a-dia determinava comportamentos individuais, sendo uma experiência constante do foro privado sobre a qual se falava muito e com naturalidade. Obviamente, o destino final do ser humano tem sido, até hoje, a matéria principal de toda a arte ocidental, mas o que é especifico do século XIX é que a reflexão sobre esse tema adquire a subjectividade moldada por uma experiência sentimental, religião que, de facto, constitui uma das tendências mais marcadas do romantismo. A maneira como a morte era formalmente encarada nos meios burgueses oitocentistas casa bem com o que a obra de Brahms transmite: doçura, esperança e consolo, ou seja, o oposto das aterradoras imagens contidas no Requiem da liturgia em latim. Esta mensagem é sublinhada pelos textos bíblicos por ele escolhidos como resultado da sua familiaridade quotidiana com os textos sacros do cristianismo.
Seguindo a tradição das grandes obras coral—sinfónicas compostas pelos seus antecessores - depois de Beethoven e, sobretudo, Mendelssohn e Schumann - Brahms escreveu, portanto, uma composição de grandes dimensões que iam ao encontro das preocupações dos seus contemporâneos e cujas apresentações públicas lhe asseguraram, a partir de 1868, um lugar proeminente na vida musical centro-europeia. Pode ser hoje algo surpreendente que a celebridade de Brahms se devesse em grande parte a esta obra, dado o estatuto um tanto subalterno ao qual parece ter sido votada a música coral oitocentista. Desde meados do século XIX, assistiu-se a uma notória bifurcação da prática musical na qual, à partir de então, começou a ser distinguido um âmbito profissionalizado, ligado principalmente à música instrumental, e um âmbito amador, no qual os agrupamentos corais tiveram uma enorme importância. Isto pode explicar que, na história tradicional da música, Brahms - tal como outros músicos, dos quais o próprio Schumann pode ser um exemplo - ocupe um lugar de destaque devido à sua contribuição para o desenvolvimento do repertório constituído por música instrumental, enquanto a sua abundante obra coral fica na sombra. O compositor ainda trabalhou regularmente e durante bastantes anos - mais precisamente entre 1857 e 1375 - como regente de agrupamentos corais. Tem-se, inclusive, salientado a importância que para o seu desenvolvimento como compositor teve a preparação das obras que foram interpretadas por esses grupos, particularmente o repertório de música antiga constituído por composições de Palestrina, Bach e Händel, entre outros, e as harmonizações de música tradicional.
As primeiras obras corais de Brahms datam de 1858, altura em que o compositor trabalhava como maestro e professor de piano na corte de Detmold, lugar que ocupou graças à recomendação de Clara Schumann. As duas obras foram estreadas em Hamburgo no ano a seguir a seguir, interpretadas pelo coro feminino da cidade. A criação do agrupamento deveu-se à iniciativa do próprio Brahms. o qual se apresentou pela primeira vez à frente dele no verão de 1859. Apesar dos seus ensaios terem sido regulares, o compositor só dirigiu publicamente o coro em mais duas ocasiões, numa das quais, em Dezembro do mesmo ano, foram ouvidas o Ave Maria op.12, para coro feminino e orquestra, e o Begräbnisgesang (Hino Fúnebre) op.13. para coro misto e orquestra. Este último pode ser considerado um antecedente do Requiem Alemão, o que justifica que se dedique alguma atenção à recepção que teve por parte da crítica de Hamburgo que, com justeza, assinalou a ligação entre a obra e a música alemã antiga, anterior inclusive a Händel. Sobretudo os jornais sublinharam a sua emotiva piedade, com palavras como as seguintes: “O Senhor Brahms deu a esta colecção de peças, cujo sucesso foi extraordinário, muito mais do que o modesto título da velha canção alemã felizmente escolhida; não se trata apenas de um “Hino Fúnebre”, senão da verdadeira celebração de um funeral, composta com uma arte humanamente elevada e repleta de uma dimensão dramática, sinceramente dedicada à transfiguração das penas terrenas em alegria e esperança eternas, que será certamente lembrada por quem a cantou ou a escutou.”
O peso que a música antiga tem na obra é unanimemente reconhecido por todos os estudiosos de Brahms. O seu profundo conhecimento do contraponto transparece ao longo dos seus sete andamentos. demonstrando o papel que o conhecimento das partituras dos mestres do barroco teve no seu próprio desenvolvimento criativo. Os seus admiradores elogiaram esse aspecto que, na sua opinião, valorizava a sua obra enquanto os seus detractores insistiram no anacronismo da partitura. Houve quem louvasse a sua “nobre espiritualidade” pelo seu carácter “profundamente protestante e bachiano”, enquanto, por exemplo, Wagner satirizou o recurso ao passado em obras nas quais, na sua opinião, Brahms se tinha limitado a enfiar a peruca do Messias, de Händel”. Assim, são numerosas as passagens nas quais o compositor de Hamburgo demonstra o seu domínio da fuga: na terceira secção do segundo andamento (“Os justos não sofrerão tormento”) pu na última secção do penúltimo andamento (Senhor, Tu és digno de receber a honra, a glória e o poder…”).
Contudo, não se pode dizer que a obra a esteja apenas constituída por técnicas de composição associadas à música litúrgica, embora se evidencie a interiorização do estilo coral e o uso de procedimentos antifonais. Também utiliza outros instrumentos, tais como um controlado uso das referências motívicas que contribuem para unificar toda a obra, enquanto, em contraste, são também utilizados esquemas formais típicos da música secular. Um exemplo do que acabou de ser dito pode ser encontrado no quarto andamento, baseado num compasso ternário que faz lembrar uma valsa. As intervenções dos solistas também remetem para o universo da canção, e, inclusive, da ópera (no caso do quinto andamento). Os fragmentos bíblicos escolhidos pelo compositor determinam a estrutura musical da obra e é importante assinalar que o seu tratamento musical não consiste em dar destaque a determinadas palavras, mas num tipo de leitura que poderíamos qualificar como simbólica, utilizando para isso meios de carácter estrutural e não apenas colorístico.
Teresa Cascudo
(do programa da Fundação Gulbenkian para o concerto de 30-4-2004, em que o Deutsches Requiem foi dirigido pela maestrina Simone Young)