2-3-2009
Os Jagas de angola
“Jagas” foi o nome que os Portugueses deram, no final do Sec. XVI e durante o sec. XVII, a grupos de nativos africanos, predominantemente nómadas, que se caracterizavam por não trabalhar, dedicando-se à rapina e à violência sobre as populações.
Nos anos 70, uma acirrada polémica, de que falaremos a seguir, quis identificar o povo que teria (ou não) invadido o Reino do Congo em 1568, quando o Rei Álvaro II pediu ajuda a Portugal na luta contra os invasores, a quem as fontes chamam "Jagas".
Depois de acesas discussões, Jan Vansina resumiu assim a situação em “Le royaume du Kongo et ses voisins », Histoire générale de l’Afrique, 1999, pp. 651-653 : “ A morte consecutiva de dois reis no decurso de uma guerra contra os Tio em 1566 e 1567 deu origem a uma confusão que degenerou em catástrofe, com a irrupção de guerreiros, chamados Jaga, provenientes do leste. Os Jagas desafiaram as forças reais e a Corte teve de se refugiar numa ilha do final do Zaire. Numerosos refugiados foram vendidos como escravos para São Tomé. O Rei teve de pedir ajuda a Portugal que enviou um corpo expedicionário, que reconquistou o reino de 1571 a 1573. A hegemonia do Congo na região ficou destruída, pois, em 1575, foi fundada a colónia de Angola e os Portugueses vieram comerciar em grande número ao Loango, a partir do mesmo ano. A identidade dos invasores do Congo nunca pôde ser determinada. O nome Jaga (em kikongo: Yaka) é utilizado nas fontes como sinónimo de bárbaro e aplicado a toda uma série de guerreiros mais ou menos nómadas. Os primeiros Jagas apareceram a leste de Mbata, ao sul do Pool e de lá passaram para as margens do Coango”.
Parece que não era preciso ter discutido tanto e durante tanto tempo. Afinal, já em 1942, Manuel Alves da Cunha, anotando o 3.º volume de Cadornega, cita Alfredo de Albuquerque Felner que afirmara em 1933: “Os Jagas não constituem verdadeiramente uma família distinta, pois não eram mais que o conjunto de indivíduos de diversas tribos, educados desde pequenos para a guerra e só para esse fim”. (António de Oliveira Cadornega, História Geral das Guerras Angolanas, 3.º vol., 1942 Pag. 222, nota 13).
Isto é: a questão a decifrar é a de saber onde é que os Portugueses foram buscar o nome de Jagas e não propriamente as origens dos grupos de Jagas, que eram as mais variadas. É possível que o nome venha dos povos a que pertenciam os guerreiros que invadiram o Congo em 1568, mas não há certezas para afirmar isso.
O nome “Jagas” foi depois aplicado a grupos de variadas origens, mas podem dividir-se facilmente entre os do Norte e, mais tarde, os do Centro e Sul de Angola (da Conquista, não do Reino), pois tiveram características e duração diferentes. Em termos de etnias, nada tinham de comum uns e outros.
OS JAGAS DO NORTE
O relato mais fiável da invasão do Congo em 1568, é o de Filippo Pigafetta, que redigiu em italiano o que lhe foi narrado por Duarte ou Eduardo Lopes, um comerciante português que estivera no Congo, de 1578 a 1582, e fora enviado a Roma como Embaixador pelo Rei D. Álvaro I.
Imperochè sopravennero a depredare il Regno di Congo alcune nazioni che vivono al modo degl’Arabi, e degli antichi Nomadi chiamati Giacas, e habitano d’intorn’al primo lago del fiume Nilo, nella provincia dell’Imperio del Monemugi, gente crudele, e micidiale di statura grande, e di sembiante orribile, nutrendosi di carne umana, feroce nel combattere, e d’animo valoroso; le arme sue sono palvesi, dardi e pugnali, e nel rimanente va ignuda, ed è selvatica ne’ costumi e nel vivere di ciascun giorno. Non hanno Re questi popoli, e menano la vita loro in capanne alla foresta à guisa de’ Pastori.
Acossado pelos invasores, o Rei fugiu de S. Salvador do Congo e refugiou-se com parte da população na Ilha dos Cavalos no Rio Zaire. Pediu então ajuda ao Rei de Portugal e D. Sebastião enviou-lhe uma força de seiscentos homens comandados por D. Francisco Gouveia Sotomaior, que derrotou e pôs em fuga os rebeldes.
O Prof. Paulo Jorge de Sousa Pinto encontrou um documento inédito sobre o assunto, uma carta escrita por D. João Ribeiro Gaio ao rei Filipe II. Malaca, 31-12-1588 (Archivo Geral de Simancas, Secretarias Provinciales, Liv. 1551, fls. 413-413 v.), quando se encontrava em trânsito para o Oriente:
E mandando-se Francisco de Gouveia por governador dos reinos do Congo contra os Iaga Iagas que eram homens que comiam carne humana, quase de sessenta mil alevantados nos ditos reinos do Congo que os destruíam, o passei com o dito Francisco de Gouveia aos ditos reinos do Congo onde fiz muitos gastos e o ajudei, e foi Deus servido dar vitória e aquietar os ditos reinos, e passando Paulo Dias por governador dos reinos de Angola para as minas de prata também o ajudei em tudo […]
Em 1973, Joseph Miller escreveu um artigo considerando esta invasão um mito inventado pelos Portugueses (“Requiem for the Jaga”). Não teria havido invasão mas apenas a sublevação de uma parte da população contra o Rei que pediu então a ajuda dos Portugueses.
John Thornton contestou esta conclusão (“A resurrection for the Jaga”, 1978), por não encontrar nenhuma base sólida para rejeitar o testemunho de Lopes-Pigafetta. Miller respondeu reafirmando os seus pontos de vista (“Thanatopsis”).
Bontinck escreveu no sentido de Miller (“Un mausolée pour les Jaga”, 1979), atribuindo a perturbação da época à rebelião do Mani Bata.
Em 1981, Anne Hilton retomou a discussão com um artigo intitulado “The Jaga reconsidered”, com conclusões próximas das de Thornton. O importante artigo do Prof. Paulo Jorge de Sousa Pinto reforçou este ponto de vista. Jan Vassina fez depois a síntese com o texto que antes citei.
Na minha opinião pessoal, o importante seria saber se o relato Lopes-Pigafetta dos acontecimentos de 1568, foi ou não a primeira vez que foi utilizada a designação de “Jagas”, depois repetida para outros grupos nómadas guerreiros de outras origens.
OS JAGAS DO CENTRO E SUL
Na história de Angola, volta a falar-se muito nos Jagas, na viragem para o século XVII, sendo o primeiro documento coevo, as Aventuras de Andrew Battell, um marinheiro inglês preso pelos Portugueses no Brasil e desterrado para Angola, onde fugiu da prisão, juntando-se depois, nos primeiros anos do Sec. XVII, a um grupo de Jagas durante cerca de 16 meses, como refém e que conta:
Pag. 19 - In our second voyage, turning up along the coast, we came to the Morro, or cliff of Benguele, which standeth in twelve degrees of southerly latitude. Here we saw a mighty camp on the south side of the river Cova. And being desirous to know what they were, we went on shore with our boat ; and presently there came a troop of five hundred men to the waterside. We asked them who they were. Then they told us that they were the Gagas, or Gindes, that came from Sierra de lion [Serra Leoa], and passed through the city of Congo, and so travelled to the eastward of the great city of Angola, which is called Dongo.
Pag. 33 - In all this camp there were but twelve natural Gagas that were their captains, and fourteen or fifteen women. For it is more than fifty years since they came from Serra de Lion, which was their native country. But their camp is sixteen thousand strong, and sometimes more.
Pensa-se que Andrew Battel deveria ser pouco mais que analfabeto, sabendo-se que a sua narrativa foi passada oralmente a Samuel Purchas e depois a uma outra pessoa que a transcreveram. Assim, do primeiro trecho, existe esta outra redacção:
He saith they are called Iagges by the Portugals, by themselves Imbangolas (which name argues them to be of the Imbij and Galae before mentioned) and came from Sierra Liona.
Daqui surgiu conclusão de chamar Imbangalas a estes Jagas do centro e sul de Angola, no que eu tenho alguma reserva pelas razões que apontarei a seguir.
Sobre estes Jagas do sul e centro de Angola, sabemos muito mais do que acerca dos do Norte, havendo fontes coetâneas que nos falam deles.
Não cultivavam a terra e viviam permanentemente roubando as populações, que assaltavam e aterrorizavam com ferocidade.
Os seus chefes, que eram conhecidos como o jaga Fulano (no singular), não eram hereditários mas sim escolhidos entre os guerreiros mais valentes e mais ferozes.
As suas mulheres não eram autorizadas a criar os filhos que tivessem, nem podiam mesmo dar à luz no perímetro do quilombo (acampamento). As fontes sugerem que poderiam tentar entregar a outras os recém-nascidos para serem criados. Possivelmente, poderiam também fugir dos quilombos quando soubessem que estavam grávidas. Mas as que tentassem conservar os filhos consigo no quilombo eram sujeitas à pena de morte.
Os grupos eram depois reforçados com os adolescentes de ambos os sexos, mas sobretudo rapazes, que eram capturados nos assaltos às populações. Tinham depois de provar a sua valentia, designadamente, matando alguém nas lutas em que continuamente participavam. Os adultos, velhos e crianças capturados nesses assaltos, eram vendidos como escravos ou assassinados.
Assim sendo, a ascendência dos grupos de Jagas depressa se modificava. Vimos como Andrew Battel diz que, dos 16 000 Jagas do grupo, apenas 12 eram Jagas originários dos que, cerca de cinquenta anos atrás, tinham vindo de fora de Angola, ou seja, Imbangalas. (Ele diz que teriam vindo da Serra Leoa, o que se põe em dúvida).
Não me parece assim fazer muito sentido, chamá-los Imbangalas, já que a composição dos grupos ia variando em termos de raças. Isto apesar de, segundo a tradição, ainda no sec XIX, os jagas do Cassanje se designarem a si mesmos “bângalas” (singular: kimbangala), conforme diz Henrique Dias de Carvalho, na sua Etnografia.
Mas o nome “Jaga” assenta-lhes perfeitamente, tal como refere E.G. Ravenstein, ao anotar a narração de Andrew Battell:
Jaga or Jaka is a military title, and by no means the name of a people. The predatory man-eating bands at whose head they invaded the agricultural districts towards the sea coast, included elements of all kinds, not unlike the bands of the "Zulu" of our own time; and hence, one of the names by which they became known in Angola was “Bangala”.
Os portugueses (e também Battell) acusavam os Jagas de serem antropófagos e de comerem todos os inimigos. Parece mais sensato considerar que havia rituais canibalísticos. Veja-se o texto do militar Francisco de Salles Ferreira (Anexo 1), onde se referem apenas cerimoniais desse tipo e não um consumo de carne humana como alimento habitual.
Quando os Jagas deixavam de ser nómadas e se estabeleciam em determinado território com continuidade, abandonavam as práticas mais anormais, nomeadamente a de eliminarem os recém-nascidos. Foi o caso de Jinga quando tomou Matamba e se converteu pela segunda vez ao Cristianismo. Aliás, na altura das pazes com os Portugueses, estes exigiram a Jinga que entregasse o jaga Calandula, que se tinha refugiado junto dela.
Vejamos o que dizem algumas da fontes coevas sobre os Jaga:
Cadornega, ao bom gosto português, justifica com uma lenda o facto de os Jagas não criarem os filhos:
3.º vol.- Pag. 222 –- Lenda adiantada por Cadornega: “ … os ritos que seguem e observam, de matarem os filhos que nascem em seus quilombos e arraiais, procedeu de uma senhora que tiveram ficar sem filhos, por ser estéril, a qual, sendo já velha, irritada de não ter quem lhe sucedesse em o senhorio, ou por o demónio assim lhe infundir para dano de tantas almas, mandou a um recém nascido pisar em um pilão ou quino, que assim lhe chamam, onde pisam o milho para sua farinha, e feito em moada ou pó, o deu a todos os seus principais vassalos a beber, fazendo com eles pacto e juramento de não consentirem mais parisse ou criasse em seus quilombos e arraiais nenhuma criança que neles nascesse, nem houvesse fêmea que neles a parisse, com pena de morte: barbaridade e pragmática notável e tirana! E de então para cá seguiram esse diabólico abuso, observando-o como se fora preceito divino."
É evidente que a lenda não tem qualquer razão de ser. A razão por que os Jagas não criavam os filhos era para se movimentarem mais rapidamente de um lado para outro e poderem fugir se necessário fosse. Depois de explorada uma região, e tendo saqueado tudo o que havia para roubar, tinham de mudar o quilombo para outro lado.
É sintomático que, para fazerem o marufo (vinho de palma), não subiam às árvores para colher a seiva, mas arrancavam-nas pela raiz e deixavam-nas secar depois de extraída a mesma seiva.
Eram essencialmente parasitas.
Quanto ao recrutamento de novos elementos, diz Cadornega:
3.º vol. - Pag. 223 - E os que nascem nas fazendas e arimos fora do quilombo, sendo já rapagotes, os trazem para o seu arraial e os recebem nele em som de guerra, com grande algazarra e matinada de instrumentos bélicos, como se fora entrado o seu arraial de alguma gente inimiga; e dos que fazem mais conta e têm por seus filhos, são os que apanham nas guerras e conquistas, e o que sai melhor soldado lhe procede no senhorio, assim em o senhor do quilombo por votos e eleição, como nas casas dos principais macotas e capitães…
Os portugueses lidaram também com os Jagas, umas vezes como inimigos, outras como aliados. O Governador Luis Mendes de Vasconcelos (1617 – 1621) teve a ideia de os usar como aliados na guerra contra as populações revoltadas, o que nem sempre deu bons resultados. Era de facto, aliar-se com o diabo.
Em Angola um exército em campanha compreendia alguns soldados brancos, que quase nunca excediam as centenas, uma ou outra peça de artilharia (muito eficaz), nenhuma cavalaria e também a “guerra preta”: por um lado, os empacaceiros, armados de arcabuzes (o nome vem de matar pacaças, grandes antílopes); depois, nativos armados de catanas, arco e flechas e azagaias. Estes últimos eram conhecidos pelo nome de quimbares. A eficiência da “guerra preta” era muito reduzida, como é natural, ao estarem a lutar contra irmãos de raça. Em Ambuila, em 29 de Outubro de 1665, calcula-se que tenham fugido antes da batalha mais de 4 000 quimbares, o que foi muito lamentado pelos Portugueses, porque teriam permitido a captura de muito mais prisioneiros para serem vendidos como escravos.
Pareceu a Luis Mendes de Vasconcelos que, se em vez de quimbares medrosos, tivesse ao seu lado os ferozes Jagas, teria muito mais sucesso. E assim aconteceu, mas com a consequência que não se limitavam a ganhar as batalhas, mas arrasavam também tudo o que lhes aparecia na frente.
Outro Governador, Fernão de Sousa (1624 – 1630) fala-nos dos Jagas, com mais realismo e sensatez:
As guerras de Angola não são todas justas e, quando o são, nem por isso são justamente cativas as peças de escravos que se tomam nelas, por não concorrerem os requisitos necessários para serem bem cativas.
As que fazem aos Jagas são justíssimas porque é gente ímpia, inimiga comum, feroz e diabólica: Porque não lavram, nem semeiam, nem procuram posteridade, porque somente tratam dos que são soldados e todos os mais comem e têm açougues públicos de carne humana, e os que não comem os vendem. Andam sempre vagando, e tudo assolam e queimam, sem deixar coisa viva; são grandes traidores, toda a sua guerra é por manha, porque não têm palavra.
Os Jagas mais poderosos são dois, Casa Cangola, que foi baptizado e serviu Sua Majestade connosco, fugiu ao governador Luis Mendes de Vasconcelos, andou sempre fazendo guerra aos Songos, Canguelas, e Malembas.
Chama-se [o outro] Dom João Cassanze que andou fazendo guerra a Matamba e daí fugiu de nosso quilombo para o Congo, levava 80 mil arcos e daí foi para o Rio Coango.
ZENZA ANGUMBE - Este jaga é menos poderoso, anda na Tunda, e já serviu Sua Majestade por ordem minha na Quiçama mas com pouca fé.
COANZA – Coanza é outro jaga de pouca fama.
GUNZA – Gunza também é pequeno
CUMBY RYANGUMBO – Cumby Ryangumbo é jaga que vive da banda da Quiçama na Demba onde estão as minas do sal com favor de Enguele.
QUINDA - Quinda anda na província da Tunda, quis amizade comigo, mas não lha aceitei por não ser fiel e recebermos dano dele por traição.
CALUNGA CAQUICOANZA – Este jaga me parece é o mesmo Coanza [referido] acima, anda na Tunda.
(Fontes para história de Angola, 1.º vol., pag. 210)
Um aliado dos portugueses nas campanhas contra Jinga foi o jaga Cabuco Candonga, a quem Cadornega chama o “nosso jaga Cabuco”, muito respeitado pelo seu valor militar; mais tarde, traiu os Portugueses e juntou-se a Jinga, sendo então capturado e exilado para o Brasil.
Não refiro aqui o que diz o Capuchinho Giovanni Cavazzi de Montecuccolo, porque este autor tem uma nítida tendência para o exagero e para a invenção.
Já merece muito mais atenção o biógrafo da Rainha Jinga, Fr. António de Gaeta (ou Fr. António Romano, como lhe chamaram os confrades Capuchinhos para esconder que ele era de Gaeta e, portanto, súbdito espanhol, pois Gaeta pertencia ao Reino de Nápoles – Portugal proibira a ida de missionários espanhóis para Angola):
Pag. 212 - Os exércitos dos Jagas são compostos de diversas nações de pretos gentios, homens cruéis e rebeldes que, fugindo da pátria e dos seus senhores naturais, ou de patrões de quem eram escravos, se dão a fazer uma vida bárbara e desumana.
Pag. 392 e ss- Cap. XXXI – Quem são os povos Jagas e por que são assim chamados; os seus bárbaros costumes, e ritos; o bestial orgulho e desumana crueldade.
……
Tal como os Ciganos, também os Jagas vagueiam pelo mundo e não têm casa própria. Casam-se com as escravas que aprisionam na guerra.
……
O matar os próprios filhos é a coisa mais terrível que fazem os Jaga. As mulheres grávidas, que estão parto do parto, são mandadas para os bosques para dar à luz e ali abandonam os recém nascidos.
…..
Os Jagas gastam o tempo a fumar, tocar, cantar e bailar; a beber; na luxúria; e finalmente em ir à guerra, e exercitar a milícia, para roubar, saquear, destruir e empanturrar-se de carne humana.
….
Vão à guerra para fazer dos prisioneiros escravos que vendem aos portugueses.
….
Foram 5 os exércitos de Jaga desbaratados por Jinga: Quisumbe, Cahete, Catubia, Cabuco e Calanda.
….
Os Jagas foram muito importantes na vida de Jinga, que se aliou a eles, primeiro para combater os Portugueses e depois para conquistar o Reino de Matamba. Amancebou-se com chefes Jaga por duas vezes, para ter a cooperação destes: primeiro com o jaga Casa Cangola e depois com o jaga Cassanje.
Ela mesma o confessou na carta de 13 de Dezembro de 1655, dirigida ao Governador Luis Martins de Sousa Chichorro (1654 – 1658):
...porque estou tão queixosa dos governadores passados, que me prometeram entregar minha Irmã, pela qual tenho dado infinitas peças e feito milhares de banzos e nunca ma entregarão, mais, antes moviam logo guerras, com que me inquietaram e fizeram sempre andar feita jaga, usando tiranias, como é não deixar criar crianças, por ser estilo de quilombo, e outras cerimónias
Também se refere aos Jagas o Jesuita Pierre du Jarric, mas este nunca esteve em Angola; para se documentar recebeu informações dos seus confrades:
Page 11 – 2.º vol.- …il y a certains peuples du coté d’Orient…. que les Congians appellent Giachas, combien qu’ils se nomment Agag, lesquels ne vivent que de voleries, et larcins, molestant fort les habitants de cette Province. Lesquels pour cette cause doivent être toujours en armes, pour se défendre contre ces gens–là et on besoin d’arquebuziers ; car ces barbares craignent sur tout les arquebuzades. L’on peut amasser en cette seule Province, jusques à septante ou quatre vingt mille combatants.
Mas nisto, ele baseia-se sobretudo na obra de Lopes-Pigafetta, como ele mesmo diz:
2.º vol. Pag. 66 - Il (o Rei) choisit donc (como Embaixador) à cet effet un Portugais nommé Edouard Lopes, des mémoires duquel Pigafetta Italien a tiré tout ceci, et nous de lui.
Os grupos Jaga extinguiram-se quase todos no sec. XVII, acabando por se incorporar na população. Foi excepção o grupo do jaga Cassanje que ocupou a Baixa do Cassanje, junto do Rio Coango e constituiu o Jagado do Cassanje, que durou até quase ao fim do sec. XIX, quando foi atacado diversas vezes pelas tropas portuguesas.
TEXTOS CONSULTADOS
Birmingham David, The Date and Significance of the Imbangala Invasion of Angola, in The Journal of African History, Vol. 6, No. 2 (1965), pp. 143-152
Vansina, Jan, More on the Invasion of Kongo and Angola by the Jaga and the Lunda, in The Journal of African History, Vol. 7, N.º 3 (1966), pag. 421-429
Miller Joseph C., The Imbangala and the Chronology of Early Central African History, The Journal of African History, Vol. 13, No. 4 (1972), pp. 549-574
Miller, Joseph C., Requiem for the “Jaga”, in Cahier d’études africaines, Année 1973, Volume 13, Numéro 49, pag. 121-149
Online: http://www.persee.fr
Thornton, John K., A Resurrection for the Jaga, in Cahier d’études africaines, Année 1978, Volume 18, Numéro 69, pag. 223-227 Online: http://www.persee.fr
Miller, Joseph C., Thanatopsis in Cahier d’études africaines, Année 1978, Volume 18, Numéro 69, pag. 229-231
Online: http://www.persee.fr
Bontinck, François, Un mausolée pour les Jaga, in Cahier d’études africaines, Année 1980, Volume 20, Numéro 79, pag. 387-389 ; Online: http://www.persee.fr
Hilton, Anne, The Jaga reconsidered, The Journal of African History, Vol. 22, No. 2 (1981), pp. 191-202
Vansina, J., e T. Obenga, Le Royaume de Kongo et ses voisins, in L’Afrique du XVIe au XVIIIe siècle – directeur Professeur B.A. Ogot. Edition abrégée. Paris. UNESCO. 1998 605 p. ISBN 92-3-201711-3
Pinto, Paulo Jorge de Sousa, Em torno de um problema de identidade: os “Jaga” na História do Congo e de Angola, in Mare Liberum, n.º 18/19, 1999/2000, pags. 193-243, ISSN 0871-7788
Heintze, Beatrix, The Extraordinary Journey of the Jaga through the Centuries: Critical Approaches to Precolonial Angolan Historical Sources, in History in Africa, Vol. 34, 2007, pp. 67-101
Vansina, Jan, On Ravenstein’s edition of Battell’s adventures in Angola and Loango, in History in Africa, n.º 34 (2007) pag. 321-347
Jan Vansina, "Foundation of the Kingdom of Kasanje”, The Journal of African History, vol. 4, n.º 3 (1963), pp. 255 - 374
Online: www.archive.org
Purchas, Samuel, "The strange adventures of Andrew Battell of Leigh in Essex, sent by the Portuguese prisoner to Angola, who lived there,and in the adjoining regions, near eighteen years" from Hakluytus Posthumus or Purchas his Pilgrimes
Online: http://www.erbzine.com/mag18/battell.htm
Cadornega, António de Oliveira de, História geral das guerras angolanas - 1680, anot. e corrigido por José Matias Delgado, Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, 1972, 3 vols., Reprodução fac-similada da ed. de 1940
Catálogo dos Governadores do Reino de Angola, no Tomo III, parte I da Colecção de notícias para a história e geografia das nações ultramarinas que vivem nos domínios portugueses ou lhes são vizinhas, Lisboa, na tip. da Acad. Real das Sciencias, 1825. Obra em 7 volumes, publicados de 1812 a 1856
Online: http://books.google.com
Filippo Pigafetta (1533-1604) e Eduardo ou Duarte Lopes, (1550?-16..?), Relatione del reame di Congo et delle circonvicine contrade; tratta dalli scritti e ragionamenti di Odoardo Lopez portoghese per Filippo Pigafetta, Roma : B. Grassi, 1591, [VI]-82 p. ; in-8
Online: http://gallica.bnf.fr/document?O=N105751
Lopes, Duarte et Filippo Pigafetta, Le Royaume du Congo & les contrées environnantes (1591), traduction, annotée et présentée par Willy Bal, Paris, Chandeigne, UNESCO, cop. 2002, 383 pag., ISBN 2-906462-82-9
Cavazzi de Montecuccolo, Pe. João António (1622-1692), Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola, trad., notas e índices pelo Pe. Graciano Maria de Leguzzano, introd. bibliográfica por F. Leite de Faria, Lisboa, Junta de Invest. do Ultramar, 1965, 2 vols.
Antonio da Gaeta, La maravigliosa conversione alla santa fede di Cristo della Regina Singa e del suo regno di Matamba nell’Africa Meridionale, Napoli, per Giacinto Passaro, 1669, 463 pag.
Histoire des choses les plus mémorables advenues tant ez Indes orientales que autres païs de la descouverte des Portugais, en l'establissement & progrez de la foy chrestienne & catholique : et principalement de ce que les Religieux de la Compagnie de Jesus y ont faict, & enduré pour la mesme fin. Depuis qu'ils y sont entrez jusqu'à l'an 1600, Dédiée au Roy très Chrétien de France et de Navarre Louis XIII.
Par le P. Pierre du Jarric, Tolosain, de la même Compagnie. À Bordeaus, par Simon Millanges, Imprimeur ordinaire du Roy, 1610.
Heintze, Beatrix, Fontes para a história de Angola do século XVII, I colab. Maria Adélia de Carvalho Mendes. – Stuttgart : Franz Steiner Verlag Wiesbaden, 1985. - 419 p. : mapas, quadros. - Studien zur Kulturkunde. 75). - Memórias, relações e outros manuscritos da colectânea documental de Fernão de Sousa
Heintze, Beatrix, Fontes para a história de Angola do século XVII, II / colab. Maria Adélia de Carvalho Mendes. – Stuttgart : Franz Steiner Verlag Wiesbaden, 1988. - 430 p. : fotos, quadros. - Studien zur Kulturkunde. 88). - Cartas e documentos oficiais da colectânea documental de Fernão de Sousa
Henrique Dias de Carvalho (1843-1909), O jagado de Cassange na Provincia de Angola, Lisboa, Typ. de Cristovão Augusto Rodrigues,1898, 442 p.
Online: www.archive.org
Henrique Augusto Dias de Carvalho, Expedição portuguesa ao Muatiânvua (1884-1888): Ethnographia e historia tradicional dos povos da Lunda, Lisboa, Imprensa Nacional, 1890, 731 p.
Online: www.archive.org
Antonio Rodrigues Neves, Memória da expedição a Cassange comandada pelo Major graduado Francisco de Salles Ferreira em 1850, Lisboa, Imprensa Silviana, 1854, 129 p.
Online: www.archive.org
MEMÓRIA
SOBRE O SERTÃO DE CASSANJE
Duas coisas me convidam a fazer esta memória sobre Cassanje e são: 1.º A importância deste sertão, porta dos sertões da Lunda, por onde vem o grosso do comércio de Angola; e 2.º os acontecimentos que ali ultimamente tiveram lugar.
Tendo ido em 1850 a Cassanje à testa da Divisão Portuguesa, que acabava de submeter o sertão do Bondo, onde depus o Soba Andula Quissua, e fiz colocar no estado o leal e prudente Quissua Camoaxe, que hoje bem governa aquele importante sertão, e havendo sido eu obrigado por dignidade do Governo Português a invadir a Capital do Estado do Jaga Cassanje, D. Pascoal Machado, por circunstâncias hoje bem conhecidas, para que de novo as relate, e mesmo porque acabo de o fazer no Diário que escrevi daquela expedição, e tendo ouvido a alguns velhos a história de Cassanje, desde o tempo em que aquele país foi ocupado pelos ditos Cassanjes, não achei destituída de interesse a narração que me fizeram, para deixar de tomar alguns apontamentos sobre ela, certo de que será de bastante curiosidade para muita gente o conhecimento desta Memória.
CAPÍTULO 1.º
Cassanje, propriamente dito, fica nas terras entre o Bondo Songo, e Rio Quango, que é o Zaire.
Avançar um passo sobre a história deste país antes da ocupação dele pelos Cassanjes coisa é por certo impossível, sem talvez cair em equivocações. Sabe-se contudo que este país de achava ocupado pelos povos Quilambas, divididos em diferentes pequenos Estados, ou Sobados, tais eram Quilamba – Muauzumbe – Quizinga – Quicungo – Quiaupenge – Cunga – Muxinda – Lubolo – Bango Aquissua – Dambe Aquissua- Indua Quissua.
Cassanje é uma extensa planície cercada por uma cordilheira de montanhas, que começando nas margens do Quango, na extrema do Quembo, vem descrevendo uma curva em volta da planície, servindo de fronteira ao Songo Bondo, e passando o Iliongo, vem terminar outra vez no Quango. Contudo as terras na proximidade do Quango, ou Zaire, não são todas planas, porque há algumas montanhas, ainda que não de grande altura.
O Potentado Colaxingo era dos régulos sujeitos ao Matiamo da Lunda, e sendo expulso daquele Estado, veio habitar o país que fica entre o Distrito de Ambaca e o Golungo-Alto, mas sendo muito turbulento, foi lançado fora daquelas terras e com seu povo foi formar suas senzalas nas terras em que hoje se acham estabelecidos, e mudaram o nome à terra, dando-lhe o título do seu Jaga. Nada se pode referir a épocas certas, porque a fonte donde tirei estes apontamentos foram, como já disse, os velhos Maquitas, que recebendo de seus pais e avós por tradição estas notícias, já se vê que nada podiam dizer das datas de sua história. O primeiro Jaga estabelecido em terras Portuguesas chamava-se Colaxingo, e pelas sua morte, sua família tomou por apelido o nome de seu Chefe, e foi desta família que, por não sei quanto tempo, se tiravam os Jagas que governavam o Estado, até que de Libolo veio o régulo por nome Gonga, poderoso, e assentou com seu povo a sua residência em terras de Cassanje, e por ser temido, foi convidado pelos Cassanjes, para com os de sua família entrarem no Estado, sucedendo aos de Colaxingo, no que convieram; mas os de Colaxingo, mais por medo que por simpatia, propuseram este pacto, pois temiam muito os da família Gonga, e assim ficaram sendo estas duas famílias as únicas que tinham direito ao estado de Jaga; algum tempo depois veio dos Estados do Rei Ginga outro régulo chamado Calunga, e pelas mesmas circunstâncias que concorreram em Gonga foi convidado a ter entrada no Estado, e é esta a origem de estar hoje o Estado de Cassanje nas três famílias de Colixingo – Gonga – e Calunga. Começaram os Songos a transitar o caminho da Lunda para Cassanje, caminho muito mais curto que o do Songo Grande, e daí vem a origem da Feira do Cassanje, porque alguns portugueses começaram a ir ali comerciar pela abundância de marfim que os Cassanjes traziam da Lunda: os Jagas consentiram no estabelecimento da feira, mas conservando o caminho oculto, e não consentindo que Português algum passasse além do Rio Zaire ou Quango.
CAPÍTULO 2.º
Eleição do Jaga, e cerimónias que se seguiam a este acto.
Tratei no Capítulo antecedente do estabelecimento dos Cassanjes nas terras em que actualmente se acham, e da forma por que se estabelecem para a sucessão: - trato agora da forma da eleição, que se seguia a este acto. Morto o Jaga, é o Tendala quem convoca o colégio eleitoral, que é composto dos Macotas, Cazas, Catondo, e Tendala, que reunidos começam por descortinar e examinar a qual das famílias pertence o Estado: decidida esta questão, trata-se de ver qual a pessoa que deve ser eleita; e aqui há sempre grandes questões, e às vezes chegam a vias de facto, quero dizer, a pegar em armas, para por elas decidir a contenda; mas ordinariamente não se chega a tanto, porque os Macotas têm o cuidado de guardar grande segredo sobre quais são os que têm votos, ou são indicados por cada um dos membros do Colégio eleitoral. Terminadas estas questões, e decidido definitivamente quem deve ser o eleito, passa o Catando a formar uma casa e quintal que deve receber o novo Jaga, assim como os outros Macotas a fazerem suas casas próximas àquela, e a esta senzala se chama Quilombo do Catando; marcada a hora para a cerimónia, vai o Tendala ao lugar em que está o eleito, entre na casa, e, à maneira de que agarra um assassino, o conduz fora da casa, e aí, reunido o povo, começa a grita, e toques de marimbas, e tambores, e o novo Jaga é levado às costas de seus filhos até ao lugar do Quilombo: é metido na casa que lhe está preparada, e por espaço de muitos dias ninguém mais o vê, a não ser dois parentes, e o Tendala. Passados dois meses, vai o Jaga habitar por 20 ou 30 dias uma casa de antemão preparada na margem do Rio Undua, (rio célebre por dar o nome ao terrível e mortal juramento) e nesta casa é o Jaga presente a depor todos os Maquitas do Estado, e aqui nomeia os Macotas da segunda ordem, e mais dignidades de Quilambo, que são vitalícios, à excepção dos três eleitores que são hereditários nos sobrinhos, e aqui escolhe a sua Bansacuco, principal mulher do Jaga. No fim do tempo marcado, vem o Jaga acompanhado de todo o Estado para o lugar em que deve formar o seu Quilombo, e depois de concorrerem todos, o Jaga arma o arco, dispara uma frecha, e aonde ela for cair é nesse lugar que se edifica a sua casa, a que se chama – Semba – e em volta dela se formam as casas da Bansacuco, e das outras concubinas, que às vezes chegam a 50, que tantas teve o Jaga Bumba: depois seguem as pequenas senzalas das casas dos Macotas, suas concubinas, e mais povo, que pertencia ao antecessor do eleito Jaga, isto é, o povo que ele trouxe da senzala, aonde era Maquita. Resta o sambamento, última das cerimónias para o Jaga ficar no pleno gozo da sua soberania. Não tem marcada a época do Sambamento depois da eleição, pelo menos, se se acha, os Jagas não o têm cumprido, porque até alguns não o têm feito, e têm morrido, sem esse bárbaro estilo. (O cerimonial do Sambamento foi abolido, quando se celebrou o baptismo do Jaga D. Fernando, permitindo-se contudo o banquete, mas sem derramamento de sangue humano). Quando o Jaga resolve fazer o Sambamento, manda ao Songo a algum dos Sobas buscar o nicango, que é um preto que não tenha relação de parentesco algum com ele Jaga nem Macota algum: chegao o nicango, é tratado no Quilombo da mesma maneira que o Jaga, nada lhe falta, e até se cumprem as suas ordens como emanadas do Jaga. Designado o dia do Sambamento, são avisados todos os Maquitas, e o maior número de pessoas dele que possa vir ao Quilombo, e no dia marcado, na frente da casa do Jaga se colocam todos os Maquitas e Macotas no círculo, e reunido em volta o povo, senta-se no centro o Jaga no banco de ferro, que tem um palmo de alto com o assento em forma circular, côncavo, e furado no centro, e coloca-se ao lado a Bansacuco, e mais concubinas, e começa o Cassanje Cagongue a tocar no Gongue, que são duas campas de ferro, com um varão de palmo de comprido, tangendo o Cassanje Cagongue as campas durante o cerimonial; é trazido o nicango, e voltado de costas na frente do Jaga, este com um cutelo de meia lua abre o nicango pelas costas até lhe arrancar o coração, que trinca e lança fora, para depois ser queimado. Feito isto, os Macotas pegam no corpo do nicango, e voltam sobre o ventre do Jaga todo o sangue que sai pelo furo da cavidade aonde estava o coração; tendo caído no banco, sai pelo furo que tem, e imediatamente os Maquitas, esfregando as mãos no lugar onde cai o sangue, esfregam o peito e barba, fazendo grande grita, exclamando que o Jaga é grande: e estão cumpridos os ritos do Estado. O nicango é levado para distância, aonde é esfolado, dividido em pequenos bocados, e cozinhado com carne de boi, cão, galinha e outros animais e, pronta a comida, é servido o Jaga, depois os Macotas, Maquitas, e todos os do povo reunidos, e desgraçado do que lhe repugnar tal comida, porque é vendido como escravo, e toda a família; e depois de muitas danças, e cantorias, termina o Sambamento. Era costume mandar ao Director da feira de Cassanje uma perna do nicango, mas o Director voltava a oferta com o tributo de uma ancoreta de aguardente, e fazendas, sem o que o Jaga não consentia que lhe voltasse o que havia mandado, e houve um Jaga, que por o Director repugnar a oferta, e não mandar o tributo, quis obrigá-lo como seu súbdito a comer da carne do nicango, o que se compôs, satisfazendo o Director ao costume. O Jaga que tivesse sambado ordinariamente não vivia mais que dois anos depois desta cerimónia porque o matavam, não só porque os interessados queriam ir ao Estado, mas porque os Macotas recebem nas eleições muitos presentes. Além deste assassinato, quando o Jaga sonhava com algum dos seus antecessores, no dia imediato mandava-lhe dois escravos de presente, e estes desgraçados eram esquartejados sobre a sepultura do presenteamento: isto era muito ordinário como se pode supor em gente tão supersticiosa.
CAPÍTULO 3.º
Morte e funeral do Jaga
Quando os Macotas viam que a doença que acometia o Jaga era grave, tratava-se de despedir todos da casa, e este entregava ao sobrinho herdeiro (Bumba Ata) todos os escravos, e mais haveres do Jaga, deixando só seis escravos para o caso de morte, como abaixo se vê, e o enfermo era ordinariamente sufocado, e esta era a maior parte das vezes a morte do Jaga de Cassanje. Morto o Jaga, é conservado no lugar em que morre três dias, no fim dos quais o Tendala lhe arranca um dente, que é entregue ao herdeiro, que o deve apresentar ao novo Jaga para ser colocado com os dos outros Jagas na caixa das malungas (atributos do Estado, sem os quais Jaga algum pode exercer o estado); depois é vestido com os melhores panos, e na própria casa em que morre se forma uma espécie de carneiro, aonde é colocado com os seis escravos vivos e, depois de chio de terra o carneiro, por todo o espaço do Quilambo, se plantam árvores, e é abandonado por todo o povo; os que pertenciam ao defunto vão habitar outra senzala com o herdeiro, que fica sendo Maquita, com o nome do Jaga, e os que pertencem aos Macotas vão com seus senhores formar senzalas até nova eleição.
CONCLUSÃO
Em consequência da conquista feita das terras do Cassanje e Hiongo, pela rebelião do ex-Jaga Bumba, e dos assassinatos dos dois Feirantes, ficou Cassanje sujeito à Coroa como domínio Português, e por essa ocasião foram abolidos todos os usos gentílicos, que fossem contra a Religião Católica, e Leis Portuguesas. É de esperar que o Governo, tomando em consideração tão útil aquisição, como é a vassalagem de Cassanje (donde nos vem todo o marfim, e grande parte da cera que se exporta de Angola), dê todas as providências para a conservação do que com tanto trabalho se alcançou, porque dali depende o pouco comércio que tem a Província de Angola.
Luanda, 20 de Abril de 1853
Francisco de Salles Ferreira, Major de Infantaria.
[Annaes do Conselho Ultramarino (Parte não oficial),Série 1 (Fev. de 1854 a Dez. de 1858), Lisboa, Imprensa Nacional, 1867, p. 26-28.]