2-5-2001

 

Johannes Brahms

(1833-1897)

 

 

 

 

Johannes Brahms's career as one of the great German composers was launched after Robert Schumann praised him as a sort of musical Messiah in the Neue Zeitschrift für Musik (1835). He earned a living in Vienna as a moderately successful composer, incorporating the romantic impulse with classical spirit. His conservative style sparked controversy between his supporters (among them Robert and Clara Schumann) and those of the dramatic "New German School" of Franz Listz and Richard Wagner. Brahms continued to write in the traditional forms of "absolute" music (as opposed to "program" music, which strived to convey non-musical images). He saw himself as an heir to the classical tradition of Wolfgang Amadeus Mozart and Ludqig wan Beethoven, alghough he felt the latter's long shadow looming over his shoulder so much that it took him two decades to finally compose his first symphony. His four symphonies are considered among the greatest in symphonic music. Other well-known works are the Violin Concerto in D (1878), and the Piano Concerto in B Flat (1878-81). He composed in almost every genre except opera, devoting special attention to chamber music and song. His lieder and other choral works such as the Ein Deutsches Requiem ("A German Requiem," 1866) and the Alto Rhapsody (1869) are worldwide favorites.

 

 

 

Ein Deutsches Requiem op. 45

 

 

 

Foi com Ein Deutsches Requiem que Brahms ganhou aceitação por todo o lado na Europa. Tinha começado a sua  carreira como pianista e compositor de extensas obras, incluindo o Concerto em Ré menor para Piano que foi um fracasso na primeira execução; Schumann porém, aplaudiu-o e ficou amigo do compositor.

Brahms tinha também uma boa reputação como dirigente de coros. Sendo embora claro para os entendidos que Brahms estava destinado a uma carreira gloriosa, depois do fiasco do Concerto para Piano em Ré menor em Leipzig, ele dedicou-se a escrever apenas música de câmara.

Mas em 1856 morreu o seu mentor, Robert Schumann e um ano depois Brahms retomou o movimento lento do Concerto em Ré menor (na origem planeado para ser uma sinfonia) e fez dele um coral usando as palavras da 1.ª Epístola de S. Pedro, Denn altes Reisch es ist wie Gras. Em 1861, tinha concluído uma cantata com quatro movimentos, uma obra na tradição das cantatas de igreja do seu bem amado Bach. Brahms declarou que este trabalho era baseado num coral de Bach: alguns estudiosos identificaram-no como sendo Wer nur den lieben Gott lässt walten, que Brahms deve ter conhecido na Cantata n.º 93 de Bach, cujo texto é equivalente a “Senhor, faz com que conheça o meu fim”.

A morte  de sua mãe por essa altura em Fevereiro de 1865 deve ter contribuído para intensificar os seus sentimentos para um projecto que estava já em marcha. Mais tarde, negaria que o Requiem tinha uma direcção individualizada; ele tinha em mente “toda a humanidade”.

A composição do Requiem prosseguia, e veio a completá-lo no Verão de 1866, quando Brahms estava na Suiça. Karl Geiringer afirma que a vista maravilhosa dos glaciares e do sol espelhado no lago azul, estão reflectidos na música do sexto e quarto movimentos, respectivamente.

Os quatro movimentos eram agora seis: o requintado solo do soprano com os coros Ihr habt nun Traurigkeit, seria adicionado mais tarde. Na primeira versão, o Requiem Alemão era dominado por cores sombrias e tinha um único solista, um barítono. Os primeiros três movimentos foram executados  em Viena em 1 de Dezembro de 1867; foram acolhidos desfavoravelmente. Brahms fez alguns retoques, preparando a composição para a primeira execução oficial na Catedral de Bremen, que ele próprio dirigiu Sexta Feira Santa. Brahms não esperava muito desta première, mas o acontecimento foi um triunfo. Todos os seus amigos estavam presentes, comovidos até às lágrimas. Brahms sentiu, porém, que, não obstante o terno e lírico interlúdio do quarto movimento, faltava ao Requiem um momento de radiosa alegria, e um mês depois, acrescentou Ihr habt nun Traurigkeit, como um memorial a sua mãe. Nesta forma final, O Requiem gozou de muita popularidade e foi muito executado.

Este não é um Requiem litúrgico. Brahms não era uma pessoa convencionalmente religiosa, nem sequer há provas de que fosse mesmo cristão. No entanto, a música revela sem sombra de dúvida, quanta consolação ele retirava das palavras das Sagradas Escrituras, aqui reproduzidas. Grande parte da música é sombria, mas cada movimento termina em ambiente de optimismo.

O clímax da obra é um louvor a Deus e no princípio do terceiro movimento as vozes pedem ao Senhor que “me faça saber que haverá um fim para mim”, mas em nenhum lado aparece uma oração pelas almas dos mortos. Pelo contrário, este é um acto de consolação para os vivos, uma esperança de que tudo esteja bem connosco na hora de irmos para o outro lado. O ponto fulcral da Missa de Requiem Católica é o Dies Irae, a visão do Julgamento Final. Nada disto no Requiem Alemão. A morte do corpo mereceu toda a atenção de Brahms e também a nossa, ao ouvi-lo.

 

 

 

 

 

I (Chor)

 

Selig sind, die da Leid tragen;

denn sie sollen getröstet werden.

         Matth. 5, Vers 4

 

Die mit Tränen säen, werden mit Freuden ernten.

Sie gehen hin und weinen und tragen edlen Samen

und kommen mit Freuden und bringen ihre Garben.

         Psalm 126, Vers 5 und 6

 

 

II (Chor)

 

Denn alles Fleisch es ist wie Gras

und alle Herrlichkeit des Menschen wie des Grases Blumen.

Das Gras ist verdorret und die Blume abgefallen.

         1. Petr. 1, Vers 24

 

So seid nun geduldig, lieben Brüder,

bis auf die Zukunft des Herrn.

Siehe, ein Ackermann wartet

auf die köstliche Frucht der Erde

und ist geduldig darüber,

bis er empfahe den Morgenregen und Abendregen.

         Jak. 5, Vers 7

 

Aber des Herrn Wort bleibet in Ewigkeit.

         1. Petr. 1, Vers 25

 

Die Erlöseten des Herrn werden wiederkommen

und gen Zion kommen mit Jauchzen;

ewige Freude wird über ihrem Haupte sein;

Freude und Wonne werden sie ergreifen,

und Schmerz und Seufzen wird weg müssen.

         Jes. 35, Vers 10

 

 

III (Baß, Chor)

 

Herr, lehre doch mich, daß ein Ende mit mir haben muß,

und mein Leben ein Ziel hat, und ich davon muß.

Siehe, meine Tage sind einer Hand breit vor dir,

und mein Leben ist wie nichts vor dir.

Ach, wie gar nichts sind alle Menschen,

die doch so sicher leben.

Sie gehen daher wie ein Schemen,

und machen ihnen viel vergebliche Unruhe;

sie sammeln und wissen nicht wer es kriegen wird.

Nun Herr, wes soll ich mich trösten?

Ich hoffe auf dich.

         Psalm 39, Vers 5-8

 

Der Gerechten Seelen sind in Gottes Hand,

und keine Qual rühret sie an.

         Weisheit 3, Vers 1

 

 

IV (Chor)

 

Wie lieblich sind deine Wohnungen, Herr Zebaoth!

Meine Seele verlanget

und sehnet sich nach den Vorhöfen des Herrn;

mein Leib und Seele freuen sich in dem lebendigen Gott.

Wohl denen, die in deinem Hause wohnen;

die loben dich immerdar.

         Psalm 84, Vers 2,3 und 5

 

 

V (Sopran, Chor)

 

Ihr habt nun Traurigkeit;

aber ich will euch wiedersehen,

und euer Herz soll sich freuen,

und eure Freude soll niemand von euch nehmen.

         Joh. 16, Vers 22

 

Sehet mich an;

ich habe eine kleine Zeit Mühe und Arbeit gehabt,

und habe großen Trost funden.

         Sirach 51, Vers 35

 

Ich will euch trösten, wie einen seine Mutter tröstet.

         Jes. 66, Vers 13

 

 

VI (Bariton, Chor)

 

Denn wir haben hie keine bleibende Statt,

sondern die zukünftige suchen wir.

         Hebr. 13, Vers 14

 

Siehe, ich sage euch ein Geheimnis:

Wir werden nicht alle entschlafen,

wir werden aber alle verwandelt werden;

und dasselbige plötzlich in einem Augenblick

zu der Zeit der letzten Posaune.

Denn es wird die Posaune schallen

und die Toten werden auferstehen unverweslich,

und wir werden verwandelt werden.

Dann wird erfüllet werden das Wort, das geschrieben steht:

Der Tod ist verschlungen in den Sieg.

Tod, wo ist dein Stachel?

Hölle, wo ist dein Sieg?

         1. Kor. 15, Vers 51-55

 

Herr,

du bist würdig, zu nehmen Preis und Ehre und Kraft;

denn du hast alle Dinge erschaffen,

und durch deinen Willen haben sie das Wesen

und sind geschaffen.

         Offenb. 4, Vers 11

 

 

VII (Chor)

 

Selig sind die Toten, die in dem Herrn sterben, von nun an.

Ja, der Geist spricht, daß sie ruhen von ihrer Arbeit;

denn ihre Werke folgen ihnen nach.

         Offenb. 14, Vers 13

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Felizes os que sofrem

porque serão consolados.

 

Quem semeia com lágrimas

colherá com alegria.

Vão a chorar

levando boas sementes,

e voltam alegremente.

trazendo as suas espigas.

 

II

 

Todo o ser mortal é como erva

e a glória do homem como a flor.

A erva seca e a flor murcha.

 

Sede, pois, pacientes, queridos irmãos,

esperando a volta do Senhor.

Vede que também o lavrador espera

os frutos preciosos da terra,

aguardando pacientemente as chuvas

da manhã e da noite.

 

Mas a palavra do Senhor permanecerá para sempre.

 

Os eleitos do Senhor voltarão,

e regressar a Jerusalém com alegria,

alegria, alegria eterna virá sobre eles

possuirão a alegria e o bem-estar

e a dor e tristeza desaparecerão.

 

III

 

Senhor, ensina-me a compreender

que irei ter um fim,

que a minha vida tem uma meta

e que eu tenho que partir.

Repara que os meus dias

são um palmo diante de ti e que a minha vida é

nada aos teus olhos.

Oh, o homem não vale coisa nenhuma

e, no entanto, vive tão seguro.

Ele passa como uma sombra

mas constrói cuidados vãos,

junta muito e não sabe quem vai receber.

Mas agora, Senhor, quem me vai consolar?

Eu confio em ti.

 

A alma dos justos está nas mãos do Senhor e

nenhum mal os tocará.

 

IV

 

Como são amáveis as tuas moradas.

Senhor Deus do Universo,

a minha alma suspira

pelos átrios do Senhor:

todo o meu ser exulta

no Deus vivo.

Feliz o que vive na tua casa

e te louva sem cessar.

 

V

 

Agora estais tristes:

mas voltarei a ver-vos

e o vosso coração alegrar-se-á.

e ninguém vos poderá tirar a alegria.

 

Quero consolar-vos como as mães sabem consolar.

 

Olhai para mim:

Durante algum tempo

tive que sofrer e trabalhar

mas encontrei grande consolação.

 

VI

 

Aqui não temos uma cidade permanente, mas

procuramos uma cidade futura.

 

Eis que vos comunico um segredo:

nem todos havemos de morrer.

mas todos seremos transformados:

e isto acontecerá de repente,

num instante, quando soar a última trombeta.

  

Soará, pois, a trombeta

e os mortos ressuscitarão incorruptiveis

e seremos transformados.

Então vai cumprir-se

a Palavra da Escritura:

A morte foi devorada pela vitória.

Morte, onde está o teu poder?

Inferno, onde está a tua vitória?

 

Senhor, tu és digno de receber

o louvor, a honra e o poder.

porque criaste todas as coisas,

através do teu querer

devem a sua essência e existem.

 

VII

 

Felizes os mortos

que desde agora morrem no Senhor.

Sim, o Espirito atesta

que descansarão dos seus trabalhos

e que as suas obras os vão seguir.

 

TRADUÇÃO: J0SÉ MARIA PEDROSA CARDOSO

 (do programa da Fundação Gulbenkian para o concerto de 27-3-2013)

 

 

Ein Deutsches Requiem. op. 45

 

 

Johannes Brahms escreveu o seu Deutsches Requiem em 1866, durante as digressões por várias cidades alemãs e suíças (acompanhando o violinista Joseph Joachim) embora a primeira menção documentada da obra date do ano anterior. Numa carta a Clara Schumann, o compositor disse estar a preparar a composição de uma espécie de Requiem alemão. Os antecedentes longínquos da obra remontam a 1850. Nesse ano, o compositor estava empenhado na composição de uma sinfonia, seguindo aliás os conselhos de Robert Schumann, que acabou por abandonar. Três dos andamentos dessa obra foram reelaborados e integrados no seu primeiro concerto para piano e orquestra, enquanto o último se transformou no ponto de partida do Requiem. A obra teve uma primeira audição parcial em Viena, em 1867, tendo sido escutada pela primeira vez na íntegra no ano seguinte, em Bremen, em duas audições, a primeira das quais foi dirigida pelo próprio compositor.

 

 

Simone Young
 

Brahms reviu posteriormente a composição, cuja última versão foi finalmente concluída em Leipzig:, em 1869. Nos meses seguintes voltou a compor música para vozes e orquestra, criando, entre 1869 e 1872 mais quatro peças:  Rinaldo op. 50, Rapsódia para contralto op.53, Schicksalslied op.54 e Triumphlied op.55, as quais devem ser somadas à considerável lista de obras corais por ele escritas desde fins da década de cinquenta. Tem-se assinalado a relação que existe entre a obra e alguns episódios da vida do compositor particularmente as mortes de Robert Schumann (1856) e da mãe de Brahms (1865). É inclusive conhecido que este último acontecimento provocou a composição de mais um andamento que foi incluído no quinto lugar da obra. Apesar de os falecimentos impressionarem profundamente Brahms (ele próprio chegou a afirmar que a obra “pertencia” a Schumann), seria limitador apreciar a obra apenas enquanto evocação dos sentimentos pessoais por eles provocados. Com efeito, não podamos ignorar que, no século XIX, a presença directa da morte no dia-a-dia determinava comportamentos individuais, sendo uma experiência constante do foro privado sobre a qual se falava muito e com naturalidade. Obviamente, o destino final do ser humano tem sido, até hoje, a matéria principal de toda a arte ocidental, mas o que é especifico do século XIX é que a reflexão sobre esse tema adquire a subjectividade moldada por uma experiência sentimental, religião  que, de facto, constitui uma das tendências mais marcadas do romantismo. A maneira como a morte era formalmente encarada nos meios burgueses oitocentistas casa bem com o que a obra de Brahms transmite: doçura, esperança e consolo, ou seja, o oposto das aterradoras imagens contidas no Requiem da liturgia em latim. Esta mensagem é sublinhada pelos textos bíblicos por ele escolhidos como resultado da sua familiaridade quotidiana com os textos sacros do cristianismo.

Seguindo a tradição das grandes obras coral—sinfónicas compostas pelos seus antecessores - depois de Beethoven e, sobretudo, Mendelssohn e Schumann - Brahms escreveu, portanto, uma composição de grandes dimensões que iam ao encontro das preocupações dos seus contemporâneos e cujas apresentações públicas lhe asseguraram, a partir de 1868, um lugar proeminente na vida musical centro-europeia. Pode ser hoje algo surpreendente que a celebridade de Brahms se devesse em grande parte a esta obra, dado o estatuto um tanto subalterno ao qual parece ter sido votada a música coral oitocentista. Desde meados do século XIX, assistiu-se a uma notória bifurcação da prática musical na qual, à partir de então, começou a ser distinguido um âmbito profissionalizado, ligado principalmente à música instrumental, e um âmbito amador, no qual os agrupamentos corais tiveram uma enorme importância. Isto pode explicar que, na história tradicional da música, Brahms - tal como outros músicos, dos quais o próprio Schumann pode ser um exemplo - ocupe um lugar de destaque devido à sua contribuição para o desenvolvimento do repertório constituído por música instrumental, enquanto a sua abundante obra coral fica na sombra. O compositor ainda trabalhou regularmente e durante bastantes anos - mais precisamente entre 1857 e 1375 - como regente de agrupamentos corais. Tem-se, inclusive, salientado a importância que para o seu desenvolvimento como compositor teve a preparação das obras que foram interpretadas por esses grupos, particularmente o repertório de música antiga constituído por composições de Palestrina, Bach e Händel, entre outros, e as harmonizações de música tradicional.

As primeiras obras corais de Brahms datam de 1858, altura em que o compositor trabalhava como maestro e professor de piano na corte de Detmold, lugar que ocupou graças à recomendação de Clara Schumann. As duas obras foram estreadas em Hamburgo no ano a seguir a seguir, interpretadas pelo coro feminino da cidade. A criação do agrupamento deveu-se à iniciativa do próprio Brahms. o qual se apresentou pela primeira vez à frente dele no verão de 1859. Apesar dos seus ensaios terem sido regulares, o compositor só dirigiu publicamente o coro em mais duas ocasiões, numa das quais, em Dezembro do mesmo ano, foram ouvidas o Ave Maria op.12, para coro feminino e orquestra, e o Begräbnisgesang (Hino Fúnebre) op.13. para coro misto e orquestra. Este último pode ser considerado um antecedente do Requiem Alemão, o que justifica que se dedique alguma atenção à recepção que teve por parte da crítica de Hamburgo que, com justeza, assinalou a ligação entre a obra e a música alemã antiga, anterior inclusive a Händel. Sobretudo os jornais sublinharam a sua emotiva piedade, com palavras como as seguintes: “O Senhor Brahms deu a esta colecção de peças, cujo sucesso foi extraordinário, muito mais do que o modesto título da velha canção alemã felizmente escolhida; não se trata apenas de um “Hino Fúnebre”, senão da verdadeira celebração de um funeral, composta com uma arte humanamente elevada e repleta de uma dimensão dramática, sinceramente dedicada à transfiguração das penas terrenas em alegria e esperança eternas, que será certamente lembrada por quem a cantou ou a escutou.”

O peso que a música antiga tem na obra é unanimemente reconhecido por todos os estudiosos de Brahms. O seu profundo conhecimento do contraponto transparece ao longo dos seus sete andamentos. demonstrando o papel que o conhecimento das partituras dos mestres do barroco teve no seu próprio desenvolvimento  criativo. Os seus admiradores elogiaram esse aspecto que, na sua opinião, valorizava a sua obra enquanto os seus detractores insistiram no anacronismo da partitura. Houve quem louvasse a sua “nobre espiritualidade” pelo seu carácter “profundamente protestante e bachiano”, enquanto, por exemplo, Wagner satirizou o recurso ao passado em obras nas quais, na sua opinião, Brahms se tinha limitado a enfiar a peruca do Messias, de Händel”. Assim, são numerosas as passagens nas quais o compositor de Hamburgo demonstra o seu domínio da fuga: na terceira secção do segundo andamento (“Os justos não sofrerão tormento”) pu na última secção do penúltimo andamento (Senhor, Tu és digno de receber a honra, a glória e o poder…”).

Contudo, não se pode dizer que a obra a esteja apenas constituída por técnicas de composição associadas à música litúrgica, embora se evidencie a interiorização  do estilo coral e o uso de procedimentos antifonais. Também utiliza outros instrumentos, tais como um controlado uso das referências motívicas que contribuem para unificar toda a obra, enquanto, em contraste, são também utilizados esquemas formais típicos da música secular. Um exemplo do que acabou de ser dito pode ser encontrado no quarto andamento, baseado num compasso ternário que faz lembrar uma valsa. As intervenções dos solistas também remetem para o universo da canção, e, inclusive, da ópera (no caso do quinto andamento). Os fragmentos bíblicos escolhidos pelo compositor determinam a estrutura musical da obra e é importante assinalar que o seu tratamento musical não consiste em dar destaque a determinadas palavras, mas num tipo de leitura que poderíamos qualificar como simbólica, utilizando para isso meios de carácter estrutural e não apenas colorístico.

Teresa Cascudo

(do programa da Fundação Gulbenkian para o concerto de 30-4-2004, em que o Deutsches Requiem foi dirigido pela maestrina Simone Young)