2-2-2013
Mécia da Costa, parteira e curandeira (1678 – 1744)
PROCESSO - n.º 6973
Mécia da Costa, por alcunha a Borrachoa (filha do Borrachão!), vivia em Tavira, no ano de 1732, na freguesia de S. Tiago, e era casada com Manuel Rodrigues, por alcunha, o Mocho. Tinha nessa altura, cerca de 54 anos; tivera três filhos (dois rapazes e uma rapariga) que, naquela altura, já não viviam com os pais. Era analfabeta. De profissão era parteira, mas arredondava os seus proventos com umas rezas e umas mezinhas com os fins mais diversos, que lhe valeram a fama de fazer bruxarias. Especializara-se em curar a doença do “afito”, que o dicionário nos diz seria indigestão ou diarreia e genericamente se pode dizer ser dor de barriga. Curava também as crianças recém-nascidas que recusavam o leite da própria mãe.
No início de Agosto de 1732, chegou à Inquisição de Évora uma denúncia contra ela de Margarida Nobre de Barros, solteira, moradora na mesma freguesia de S. Tiago acusando-a de ter curado uma criança, filha de Sebastião Valente, primo da denunciante do seguinte modo:
Quando a mãe da criança que não queria tomar o peito lhe pediu o serviço, benzeu-a, disse umas palavras ininteligíveis e um Pai Nosso e Ave Maria e pediu que lhe trouxessem a criança. No dia seguinte levaram-lhe a casa a criança e ela benzeu a mãe e a criança, untou os peitos da mãe com banha de flor e depois também a barriga da criança; repetiu a mesma cena durante cinco noites seguidas. Depois, na última noite foi com a criança à porta da Oliveira, na freguesia de S.ta Maria, em Tavira, e passou pela criança um biscoito que trazia preparado; a seguir, partiu o dito biscoito e atirou-o ao ar. A função teve sucesso, porque a seguir, a criança mamou normalmente nos peitos da mãe. A mesma coisa fez a delata a Francisca das Chagas, mulher de Manuel Neto. Os factos haviam-se passado dois anos atrás, e a denunciante não participou o facto antes, porque entendia que não tinha obrigação de o fazer.
Havia já mais denúncias nos Cadernos do Promotor:
- Os pais que pediam o regresso de um filho que se tinha ausentado sem autorização o qual, aquando da reza, em Sevilha, sentiu um forte desejo de regressar a casa de seus pais;
- Maria da Penha, casada com Manuel Rodrigues, ourives, disse que, para efeitos de seu marido lhe dar melhor vida, a delata lhe ensinara esta oração:
Meu inimigo vejo vir,
Não lhe posso fugir,
Nem tenho que lhe dar;
Que lhe darei a jantar?
O Sangue de Cristo lhe darei a comer,
O leite de Maria a beber.
“E, além da oração, lhe ensinou que cortasse cabelos das covas dos braços e das partes verendas, e as unhas das mãos e pés, e lhe desse tudo misturado com miolo de pão, que primeiro meteria debaixo da cova do braço.”
Em Setembro de 1732, foi remetida ao Comissário do Santo Ofício, Licenciado Henrique Nunes Leal da Gama, uma comissão para serem interrogados os denunciantes.
Em 4 de Março de 1733, foi remetida nova comissão. No final, o Comissário anotou: “A delata Mécia da Costa está nesta cidade mal reputada pelas medicinas e cerimónias de que usa, e respeitada por feiticeira, que, sendo parteira, por medo a chamam muitas mulheres para os seus partos. É o que posso informar a V.ª Senhoria. Tavira, de Março 20, de 1733.”
O Promotor informou e em 10 de Junho de 1733, os Inquisidores lavraram o decreto da prisão. Mécia da Costa deu entrada na Inquisição de Évora em 1-7-1733.
Logo no primeiro interrogatório, em 7-7-1733. dispôs-se a confessar o que disse serem as suas culpas. Mas, quando as descreveu, não as quis logo considerar como tais. Quis subentender que tinha capacidades curativas e que ajudava as pessoas.
Disse que, quarenta anos atrás, na casa de seus pais em Alagoa (hoje, Lagoa), termo de Silves, estando doente seu irmão mais novo, os pais mandaram chamar uma curandeira chamada Maria Marreira. Esta disse que o menino sofria do mal de afito e pediu banha de flor para o untar. E, enquanto untava o estômago do menino, recitava: “Jesus, que é o nome de Jesus, eu benzo este afitado, e este aluado, e este encaniçado, e este assombrado, em nome de Deus Padre, de Deus Filho, Deus Espírito Santo, as pessoas da Santíssima Trindade, com as areias do mar, em louvor de Deus e da Virgem Maria, com um Padre Nosso e uma Ave Maria.” Ao mesmo tempo, benzia o menino com a mão. A cerimónia foi repetida em cinco dias seguidos; depois pediu que fizessem uma rosca de farinha de trigo e levassem o menino à Igreja Matriz de Alagoa, à boca da noite. À porta, a Maria Marreira rezou esta oração: “Virgem Mãe de Deus sois Vós, Virgem Mãe de Deus, acudi nesta necessidade, se acaso fores servida, sejais madrinha e intercessora, diante do Vosso precioso Filho”. Passou a criança cinco vezes pela rosca e depois partiu esta em cinco pedaços e deixou-os à porta da Igreja. A criança melhorou de facto da doença de que padecia.
Tendo aprendido com a Maria Marreira, ela Ré mais tarde curou várias crianças do mal do afito, usando a mesma banha de flor (fazia-se misturando flor de laranja com manteiga de porco).
Aprendeu também a curar do mal de quebranto (derivado de mau olhado) assim: “Jesus, que é nome de Jesus, onde entra o nome de Jesus, não entra mal nenhum; Santa Ana pariu a Virgem, a Virgem pariu Jesus Cristo, Santa Isabel, São João Baptista; assim como isto é verdade, me tireis este mal e este olhado do corpo desta criatura, em louvor de Deus e da Virgem Maria. Senhora, eu ponho as mãos pecadoras nos queixais para vossa virtude, com a Santa segunda-feira, com a Santa terça-feira, com a Santa quarta-feira, com a Santa quinta-feira, com a Santa sexta-feira, com o Santo sábado e com o Santo Domingo; se é da cabeça, a Virgem Maria, se é da barriga, a Bem Aventurada Santa Helena, em louvor de Deus e da Virgem Maria, com um Padre Nosso e uma Avé Maria.” Ao mesmo tempo, benzia a pessoa que sofria do mal. Fora a sua mãe que lhe ensinara esta reza e também lhe ensinara outra para curar às mulheres as doenças da madre.
Há cerca de sete anos, em sua casa, em Tavira, estava em sua casa Bárbara Gonçalves, agora já falecida, a quem pediu um remédio para o problema dela declarante: não sabia por onde andava seu marido que se ausentara já havia tempo e queria que ele regressasse a casa. Então a dita Bárbara Gonçalves disse-lhe que fizesse uma devoção à alma mais desamparada que houvesse no fogo do Purgatório e deitada na cama devia recitar todo o rosário e dizer depois as palavras seguintes: “Alma, aqui está o rosário, não vo-lo dou nem vo-lo quito, no regaço da Virgem vo-lo deposito”; esta cerimónia ou devoção devia ser repetida por nove noites seguidas, mas, no seu caso, não deu resultado.
Outras coisas lhe ensinou ainda Bárbara Gonçalves.
Foi interrogada de novo a 18 de Agosto de 1733 e fez então a sessão da Genealogia. O seus pais, já falecidos, foram Manuel Fernandes, por alcunha o Borrachão, almocreve, natural da cidade de Lagos e Catarina Domingues, natural da vila de Castro Marim, ambos moradores na cidade de Tavira.
Os seus avós paternos e maternos já faleceram e não sabe como se chamavam nem donde foram naturais e moradores.
É casada com Manuel Rodrigues, por alcunha, o Mocho, trabalhador, natural da cidade de Silves, de quem tem dois filhos e uma filha, a saber: Domingos Rodrigues, sapateiro, viúvo de Catarina Rosa, João Baptista, sapateiro, casado não sabe com quem, Isabel Maria, casada com Francisco Rodrigues.
É baptizada e foi crismada. Soube as orações e textos do Catecismo, com excepção dos Mandamentos da Santa Madre Igreja.
Supõe ter sido presa pelas culpas que tem vindo a confessar.
O processo faz aqui uma pausa de um ano. Era um truque dos Inquisidores para amolecer os presos demasiado senhores de si. No caso da ré, tinham dificuldade em avançar com as culpas que ela tinha confessado, apesar de poderem ser classificadas como superstições. O mais normal seria levarem-na a tormento para que confessasse pacto com o diabo, ou se nada confessasse, purgasse as culpas que já tinha confessado. Entretanto, iam prosseguir os interrogatórios, tentando arrancar mais confissões.
31-8-1734 – Interrogada, a ré disse que não tinha mais culpas que confessar. Nunca se apartou da fé católica, nunca adorou o demónio nem pensou em fazer uma coisa dessas. Nunca arrenegou a Cristo, nunca lhe apareceu o demónio, nunca fez pacto com ele. Nunca invocou o demónio. Disse que as curas que fazia lhe pareciam inteiramente lícitas e que as palavras que dizia nelas lhe pareciam santas e boas, e o bem que delas resultava o atribuía a Deus, nunca ao demónio. Disse-lhe então o Inquisidor: “Perguntada se sabe, que nenhumas palavras, bênçãos e cerimónias, por mais santas que sejam, podem, natural ou sobrenaturalmente, produzir efeito algum excepto os que a Igreja tem determinado para certos fins, e que todo o efeito, que por meio delas resulta, se há-de atribuir a virtude de algum pacto expresso ou implícito com o demónio?” Respondeu a ré: “Disse que agora sabe e acaba de entender o contido na pergunta”.
Parece que o Inquisidor estava a ir longe demais na sua interpretação da doutrina da Igreja. O uso de rezas e cerimónias constituía uma superstição denominada pelos estudiosos “meios improporcionados”, como refere o Prof. José Pedro Paiva no livro referido abaixo. Estava a pressionar a ré para se culpar do que não tinha feito: um pacto expresso com o demónio. Forçar as rés a confessar o pacto: era este um truque bastante usual nos processos de bruxaria. Era também um meio eficaz para sair mais cedo dos cárceres da Inquisição e, por vezes, também, para escapar a ser relaxadas.
1-9-1734 – A ré continuou a dizer que não tinha mais culpas que confessar. Entendia que podia fazer tais curas licitamente e nunca pensara que estava a fazer algo de grave. Disse que falara no assunto aos seus confessores e que eles lha haviam dito que licitamente podia usar delas. O Inquisidor ficou admirado de os confessores sobre tais curas lhe dizerem que “licitamente podia usar delas, sendo tão supersticiosas e inadequadas para os fins que pretendia!”
O Inquisidor apertou o interrogatório:
“Perguntada se sabe ou ouviu dizer que a dita forma de reza e mais cerimónias estejam aprovadas pela Igreja para aquele ou outros fins? Disse que não sabe nem tem notícia do que se contém na pergunta.
Perguntada se sabe que só devemos usar daquelas orações, que a Igreja tem aprovado; porque não nos é lícito alterar, e mudar a sua aplicação e forma e que quem faz o contrário peca gravemente? Disse que assim o entende.
Perguntada como pode ser que ela Ré se persuadisse que podia fazer a dita devoção, e reza à mais necessitada alma do Purgatório, e as mais cerimónias e palavras de que lhe fez ensino a dita Bárbara Gonçalves, não lhe constando que fossem aprovadas pela Igreja, sabendo como diz que sabia, que só devemos usar daquelas que a mesma tem aprovado, que não podemos alterar a sua forma, e se fez como tem dito com o intento declarado, não podia deixar de entender que o não podia fazer licitamente e sem cometer culpa grave? Disse que sem embargo do que se contém na pergunta, lhe pareceu boa a dita devoção pelas razões que tem declarado, e então não lhe veio ao pensamento, que nisso cometida culpa.”
Perguntada se quando ela Ré fez a experiência do dito ensino, com o intento declarado, tinha para si que podia ser certo e eficaz o seu efeito, e por assim lhe parecer, usou da dita devoção, e mais cerimónias, em quem punha sua confiança, se em Deus ou no demónio? Disse que ela quando fez a experiência do dito ensino, punha sua confiança em Deus, e dele esperava conseguir o efeito que pretendia por intercessão da mais necessitada alma do Purgatório, por cujo respeito fazia a dita devoção.-“
(…)
Perguntada se sabe que estamos obrigados a rezar as orações da Igreja da mesma forma que ela nos ensina, sem acrescentar, nem diminuir, pondo só a nossa esperança em Deus, que, sendo rezadas com algumas circunstâncias vãs, como as que se contêm na sobredita forma de reza, não podem ser meritórias nem do agrado de Deus, mas antes se ofende muito o mesmo Senhor de semelhantes observações por serem notoriamente supersticiosas, em que o demónio costuma ingerir-se? Disse que agora acaba de entender o que se entende na pergunta. “
A terminar o interrogatório, foi-lhe dito que a sua confissão “não satisfaz a prova da justiça que contra ela há, por haver informação nesta Mesa que ela Ré cometeu outras mais culpas, além das que tem confessado, do que tudo resulta contra ela Ré presunção de que cometeu as ditas culpas e factos por sentir mal de nossa Santa Fé Católica, e ter feito pacto com o demónio, por serem os ditos factos muito supersticiosos, e inadequados para os fins que se pretendiam. Pelo que a admoestam com muita caridade pela parte de Cristo Senhor nosso acabe de confessar toda a verdade de suas culpas (…)”
O Inquisidor deixou muito claro o que pretendia: a ré tinha de confessar o pacto com o demónio. Era uma ideia fixa deles nestes casos, como bem refere o Prof. José Pedro Paiva: “Este carácter central e obsessivo do pacto diabólico na mente dos funcionários do Santo Ofício detecta-se ainda em quase todos os estereotipados acórdãos finais dos processos.”
27-9-1734- A ré pedira audiência; iria fazer a vontade ao Inquisidor. Disse que, nove anos atrás, estava muito desanimada pela sua pobreza, por seu marido ter abandonado a casa, por não ter comida para sustentar seus filhos. Uma noite foi ao moinho buscar um pouco de farinha e, no sítio da Atalaia, já fora da cidade, disse em voz alta: “Não me aparecera agora aqui o diabo que me levara! porque ando fazendo curas sem que elas tenham efeito, nem me sirvam de utilidade”. Daí a pouco encontrou um vulto de forma humana que lhe disse ser o Diabo que ela tinha chamado e perguntou que queria ela; ela disse que queria ajuda para as curas que tinha de fazer. Ele assentiu e pediu em troca que ela lhe desse umas pingas de sangue; ela feriu-se num braço com um alfinete e molhou um lenço no sangue e deu-o ao Diabo. E teve mais encontros com o Diabo no mesmo sítio. A seguir, o Diabo disse que ainda não estava satisfeito, que ela tinha de lhe dar a sua alma, deixar a fé de Cristo, beijá-lo no prepóstero e crer nele. E renegou então a fé de Cristo, o que durou até que foi presa. Agora está muita arrependida e de todo o coração abomina ao Diabo.
11-10-1734 – Disse que jamais contou a pessoa alguma o seu pacto com o demónio. E que, apesar do pacto, fazia as obras e frequentava os sacramentos como se fosse boa cristã.
O processo estava pronto para ser decidido. Foi a Visto da Mesa em
29-7-1735 – O Assento foi votado por unanimidade no sentido da reconciliação da ré. A pena foi pesada: açoitada pelas ruas da cidade de Évora, degradada para a Ilha do Príncipe por três anos e a seguir para fora da cidade de Tavira e seu termo para toda a vida.
Foi ao auto da fé na Igreja de S. João Evangelista da cidade de Évora em 5 de Fevereiro de 1736.
Abjurou em forma. O termo de ida e penitências de 17-3-1736 retirou-lhe o hábito penitencial.
Foi para a prisão do Limoeiro, aguardando o transporte para a Ilha do Príncipe. Devido possivelmente à sua avançada idade, não chegou a embarcar. Em meados de Novembro de 1737, pediu a comutação da pena. A Mesa concordou mas degredou-a para a cidade de Leiria. Foi-lhe comunicada a comutação em 4 de Janeiro de 1738.
Não chegou a ir para Leiria, rendo requerido a dispensa do resto da pena em 4-2-1738 (Documento n.º 11 do Maço 21 do TSO). Não se conhece decisão sobre o pedido, mas sabe-se que foi para Tavira. Ficou ali pouco tempo, certamente alguém a obrigou a sair dali e foi para Faro.
2.º PROCESSO - n.º 6973-1
Em Faro, Mécia da Costa foi fazendo pela vida. Era nova na cidade, não era conhecida como parteira e também já estava com muita idade para trabalhar nessa profissão. Por isso, continuou a fazer umas rezas por aqui e por ali, que lhe pediam. Foi ganhando alguma reputação nessa matéria o que não era bom para ela, pois tinha o precedente da prisão e condenação na Inquisição de Évora.
Para além disso, por volta de 1740, o seu nome apareceu envolvido num caso que alarmou a população da cidade. Dizia-se que D. Joana de Vasconcelos, casada com Álvaro Dias Mendes, prebendeiro do Cabido de Faro andava de amores com o Juiz de Fora, Sancho Manuel de Andrade Magalhães, casado com uma mulher muito jovem, D. Rosa Luísa. Entretanto, o prebendeiro Álvaro Dias adoeceu gravemente, acabando por morrer e D. Rosa Luísa faleceu na sequência de um parto. O Juiz de Fora casou então com D. Joana. Dizia-se à boca cheia que os falecidos tinham morrido não da doença mas de malefícios que lhes tinham feito. E a Borrachoa tinha sido vista em casa de Álvaro Dias, quando ele vivia, embora a assistência principal de enfermagem fosse feita por uma senhora conhecida como “parteira nova” (a qual faleceu antes de 1744) e uma mulher que D. Joana mandou buscar a Beja por Manuel José Pereira.
Quem ficou impressionado, foi o Arcebispo-Bispo de Faro, que, vistas “as curas supersticiosas de que usava Mécia da Costa” a mandou prender no Aljube a 22 ou 23 de Novembro de 1741. Na busca feita na altura da prisão, encontraram debaixo do colchão, uma imagem de Cristo Crucificado, de barro, partido em quatro pedaços; na cama dormia a Mécia e uma sua companheira chamada Maria de Jesus, com quem vivia há cerca de dois anos. Encontraram também três alcofinhas, com “miscelâneas” de ossos, cabelos de várias partes, papéis com cascos de bestas, outros com barbasco, anil, o que parecia ser um sapo mirrado ou assado. Tudo foi presente ao Arcebispo e o Comissário do S.to Ofício, João Baião Pereira, Arcediago de Lagos, informou a Inquisição de Évora a 27 de Novembro de 1741.
A Inquisição de Évora expediu uma comissão para serem interrogados todos os que haviam participado na prisão e busca à casa de Mécia da Costa e ainda outras pessoas que tinham conhecimento da actividade dela. Foi iniciada esta diligência a 29 de Dezembro de 1741.
De destacar o depoimento do Padre João da Costa Barreto, escrivão da Auditoria Eclesiástica: “…disse que ouvira dizer a uma Isabel Maria, casada, presa no Aljube desta cidade e a uma Catarina, filha da sobredita, que em casa da Mécia da Costa, viram um sapo com uns cabelos louros polvilhados na boca que lhe pareciam ser de uma Dona Rosa, mulher do Juiz de Fora desta Cidade, que hoje é falecida, o que haverá mais de um ano que isto se lhe disse e que a mesma Isabel Maria há poucos dias lhe dissera no Aljube (…) que a dita Mécia da Costa lhe dissera que estando ela com a dita Borrachoa antes de presas, uma Dona Joana que hoje é mulher do dito Juiz de Fora, marido que foi da dita Dona Rosa; a mandara chamar repetidas vezes a dita Borrachoa com instância por um seu criado, mandando-lhe alguns presentes para a obrigar, por cuja razão se ausentara da dita Mécia da Costa para o lugar de Olhão, por se ver livre de tantos recados, mas que muitas vezes fora o chamado da dita Dona Joana, assim no tempo da doença de Álvaro Dias nesse tempo marido da dita Dona Joana, como também depois da morte deste, como na ocasião da morte da dita Dona Rosa, sendo já viúva do dito Álvaro Dias, e perguntado se sabia o para que era chamada, disse que, segundo a voz comum, e vago de toda esta cidade fora para matar Álvaro Dias e a dita Dona Rosa, e que com efeito morreram, por cuja razão se supõe ser para casarem a dita Dona Joana com o dito Juiz de Fora, o que com efeito dali a poucos tempos casaram.”
Disse ainda que, no dia seguinte à prisão da delata, foi ter com ele um homem casado com uma mulher a quem chamam a “mãe dos diabos”, pedindo uma manta que haviam deixado em casa da delata e “este lhe dissera porque não tinham prendido a Maria de Jesus, companheira da Borrachoa, pois era ainda maior feiticeira”.
Foi também interrogada Isabel Maria e “disse que estando ela testemunha morando com Mécia da Costa, nas mesmas casas, em uma manhã do dia que ela se não lembra, chegara um mulato à porta dela testemunha estando presente, procurando pela dita Mécia da Costa e lhe dissera o dito mulato da parte de sua senhora Dona Joana já a este tempo viúva de Álvaro Dias Mendes, para que logo lhe fosse falar que lhe importava; o que com efeito não foi a dita Borrachoa, desculpando-se que não podia; mas que na tarde do mesmo dia, tornara o dito mulato a ir chamá-la por parte de sua senhora por que logo lhe fosse falar sem falta alguma, o que com efeito fez; e que despedido o dito mulato da porta, voltando a dita Mécia da Costa a ela testemunha (disse): Eu vou morrer: e replicando-lhe ela testemunha a razão por que assim o dizia, respondeu a delata: isto é coisa grande que esta mulher tem comigo; e que, voltando a dita denunciada à noite para sua casa, tendo já falado com a dita Dona Joana, trazendo de sua casa uma panela com alguma água e dois sapos dentro, um morto e outro vivo, a qual panela guardou na casa interior, sem que a testemunha dissesse coisa alguma; mas no seguinte dia, depois de jantar, chegou a dita Mécia da Costa a ela testemunha dizendo-lhe: “Comadre, eu tenho uma coisa que lhe dizer; mas há-de ser com condição que ninguém o há-de saber”, e chamando-a para dentro da casa interior, lhe mostrou uma panela que no dia antecedente tinha trazido de casa da dita D. Joana, e tirando de dentro dela um sapo vivo no qual pegou com uma toalha, foi a uma alcofinha que tinha pendurada, na qual tinha uns cabelos loiros empoados, e um pequeno de estofo cor de ouro, e um bocadinho de pão, que a dita Mécia da Costa declarou ser da boca de Dona Rosa, mulher do dito Juiz de Fora, que hoje se acha casado com a dita Dona Joana, por morte de sua primeira mulher Dona Rosa; em cujo bocadinho de estofo que ela delata confessou a ela testemunha ser tirado de um vestido da dita Dona Rosa, embrulhou parte do bocadinho de pão, e alguns dos ditos cabelos de Dona Rosa, para o meter dentro da boca do sapo, o que com efeito fez, pedindo primeiro a ela testemunha abrir a boca do dito sapo para lhe meter o embrulho, o que ela não quis fazer (…) e metendo-lhe a delata o embrulho na boca do sapo, lhe atravessou a cabeça com um alfinete grande, para não cuspir o dito embrulho e com outro alfinete o atravessou pelas ilhargas; (…) e o sapo morto de noite o deitou fora; à vista do que, procurando-lhe ela testemunha o fim para que fazia aquilo àquele sapo, ela lhe respondera que o Doutor Juiz de Fora lhe dissera a ela Mécia da Costa (…) que ele tinha achado a sua mulher Dona Rosa com um frade, sem declarar de que Ordem; a quisera então matar, mas que, considerando o que daqui lhe podia resultar, e a voz do povo, que precisamente com esta novidade se havia de inquietar, se resolvia a dar-lhe alguma coisa, com cujo efeito fosse declinando na saúde, e por fim definhando-lhe morrer; à vista do que ela dita testemunha conjecturou ser falso o que o dito Juiz de Fora levantava a sua mulher supondo o dito testemunho a fim de que morta ela dita sua mulher, viesse a casar com a dita Dona Joana, maiormente declarando a delata a ela testemunha, no mesmo acto, que o Juiz de Fora lhe dissera: “porque eu tenho mulher com quem casar com quem tenho maior conveniência” e prometendo-lhe algumas moedas, se o conseguisse. “
O caso foi a Visto da Mesa do S.to Ofício de Évora em 16 de Fevereiro de 1742, que foi da opinião que a delata deveria vir para o cárcere da Inquisição, decretando assim a sua prisão. O mandado é datado de 19 de Fevereiro e Mécia da Costa, vinda do Aljube de Faro, deu entrada no cárcere em 9-3-1742.
Foi enviada nova Comissão a Faro para interrogar mais testemunhas. A Isabel Maria tinha contado a história a muita gente, apesar do segredo que a Mécia da Costa lhe pedira.
A 5-7-1742, foi o primeiro interrogatório, que incluiu a Genealogia. Disse ser viúva, moradora em Faro, de 68 anos de idade, pouco mais ou menos. Desta vez disse o nome dos avôs maternos João Domingues e mulher, Mécia da Costa. Indicou os filhos: Domingos Rodrigues, sapateiro, casado com Domingas, não lhe sabe o sobrenome, João Baptista, também sapateiro, casado com Catarina, não lhe sabe o sobrenome, Isabel Maria casada com Francisco Rodrigues, todos moradores na cidade de Tavira. Não sabe as culpas por que foi presa de novo.
2-10-1742 – Interrogada de novo, disse que sempre viveu como boa católica, nunca se apartou da Fé, e sempre observou os preceitos da Santa Igreja Católica Romana. Acreditou sempre em Deus criador do Céu e da Terra, e em Cristo Redentor, e na Virgem Maria, e sempre reverenciou os Santos e as imagens sagradas.
Depois que esteve na Inquisição onde ouviu a sua sentença, não mais voltou a fazer curas. Das coisas que tinha em casa, muitas pertenciam à sua companheira. Não saía de casa fora de horas.
3-10-1742 – Repetiu que não tinha culpas. Disse que a alcofa que encontraram em sua casa tinha coisa de costura para seu uso e que as outras duas alcofas eram de Maria de Jesus, sua companheira, nem ela ré sabia o que continham. Perguntada sobre o crucifixo partido em três ou quatro pedaços, disse que caíra ao chão e se partira. Os ossos que lá estavam eram de vaca e não de gente. Os móveis que estavam em casa não são dela, mas sim de uma Maria da Silva da Estalagem de S. Pedro em Faro. E não pode dar razão de mais coisa alguma.
Perguntada pelo episódio dos sapos, disse que essa era uma história inventada por Isabel Maria e sua filha Catarina de S. José, que estiveram em sua casa apenas pelo espaço de um mês e depois as expulsou por serem mal “procedidas”.
Procuraram-na para fazer feitiços mas ela escusou-se.
22-10-1742 – Disse de novo que não tinha culpas. Foi perguntada sobre os ossos de vaca que mandou vir do açougue.
24-10-1742 – Admoestação antes do libelo e Libelo. Ouvida a leitura, a ré disse que tinha defesa com que vir e foi-lhe dado como Procurador o Licenciado Inácio Murteira de Fontes. Contestou por negação, e indicou como testemunhas diversos vizinhos de sua casa. Mas neste caso, quase todos disseram mal da ré. Um padre diz que tem medo dela, uma senhora não a tem por boa, outra “nunca a teve por boa, pela fama geral que havia de a ré ser feiticeira e benzedeira”, outra diz que era “voz pública que dela havia de que era feiticeira”, outra “nunca lhe viu fazer obra boa”, outra “sempre teve a ré em má conta por ser mal procedida, não pelo ver, mas por ser voz pública”. Só uma testemunha disse que sempre formou bom conceito dela porque nunca a viu fazer coisa má. Várias testemunhas disseram que já não usava do ofício de parteira.
9-11-1742 – A ré foi citada para formar interrogatórios a fim de serem reperguntadas as testemunhas da justiça. Reuniu com o Procurador para o fazer.
Foi enviada comissão ao Comissário João Baião Pereira para reperguntar as testemunhas que tinham denunciado a ré. A Comissão foi concluída em 17 de Dezembro de 1742.
16-1-1743 – O Promotor pede autorização para publicar a prova da justiça. Após a leitura, a ré disse que tinha contraditas com que vir e para isto esteve com o seu Procurador na mesma data.
28-1-1743 – Indicou as testemunhas às contraditas. Nem todas lhe foram aceites (fls. 249).
Seguiu uma comissão para Faro, a fim de as interrogar (fls. 250)
O processo prosseguiu com mais testemunhos, seguindo-se a notificação à ré da prova da justiça por três vezes (fls. 262, 286 e 312). Nas duas primeiras vezes, a ré e o seu procurador apresentaram contraditas e respectivas testemunhas, que foram ouvidas em Faro por comissão (deprecada) enviada (fls. 267 e 299). Na última, embora a ré dissesse que tinha contraditas com que vir, não foi encontrada pelo Procurador matéria com que as deduzir.
Como em quase todos os processos, os Inquisidores não tinham disposição para dar relevância à defesa. Neste, a ré alegou fundadamente a inimizade que havia entre ela e Isabel Maria e sua filha, Catarina de S. José, mas de nada lhe valeu, e diz-se na sentença “… se lhe fez publicação de seus ditos (das testemunhas), conforme o estilo do Santo Ofício, a que veio com contraditas, que também lhe foram recebidas, e não provou coisa que a relevasse” (fls. 362 v.). Como diz o Prof. José Pedro Paiva, “não valia a pena recorrer aos mecanismos de defesa disponibilizados pelo regulamento da instituição. (…) E de facto não valia a pena fazê-lo, isso só retardava a sentença final.”(pag. 202)
Estava o processo pronto para ser decidido e foi a 23-3-1744 a Visto da Mesa da Inquisição de Évora (fls. 320). Os Inquisidores e Deputados focaram a sua atenção nas mortes do prebendeiro Álvaro Dias e de D. Rosa, esposa do Juiz de Fora, e na acusação de a ré ter feito feitiços para as provocar, conforme o testemunho de Isabel Maria. Mandaram que o cirurgião Manuel Álvares, examinasse os ossos que estavam em casa da ré e declarasse se eram ou não de pessoa humana. E ordenaram também ao Comissário do Santo Ofício em Faro, João Baião Pereira, que inquirisse os médicos e cirurgiões que curaram Álvaro Dias e D. Rosa, “procurando saber deles, se curaram aos sobreditos da doença de que faleceram, que qualidade de doença era, se era doença natural, ou causada de malefício, que observações fizeram no par dos sintomas dela; e no caso que digam que podia ser causada de malefício, procurar também saber dos ditos Médicos e Cirurgiões se sabem ou ouviram dizer à pessoa ou pessoas, que fizeram e concorreram para o tal malefício, de que sorte o fizeram, como o sabem, mandando escrever por extenso o que eles depuserem sobre isso, e para o tal efeito, se passe comissão”.
Foi remetida a comissão (fls. 321) e ouvidos os médicos e cirurgiões. Todos disseram que a morte de Álvaro Dias fora devida a malefício, mas nenhum acusou directamente a Borrachoa de o ter feito; e que a morte de D. Rosa, fora de causas naturais na sequência do parto.
A 15-5-1744, foi dada ordem ao cirurgião para examinar os ossos e na mesma data ele certificou que não eram “de criatura baptizada” (fls. 343).
Entretanto a ré saiu da Inquisição de Évora para a de Lisboa e deu entrada nos Estaus em 17 de Maio de 1744, com o seu processo.
O processo estava pronto para ser decidido. Estava provado que a ré continuara em Faro o seu ofício de curandeira, até porque já não trabalhava como parteira. Por isso, seria certamente condenada. Também pesava contra ela o facto de o Arcebispo-Bispo de Faro ter tomado a iniciativa de a prender. Além disso, tinha a anterior grave condenação de pacto com o demónio e apartamento da fé católica.
Entendo que, no campo da bruxaria e superstição, se verificava um triângulo, onde a Medicina e a Religião ocupavam os outros dois vértices, comunicando uns com os outros. Senão vejamos:
- Na bruxaria, diziam-se orações que, além de uma certa ingenuidade, não tinham mal em si. Como dizia Mécia da Costa, eram santas e boas. Nas curas, usavam-se mezinhas que, por vezes, coincidiam com as utilizadas pelos médicos da época.
- A medicina acreditava nos malefícios. E, nas curas, atribuía virtudes curativas a mezinhas, ou actos que eram puras superstições. Basta consultar a Anacephaleosis de Bernardo Pereira, para o constatar.
- Na Religião, falava-se de pacto com o demónio, o que era nitidamente uma superstição.
No Assento da Mesa da Inquisição de Lisboa, lavrado em 28 de Maio de 1744, as opiniões dos Inquisidores e Deputados, dividiram-se em dois grupos:
1 - Os Inquisidores Manuel Varejão e Távora e Simão José Silveira Lobo e os Deputados Diogo Lopes Pereira, Joaquim Jansen Müller e Manuel de Almeida de Carvalho foram de opinião que a ré, pela prova da justiça, estava legitimamente convicta “no crime de relapsia das mesmas culpas por que foi presa e acusada, visto constar, com toda a legalidade, que ao depois de fazer a sua abjuração em forma, continuava nos mesmos actos e curas que constam do seu primeiro processo (…) usando nas ditas curas, de rezas, orações, caveiras de defuntos, cartas de tocar, e outras mais coisas que aplicava para os fins que pretendia. (…) …e ser tudo nascido de continuar nas mesmas culpas, e pacto, que confessou no primeiro processo haver feito com o Demónio, o qual lhe prometeu ajudá-la em todas as suas curas, para cujo efeito lhe deu ela o seu sangue, e o reconheceu por Deus. E ainda que agora não confessa o mesmo pacto, e apartamento, se presume este por direito, havendo reincidido nas mesmas culpas do primeiro lapso, e a presunção não é veemente, mas sim violenta, como é doutrina bem certa, e sólida, que com muitos outros refere Farinac de heresi e Fermosin. ao Cap. Ad abolendam q. de haeret., assentando todos que para se julgar relapsia no crime de feitiçaria basta que se prove haver reincidido nas mesmas culpas, que no primeiro lapso confessou haver cometido, com o pacto e apartamento. (…) E além de ser esta resolução de todos os Doutores, como refere Farinac e Fermosin o atesta, e segue assim no nosso mesmo caso o Sr. Francisco Carneiro nos seus doutíssimos Comentários ao Regimento, L.º 3.º, tit. 14, § 7, n.º 3, segurando-nos ser esta a prática inalterável das nossas Inquisições, e que assim se tinha julgado por muitas vezes, como entre outros exemplos se pode ver em caso totalmente idêntico de Ana Martins (Proc. 1249, de Coimbra), que por este fundamento foi relaxada por relapsa à Justiça secular em 16 de Maio de 1694; e que portanto, a ré, como herege apóstata da nossa S.ta Fé Católica, convicta, negativa, pertinaz e relapsa, seja entregue à Justiça secular ….”
2 - O Inquisidor Francisco Mendo Trigoso e os Deputados Filipe de Abranches Castelo Branco e Sebastião Pereira de Castro, foram de opinião que não se devia presumir o pacto com o demónio e o apartamento da fé: “que a ré não estava convicta no crime de relapsia de pacto com o Demónio, porquanto, posto que se prove dos autos que ela concorreu para o malefício dos ditos Álvaro Dias e D. Rosa, valendo-se para ele e para as mais curas que fazia de coisas supersticiosas, e ainda dado que se provasse com legalidade que ela metera a Imagem de Cristo despedaçada debaixo da esteira da cama, ou que sabia que a Imagem estava no dito lugar (o que não consta certamente porque como dormia com Maria de Jesus na mesma cama, podia ser esta quem obrou o desacato e assim o dão a entender a 1.ª e 6.ª testemunhas que juram que a dita Maria de Jesus fora só quem procurara instantemente entrar dentro de casa, quando lhe deram a busca), nem por isso a ré é relapsa, porque do sobredito só resulta presunção de ter pacto com o Diabo e posto que seja veemente, não faz relapsia, porque sem dois lapsos provados legitimamente ao menos presumptione juris et de jure, a não há, o que é doutrina certa; e a presunção veemente depois do primeiro lapso, não faz prova plena do segundo, presumptione juris et de jure, porque não há texto que tal diga, nem a dita presunção se pode fortificar com a que se tira da regra semel malus, etc., porque esta com o arrependimento da primeira culpa, perdeu de todo o vigor, e só no crime de fautoria faz a presunção veemente prova do segundo lapso, e a faz porque o Direito Canónico no Cap. Acusatus et de Haeret. in 6., donde se tirou o Regimento L.º 3, Tit. VI, in principio, assim o ordena; e este caso especial não se pode estender para diferente crime, ainda ex identitate rationis, por ser matéria penal. E, se para a presunção veemente do primeiro lapso fazer relapsia presunta foi necessário que o Direito Canónico assim o mandasse, sem embargo de ter com toda a sua força para a ajudar, a que nasce da segunda regra semel malus, etc. não havendo direito que tal mande no presente caso, como pode haver segundo lapso presunto presumptione juris et de jure para fazer relapsia? E esta é a opinião mais provável, e por isso a que se pratica e segue nas Inquisições de Roma e deste Reino, como atesta o nosso Sousa nos Aforismos; e que portanto a Ré para purgar a dita presunção, antes de outro despacho, seja posta a tormento e que nele tenha dois tractos espertos, podendo-os sofrer a juízo do Médico e Cirurgiões, e arbítrio dos Inquisidores, depois do que se torne a ver seu processo em Mesa…”
O Conselho Geral, porém, decretou que a ré fosse relaxada à Justiça secular em 5-6-1744 (fls. 352).
Em 19.6.1744 foi-lhe feita a notificação de mãos atadas (fls. 354), dois dias antes do auto da fé (Liv. II, Tit. XV, n.º V do Regimento).
Foi garrotada e depois queimada no auto da fé de 21 de Junho de 1744.
Custas: 19$698 réis (fls. 365 )
TEXTOS CONSULTADOS
Regimento do Santo Ofício da Inquisição de 1640
Online: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/7/20/p267
José Pedro Paiva, Bruxaria e superstição num país sem "caça às bruxas" (1600-1774), 2.ª edição, Editorial Notícias, Lisboa, 2002
Bernardo Pereyra, Anacephaleosis medico-theologica magica, juridica, moral, e politica na qual em recopiladas dissertações e divizões se mostra a infalivel certeza de haver qualidades maleficas, se apontão os sinais por onde possão conhecerse, Coimbra, na Officina de Francisco de Oliveyra, Impressor da Universidade, 1734
Luis de Pina, A anacephaleosis do Doutor Bernardo Pereira e a etnografia, Separata da Revista de Etnografia n.º 13, 1967, Junta Distrital do Porto